Unidade 2  Teatro e sociedade

Fotografia. Apresentação teatral. Quatro pessoas em um tablado, todas vestidas com roupas coloridas e estampadas e adereços que remetem à vida rural no Nordeste: chapéu sertanejo, bolsas e sandálias de couro, vestido de chita. Da esquerda para a direita: mulher de cabelo longo castanho, usando um vestido de chita com motivos florais. Ela está ajoelhada segurando um cachorro de pelúcia com o braço direito. Com a mão esquerda, segura a mão de um homem. Seu rosto expressa tristeza. Homem de cabelo curto e chapéu de palha decorado com flores, vestindo calça verde e colete azul-claro com flores estampadas; ele está ajoelhado, abraçando a mulher e segurando sua mão. Homem vestindo sandálias e chapéu de couro, bolsa a tiracolo, calça jeans curta, camiseta e casaco em tons de laranja e cinza. Ele olha para a direita com expressão de curiosidade. Homem vestindo sandálias de couro e um pequeno chapéu, calça vermelha e blusa amarela com detalhes vermelhos, além de uma bolsa de couro a tiracolo. Ele está com a cabeça voltada para a direita. Ao fundo, dois banquinhos de madeira e alguns objetos coloridos espalhados pelo chão.
O grupo Teatro Experimental de Arte (téa), de Caruaru (Pernambuco), encena o espetáculo Auto da Compadecida, em Duque de Caxias (Rio de Janeiro), em 2016.

Nesta Unidade:

TEMA 1 Uma dramaturgia moralizante

TEMA 2 O teatro como retrato de uma época

TEMA 3 O teatro como ato político

De olho na imagem

Fotografia. Apresentação teatral. Quatro pessoas em um tablado, todas vestidas com roupas coloridas e estampadas e adereços que remetem à vida rural no Nordeste: chapéu sertanejo, bolsas e sandálias de couro, vestido de chita. Da esquerda para a direita: mulher de cabelo longo castanho, usando um vestido de chita com motivos florais. Ela está ajoelhada segurando um cachorro de pelúcia com o braço direito. Com a mão esquerda, segura a mão de um homem. Seu rosto expressa tristeza. Homem de cabelo curto e chapéu de palha decorado com flores, vestindo calça verde e colete azul-claro com flores estampadas; ele está ajoelhado, abraçando a mulher e segurando sua mão. Homem vestindo sandálias e chapéu de couro, bolsa a tiracolo, calça jeans curta, camiseta e casaco em tons de laranja e cinza. Ele olha para a direita com expressão de curiosidade. Homem vestindo sandálias de couro e um pequeno chapéu, calça vermelha e blusa amarela com detalhes vermelhos, além de uma bolsa de couro a tiracolo. Ele está com a cabeça voltada para a direita. Ao fundo, dois banquinhos de madeira e alguns objetos coloridos espalhados pelo chão.
Atores do grupo Teatro Experimental de Arte (téa) em apresentação da peça Auto da Compadecida, em Duque de Caxias (Rio de Janeiro), em 2016. Da esquerda para a direita, os atores Mandy Freire, Ícaro Rafael, Deivid Gadelha e Djéksôn Freire.

Faça no diário de bordo.

  1. Descreva a fotografia da abertura: quantos atores participam da cena, como é o figurino deles, que elementos cenográficos podem ser observados?
  2. Como os atores estão posicionados na cena retratada?
  3. Qual é a importância da expressão corporal dos atores na cena apresentada na imagem? O que o corpo deles comunica?
  4. Que personagens os atores estariam representando?
  5. A apresentação dessa peça está acontecendo em que tipo de espaço?
  6. Leia agora a legenda da imagem. Considerando o título do espetáculo, você imagina qual seria o enredo dessa peça?
  7. Você já assistiu a alguma montagem teatral ou a algum filme que se baseia na história dessa peça? Em caso afirmativo, fale sobre essa história com o professore os colegas.
Versão adaptada acessível

1. Com suas palavras descreva a fotografia da abertura: quantos atores participam da cena, como é o figurino deles, que elementos cenográficos podem ser observados?

2. Como os atores estão posicionados na cena retratada?

3. Qual é a importância da expressão corporal dos atores na cena apresentada na imagem? O que o corpo deles comunica?

4. Que personagens os atores estariam representando?

5. A apresentação dessa peça está acontecendo em que tipo de espaço?

6. Leia agora a legenda da imagem. Considerando o título do espetáculo, você imagina qual seria o enredo dessa peça?

7. Você já assistiu a alguma montagem teatral ou a algum filme que se baseia na história dessa peça? Em caso afirmativo, fale sobre essa história com o professor e os colegas.

Artista e obra

Teatro Experimental de Arte

O grupo responsável pela montagem da peça Auto da Compadecida, que conhecemos no início desta Unidade, é o Teatro Experimental de Arte (téa). Fundado em 1962, em Caruaru (PE), o téa foi criado por iniciativa de atores e diretores locais, entre eles o casal Arary Marrocos e Argemiro Pascoal.

Fotografia. Grupo de treze pessoas, algumas agachadas à frente e outras em pé atrás. Há pessoas segurando instrumentos musicais, como flauta, rabeca, pandeiros e chocalhos. Eles estão sorrindo, posando para a foto.
Integrantes do Teatro Experimental de Arte (téa), em Caruaru (Pernambuco), 2016.

Ao longo de mais de cinquenta anos, o téa encenou dezenas de peças. Um dos espetáculos de maior sucesso e com o qual o grupo recebeu muitos prêmios foi a montagem de Morte e vida severina, realizada em 2001.

Além de desenvolver e apresentar peças de teatro, os integrantes do téa se dedicam à formação de jovens atores. Para isso, o grupo oferece oficinas de iniciação teatral em sua séde, o Teatro Licio Neves, e realiza anualmente o Festival de Teatro do Agreste (Fêtêági), evento criado por Fabio Pascoal, filho de Arary Marrocos e Argemiro Pascoal. Participam desse festival estudantes de escolas públicas e particulares do Agreste pernambucanoglossário .

Fotografia. Apresentação teatral em um palco. À esquerda, uma mulher está sentada no chão, com as pernas cruzadas. À direita, mulheres e homens vestidos com roupas coloridas estão em pé. Um jovem de boné bege, que veste camiseta laranja e bermuda amarela, está segurando e observando uma bandeira do Brasil. Os demais estão atrás dele. Ao fundo, brinquedos espalhados pelo tablado, como um pequeno avião e um pônei de plástico com rodinhas.
Cena do espetáculo Jogos na hora da sesta, do Teatro Experimental de Arte (téa), apresentado no 27o Festival de Teatro do Agreste (Fêtêági). Caruaru (PE), 2017.

Outra iniciativa desenvolvida pelo téa é o projeto Teatro na Comunidade, que tem o objetivo de levar o teatro para lugares habitados por pessoas que, em geral, não têm acesso a esse tipo de apresentação artística. O Auto da Compadecida, por exemplo, foi apresentado pelo grupo em cidades e em áreas rurais de diversos estados brasileiros.

Em 2008, o téa foi reconhecido como Patrimônio Vivo de Pernambuco, título concedido a artistas e grupos que contribuem para a constituição e a preservação da cultura popular e tradicional pernambucana.

Tema 1  Uma dramaturgia moralizante

Auto da Compadecida

Na abertura desta Unidade você viu uma imagem da montagem que o Teatro Experimental de Arte fez da peça Auto da Compadecida. O texto dessa peça foi escrito em 1955 pelo dramaturgo brasileiro Ariano Suassuna (1927-2014). Leia, na próxima página, mais informações sobre esse escritor.

A primeira montagem de Auto da Compadecida ocorreu em 1956, no Teatro Adolescente do Recife (Pernambuco). Nessa peça, são abordados elementos relacionados ao sagrado e ao profanoglossário . De um lado, estão temas cristãos, como o pecado e o arrependimento; de outro, a esperteza e a luta pela sobrevivência. Ao longo da história, diferentes personagens – um típico malandro, um covarde mentiroso, um padeiro e sua esposa, um padre e um cangaceiroglossário – envolvem-se em situações que mesclam os hábitos mundanos (ou seja, que pertencem ao mundo material) a valores sagrados e religiosos. O destino de algumas dessas personagens é decidido em um julgamento do qual participam o Encourado (o diabo), Manuel (Jesus Cristo) e a Compadecida (Virgem Maria).

Fotografia. À esquerda, mulher vestida com um manto azul-claro, que lhe cobre a cabeça, e vestes amarelo e rosa, cheias de detalhes com pedrarias. Na cabeça, há uma auréola feita com pedrarias. Ao seu lado, um homem de cabelo escuro e barba, vestindo um manto vermelho e azul, com uma túnica branca com detalhes em azul-claro e pedrarias ao centro. Em sua cabeça, há uma coroa de espinhos.
Os atores Maria Lima (a Compadecida) e Pedro Henrique Gonçalves (Manuel), do téa, em cena do espetáculo Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, em Caruaru (Pernambuco). Fotografia de 2016.

Artista e obra

Ariano Suassuna

Ariano Suassuna (1927-2014) foi um dos mais importantes dramaturgos brasileiros. Nascido em João Pessoa, na Paraíba, Suassuna usou sua obra para defender e difundir a cultura nordestina. Em Auto da Compadecida, por exemplo, ele criou personagens que têm como referência a vida e os hábitos de homens e mulheres que vivem no Sertão.

Em 1947, Suassuna escreveu Uma mulher vestida de sol, seu primeiro texto teatral. Outras peças de sucesso escritas pelo dramaturgo foram O santo e a porca (1958), Farsa da boa preguiça (1960) e O casamento suspeitoso (1957). Suassuna também escreveu poemas e romances. Suas obras foram traduzidas para outros idiomas.

Fotografia. Homem idoso, calvo, vestindo uma camisa branca. Ele sorri discretamente.
O escritor paraibano Ariano Suassuna, em Caçapava (São Paulo). Fotografia de 2010.
Fotografia. Apresentação teatral. Um grupo de pessoas encena uma conversa em um tablado. Da esquerda para a direita: uma mulher com vestido claro; um homem de cabelos brancos vestido com camisa branca e colete e calças na cor rosa; uma mulher com lenço na cabeça e blusa rosa e saia branca; um padre de óculos vestido com uma batina vermelha; um homem de calça vermelha curta, colete marrom e um chapéu quadrado na cabeça. Ao fundo, cenário imitando o interior de uma casa com duas janelas abertas e alguns móveis.
Os atores Fran Dahm, Vini Ferreira, Maria Fernanda Fichel, Luciano Risalde e Bruno Yudi, da Companhia Fulano di Tal, em cena do espetáculo O santo e a porca, de Ariano Suassuna, em Campo Grande (Mato Grosso do Sul), em 2015.

Ariano Suassuna idealizou o Movimento Armorial, lançado na cidade de Recife, em Pernambuco, em 1970. Esse movimento visava valorizar a arte e a cultura popular nordestinas tradicionais em suas diferentes manifestações, como a pintura, a literatura, a música, o teatro e a dança.

Em 1989, Suassuna foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (á bê éli), em reconhecimento por sua contribuição à arte e à cultura brasileiras.

Entre textos e imagens

Auto da Compadecida

Leia, a seguir, um trecho da peça Auto da Compadecida, escrita por Ariano Suassuna.

Fotograma. Mulher idosa vestida com túnica vermelha e manto azul, que lhe cobre a cabeça, além de uma auréola dourada formada por pequenos gravetos. Ao fundo, sentado em um trono dourado, está um homem de cabelo e barbas curtos, vestindo uma túnica branca com um coração exposto sobre o peito.
Fotograma do filme O Auto da Compadecida (2000), adaptação da obra de Ariano Suassuna, com direção de Guel Arraes. Os atores Fernanda Montenegro e Maurício Gonçalves (a Compadecida e Manuel).

reticências

Manuel — E agora, nós, João Grilo. Por que sugeriu o negócio pra os outros e ficou de fóra?

João Grilo — Porque, modéstia à parte, acho que meu caso é de salvação direta.

Encourado — Era o que faltava! E a história que estava preparada para a mulher do padeiro?

Manuel — É, João, aquilo foi grave.

João Grilo — E o senhor vai dar uma satisfação a esse sujeito, me desgraçando pra o resto da vida? Valha-me Nossa Senhora, mãe de Deus de Nazaré, já fui menino, fui homemreticências

A Compadecida (sorrindo) — Só lhe falta ser mulher, João, já sei. Vou ver o que posso fazer. (a Manuel) Lembre-se de que João estava se preparando para morrer quando o padre o interrompeu.

Encourado — É, e apesar de todo o aperreio, ele ainda chamou o padre de cachorro bento.

A Compadecida — João foi um pobre como nós, meu filho. Teve de suportar as maiores dificuldades, numa terra seca e pobre como a nossa. Não o condene, deixe João ir para o purgatório.

João Grilo — Para o purgatório? Não, não faça isso assim não. (chamando a Compadecida à parte) Não repare eu dizer isso, mas é que o diabo é muito negociante e com esse povo a gente pede mais, para impressionar. A senhora pede o céu, porque aí o acordo fica mais fácil a respeito do purgatório.

A Compadecida — Isso dá certo lá no sertão, João! Aqui se passa tudo de outro jeito! Que é isso? Não confia mais na sua advogada?

João Grilo — Confio, Nossa Senhora, mas esse camarada termina enrolando nós dois!

A Compadecida — Deixe comigo. (a Manuel) Peço-lhe então, muito simplesmente, que não condene João.

Manuel — O caso é duro. Compreendo as circunstâncias em que João viveu, mas isso também tem um limite. Afinal de contas, o mandamento existe e foi transgredido.

A Compadecida — Dê-lhe então outra oportunidade.

Manuel — Como?

A Compadecida — Deixe João voltar.

Manuel — Você se dá por satisfeito?

João Grilo — Demais. Pra mim é até melhor, porque daqui pra lá eu tomo cuidado na hora de morrer e não passo nem pelo purgatório, pra não dar gosto ao Cão.

reticências

João Grilo — Quer dizer que posso voltar?

Manuel — Pobre, João, vá com Deus!

João Grilo — Com Deus e com Nossa Senhora, que foi quem me valeu. (ajoelhando-se diante de Nossa Senhora e beijando-lhe a mão) Até a vista, grande advogada. Não me deixe de mão não, estou decidido a tomar jeito, mas a senhora sabe que a carne é fraca.

A Compadecida — Até a vista, João.

João Grilo (beijando a mão do Cristo) — Muito obrigado Senhor. Até a vista.

Manuel — Até a vista, João.

(João bota o velho e esburacado chapéu de palha na cabeça e vai saindo.)

Manuel — João!

João Grilo — Senhor?

Manuel — Veja como se porta.

João Grilo — Sim senhor.

(Sai de chapéu na mão, sério, curvando-se.)

reticências

SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2008. página 133-138. (Coleção Folha Grandes escritores brasileiros).

Faça no diário de bordo.

Questões
  1. Com a orientação do professor, reúna-se aos colegas para realizar uma atividade com base no trecho de Auto da Compadecida que vocês conheceram.
    1. Caminhe pelo espaço, lendo o texto silenciosamente.
    2. Depois, siga as indicações do professor sobre: pontuações, leitura com modulação de volume e variação de entonações.
    3. Quando for indicado, volte à leitura silenciosa e forme uma roda.
    4. Selecione uma frase do texto e a diga para outro colega, olhando nos olhos dele e experimentando as variações que realizou individualmente.
    5. Ao final da atividade, compartilhe com o professor e os colegas a experiência vivenciada. Registre suas impressões em seu diário de bordo.
      Ilustração. Ícone do diário de bordo.

Por dentro da arte

Adaptações de Auto da Compadecida

As imagens reproduzidas a seguir foram extraídas de O Auto da Compadecida, filme dirigido por Guel Arraes e lançado no ano 2000. Esse filme é uma adaptação do texto original do dramaturgo Ariano Suassuna.

Fotograma. Quatro fotogramas.
1: Dois homens jovens vestindo roupas esfarrapadas com os chapéus pendurados sobre as costas. Eles estão em um lugar árido e seco. Ao fundo, observa-se vegetação retorcida e seca.
2: Homem de cabelo preto cacheado, vestindo roupas esfarrapadas e um tecido sobre a cabeça. Atrás dele, há pedras grandes.
3:  Mulher idosa vestida com  uma túnica vermelha e um manto azul, além de uma auréola dourada atrás de sua cabeça. Ela acaricia o rosto de um jovem de cabelos e barba pretos que tem uma coroa de espinhos em sua cabeça e está vestido com uma túnica clara com um coração exposto sobre o peito. 
4: Homem de cavanhaque preto longo e  penteado que forma dois chifres nas laterais da cabeça. Ele veste uma túnica cinza com detalhes em prata e está em frente a uma mesa com um grande livro aberto e diversas velas vermelhas.
Fotogramas do filme O Auto da Compadecida (2000), adaptação da obra de Ariano Suassuna, com direção de Guel Arraes. 1. Os atores Selton Mello e Matheus Náchtergále (como Chicó e João Grilo); 2. Marco Nanini (o Capitão); 3. Fernanda Montenegro e Maurício Gonçalves (a Compadecida e Manuel); 4. Luís Melo (o Diabo).

Primeiro, Guel Arraes transformou a história original em uma minissérie de quatro capítulos para a televisão. Depois, fez outras mudanças no texto até chegar ao resultado assistido no cinema.

Nessas adaptações, Arraes inseriu elementos de outras peças de Ariano Suassuna, como O santo e a porca e Torturas de um coração (1951), e elementos de Decamerão (cêrca de 1349-cêrca de 1351), do escritor italiano Diovâni Bocátiu (1313-1375).

Nas adaptações, os artistas envolvidos no processo (diretor, roteirista etcétera) estabelecem um diálogo com a obra original. Em alguns casos, opta-se por mantê-las mais fiéis ao texto que está sendo adaptado, apenas transpondo a obra para outra linguagem artística. No entanto, na atualidade, é muito comum observarmos artistas que realizam cortes ou acréscimos em suas adaptações, atualizando tempo e espaço e mantendo apenas o enredo original.

Fotografia. Homem de cabelo curto, calvo, veste uma camisa cinza e fala segurando um microfone na mão.
O diretor Guel Arraes, em Recife (Pernambuco). Fotografia de 2010.

Outras adaptações

Antes da adaptação de Guel Arraes, o texto de Auto da Compadecida já havia sido adaptado para o cinema. O filme brasileiro A Compadecida, de 1969, foi dirigido por George Jonas (1935-2016) e roteirizadoglossário por ele e o autor, Ariano Suassuna.

No elenco dessa adaptação, atuaram figuras conhecidas por seu trabalho na televisão, como Regina Duarte, no papel da Compadecida; Armando Bógus (1930-1993), como João Grilo; e Antônio Fagundes, interpretando Chicó.

Cartaz. Na parte superior, o texto: A Compadecida: uma comédia de grande sucesso. Em primeiro plano, aparecem dois homens: o da esquerda usa chapéu de palha e camiseta listrada em vermelho e preto; o da direita tem bigode e veste uma camiseta listrada em amarelo e preto. Ao fundo,  uma mulher com um lenço azul e amarelo na cabeça. Ela sorri. Há um homem com vestimentas na cor lilás e lenço azul no pescoço. Ao lado, um personagem usando chapéu com dois chifres.
Capa de dêvedê do filme A Compadecida (1969), de George Jonas.

O filme Os Trapalhões no Auto da Compadecida é outra adaptação da obra de Ariano Suassuna para o cinema. Dirigido por Roberto Farias, foi lançado nos cinemas em 1987 e fez sucesso no Brasil e em Portugal.

O grupo de comediantes conhecido como Os Trapalhões representou os famosos personagens da obra Auto da Compadecida, fazendo uma adaptação divertida e livre da peça de Suassuna. Os protagonistas dessa adaptação foram os atores Renato Aragão, Dedé Santana, Antônio Carlos Bernardes Gomes (1941-1994), mais conhecido como Mussum, e Mauro Fátiu Gonçalves (1934-1990), o Zacarias.

Cartaz. No topo da imagem, ilustração de quatro homens e uma mulher no meio, todos batendo palmas e sorrindo. No centro, o título Os Trapalhões no Auto da Compadecida. À esquerda, ilustração de cenas do filme com atores representando cangaceiro, padre, diabo, palhaço. À direita, uma bandeira apresenta os nomes do atores envolvidos na produção.
Capa de dêvedê do filme Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987), de Roberto Farias.

A origem do auto

Em Auto da Compadecida, Ariano Suassuna resgatou elementos do auto, gênero teatral surgido na Europa na Idade Média. Esse gênero se caracterizava pelo emprego de linguagem simples, bem como pelo uso do teatro com função catequizante. Na Idade Média, a Igreja católica utilizou o auto para propagar os valores do cristianismo, por meio da representação de episódios da Bíblia e da vida dos santos.

Além dos autos, outros gêneros teatrais foram criados nesse período, e todos eles tinham a função de transmitir as crenças e os valores da Igreja. Inicialmente executadas no interior das igrejas, essas peças medievais despertaram o interesse e a participação do povo, deixaram o espaço sagrado e ocuparam as ruas e as praças com significativas inovações cênicas.

Nos autos da Idade Média, havia um diá­logo entre o bem e o mal, representados por Deus e pelo diabo. O tom cômico das apresentações cabia às personagens más. A batalha entre a salvação e a condenação, por meio de um julgamento, era a base de grande parte das peças desse período. Geralmente, o pecador alcançava a salvação após apelar para a misericórdia divina, e o diabo era enganado no final.

Essa é uma influência dos autos medievais em Auto da Compadecida. No entanto, enquanto no auto medieval os autores usavam o teatro com uma função moralizante, que reforçasse os valores cristãos, Suassuna propôs um deslocamento de função: em sua obra, a misericórdia divina tem um fundo social. Não se trata apenas de uma correção moral, mas, antes, de levar o espectador a refletir sobre as condições de vida miseráveis e as atitudes que delas decorrem.

Nas apresentações medievais, os cenários eram simultâneos, ou seja, estavam sempre visíveis para o público. Esses palcos eram montados em fórma de estações, e as cenas aconteciam uma após a outra. O público caminhava e acompanhava a sequência das cenas. Na imagem a seguir, são representados dois cenários simultâneos. O céu está representado à esquerda; o inferno, à direita.

Pintura. À esquerda e ao centro, pequenos palcos de teatro um ao lado do outro. Esses palcos estão sustentados por colunas e estão um pouco acima do nível do solo. À direita, montagem com um monstro de boca aberta e animais com corpos humanos cuspindo fogo pela boca. Ao fundo,  uma prisão em chamas com alguns homens atrás das grades.
CAILLEAU, Hubert. Cenário da peça A Paixão e a ressurreição de nosso salvador e redentor Jesus Cristo. 1547.Ilustração, guache e tinta. Biblioteca Nacional da França, Paris, França.

O teatro de Gil Vicente

Um dos grandes representantes do auto teatral foi o dramaturgo Gil Vicente (cêrca de 1465-c. 1537), considerado o criador do teatro português. A imagem é de seu retrato pintado no teto do Salão Nobre dos Paços do Conselho de Lisboa, em Portugal. Em seus autos, Gil Vicente criticava os costumes da sociedade portuguesa do século dezesseis. Ele também é autor de Auto da barca do inferno (1517), Auto da alma (1518) e Auto da Lusitânia (1532), entre outros.

Pintura. Retrato de um homem de cabelo e cavanhaque pretos, com uma camisa vermelha e um casaco preto por cima. Na parte superior, o nome: Gil Vicente.
JÚNIOR, António Nunes. Gil Vicente. 1882. Arquivo Municipal de Lisboa, Portugal.

O Auto da barca do inferno é uma das peças mais conhecidas desse autor e, ainda hoje, é montada e adaptada em todo o mundo. Nessa história, todas as personagens estão mortas e chegam a um porto onde há duas embarcações: a do Anjo, que as leva para o paraíso, e a do Diabo, que as conduz para o inferno.

Cada personagem se apresenta para o julgamento e, com base em seus atos durante a vida, o Anjo e o Diabo decidem a barca na qual a pessoa deve entrar. Os autos teatrais sempre apresentam situações nas quais as personagens são levadas a rever seus comportamentos, modificando-os e se aproximando de uma conduta moralmente aceita.

A fotografia mostra o espetáculo A barca do inferno, do Grupo Athos, que teve como referência a peça Auto da barca do inferno, de Gil Vicente.

Fotografia. Grupo de teatro de rua se apresenta em uma praça com muitas árvores. Em primeiro plano, há dois atores caracterizados como padre (com uma batina marrom e um crucifixo no pescoço) e diabo (com roupas brancas e um colete vermelho, chapéu de palha com dois chifres vermelhos); atrás deles, há uma mulher de blusa branca e saia vermelha, meias listradas na cor branca e preta, maquiada com duas bolas vermelhas nas bochechas. Ao fundo, músicos também maquiados tocam instrumentos como berimbau, tambor e pandeiro.
Os atores Adilson da Silva, João Paulo, Aline Rosilei Vanin, Bianca Guelere, Ricardo Silva e Luis Fernando, do grupo Athos, em apresentação do espetáculo A barca do inferno, em Curitiba (Paraná), em 2014.

Por dentro da arte

Mesa dos pecados capitais

O julgamento final – tema do Auto da barca do inferno, de Gil Vicente – foi a referência para o pintor holandês iêrônimus bós (cêrca de 1450-1516) produzir obras artísticas visuais, como a pintura Mesa dos pecados capitais, reproduzida a seguir.

Pintura. Quadro com diferentes cenas apresentadas em um grande círculo central e quatro círculos menores, nos cantos da imagem. À esquerda, no topo, um enfermo encontra-se acamado, rodeado por pessoas, entre elas, um padre que realiza uma prece de joelhos; abaixo, a segunda cena mostra torres caindo e pessoas no chão sofrendo e sendo atacadas por demônios. À direita, no topo, Jesus Cristo flutua no ar, rodeado de anjos que tocam trombetas; pessoas emergem do chão; abaixo, a quarta cena (que é destacada para observar melhor os detalhes) mostra Jesus Cristo ao centro, sentado em um trono rodeado de anjos. Há uma entrada para esse palácio, e um santo com uma auréola dourada examina as pessoas uma a uma. À frente, anjos tocam instrumentos musicais.
Ao centro, uma imagem circular mostra Jesus Cristo ao centro e sete cenas do cotidiano.
bóchi, Hieronymus. Mesa dos pecados capitais. 1505-1510. Óleo sobre madeira, 119,5 por 139,5 centímetros. Museu Nacional do Prado, Madri, Espanha.

Hieronymus bóchi foi contemporâneo do escritor português Gil Vicente. Em suas obras, bóchi representou a maneira de pensar de homens e mulheres que viveram no final da Idade Média.

Note que, nos cantos superiores e inferiores da tela, o pintor holandês representou dois momentos que, de acordo com os valores cristãos, são definitivos para os seres humanos: a morte (nos dois cantos da parte superior) e o juízo final (reproduzido no detalhe). bóchi também representou nos cantos da tela duas dimensões destinadas à humanidade após a morte: o paraíso e o inferno.

O auto como instrumento de catequização

Na época da chegada dos europeus às terras que hoje constituem o Brasil, muitos religiosos foram enviados para o local com a missão de catequizar, ou seja, transmitir valores religiosos cristãos e converter os povos aqui encontrados. Chamados jesuítas, esses padres compunham uma ordem religiosa denominada Companhia de Jesus.

O teatro foi um dos instrumentos de catequização utilizados pelos jesuítas. As peças sempre eram acompanhadas de danças e de músicas. Um dos gêneros mais adotados por esses religiosos era o auto. Colonos e indígenas participavam das montagens teatrais e, assim, os autos sofriam diversas influências culturais, como o acréscimo de personagens da mitologia indígena, o uso da língua nativa nos diálogos e a utilização de máscaras, plumagem e instrumentos musicais, como chocalhos e apitos. Nas apresentações, além das narrativas hagiográficas (da vida dos santos), eram abordados temas relacionados à realidade local.

O padre José de Anchieta (1534-1597) teve influência de Gil Vicente e se tornou um dos grandes responsáveis pela difusão da linguagem teatral entre os indígenas. Ele foi o organizador da primeira gramática considerada brasileira, escrita em língua tupi. Esse conhecimento da cultura indígena facilitava o contato com os nativos e também a dominação e a catequização desses povos. Mesmo com as influências culturais dos indígenas, o teatro de Anchieta impunha a cultura do colonizador aos povos nativos do Brasil. Em decorrência desses processos, muitas das manifestações cênicas, de canto e de dança dos povos indígenas foram sendo substituídas, e algumas delas deixaram de existir.

Pintura. Homem vestido com uma batina marrom escreve na areia de uma praia com um bastão de madeira. Observando ele, há duas pessoas mais distantes, uma sentada na pedra e a outra em pé. Há um crucifixo no topo de um banco de areia. Há pássaros na praia, próximos ao padre, e outros voando no céu.
CALIXTO, Benedito. Poema à Virgem Maria. 1901. Óleo sobre tela, 68 por 96 centímetros. Colégio São Luís, São Paulo (São Paulo).

Arte e muito mais

A arte missioneira

Para facilitar a catequização, os jesuítas instalaram na colônia diversos aldeamentos chamados missões. Neles, os religiosos impunham o modo de vida cristão, obrigando os indígenas a abandonar suas crenças e seus valores.

As ruínas apresentadas na fotografia são da igreja de São Miguel Arcanjo, localizada no sítio arqueológico de São Miguel das Missões, que foi um aldeamento fundado no século dezessete por jesuítas espanhóis que se instalaram nas terras que correspondem ao atual estado do Rio Grande do Sul. Na missão de São Miguel, viviam os Guarani, indígenas que atual­mente habitam diversas regiões do Brasil, da Bolívia, do Paraguai e da Argentina.

Fotografia. Ruínas de uma igreja antiga com paredes grandes e uma janela central acima da porta. À esquerda, há uma grande torre. Não há mais telhado sobre a construção. Há alguns tijolos espalhados no terreno onde se encontra a igreja.
Ruínas da igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões (Rio Grande do Sul). Fotografia de 2017.

Para disseminar os valores católicos, além do teatro, os jesuítas utilizaram outros elementos da arte em suas diversas manifestações. Nas missões jesuíticas, por exemplo, os prédios e as imagens sacras tinham função catequética. Para alcançar esse objetivo, os padres jesuítas introduziram elementos do Barroco europeu nas construções e nas esculturas missioneiras, consideradas as mais antigas influências do Barroco no Brasil.

Como uma das características da arte barroca era o forte apelo emocional, a utilização dessas referências contribuía para os objetivos de dominação dos povos colonizados.

Ícone. Tema Contemporâneo Transversal. Multiculturalismo.

Faça no diário de bordo.

Forme um grupo com os colegas e faça uma pesquisa sobre outros exemplos de patrimônio cultural originários do período barroco no Brasil. Vocês encontrarão esculturas, pinturas, edifícios e até vilas inteiras. Façam uma roda de conversa para refletir sobre a influência da religião nesse período, com base nos exemplos escolhidos pelos grupos.

A igreja de São Miguel Arcanjo, por exemplo, foi construída de acordo com os padrões da arquitetura barroca. Acredita-se que a construção da igreja tenha começado por volta do ano 1735 e tenha durado cêrca de dez anos. O projeto da igreja é atribuído a Gian Battista Primoli (1673­-1747), arquiteto que atuou em diversos agrupamentos jesuítas na América.

Além da igreja, havia outras construções em São Miguel das Missões, como uma praça, um colégio, um cemitério e casas em que moravam os indígenas. Ao longo dos anos, em decorrência de diversas disputas e do abandono, as construções do aldeamento foram destruídas.

Hoje, restam apenas ruínas no local. O interior da igreja era ornamentado com pinturas e esculturas sacras. Muitas dessas peças, ao longo dos anos, foram roubadas ou destruídas, mas algumas esculturas e alguns fragmentos de antigas construções missioneiras foram preservados e estão no Museu das Missões, que fica nesse sítio arqueológico.

Fotografia. Parte da coluna de uma obra arquitetônica de estilo barroco, com detalhes em alto relevo em destaque.
Detalhe das ruínas da igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões (Rio Grande do Sul). Fotografia de 2008.
Fotografia. Escultura de um homem que veste uma batina marrom e segura um pequeno bebê em seus braços.
Escultura sacra de madeira (século dezessete), produzida por indígenas Guarani na Missão Jesuítica de São Miguel. Museu das Ruínas de São Miguel, São Miguel (Rio Grande do Sul).

Faça no diário de bordo.

Experimentações


Em grupos de oito estudantes, vocês apresentarão uma leitura dramática da cena de Auto da Compadecida, que vocês conheceram na seção Entre textos e imagens. Lembre-se de que, no teatro, a leitura dramática é voltada a explorar o texto, mesmo que ele ainda não tenha sido decorado (memorizado) pelos atores. Com o texto em mãos, os atores devem atribuir à fala as intenções e as características das personagens.

Procedimentos

  1. Com a orientação do professor, estudem coletivamente a cena e registrem suas características: onde ela ocorre; quais são os assuntos tratados; quais são as principais características de cada personagem.
  2. Em cada grupo, conversem sobre a cena, distribuam as personagens e dividam-se em funções: atores, diretor, leitor das rubricas, sonoplasta, iluminador, diretor de arte (cenografia, figurino, maquiagem e adereços).
  3. Ensaiem a leitura dramática, com os elementos que integrarão a apresentação (som, luz, cenografia, figurino, maquiagem e adereços).
  4. Seguindo as orientações do professor, apresentem a leitura dramática aos colegas. Eles serão sua plateia, e vocês serão a plateia deles.

Avaliação

  1. Por fim, sob a orientação do professor, organizem-se em uma roda de conversa para compartilhar suas impressões e experiências. Conversem sobre como foi encenar as personagens com o texto em mãos, expressar oralmente as intenções delas, quais soluções cênicas os colegas apresentaram e como foi sua participação.
  2. Em seu diário de bordo, registre um relato pessoal sobre como você acha que se desenvolveu expressivamente na atividade.
    Ilustração. Ícone do diário de bordo.

Glossário

Agreste pernambucano
: uma das cinco regiões em que está dividido o estado de Pernambuco. Caruaru é a maior cidade do Agreste pernambucano.
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Profano
: aquilo que não é sagrado.
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Cangaceiro
: integrante de bandos armados que perambulavam pelo Sertão nordestino entre o século dezenove e a primeira metade do século vinte.
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Roteirizar
: escrever o roteiro de uma peça ou de um filme.
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