Tema 3  Surrealismo nas artes visuais

Como você entende a palavra surreal? Acredita que a arte possa representar coisas que estão “para além do real”? Você acha que a arte pode representar, além da nossa imagem externa, o que sentimos e sonhamos?

Fotografia em preto e branco. Homem idoso de cabelos brancos, com as mãos atrás das costas, usando camisa branca, gravata e paletó escuro. Ele está à frente de um quadro emoldurado, em que há a pintura de uma pessoa de camisa branca, paletó escuro e um chapéu-coco, mas no lugar onde estaria a cabeça da figura há um espaço vazio.
renê magrite e uma de suas obras em 1965. Local desconhecido.

A palavra surrealismo deriva do termo francês surrréaliste. Essa palavra foi criada para designar algo que está “além da realidade”, ou seja, que ultrapassa a realidade.

Os surrealistas estabeleceram um modo diferente de interpretar o mundo e de se expressar artisticamente. Eles desejavam romper as barreiras entre a razão e a emoção, o sonho e a realidade, o consciente e o inconsciente.

Na imagem desta página, vemos renê magrite (1898-1967), que foi um dos principais artistas surrealistas. No entreguerras, em meados de 1920, o Surrealismo se consolidou como um movimento artístico na Europa – o que também podemos chamar de vanguarda. Inicialmente, foi um movimento literário, mas logo suas características se estenderam para áreas como pintura, música, teatro, cinema e fotografia.

Para ler

quérol líuis Alice no país das maravilhas. Tradução de Nicolau SEVITCHENCO.Ilustrações de Luiz Zerbini. São Paulo: Sesi-

Clássico da literatura universal, esse livro, escrito em 1865, portanto muito antes do surgimento do movimento surrealista, apresenta histórias e personagens que intrigam e causam estranhamento pelas situações imprevisíveis e absurdas enfrentadas por elas.

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Entre textos e imagens

O Manifesto surrealista

Leia alguns trechos do Manifesto surrealista, escrito por André Breton (1896-1966) em 1924.

“Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares.

Só o que me exalta ainda é a única palavra, liberdade. Eu a considero apropriada para manter, indefinidamente, o velho fanatismo humano. Atende, sem dúvida, à minha única aspiração legítima. Entre tantos infortúnios por nós herdados, deve-se admitir que a maior liberdade de espírito nos foi concedida. Devemos cuidar de não fazer mau uso dela. Reduzir a imaginação à servidão, fosse mesmo o caso de ganhar o que vulgarmente se chama a felicidade, é rejeitar o que haja, no fundo de si, de suprema justiça. Só a imaginação me dá contas do que pode ser, e é bastante para suspender por um instante a interdição terrível; é bastante também para que eu me entregue a ela, sem receio de me enganar (como se fosse possível enganar-se mais ainda). Onde começa ela a ficar nociva, e onde se detém a confiança do espírito? Para o espírito, a possibilidade de errar não é, antes, a contingência do bem? reticências

Agradeça-se a isso às descobertas de fróid. Com a fé nestas descobertas desenha-se afinal uma corrente de opinião, graças à qual o explorador humano poderá levar mais longe suas investigações, pois que autorizado a não ter só em conta as realidades sumárias. Talvez esteja a imaginação a ponto de retomar seus direitos. Se as profundezas de nosso espírito escondem estranhas forças capazes de aumentar as da superfície, ou contra elas lutar vitoriosamente, há todo interesse em captá-las, captá-las primeiro, para submetê-las depois, se for o caso, ao contrôle de nossa razão. Os próprios analistas só têm a ganhar com isso. reticências

Com justa razão fróid dirigiu sua crítica para o sonho. É inadmissível, com efeito, que esta parte considerável da atividade psíquica (pois que, ao menos do nascimento à morte do homem, o pensamento não tem solução de continuidade, a soma dos momentos de sonho, do ponto de vista do tempo a considerar só o sonho puro, o do sono, não é inferior à soma dos momentos de realidade, digamos apenas: dos momentos de vigília) não tenha recebido a atenção devida. A extrema diferença de atenção, de gravidade, que o observador comum confere aos acontecimentos da vigília e aos do sono, é caso que sempre me espantou. É que o homem, quando cessa de dormir, é logo o joguete de sua memória, a qual, no estado normal, deleita-se em lhe retraçar fracamente as circunstâncias do sonho, em privar este de toda consequência atual, e em despedir o único determinante do ponto onde ele julga tê-lo deixado, poucas horas antes: esta esperança firme, este desassossego. Ele tem a ilusão de continuar algo que vale a pena. O sonho fica assim reduzido a um parêntese, como a noite. E como a noite, geralmente também não traz bom conselho.”

BRETON, André. Manifesto surrealista, 1924. Disponível em: https://oeds.link/C4enCV Acesso em: 18 fevereiro 2022.

Questão

1. Converse com os colegas sobre os trechos lidos. O que eles parecem representar?

Imagens além do real

A obra reproduzida nesta página também é de autoria de renê magrite, artista belga que, aos 12 anos, teve seu primeiro contato com a pintura. Ao longo da carreira, Magritte se destacou por criar pinturas que representassem algo que não parece real.

Pintura. Homem de cabelo grisalho, vestindo camisa branca, gravata azul, colete cinza e paletó preto. Ele está sentado diante de uma mesa com toalha branca, sobre a qual há um copo transparente, um prato branco com comida e um pedaço de pão. Ele tem quatro braços, com os quais ao mesmo tempo entorna uma garrafa de vinho no copo, enchendo-o, manipula a comida no prato com os talheres e leva à boca um pedaço de pão.
. O mago (autorretrato com quatro braços). 1951. Óleo sobre tela, 35 por 46 centímetros. Coleção particular.

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Foco na linguagem

  1. Observe a imagem desta página e responda às questões a seguir.
    1. Depois de observar a pintura, você consegue dizer quem seria a pessoa representada nela?
    2. O que mais chamou sua atenção nessa imagem?
    3. Você acha que podemos classificar essa obra como surrealista? Em caso afirmativo, por quê?
    4. O que você acha da escolha do título dessa pintura? Se pudesse dar outro nome a ela, qual seria? Comente com os colegas.
Versão adaptada acessível

1. Com base na imagem descrita, responda às questões a seguir.

a) Você consegue dizer quem seria a pessoa representada nela?

b) O que mais chamou sua atenção nessa imagem?

c) Você acha que podemos classificar essa obra como surrealista? Em caso afirmativo, por quê?

d) O que você acha da escolha do título dessa pintura? Se pudesse dar outro nome a ela, qual seria? Comente com os colegas.

Técnicas surrealistas

Os artistas surrealistas utilizavam uma série de técnicas para obter os resultados desejados em suas produções visuais. Uma dessas técnicas é a colagem.

A colagem consiste na criação de uma obra por meio da sobreposição ou da justaposição de elementos como recortes de jornais, revistas e papéis pintados.

Observe a aplicação da técnica da colagem na obra do artista máks Ernest (1891-1976).

Para produzir a obra A anatomia, jovem casada, máks Ernest recortou imagens de revistas e as colou sobre um suporte de papel, além de ter utilizado guache e grafite.

Colagem em preto e branco. Figura de corpo humano de aspecto feminino com o rosto formado por parte humana e parte metal, com olhos fechados e corpo de manequim no qual faltam um dos braços e as duas pernas, apresentando peito de metal e um espaço vazio no abdome. O corpo da figura está sobre uma espécie de cabine aberta. Ao fundo há uma paisagem abstrata.
, mács. A anatomia, jovem casada. 1921. Colagem com recortes de revistas, guache e grafite sobre papel, 10,7 por 7,8 centímetros. Centro Georges Pompidou, Paris, França.

Outra técnica utilizada pelos surrealistas era a cubomania. Essa técnica consiste na realização de uma colagem feita de uma imagem recortada em quadrados e organizada aleatoriamente. Observe um exemplo de aplicação da cubomania na obra de Gueracim Lucá (1913-1994).

Colagem. Retrato de um rosto humano de aspecto feminino, de cabelos claros, com um véu azul-claro. Ele está fragmentado em diversas partes de forma quadrada. O rosto é formado por olhos claros e o direito está levemente sobreposto ao esquerdo. Não há nariz nem boca.
Luca, . Cubomania 24. Sem data. Colagem, 76 por 56 centímetros. Coleção particular.

Por dentro da arte

A psicanálise

A psicanálise é uma teoria aplicada sobretudo ao campo da saúde. Ela ajuda as pessoas a lidar com seus sofrimentos psíquicos, como a angústia e a ansiedade, estudando as relações dos comportamentos e sentimentos das pessoas com os seus desejos inconscientes. As pessoas frequentam a clínica psicanalítica e conversam com um analista sobre os seus problemas, medos, conflitos, buscando um lugar para se expressar e também para se ouvir e se autoconhecer.

Pintura. À esquerda, homem de costas, de cabelo castanho, usando terno preto e chapéu-coco preto. Ele está diante de uma paisagem litorânea com faixas de areia, de mar e de céu azul com nuvens brancas. À direita, há uma cortina rosada com o recorte da silhueta do mesmo homem, através da qual aparece a paisagem.
, . La Decalcomanie. 1966. Óleo sobre tela, 81 por 100 centímetros. Centro Georges Pompidou, Paris, França.

Para entender a psicanálise, é preciso compreender a noção de inconsciente. A ideia fundamental dessa noção é a de que nós não temos consciência de todas as nossas decisões, gestos e palavras; de que expressões inconscientes nossas acabam aparecendo sem querer, na fórma de palavras, ações, comportamentos e sonhos. É assim que se manifesta boa parte dos nossos medos e desejos.

O sonho é um objeto de estudo importante para a psicanálise: nos sonhos, o nosso inconsciente se apresenta sem filtro, misturando passado, presente e futuro das maneiras menos lógicas, muitas vezes refletindo aquilo que não sabemos como nomear ou enfrentar no dia a dia. ciguimûn fróid, considerado o criador da psicanálise, é autor de um livro chamado A interpretação dos sonhos, que foi uma referência muito forte para o Surrealismo. É por isso que as imagens da arte surrealista são um pouco perturbadoras: elas evocam as imagens do inconsciente.

Entre textos e imagens

O caligrama

Observe o caligrama criado pelo poeta Guilhóum Apolinér (1880-1918). Esse é um método de criação de poemas em que a composição com as letras e as palavras resulta em uma imagem que agrega sentido ao texto. Essa técnica influenciou fortemente os artistas surrealistas.

Fotografia. Sobre fundo cinza, caligrama formado com algumas palavras dispostas em linhas onduladas, outras formando triângulos e círculos, com os dizeres: "Jamais esquecerei esta viagem noturna na qual ninguém disse nada. O partida sombria lá morriam nossos 3 faróis. O noite terna de antes da guerra. O cidades nas quais corriam. Os ferradores mobilizados. Entre meia noite e uma da manhã. Para Lisieux a muito azul. Ou então. Para asas de ouro. E a vezes nós paramos para trocar um pneu que havia estourado."
apolinér, . Caligramas. Introdução, organização, tradução e notas de Álvaro Faleiros. segunda edição Cotia, São Paulo: Ateliê Editorial; Brasília, Distrito Federal: Editora ú êne bê, 2019, página 85.

No Brasil, há uma forte tradição com a poesia visual. Observe o poema “Pós-tudo”, do brasileiro Augusto de Campos.

Fotografia. Sobre fundo escuro, caligrama formado com palavras alinhadas à esquerda e à direita, algumas de um lado a outro, no qual cada letra é formada por quatro traços no formato dela, com os dizeres: 'Quis mudar tudo mudei tudo agora pós tudo ex tudo mudo'.
CAMPOS, Augusto de. Pós-tudo (1984). Viva vaia. São Paulo: Perspectiva, 1994.

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Questão

1. Como você interpretaria esse poema? Como você o lê?

Faça no diário de bordo.

Experimentações

 

Vamos fazer um trabalho com a técnica da cubomania, criada pelos surrealistas. Para experimentar essa técnica, vamos retomar o tema de trabalho de toda essa Unidade de artes visuais: a figura humana na arte.

Material

  • Página de revista de rosto completo com uma figura humana (pode ser um retrato, mostrando apenas o rosto, ou de corpo inteiro)
  • Uma folha de papel colorido com o mesmo tamanho
  • Uma base de papelão ou papel paraná do mesmo tamanho
  • Tesoura com pontas arredondadas
  • Cola líquida ou em bastão
  • Régua
  • Caneta esferográfica

Procedimentos

  1. Recorte a figura humana do fundo em que ela está inserida e cole na folha de papel colorido. Se preferir, você pode conservar elementos do fundo da imagem original.
  2. Depois, cole essa montagem sobre o fundo de papel paraná ou papelão. Ao final, ela deve ter o mesmo tamanho. Se necessário, recorte e descarte as bordas.
  3. Vire o trabalho e determine um número de colunas e linhas. Com a ajuda da régua, faça um gride de linhas verticais e horizontais com o mesmo tamanho.
  4. Recorte cada quadrado e reserve.
  5. Ao final, faça uma montagem com os quadrados. Eles podem ser colados sobre uma nova superfície ou podem ficar soltos para que as pessoas interfiram sobre ele.
  6. Mostre o resultado para os seus colegas e confira também o trabalho deles. Conversem sobre essa experiência e sobre as relações que ela tem com os conteúdos trabalhados sobre o Surrealismo.
Colagem em preto e branco. Imagem fragmentada, formada por diversas figuras quadradas, nas quais se identificam diferentes partes de corpos de mulher. Não é possível identificar se compõem um único corpo, mas podem ser identificados dois rostos femininos.
. Untitled (Cubomania), 1945. Colagem, sem dimensões. Coleção particular.