Tema 2  A dramaturgia do corpo

Alegria de viver

Observe a fotografia desta página. Ela mostra uma cena do espetáculo Alegria de viver, da Mimus Companhia de Teatro. Formada em 2007, a Mimus se dedica à produção de peças teatrais que, a exemplo das peças que conhecemos no Tema 1, têm como elemento central a expressão corporal dos atores.

Com base na observação da fotografia desta página e no título da peça, você consegue dizer qual seria a temática dela?

A peça Alegria de viver propõe uma reflexão sobre o papel do artista e da arte na atualidade. Para isso, são reunidos elementos de um mito grego que relata a história de um escultor (Pigmalião) que se apaixona por uma de suas esculturas (Galateia).

Fotografia.  À esquerda, uma mulher de cabelo preso preto, usando vestido vermelho. À direita, afastado dela, um homem de cabelo curto castanho, de camiseta amarela, usando um avental com manchas coloridas. Ambos usam pintura colorida no rosto. Sobre eles  uma tela é projetada e ao fundo há uma paisagem com imagens abstratas e coloridas.
Os atores Deborah Moreira e George Mascarenhas em cena do espetáculo Alegria de viver, da Mimus Companhia de Teatro, em Salvador Bahia , em 2010.

Faça no diário de bordo.

Foco na linguagem

  1. Forme um grupo com quatro colegas e, juntos, pesquisem o mito Pigmalião e Galateia.
    1. Façam a pesquisa em mais de uma fonte e comparem-nas. Registrem, no diário de bordo, a pesquisa, a fonte consultada e escrevam o mito com base naquela que apresentou mais detalhes.
      Ilustração. Ícone Diário de bordo.
    2. No dia agendado pelo professor, apresentem os resultados aos colegas de turma. O mito pode ser lido em voz alta por um dos integrantes do grupo ou dividido em partes. Apresentem, também, as fontes pesquisadas.
Respostas e comentários

Objetivos

Conhecer experiências tea­trais nacionais e estrangeiras que têm como elemento central a expressão corporal dos atores.

Compreender a mímica como fórma de comunicação corporal formada por atitudes, expressões faciais, gestos, risos, choro e gritos.

Identificar as principais características da commedia dell’arte.

Reconhecer a arte da representação gestual na atua­lidade.

Experienciar a criação de obras artísticas de fórma coletiva.

Desenvolver a autoconfiança e a autocrítica por meio da experimentação artística.

Habilidades favorecidas neste Tema

(, ,, e.

Foco na linguagem

Ajude os estudantes na busca de fontes para a pesquisa. Aproveite a oportunidade para falar a respeito da importância da seleção de fontes, especialmente quando se trata de uma pesquisa na internet. Após apresentarem os resultados da pesquisa, comente que esse mito inspirou a criação da peça teatral Pigmalião (1762), de jeãn jác russô (1712-1778), um dos únicos textos dramáticos desse autor.

Essa obra foi estudada pelos integrantes da Mimus Companhia de Teatro para criar a peça Alegria de viver.

Peça aos estudantes que atentem aos detalhes da fotografia e incentive-os a perceber, por exemplo, o figurino do ator George Mascarenhas e imaginar qual seria a profissão da personagem interpretada por ele.

Comente com os estudantes que muitos artistas visuais do século dezenove utilizaram o mito Pigmalião e Galateia como referência para realizar suas criações artísticas. Esse mito foi também tema de um drama musical escrito pelo suíço Jean-Jacques Rousseau (nele, pela primeira vez na literatura o nome Galateia foi mencionado). Contudo, esse drama musical não teve grande êxito. O escritor Jean-Jacques Rousseau destacou-se sobretudo como filósofo e pensador.

Para ampliar o assunto, leia o texto “Pigmalião e Galateia”, nas Leituras complementares, nas páginas iniciais deste Manual.

A proposta do grupo

A Mimus Companhia de Teatro foi criada pelos atores e pesquisadores Deborah Moreira e George Mascarenhas, que, além de atuar, exercem outras funções no grupo. No espetáculo Alegria de viver, por exemplo, o texto é de autoria de Deborah e a direção é de George.

Fotografia. À esquerda, uma mulher de cabelo preso preto, usando vestido vermelho. Ela apoia a mão esquerda no ombro direito de um homem ao lado dela, à direita. Ele tem cabelo curto castanho, veste camiseta amarela e usa um avental com manchas coloridas. Ambos usam pintura colorida no rosto. Sobre eles, é projetada  uma tela e ao fundo há uma paisagem com imagens abstratas.
Os atores Deborah Moreira e George Mascarenhas em cena do espetáculo Alegria de viver, da Mimus Companhia de Teatro, em Salvador Bahia , em 2010.
Fotografia. Homem de cabelo castanho, vestindo  camiseta e avental, está com o tronco reclinado para o lado com os braços estendidos. À frente dele está uma mulher de cabelo preso preto, usando vestido, reclinada para trás, apoiando-se com um dos braços no ombro dele. Sobre eles são projetadas luzes que dão um tom rosado a seus trajes, projetando a silhueta de ambos sobre um fundo azul.
Os atores Deborah Moreira e George Mascarenhas em cena do espetáculo Alegria de viver, da Mimus Companhia de Teatro, em Feira de Santana Bahia , em 2016.

As peças criadas pelos integrantes da Mimus Companhia de Teatro têm o trabalho corporal dos atores como elemento central. Por essa razão, a mímica – que você conhecerá ao longo deste Tema – é um dos elementos que eles pesquisam e levam para o palco em seus espetáculos. No entanto, diferentemente do que acontece nos espetáculos que conhecemos no Tema 1, além da expressão corporal, a fala também é utilizada pelos atores da Mimus em sua interpretação.

Na próxima página é apresentada uma entrevista em que Deborah Moreira e George Mascarenhas dão mais informações sobre a Mimus Companhia de Teatro e suas oficinas e cursos e sobre a concepçãoglossário do espetáculo Alegria de viver.

Respostas e comentários

As cores de Matís

Comente com os estudantes que o espetáculo Alegria de viver também teve como fonte de pesquisa uma pintura de mesmo título criada pelo pintor francês Enrri Matís (1869-1954). Matís foi um dos principais nomes do Fauvismo, movimento artístico que surgiu na França no início do século vinte. Os artistas desse movimento foram chamados de fauvistas por utilizarem as cores de fórma livre, com pinceladas largas, para obter efeitos mais expressivos. Se você considerar oportuno, apresente essa obra de ­Ãnri Matisse aos estudantes e leve-os a perceber os elementos da pintura que podem ser observados no cenário da peça mostrado na fotografia da página 93. Explique que, cada vez mais, os profissionais envolvidos na criação de figurinos, cenários, trilha sonora, entre outros, têm utilizado recursos digitais em espetáculos de teatro. Em Alegria de viver, por exemplo, o cineasta ­Dedeco Macedo foi o responsável pelo desenvolvimento de vídeos que eram projetados em um telão. Esses vídeos reproduziam imagens da pintura de ­Matisse e de pinturas criadas pelo pintor e cenógrafo Zuarte Júnior

Artista e obra

Deborah Moreira e George Mascarenhas

A seguir, leia um trecho de uma entrevista com Deborah Moreira e George Mascarenhas, da Mimus Companhia de Teatro.

Entrevistador: Deborah e George, quando vocês começaram a se interessar por teatro? Falem um pouco da trajetória de vocês.

Deborah: Eu sempre quis ser atriz. Toda vez que alguém me perguntava o que iria ser quando crescesse, eu dizia: ‘Vou ser atriz’ . O tempo passou e o desejo se manteve forte. Prestei vestibular para a Universidade Federal da Bahia , onde me formei reticências em Interpretação Teatral. Ainda como aluna na universidade, comecei a me interessar pela dramaturgia e a escrever peças de teatro, o que se tornou uma paixão. Nesse período também tive contato com a Mímica Corporal Dramática, por meio de e George Mascarenhas, tendo me formado nesse sistema teatral. Hoje em dia, sigo trabalhando como atriz, dramaturga, professora e diretora teatral.

George: Quando eu era criança, eu gostava muito de brincar de representar. Eu criava peças com minha irmã e meus amigos e reunia a família para assisti-las. Na escola, quando eu tinha 14 anos, entrei para um grupo de teatro amador. A partir daí, não deixei mais o teatro. Fiz cursos profissionalizantes e participei de vários espetáculos. Em 1994, tive a oportunidade de ir para a França para estudar a Mímica Corporal Dramática, de Etiéne Decrô, na École de Mime Corporel Dramatique, dirigida por istiven wásson e corrine sum, últimos assistentes do mestre francês que criou a técnica. Quando me formei na escola, voltei para o Brasil e, desde então, tenho trabalhado na criação de espetáculos, como ator e diretor, e na formação de outros artistas. Hoje também sou professor na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia e dou aulas na graduação e pós-graduação em artes cênicas.

Entrevistador: Além de atores, quais são as outras funções que vocês exercem na Mimus Companhia de Teatro?

Deborah: Na companhia, atuo também como dramaturga, diretora de produção e, mais recentemente, como diretora artística. Tenho percebido que essa mudança frequente de posição, dentro do processo de criação cênica, contribui enormemente para o desenvolvimento e aprofundamento do pensamento estético. Além disso, sou facilitadora de oficinas de mímica, dramaturgia e jogos teatrais.

George: Além de ator, eu trabalho na direção artística dos espetáculos e coordeno as atividades da revista Mimus, uma publicação eletrônica gratuita sobre mímica e teatro físico. Outra vertente de ação dentro da companhia é a preparação corporal de elencos e a condução de oficinas, palestras e conferências, a partir do nosso método de trabalho. O revezamento nas diversas funções de um espetáculo permite o conhecimento, a propriedade dos elementos que estão sendo trabalhados no diálogo com os outros artistas e técnicos envolvidos.

Entrevistador: Como surgiu a ideia do espetáculo teatral Alegria de viver?

Deborah: A ideia do espetáculo nasceu do nosso desejo de refletir reticências sobre questões como: o que é ser artista? Qual é o valor da arte? Em que a arte contribui para a sociedade?

Respostas e comentários

Orientação de leitura

Para trabalhar a leitura dessa entrevista com os estudantes, proponha a eles que primeiro leiam o texto individualmente ou em duplas.

Em seguida, oriente um segundo contato com o texto, pedindo que destaquem os temas que estão em foco nas perguntas e respostas. Se necessário, exemplifique qual é o foco temático em um par de pergunta/resposta para facilitar a compreensão dos estudantes sobre o que você está pedindo.

Em um terceiro momento, convide-os a compartilhar os focos que eles destacaram. É possível que encontrem focos diferentes e que sejam igualmente importantes ou que destaquem questões que a princípio são mais secundárias. Aproveite essas diferenças para ressaltar as múltiplas possibilidades de interpretação e leituras nos textos e a importância de praticar a atenção para as questões principais presentes neles.

Artista e obra

Destaque a informação de que o interesse de Deborah Moreira e George Mascarenhas pelo teatro começou ainda na infância, em meio a brincadeiras teatrais. Incentive os estudantes a compartilhar situações em que fizeram o mesmo, brincaram de representar personagens, criar histórias etcétera. Comente então que a teatralização é algo muito presente na vida do ser humano em todas as idades. No entanto, para que essa brincadeira se torne uma obra de arte, são necessários um rigor muito grande e uma intensa dedicação. Para que um espetáculo seja apresentado ao público, os atores precisam exercitar seu corpo, sua voz e sua imaginação, e o dramaturgo e o diretor devem escolher a fórma mais interessante para contar a história. Assim, se por um lado o teatro carrega consigo uma dimensão de irreverência e ludicidade, por outro é feito de trabalho intenso e muito ensaio.

George: Alegria de viver surgiu de conversas nossas, no grupo, acerca da questão: é o artista que faz a obra ou é a obra que faz o artista? Qual é o valor do artista? Qual é o valor da arte? O desejo era provocar a discussão sobre o papel da arte e do artista na construção de uma sociedade comprometida com a subjetividade, a coletividade, as relações humanas. Queríamos também falar da felicidade e das dificuldades de ser artista no mercado cultural brasileiro.

Entrevistador: Como foi o processo de criação de Alegria de viver?

Deborah: O texto foi criado em um longo processo de escrita e reescrita. Foram elaboradas nove versões até chegar à versão final. No início, havia quatro personagens, e a história era contada de modo linear com começo, meio e fim bem definidos. Depois de vários processos de reelaboração, a versão final se configurou a partir de um pensamento contemporâneo sobre o texto teatral. A história principal foi mantida, concentrada em apenas duas personagens (o Artista e a Escultura), sendo contada, no entanto, de maneira fragmentada, cíclica, com inversões no papel do artista e da escultura, e com interrupções no fluxo da história provocadas pelo diálogo direto com a plateia.

George: No nosso trabalho, mesmo quando há um texto previamente elaborado, começamos sempre pelo corpo. A partir de processos de improvisação começamos a criar relações entre as duas personagens, o artista e a escultura, que foram também alimentando a criação do texto. A relação entre essas personagens foi sendo desenvolvida e aprofundada a partir de histórias pessoais e imagens diversas, inclusive o quadro de Ãnri Matisse, Alegria de viver. reticências [Essa pintura] provocou a discussão de temas como: a fórma e o conteúdo, o uso das cores e a distorção das imagens, o descompromisso da arte com a reprodução fiel da realidade. Na sala de ensaio, encontramos um dos pontos centrais da peça que pode ser resumido na questão: o que a arte provoca em mim?

Entrevistador: Podem falar um pouco das oficinas e dos cursos que a companhia oferece? A que público se destinam?

Deborah: As oficinas fazem parte das ações formativas da Mimus. O que desejamos é compartilhar informações e conhecimentos e possibilitar o acesso de estudantes ou profissionais ao tipo de trabalho que desenvolvemos e, com isso, possibilitar uma troca de saberes. Nas oficinas, utilizamos princípios e procedimentos técnicos e artísticos que estão presentes em nossos espetáculos.

George: Entendemos que as oficinas são um espaço de troca, reflexão e investigação artística. As oficinas são um importante meio de difusão da técnica artística que está na base do nosso trabalho, a Mímica Corporal Dramática de Étienne . Nesses encontros, compartilhamos as bases técnicas desse estilo de mímica, que é muito diferente do estilo de mímica mais conhecido, chamado geralmente de pantomima. A mímica que praticamos é um sistema expressivo cênico para atores, performers, dançarinos, artistas da cena, que pode incluir a fala e outros elementos. É uma arte do movimento. As oficinas são destinadas a qualquer pessoa interessada, com idade mínima de 15 anos.”

Entrevista concedida especialmente para esta Coleção, em junho de 2018.

Fotografia. Homem de cabelo loiro, vestindo camiseta polo verde, está com a mão esquerda atrás da cabeça e a direita no bolso da calça preta.  À frente dele está uma mulher de cabelo longo castanho vestindo camisa vermelha. Ela está com o braço esquerdo cruzado à frente do corpo e toca o pescoço com a mão direita. Ambos sorriem.
Os atores e pesquisadores Deborah Moreira e George Mascarenhas. Fotografia de 2015.
Respostas e comentários

Sugestão de atividade

Desenvolva com os estudantes um jôgo relacionado à expressão física das emoções, como alegria, tristeza, amor, raiva, medo e valentia.

Sorteie cinco estudantes e atribua-lhes uma emoção. Um dos participantes sorteados deve entrar na área de jôgo e representar fisicamente a emoção designada no nível (intensidade) indicado por você. Por exemplo, expressar a alegria em nível 1.

Indique outro participante para entrar na área de jôgo expressando o mesmo estado, porém em um nível diferente.

O jôgo se desenvolve com os cinco participantes apresentando a emoção designada em diferentes níveis.

Oriente-os para que, a cada entrada, todos os jogadores que já estão na área aumentem os seus níveis de expressão. Oriente-os também, no caso de emoções que são projetadas a outra pessoa (por exemplo, amor ou raiva), a se relacionar com uma personagem imaginária. Ou seja, os jogadores em cena são cúmplices no estado físico e não sentem essa emoção entre si.

Quando todos os participantes desse grupo tiverem expressado a emoção a eles atribuída, sorteie outro grupo, designe outra emoção e proceda da mesmafórma, indicando que a emoção seja expressa em níveis diferentes.

Ao final da atividade, incentive-os a compartilhar percepções, desafios e supe­rações. Direcione alguns questionamentos, como: quais partes do corpo você ativou? Quais sensações internas? Por exemplo, quando você está com raiva, como sente o seu corpo, o que faz com suas mãos? Quando você está alegre, como é a expressão do seu rosto, dos seus olhos? Quando você está triste, qual é a posição do seu pescoço e coluna, e o que você sente em seu coração?

Avalie como foram a disponibilidade, a concentração e a imaginação dos estudantes. Observe como as emoções foram tratadas, de fórma caricatural (externa) e expressas de fórma concentrada (interna).

A mímica

Nas páginas anteriores, você viu que uma das fontes de pesquisa dos integrantes da Mimus em seus espetáculos é a mímica. Você sabe o que é mímica? Já utilizou ou costuma utilizar mímica em situações do dia a dia?

A mímica consiste em uma fórma de comunicação corporal que compreende atitudes, expressões faciais, gestos e também riso, choro, gritos e outros ruídos. Assim, você sabia que a palavra mímica está associada à palavra grega mimos, que significa “imitar”? Isso ocorre porque a mímica, em sua origem, está associada ao mimo, tipo de apresentação teatral surgida na Grécia antiga em que uma história era contada por meio de gestos. Nessas histórias, na maioria das vezes, a fala não era usada.

Na Grécia antiga, nos mimos, os atores (que também eram chamados mimos) imitavam os movimentos e os gestos de pessoas comuns e de animais, diferentemente das tragédias, que apresentavam histórias de deuses e heróis. Outra diferença é o fato de que, nos mimos, as personagens podiam ser interpretadas por mulheres.

Fotografia. Estátua em tons de marrom alaranjado e branco representando uma pessoa de turbante, vestindo túnica curta na altura dos joelhos. Ela está com a mão direita na cintura e o braço direito semiflexionado e afastado do corpo, com a mão espalmada, porém faltam os dedos. O rosto está voltado para o lado esquerdo.
Estatueta de um mimo. 225-175 antes de Cristo Escultura de terracota, 18,9 por 12,5 por 3,6 centímetros. Museu J. Paul Getty, Los Angeles, Estados Unidos.
Respostas e comentários

Contextualização

Incentive os estudantes a falar a respeito da mímica e de situações do cotidiano em que eles já a utilizaram ou a utilizam.

Eles podem mencionar alguma situação em que, não podendo usar a fala, fizeram gestos e movimentos corporais para se comunicar. Eles também podem falar de jogos e brincadeiras que envolvem a utilização de gestos e movimentos corporais para expressar uma ideia ou situação.

Aproveite para comentar com os estudantes que a mímica, como a conhecemos hoje, tornou-se uma linguagem específica que, por causa de sua origem, trabalha com gestos precisos e tem na imitação da vida cotidiana seu foco principal.

Caso queira ampliar esse tema, se julgar oportuno, apresente aos estudantes outras informações sobre os diferentes estilos de mímica. O texto a seguir pode ajudar nessa ampliação.

E por falar em mímica...

“Qual é o primeiro tipo de música que vem à sua mente? Algumas pessoas pensam logo no samba, no rap, no rock. Outras, na ópera, no funk, na bossa nova. Não importa o estilo, compreendemos logo que todos esses (e muitos outros) são ‘música’.

Com a mímica é parecido, no entanto, é também muito diferente. A mímica, assim como a música, tem estilos muito variados. Porém, um de seus estilos, a pantomima, se tornou muito popular no mundo inteiro pelas mãos do artista Marcél Marçô, tanto que hoje a palavra mímica está totalmente associada a esse artista: uma fórma de representação na qual o intérprete, em silêncio, constrói imagens de objetos ou de situações imediatamente reconhecíveis pelo espectador, substituindo, assim, a palavra falada pelo gesto. O mímico, apenas com seu gesto, tenta abrir uma porta, carrega um bebê ou é puxado por um cachorrinho, entre tantas outras situações.

No entanto, há outros estilos [de mímica], conforme indica Patrice Pavis em seu Dicionário de teatro*: o mimodrama, peça em que a ação silenciosa é acompanhada de música; a mímica dançada, presente no balé clássico; a mímica pura, uma fórma mais abstrata de mímica; a mímica corporal, considerada o estilo mais moderno, criada pelo francês Étienne Decroux. Há ainda as variadas combinações entre os estilos, sem falar dos estilos orientais.

A mímica pode, então, ser definida como uma fórma teatral que abriga diversos estilos, cujo ponto comum é a centralidade da expressividade corporal na composição cênica, para criar imagens corporais que podem ser literais ou abstratas, com ou sem a utilização da voz, de máscaras ou de música.

* PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução de J. Guinsbúrg e Maria Lúcia Pereira (). São Paulo: Perspectiva, 2011.”

Texto escrito pelo ator, diretor, mímico corporal e professor George Mascarenhas, especialmente para esta Coleção, em junho de 2018.

A commedia dell’arte

Durante a Idade Média, a tradição dos mimos manteve-se viva entre grupos de teatro itinerantes. A expressão corporal era a principal ferramenta que esses grupos utilizavam para se comunicar com públicos que falavam idiomas diversos. Acredita-se que, nesse contexto, tenha surgido a commedia dell’arte, gênero muito popular na Idade Média.

A principal característica da commedia dell’arte era a improvisação, inclusive das falas, pois nesse gênero teatral não havia um texto anterior à cena, mas apenas uma espécie de roteiro que orientava previamente os atores. Esse roteiro era chamado canovaccio.

Cada ator assumia uma máscara e, dentro do roteiro, improvisava de acôrdo com os lazzi característicos de seu papel, ou seja, com os traços predominantes e fórmas de jôgo próprias à sua máscara, jogos cômicos que enfatizam a humanidade das personagens estereotipadas.

As peças da commedia dell’arte visavam divertir o público, muitas vezes por meio da sátira e da crítica às relações sociais. Essas peças eram apresentadas em praças públicas por grupos de atores que viajavam em espécies de carroças-palco, nas quais carregavam todos os elementos necessários à apresentação.

Observe um registro da commedia dell’arte.

Pintura. Em um palco improvisado à margem de um rio, próximo a uma construção e sob a copa de algumas árvores, dois homens usando calça, paletó e chapéu parecem atuar. Um deles está com o braço para o alto. Atrás do palco, com o corpo escondido por uma espécie de tapume, vê-se a cabeça de outro homem, de chapéu. Diante do palco, várias pessoas observam a cena e outras  conversam entre si. Os homens vestem calça, paletó e chapéu e as mulheres usam vestidos longos. Também há crianças e alguns animais: burros, cachorros, cavalos e mulas. Ao fundo, na margem oposta do rio  há  casarões e no rio há homens e barcos.
. Detalhe de Cena de commedia dell’arte em uma paisagem italiana. Séculos dezessete e dezoito. Óleo sobre tela, 40,5 por 69 centímetros. Coleção particular.
Respostas e comentários

Contextualização

Comente com os estudantes que, criada coletivamente por seus atores, a commedia dell’arte caracteriza-se pela improvisação, com forte apelo gestual baseado no canovaccio, ou roteiro de ações, para explorar temas cotidianos e fábulas acerca dos vícios humanos. Cada ator assumia uma máscara e, dentro do roteiro, improvisava de acôrdo com os lazzi característicos de seu papel, ou seja, com os traços predominantes e fórmas de jôgo próprias à sua máscara, jogos cômicos que enfatizam a humanidade das personagens.

As relações amorosas e de poder constituem o cerne da commedia dell’arte, em que as emoções são levadas às últimas consequências, como fórma de conseguir o efeito cômico para conquistar o diverso público das praças onde essa fórma teatral se desenvolveu.

Os atores da commedia dell’arte representavam sempre os mesmos tipos ou personagens. Os principais tipos eram:

Arlecchino − Empregado comilão, esperto e malicioso. Usa meia máscara feita em couro, barba descuidada, chapéu de abas largas, calça larga e adaga de madeira. Engana e mente muito. É a principal figura desse estilo teatral.

Pierrô − Tem aparência triste. É apaixonado por Colombina, que o deixa para ficar com Arlecchino.

Colombina − Criada, parceira ou esposa de Arlecchino, não usa máscara.

Brighella − Criado cínico que inicia as intrigas. É cantor e companheiro de Arlecchino.

Pantalone − Mercador velho, rico, sovina, agiota, algumas vezes extremamente conservador e muito desconfiado. Usa cavanhaque, manto negro e casaco vermelho.

Dottore − Estudioso e sábio, muitas vezes médico ou jurista. Usa gola branca, toga, capuz preto e chapéu de abas largas viradas para cima. Dispara citações em latim.

Capitano − Oficial fanfarrão, falador, quando percebe que as coisas ficam complicadas, demonstra sua covardia.

Innamorati − Casal de apaixonados (mocinha e galã). Filho ou filha de Dottore ou de Pantalone, não usam máscara. São apaixonados, mas os pais os proíbem de ter um relacionamento.

A mímica na atualidade

Na atualidade, a arte da representação gestual influencia a criação de muitos grupos de teatro. Essa influência deve-se, principalmente, ao trabalho de um grupo de artistas e pesquisadores que, a partir do século vinte, passou a realizar uma série de estudos sobre a expressão corporal no teatro.

Entre os grandes artistas da mímica está o ator francês Étienne (1898­-1991), uma das influências centrais do trabalho da Mimus Companhia de Teatro, que conhecemos no início deste Tema.

Com base em seus estudos, defendia que o corpo (como um todo) devia ser entendido como meio de expressão do ator, e não apenas a fala.

Fotografia em preto e branco. Homem branco de cabelo escuro na altura da nuca, vestindo túnica longa, está em pé sobre dois banquinhos e com os braços abertos  na altura do peito. À frente dele há silhuetas de pessoas vestindo roupas pretas executando movimentos com o tronco flexionado para a lateral direita.
Étienne durante um exercício pantomímico, cêrca de 1943.

O trabalho desenvolvido por Étienne influenciou muitos atores, entre eles o francês Marcél Marçô (1923-2007).

Com o rosto pintado de branco, vestindo um casaco listrado, chapéu de ópera e uma flor espetada na lapela, Marcél Marçô desenvolveu um tipo de mímica que era singela e poética, mas extremamente meticulosa e bem executada. marçô também foi influenciado pelo trabalho do ator Charles Chaplin. Acredita-se que a personagem o Vagabundo, de Chaplin, em filmes como Vida de cachorro (1918), mencionado no Tema 1, tenha sido a inspiração para criar a personagem mais famosa de marçô, o palhaço Bip. Observe na fotografia da página seguinte o ator caracterizado como Bip.

Respostas e comentários

Contextualização

Ao abordar esse tópico, destaque para os estudantes a relação entre mímica e gesto apresentada no texto. É muito comum que os estudantes confundam a mímica com um de seus estilos mais conhecidos, a pantomima. No entanto, a mímica está presente em nosso cotidiano, à medida que estabelecemos diferentes dinâmicas de comunicação sem o uso da palavra, com gestos precisos, principalmente das mãos e do rosto. A pantomima é um estilo de mímica que desenvolveu radicalmente a codificação e a precisão da mímica nos processos de formação e treinamento dos profissionais dessa arte, para que eles estivessem habilitados a jogar com os elementos que a constituem. A palavra pantomima tem origem grega e significa “imitar”, mas não se trata de uma pura e simples imitação, antes mimar seria a produção de uma aparência dissimulada e profunda dos gestos que se imitam. Atualmente, a pantomima tem como característica contar uma história, em geral sem fala, e com temáticas do cotidiano.

Sugestões para ver

Se possível, busque algumas referências dos atores Etiéne Decrô e Marcel marçô na internet para apresentar aos estudantes.

A peça L’ Usine (1961), de Etiéne Decrô, por exemplo, está disponível link, em: https://oeds.link/bLUZ7f (acesso em: 24 maio 2022) e pode colaborar para o aprofundamento dos estudantes sobre a mímica na arte teatral. Nela, o ator atua com dois outros atores, fazendo movimentos cômicos que ora se assemelham a ações identificáveis, ora parecem abstratos.

De Marcél Marçô, a sugestão é apresentar registros de esquetes da personagem que ele criou, o Bip. Entre as referências, uma indicação é a Bip as a skater (1975), na qual o ator trabalha com alguns gestos que se tornaram amplamente conhecidos.

Fotografia. Homem de cabelo curto castanho, vestindo camisa branca com listras pretas sob um macacão marrom e branco. Ele tem o rosto pintado de branco, sobrancelhas pintadas na altura da testa e usa batom vermelho.  Com a mão direita, segura um chapéu bege com uma flor vermelha e sorri.
O ator Marcél Marçôcaracterizado como o palhaço Bip, em apresentação em Westwood, Estados Unidos, em 2002.

Faça no diário de bordo.

Experimentações


 Agora você vai participar de uma atividade em que vai experienciar a mímica.

  1. Escolha duas ações ou duas emoções que possam ser representadas por você. Pense em ações cotidianas, como varrer, digitar, operar uma máquina, esperar, encontrar e contemplar. As emoções podem ser de alegria, tristeza, raiva, medo, decepção, entre outras.
  2. Cada estudante terá alguns minutos para elaborar a mímica e apresentá-la aos colegas. Para elaborá-la, procure concentrar-se na expressão do rosto e ensaiar alguns movimentos de braços, pernas, mãos e pés.
  3. O professor fará um sorteio para organizar as apresentações.
  4. Depois das apresentações, comente sua experiência com os colegas e ouça os comentários deles.
  5. Enquanto assiste às apresentações, registre as expressões por meio de desenho, utilizando uma folha de papel e lápis grafite ou o seu diário de bordo.
    Ilustração. Ícone Diário de bordo.

Avaliação

Retome os registros feitos por meio de desenho durante a atividade.

Experimente colori-lo livremente, procurando destacar elementos expressivos na imagem. Nesse caso, você pode utilizar canetas hidrográficas coloridas ou lápis de cor.

Agora, responda no diário de bordo às questões a seguir.

Ilustração. Ícone Diário de bordo.
  1. A linguagem teatral e a visual foram colocadas em relação nessa atividade. Como você se sentiu ao trabalhar com cada uma dessas linguagens?
  2. Organize com os colegas uma pequena exposição dos trabalhos realizados e, em roda, converse com eles e com o professor sobre a realização da proposta e sobre as escolhas de cada um.
Respostas e comentários

Contextualização

Retome os exemplos do Tema 1 e convide os estudantes a observar a imagem. Pergunte a eles se reconhecem a semelhança entre o palhaço Bip e as personagens do espetáculo Zigg e Zogg. Comente que o trabalho de Marcel se destacou pelo uso de gestos precisos, bem desenhados e que exploravam temáticas cotidianas. Enfatize que, com base no trabalho de e marçô, a mímica passou a ser considerada um estilo dentro da linguagem teatral em que a expressão por meio de gestos precisos era a principal busca.

Experimentações

Escolha previamente um local para realizar a atividade e como será o sorteio para as apresentações. Se for a sala de aula, peça ajuda aos estudantes para arrastar as carteiras. Se a turma for numerosa, a atividade pode ser feita no pátio ou na quadra da escola.

Explique aos estudantes que a mímica é resultado de poucos e precisos gestos. Comente que a gesticulação excessiva pode resultar na perda da intenção ou do foco da ação ou da emoção que se deseja expressar. Determine a duração de cada apresentação e explique-lhes que, durante a execução da atividade, cada estudante terá apenas alguns minutos para elaborar a mímica e apresentá-la para a turma. Diga-lhes que, para elaborar a mímica, eles devem se concentrar na expressão do rosto e em alguns movimentos dos braços, das pernas, das mãos e dos pés. Peça-lhes que observem como os demais colegas executam a mímica, valorizando o esforço de todos. Depois das apresentações, peça-lhes que compartilhem sua experiência, dizendo se conseguiram expressar-se de maneira que todos compreendessem, quais foram as dificuldades e que referências cada um buscou para executar os gestos.

Avaliação

Espera-se que os estudantes falem sobre as experiências vividas em cada uma das linguagens, expondo os desafios, as sensações e as emoções envolvidos. Durante a roda, encoraje-os a expor suas ideias e percepções, respeitando aqueles que não desejam falar sobre a própria experiência. Atente aos que não gostam de se expor e, em outras situações, procure incentivá-los.

Glossário

Concepção
: no contexto teatral, significa o processo de criação de um espetáculo.
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