Tema 2  A dramaturgia do corpo

Alegria de viver

Observe a fotografia desta página. Ela mostra uma cena do espetáculo Alegria de viver, da Mimus Companhia de Teatro. Formada em 2007, a Mimus se dedica à produção de peças teatrais que, a exemplo das peças que conhecemos no Tema 1, têm como elemento central a expressão corporal dos atores.

Com base na observação da fotografia desta página e no título da peça, você consegue dizer qual seria a temática dela?

A peça Alegria de viver propõe uma reflexão sobre o papel do artista e da arte na atualidade. Para isso, são reunidos elementos de um mito grego que relata a história de um escultor (Pigmalião) que se apaixona por uma de suas esculturas (Galateia).

Fotografia.  À esquerda, uma mulher de cabelo preso preto, usando vestido vermelho. À direita, afastado dela, um homem de cabelo curto castanho, de camiseta amarela, usando um avental com manchas coloridas. Ambos usam pintura colorida no rosto. Sobre eles  uma tela é projetada e ao fundo há uma paisagem com imagens abstratas e coloridas.
Os atores Deborah Moreira e George Mascarenhas em cena do espetáculo Alegria de viver, da Mimus Companhia de Teatro, em Salvador Bahia , em 2010.

Faça no diário de bordo.

Foco na linguagem

  1. Forme um grupo com quatro colegas e, juntos, pesquisem o mito Pigmalião e Galateia.
    1. Façam a pesquisa em mais de uma fonte e comparem-nas. Registrem, no diário de bordo, a pesquisa, a fonte consultada e escrevam o mito com base naquela que apresentou mais detalhes.
      Ilustração. Ícone Diário de bordo.
    2. No dia agendado pelo professor, apresentem os resultados aos colegas de turma. O mito pode ser lido em voz alta por um dos integrantes do grupo ou dividido em partes. Apresentem, também, as fontes pesquisadas.

A proposta do grupo

A Mimus Companhia de Teatro foi criada pelos atores e pesquisadores Deborah Moreira e George Mascarenhas, que, além de atuar, exercem outras funções no grupo. No espetáculo Alegria de viver, por exemplo, o texto é de autoria de Deborah e a direção é de George.

Fotografia. À esquerda, uma mulher de cabelo preso preto, usando vestido vermelho. Ela apoia a mão esquerda no ombro direito de um homem ao lado dela, à direita. Ele tem cabelo curto castanho, veste camiseta amarela e usa um avental com manchas coloridas. Ambos usam pintura colorida no rosto. Sobre eles, é projetada  uma tela e ao fundo há uma paisagem com imagens abstratas.
Os atores Deborah Moreira e George Mascarenhas em cena do espetáculo Alegria de viver, da Mimus Companhia de Teatro, em Salvador Bahia , em 2010.
Fotografia. Homem de cabelo castanho, vestindo  camiseta e avental, está com o tronco reclinado para o lado com os braços estendidos. À frente dele está uma mulher de cabelo preso preto, usando vestido, reclinada para trás, apoiando-se com um dos braços no ombro dele. Sobre eles são projetadas luzes que dão um tom rosado a seus trajes, projetando a silhueta de ambos sobre um fundo azul.
Os atores Deborah Moreira e George Mascarenhas em cena do espetáculo Alegria de viver, da Mimus Companhia de Teatro, em Feira de Santana Bahia , em 2016.

As peças criadas pelos integrantes da Mimus Companhia de Teatro têm o trabalho corporal dos atores como elemento central. Por essa razão, a mímica – que você conhecerá ao longo deste Tema – é um dos elementos que eles pesquisam e levam para o palco em seus espetáculos. No entanto, diferentemente do que acontece nos espetáculos que conhecemos no Tema 1, além da expressão corporal, a fala também é utilizada pelos atores da Mimus em sua interpretação.

Na próxima página é apresentada uma entrevista em que Deborah Moreira e George Mascarenhas dão mais informações sobre a Mimus Companhia de Teatro e suas oficinas e cursos e sobre a concepçãoglossário do espetáculo Alegria de viver.

Artista e obra

Deborah Moreira e George Mascarenhas

A seguir, leia um trecho de uma entrevista com Deborah Moreira e George Mascarenhas, da Mimus Companhia de Teatro.

Entrevistador: Deborah e George, quando vocês começaram a se interessar por teatro? Falem um pouco da trajetória de vocês.

Deborah: Eu sempre quis ser atriz. Toda vez que alguém me perguntava o que iria ser quando crescesse, eu dizia: ‘Vou ser atriz’ . O tempo passou e o desejo se manteve forte. Prestei vestibular para a Universidade Federal da Bahia , onde me formei reticências em Interpretação Teatral. Ainda como aluna na universidade, comecei a me interessar pela dramaturgia e a escrever peças de teatro, o que se tornou uma paixão. Nesse período também tive contato com a Mímica Corporal Dramática, por meio de e George Mascarenhas, tendo me formado nesse sistema teatral. Hoje em dia, sigo trabalhando como atriz, dramaturga, professora e diretora teatral.

George: Quando eu era criança, eu gostava muito de brincar de representar. Eu criava peças com minha irmã e meus amigos e reunia a família para assisti-las. Na escola, quando eu tinha 14 anos, entrei para um grupo de teatro amador. A partir daí, não deixei mais o teatro. Fiz cursos profissionalizantes e participei de vários espetáculos. Em 1994, tive a oportunidade de ir para a França para estudar a Mímica Corporal Dramática, de Etiéne Decrô, na École de Mime Corporel Dramatique, dirigida por istiven wásson e corrine sum, últimos assistentes do mestre francês que criou a técnica. Quando me formei na escola, voltei para o Brasil e, desde então, tenho trabalhado na criação de espetáculos, como ator e diretor, e na formação de outros artistas. Hoje também sou professor na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia e dou aulas na graduação e pós-graduação em artes cênicas.

Entrevistador: Além de atores, quais são as outras funções que vocês exercem na Mimus Companhia de Teatro?

Deborah: Na companhia, atuo também como dramaturga, diretora de produção e, mais recentemente, como diretora artística. Tenho percebido que essa mudança frequente de posição, dentro do processo de criação cênica, contribui enormemente para o desenvolvimento e aprofundamento do pensamento estético. Além disso, sou facilitadora de oficinas de mímica, dramaturgia e jogos teatrais.

George: Além de ator, eu trabalho na direção artística dos espetáculos e coordeno as atividades da revista Mimus, uma publicação eletrônica gratuita sobre mímica e teatro físico. Outra vertente de ação dentro da companhia é a preparação corporal de elencos e a condução de oficinas, palestras e conferências, a partir do nosso método de trabalho. O revezamento nas diversas funções de um espetáculo permite o conhecimento, a propriedade dos elementos que estão sendo trabalhados no diálogo com os outros artistas e técnicos envolvidos.

Entrevistador: Como surgiu a ideia do espetáculo teatral Alegria de viver?

Deborah: A ideia do espetáculo nasceu do nosso desejo de refletir reticências sobre questões como: o que é ser artista? Qual é o valor da arte? Em que a arte contribui para a sociedade?

George: Alegria de viver surgiu de conversas nossas, no grupo, acerca da questão: é o artista que faz a obra ou é a obra que faz o artista? Qual é o valor do artista? Qual é o valor da arte? O desejo era provocar a discussão sobre o papel da arte e do artista na construção de uma sociedade comprometida com a subjetividade, a coletividade, as relações humanas. Queríamos também falar da felicidade e das dificuldades de ser artista no mercado cultural brasileiro.

Entrevistador: Como foi o processo de criação de Alegria de viver?

Deborah: O texto foi criado em um longo processo de escrita e reescrita. Foram elaboradas nove versões até chegar à versão final. No início, havia quatro personagens, e a história era contada de modo linear com começo, meio e fim bem definidos. Depois de vários processos de reelaboração, a versão final se configurou a partir de um pensamento contemporâneo sobre o texto teatral. A história principal foi mantida, concentrada em apenas duas personagens (o Artista e a Escultura), sendo contada, no entanto, de maneira fragmentada, cíclica, com inversões no papel do artista e da escultura, e com interrupções no fluxo da história provocadas pelo diálogo direto com a plateia.

George: No nosso trabalho, mesmo quando há um texto previamente elaborado, começamos sempre pelo corpo. A partir de processos de improvisação começamos a criar relações entre as duas personagens, o artista e a escultura, que foram também alimentando a criação do texto. A relação entre essas personagens foi sendo desenvolvida e aprofundada a partir de histórias pessoais e imagens diversas, inclusive o quadro de Ãnri Matisse, Alegria de viver. reticências [Essa pintura] provocou a discussão de temas como: a fórma e o conteúdo, o uso das cores e a distorção das imagens, o descompromisso da arte com a reprodução fiel da realidade. Na sala de ensaio, encontramos um dos pontos centrais da peça que pode ser resumido na questão: o que a arte provoca em mim?

Entrevistador: Podem falar um pouco das oficinas e dos cursos que a companhia oferece? A que público se destinam?

Deborah: As oficinas fazem parte das ações formativas da Mimus. O que desejamos é compartilhar informações e conhecimentos e possibilitar o acesso de estudantes ou profissionais ao tipo de trabalho que desenvolvemos e, com isso, possibilitar uma troca de saberes. Nas oficinas, utilizamos princípios e procedimentos técnicos e artísticos que estão presentes em nossos espetáculos.

George: Entendemos que as oficinas são um espaço de troca, reflexão e investigação artística. As oficinas são um importante meio de difusão da técnica artística que está na base do nosso trabalho, a Mímica Corporal Dramática de Étienne . Nesses encontros, compartilhamos as bases técnicas desse estilo de mímica, que é muito diferente do estilo de mímica mais conhecido, chamado geralmente de pantomima. A mímica que praticamos é um sistema expressivo cênico para atores, performers, dançarinos, artistas da cena, que pode incluir a fala e outros elementos. É uma arte do movimento. As oficinas são destinadas a qualquer pessoa interessada, com idade mínima de 15 anos.”

Entrevista concedida especialmente para esta Coleção, em junho de 2018.

Fotografia. Homem de cabelo loiro, vestindo camiseta polo verde, está com a mão esquerda atrás da cabeça e a direita no bolso da calça preta.  À frente dele está uma mulher de cabelo longo castanho vestindo camisa vermelha. Ela está com o braço esquerdo cruzado à frente do corpo e toca o pescoço com a mão direita. Ambos sorriem.
Os atores e pesquisadores Deborah Moreira e George Mascarenhas. Fotografia de 2015.

A mímica

Nas páginas anteriores, você viu que uma das fontes de pesquisa dos integrantes da Mimus em seus espetáculos é a mímica. Você sabe o que é mímica? Já utilizou ou costuma utilizar mímica em situações do dia a dia?

A mímica consiste em uma fórma de comunicação corporal que compreende atitudes, expressões faciais, gestos e também riso, choro, gritos e outros ruídos. Assim, você sabia que a palavra mímica está associada à palavra grega mimos, que significa “imitar”? Isso ocorre porque a mímica, em sua origem, está associada ao mimo, tipo de apresentação teatral surgida na Grécia antiga em que uma história era contada por meio de gestos. Nessas histórias, na maioria das vezes, a fala não era usada.

Na Grécia antiga, nos mimos, os atores (que também eram chamados mimos) imitavam os movimentos e os gestos de pessoas comuns e de animais, diferentemente das tragédias, que apresentavam histórias de deuses e heróis. Outra diferença é o fato de que, nos mimos, as personagens podiam ser interpretadas por mulheres.

Fotografia. Estátua em tons de marrom alaranjado e branco representando uma pessoa de turbante, vestindo túnica curta na altura dos joelhos. Ela está com a mão direita na cintura e o braço direito semiflexionado e afastado do corpo, com a mão espalmada, porém faltam os dedos. O rosto está voltado para o lado esquerdo.
Estatueta de um mimo. 225-175 antes de Cristo Escultura de terracota, 18,9 por 12,5 por 3,6 centímetros. Museu J. Paul Getty, Los Angeles, Estados Unidos.

A commedia dell’arte

Durante a Idade Média, a tradição dos mimos manteve-se viva entre grupos de teatro itinerantes. A expressão corporal era a principal ferramenta que esses grupos utilizavam para se comunicar com públicos que falavam idiomas diversos. Acredita-se que, nesse contexto, tenha surgido a commedia dell’arte, gênero muito popular na Idade Média.

A principal característica da commedia dell’arte era a improvisação, inclusive das falas, pois nesse gênero teatral não havia um texto anterior à cena, mas apenas uma espécie de roteiro que orientava previamente os atores. Esse roteiro era chamado canovaccio.

Cada ator assumia uma máscara e, dentro do roteiro, improvisava de acôrdo com os lazzi característicos de seu papel, ou seja, com os traços predominantes e fórmas de jôgo próprias à sua máscara, jogos cômicos que enfatizam a humanidade das personagens estereotipadas.

As peças da commedia dell’arte visavam divertir o público, muitas vezes por meio da sátira e da crítica às relações sociais. Essas peças eram apresentadas em praças públicas por grupos de atores que viajavam em espécies de carroças-palco, nas quais carregavam todos os elementos necessários à apresentação.

Observe um registro da commedia dell’arte.

Pintura. Em um palco improvisado à margem de um rio, próximo a uma construção e sob a copa de algumas árvores, dois homens usando calça, paletó e chapéu parecem atuar. Um deles está com o braço para o alto. Atrás do palco, com o corpo escondido por uma espécie de tapume, vê-se a cabeça de outro homem, de chapéu. Diante do palco, várias pessoas observam a cena e outras  conversam entre si. Os homens vestem calça, paletó e chapéu e as mulheres usam vestidos longos. Também há crianças e alguns animais: burros, cachorros, cavalos e mulas. Ao fundo, na margem oposta do rio  há  casarões e no rio há homens e barcos.
. Detalhe de Cena de commedia dell’arte em uma paisagem italiana. Séculos dezessete e dezoito. Óleo sobre tela, 40,5 por 69 centímetros. Coleção particular.

A mímica na atualidade

Na atualidade, a arte da representação gestual influencia a criação de muitos grupos de teatro. Essa influência deve-se, principalmente, ao trabalho de um grupo de artistas e pesquisadores que, a partir do século vinte, passou a realizar uma série de estudos sobre a expressão corporal no teatro.

Entre os grandes artistas da mímica está o ator francês Étienne (1898­-1991), uma das influências centrais do trabalho da Mimus Companhia de Teatro, que conhecemos no início deste Tema.

Com base em seus estudos, defendia que o corpo (como um todo) devia ser entendido como meio de expressão do ator, e não apenas a fala.

Fotografia em preto e branco. Homem branco de cabelo escuro na altura da nuca, vestindo túnica longa, está em pé sobre dois banquinhos e com os braços abertos  na altura do peito. À frente dele há silhuetas de pessoas vestindo roupas pretas executando movimentos com o tronco flexionado para a lateral direita.
Étienne durante um exercício pantomímico, cêrca de 1943.

O trabalho desenvolvido por Étienne influenciou muitos atores, entre eles o francês Marcél Marçô (1923-2007).

Com o rosto pintado de branco, vestindo um casaco listrado, chapéu de ópera e uma flor espetada na lapela, Marcél Marçô desenvolveu um tipo de mímica que era singela e poética, mas extremamente meticulosa e bem executada. marçô também foi influenciado pelo trabalho do ator Charles Chaplin. Acredita-se que a personagem o Vagabundo, de Chaplin, em filmes como Vida de cachorro (1918), mencionado no Tema 1, tenha sido a inspiração para criar a personagem mais famosa de marçô, o palhaço Bip. Observe na fotografia da página seguinte o ator caracterizado como Bip.

Fotografia. Homem de cabelo curto castanho, vestindo camisa branca com listras pretas sob um macacão marrom e branco. Ele tem o rosto pintado de branco, sobrancelhas pintadas na altura da testa e usa batom vermelho.  Com a mão direita, segura um chapéu bege com uma flor vermelha e sorri.
O ator Marcél Marçôcaracterizado como o palhaço Bip, em apresentação em Westwood, Estados Unidos, em 2002.

Faça no diário de bordo.

Experimentações


 Agora você vai participar de uma atividade em que vai experienciar a mímica.

  1. Escolha duas ações ou duas emoções que possam ser representadas por você. Pense em ações cotidianas, como varrer, digitar, operar uma máquina, esperar, encontrar e contemplar. As emoções podem ser de alegria, tristeza, raiva, medo, decepção, entre outras.
  2. Cada estudante terá alguns minutos para elaborar a mímica e apresentá-la aos colegas. Para elaborá-la, procure concentrar-se na expressão do rosto e ensaiar alguns movimentos de braços, pernas, mãos e pés.
  3. O professor fará um sorteio para organizar as apresentações.
  4. Depois das apresentações, comente sua experiência com os colegas e ouça os comentários deles.
  5. Enquanto assiste às apresentações, registre as expressões por meio de desenho, utilizando uma folha de papel e lápis grafite ou o seu diário de bordo.
    Ilustração. Ícone Diário de bordo.

Avaliação

Retome os registros feitos por meio de desenho durante a atividade.

Experimente colori-lo livremente, procurando destacar elementos expressivos na imagem. Nesse caso, você pode utilizar canetas hidrográficas coloridas ou lápis de cor.

Agora, responda no diário de bordo às questões a seguir.

Ilustração. Ícone Diário de bordo.
  1. A linguagem teatral e a visual foram colocadas em relação nessa atividade. Como você se sentiu ao trabalhar com cada uma dessas linguagens?
  2. Organize com os colegas uma pequena exposição dos trabalhos realizados e, em roda, converse com eles e com o professor sobre a realização da proposta e sobre as escolhas de cada um.

Glossário

Concepção
: no contexto teatral, significa o processo de criação de um espetáculo.
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