Tema 2  O teatro como retrato de uma época

O rei da vela

Os dramaturgos, muitas vezes, utilizam suas peças teatrais para apresentar sua visão dos diferentes aspectos da sociedade em que vivem. Um exemplo é a peça O rei da vela, escrita por osváld de Andrade, que, como você aprendeu na Unidade 1, foi um dos nomes mais importantes do Modernismo brasileiro. Essa peça foi escrita em 1933 e publicada em 1937.

Em O rei da vela, osváld de Andrade apresenta uma visão crítica abordando de modo cômico e satírico os costumes e os valores da sociedade da época. Dois dos principais personagens da história são Abelardo um e Abelardo dois, proprietários da Abelardo & Abelardo, uma empresa de agiotagem (que empresta dinheiro a juros superiores às taxas estabelecidas pelo governo). A palavra vela, na época, também era utilizada para se referir à prática da agiotagem, que é criticada na peça.

A fotografia a seguir mostra uma cena da montagem de O rei da vela realizada em 2018 pelo grupo Parlapatões, Patifes e Paspalhões, mais conhecido apenas como grupo Parlapatões. Hugo Possolo atuou na peça, fez a adaptação do texto original de osváld de Andrade e dirigiu o espetáculo.

Fotografia. Ator maquiado com bigodes pretos, sobrancelhas grossas e nariz pintado de vermelho e branco. Ele usa um paletó branco e uma gravata borboleta preta, e está sentado em uma cadeira. Ele segura próximo ao ouvido um objeto feito de arames e canos  que se assemelha a um telefone antigo. Está rodeado por canos dourados.
O ator Hugo Possolo como Abelardo primeiro em cena do espetáculo O rei da vela, do grupo Parlapatões, em São Paulo (São Paulo), em 2018.

A montagem dos Parlapatões

Em sua montagem de O rei da vela, o grupo Parlapatões realizou uma adaptação do texto original de osváld de Andrade. Como vimos no Tema anterior, a adaptação é um recurso utilizado pelos artistas para transpor obras de uma linguagem artística para outra (do teatro para o cinema ou a televisão, por exemplo). No entanto, também chamamos adaptação quando, utilizando uma mesma linguagem, um grupo de artistas atualiza determinada obra para sua época. Esse é o caso da montagem do grupo Parlapatões.

Nessa versão, os Parlapatões trazem para a cena o autor osváld de Andrade, personagem que se mostra um narrador inquieto, que expõe a estrutura de sua história. Além disso, a fim de aproximar a obra do atual contexto político, o grupo fez algu­mas adaptações nos diálogos, inserindo textos da atualidade, bem como cortou algumas cenas e modificou a ordem do texto original, conferindo mais dinamismo à trama.

Uma das marcas da versão de O rei da vela do grupo Parlapatões é a intensa presença da música, que é executada por uma banda ao vivo, durante a encenação. Essa proposta faz parte do trabalho de direção musical, coordenado por Fernanda Maia.

Fotografia. Três atrizes em uma peça de teatro. Elas usam perucas loiras e duas delas também estão com chapéus extravagantes nas cores verde e amarelo; todas usam batom preto. Da direita para a esquerda, uma senhora usa um vestido azul longo; uma mulher de cabelos curtos gargalha e usa calça e colete cinzas com uma camisa branca; a última mulher usa um vestido curto dourado com meia arrastão.
As atrizes Fernanda Maia, Fernanda Zaboróviskí e Camila Turim, do grupo Parlapatões, em cena da peça O rei da vela. São Paulo (São Paulo), 2018.

Por dentro da arte

Direção musical e sonoplastia

No teatro, assim como o texto e a atuação, a trilha sonora tem papel fundamental no desenvolvimento da história. A música pode modificar completamente a sensação da plateia em relação a determinada cena. Muitas vezes, uma cena romântica pode se tornar cômica, dependendo da trilha sonora que a acompanha.

Na montagem de O rei da vela feita pelo grupo Parlapatões, a atriz e musicista Fernanda Maia escolheu uma trilha sonora composta de músicas brasileiras que contêm acentuada crítica social e optou por uma banda, que executa a trilha ao vivo. Isso cria um clima festivo para o espetáculo.

O trabalho de seleção musical e da escolha dos momentos da história que serão acompanhados de determinada música é atribuição do diretor musical.

Além da trilha sonora, os sons são essenciais em uma montagem teatral. Por meio de efeitos sonoros, os artistas podem criar, por exemplo, a sensação de uma tempestade ou também de uma explosão. A área que cuida da seleção e da execução dos sons em uma montagem teatral é a sonoplastia.

Fotografia. Retrato de uma atriz representando um personagem com o dedo em riste. Ela tem cabelo médio cacheado loiro e está maquiada com batom azul e alguns detalhes em branco (ao redor dos olhos e ao redor do rosto). Usa um chapéu vermelho e está vestida com uma camiseta branca e paletó preto.
Fernanda Maia também atuou como atriz na montagem de O rei da vela do grupo Parlapatões. São Paulo (São Paulo), 2018.

Experimentações


A turma será divida em dois grupos, um observará a atividade como espectador, o outro fará o improviso. Forme uma dupla com um colega do seu grupo e siga as orientações do professor.

Procedimentos

  1. Se você for do grupo de improvisão, posicione-se diante de seu colega, a uma distância razoável. Caminhe, lentamente, em direção a ele e se cumprimentem com um aperto de mão. Repitam a ação algumas vezes até que ambos fixem o tempo de execução da ação.
  2. O professor colocará uma trilha sonora, variando os estilos musicais. Permaneçam executando a ação no tempo fixado.
Fotografia. Duas garotas adolescentes caminham uma em direção a outra, em um parque bastante arborizado. A garota da esquerda usa o cabelo amarrado no topo da cabeça e está vestida com calça jeans, camiseta rosa, jaqueta jeans por cima e tênis branco. A garota da direita tem cabelos castanhos médios e veste uma camiseta escura com uma camisa xadrez vermelha e preta por cima, calça jeans e tênis preto.
Fotografia. Duas garotas adolescentes se cumprimentam com um aperto de mãos em um parque bastante arborizado. A garota da esquerda usa o cabelo amarrado no topo da cabeça e está vestida com calça jeans, camiseta rosa, jaqueta jeans por cima e tênis branco. A garota da direita tem cabelos castanhos médios e veste uma camiseta escura com uma camisa xadrez vermelha e preta por cima, calça jeans e tênis preto.
Estudante caminhando em direção a outra estudante e as duas se cumprimentando com um aperto de mãos. São Paulo (São Paulo), 2002.
  1. Se você for do grupo de espectadores, vai observar as diferenças decorridas das mudanças de estilo da trilha sonora.
  2. Em seguida, os grupos deverão trocar as funções e repetir a dinâmica.
  3. Converse com os colegas sobre o que você percebeu e sobre a importância da música na leitura de uma cena.

Por dentro da arte

osváld de Andrade e o teatro moderno

Fotografia em preto e branco. Retrato de um homem que usa chapéu arredondado e está vestido com paletó, gravata e camisa social.
osváld de Andrade em cêrca de 1920.

Desde jovem, osváld de Andrade realizou trabalhos como escritor e redator em revistas e em jornais. Ao longo de sua carreira, além de atuar como dramaturgo, osváld de Andrade dedicou-se a outros gêneros literários, como a poesia e o romance.

osváld foi um dos mais importantes escritores brasileiros e esteve à frente do Modernismo, movimento que representou a ruptura no modo como as artes eram tratadas no país. Ele também escreveu o texto que se tornou o marco do movimento modernista no Brasil, o Manifesto Antropófago.

Como você aprendeu na Unidade 1, entre as principais reivindicações modernistas estava a criação de uma arte genuinamente brasileira, que “devorasse” as referências das vanguardas europeias (como o Cubismo e o Expressionismo) e as assimilasse em produções nacionais. Além disso, os modernistas se engajaram na politização da arte, convocando os artistas brasileiros a retratar o contexto sociocultural e econômico do Brasil em suas obras.

No entanto, o teatro foi a única linguagem artística que tardou a assimilar as rupturas modernistas. Mesmo com uma produção específica de peças de teatro escritas por osváld de Andrade, a renovação nos palcos brasileiros só aconteceu em meados da década de 1940, quando a comédia de costumes cedeu espaço a uma dramaturgia que abordava os problemas do Brasil contemporâneo.

O marco do surgimento do teatro moderno brasileiro foi a peça Vestido de noiva, escrita por Nelson Rodrigues, em 1943.

Mas, sem dúvida, foi osváld de Andrade quem lançou as bases da moderna dramaturgia brasileira, reconhecida somente anos mais tarde na montagem de O rei da vela pelo Teatro Oficina, que você vai conhecer a seguir.

Com a obra de osváld e de outros dramaturgos, como Jorge Andrade (1922-1984) e, depois, Nelson Rodrigues (1912-1980), o teatro passou a incorporar nos textos o contexto sociocultural, político e econômico do país, estimulando a ruptura com os convencionalismos do passado e abrindo caminho para o teatro moderno brasileiro.

O texto de O rei da vela

A peça O rei da vela é dividida em três atosglossário . Grande parte da história acontece no escritório da Abelardo & Abelardo, no qual os proprietários recebem clientes que passam por dificuldades financeiras.

Abelardo segundo é caracterizado como um domador de feras, usando um chicote para atender seus clientes, que ficam presos em uma jaula. Na história, osváld de Andrade faz uma crítica ao modo como a burguesia explora as pessoas mais simples, se alia aos latifundiários falidos e depende do capital estrangeiro, em um movimento cíclico.

Observe na fotografia a personagem Abelardo segundo (à esquerda).

Fotografia. Atores em peça teatral. À esquerda, um homem de cabelo escuro curto e barba rala, vestido com camisa branca, colete preto e calça preta. Ele está ajoelhado segurando um objeto semelhante a uma corda na mão. Ao lado, uma mulher de cabelo loiro, vestida com paletó e calça pretos, está sentada no chão e se segura nos braços do homem. Ao fundo, em pé, um homem vestido com um paletó branco, gravata borboleta e calça pretas.
Os atores Conrado Sardinha (Abelardo segundo), Camila Turim e Hugo Possolo em cena de O rei da vela, do grupo Parlapatões. São Paulo (São Paulo), 2018.

Leia um trecho do primeiro ato de O rei da vela, peça teatral escrita por osváld de Andrade.

reticências

Abelardo I, Abelardo II e O Cliente

Abelardo primeiro (Sentado em conversa com O Cliente. Aperta um botão, ouve-se um forte barulho de campainha.) — Vamos verreticências

Abelardo segundo (Veste botas e um [traje] completo de domador de feras. Usa pastinha e enormes bigodes retorcidos. Monóculo. Um revólver à cinta.) – Pronto, seu Abelardo.

Abelardo primeiro— Traga o dossiê desse homem.

Abelardo segundo — Pois não! O seu nome?

O Cliente (Embaraçado, o chapéu na mão, uma gravata de corda no pescoço magro.) — Manoel Pitanga de Moraes.

Abelardo segundo — Profissão?

O Cliente — Eu era proprietário quando vim aqui pela primeira vez. Depois fui dois anos funcionário da Estrada de Ferro Sorocabana. O empréstimo, o primeiro, creio que foi feito para o parto. Quando nasceu a meninareticências

Abelardo segundo — Já sei. Está nos IMPONTUAIS. (Entrega o dossiê reclamado e sai.)

Abelardo primeiro (Examina.) — Veja! Isto não é comercial, seu Pitanga! O senhor fez o primeiro empréstimo em fins de 29. Liquidou em maio de 1931. Fez outro em junho de 31, estamos em 1933. Reformou sempre. Há dois meses suspendeu o serviço de jurosreticências Não é comercialreticências

O Cliente Exatamente. Procurei o senhor a segunda vez por causa da demora de pagamento na Estrada, com a Revolução de 30. A primeira foi para o parto. A criança já tinha dois anos. E a Revolução de 30reticências Foi um mau sucesso que complicou tudoreticências

Abelardo primeiro — O senhor sabe, o sistema da casa é reformar. Mas não podemos trabalhar com quem não paga jurosreticências Vivemos disso. O senhor cometeu a maior falta contra a segurança do nosso negócio e o sistema da casareticências

O Cliente — Há dois meses somente que não posso pagar juros.

Abelardo primeiro — Dois meses. O senhor acha que é pouco?

O Cliente — Por isso mesmo é que eu quero liquidar. Entrar num acordo. A fim de não ser penhorado. Que diabo! O senhor tem auxiliado tanta gente. É o amigo de todo mundoreticências Por que comigo não há de fazer um acordo?

Abelardo primeiro — Aqui não há acordo, meu amigo. Há pagamento!

O Cliente — Mas eu me acho numa situação triste. Não posso pagar tudo, seu Abelardo. Talvez consiga um adiantamento para liquidarreticências

Abelardo primeiro — Apesar de sua impontualidade, examinaremos as suas propostasreticências

O Cliente — Mas eu fui pontual dois anos e meio. Paguei enquanto pude! A minha dívida era de um conto de réis. Só de juros eu lhe trouxe aqui nesta sala mais de dois contos e quinhentos. E até agora não me utilizei da lei contra a usura...

Abelardo primeiro (Interrompendo-o, brutal.) — Ah! Meu amigo. Utilize-se dessa coisa imoral e iníqua. Se fala de lei de usura, estamos com as negociações rotasreticências Saia daqui!

O Cliente — Ora, seu Abelardo. O senhor me conhece. Eu sou incapaz!

Abelardo primeiro — Não me fale nessa monstruosidade porque eu o mando executar hoje mesmo. Tomo-lhe até a roupa, ouviu? A camisa do corpo.

O Cliente Eu não vou me aproveitar, seu Abelardo. Quero lhe pagar. Mas quero também lhe propor um acordo. A minha situação é tristereticências Não tenho culpa de ter sido dispensado. Empreguei-me outra vez. Despediram-me por economia. Não ponho minha filhinha na escola porque não posso comprar sapatos para ela. Não hei de morrer de fome também. Às vezes não temos o que comer em casa. Minha mulher agora caiu doente. No entanto, sou um homem habilitado. Tenho procurado inutilmente emprego por toda a parte. Só tenho recebido nãos enormes. Do tamanho do céu! Agora, aprendi escrituração, estou fazendo umas escritas. Uns biscates. Hei de arribarreticências Quero ver se adiantam para lhe pagar.

Abelardoprimeiro — Mas, enfim, o que é que o senhor me propõe?

O Cliente — Uma pequena redução no capital.

Abelardo primeiro — No capital? O senhor está maluco! Reduzir o capital? Nunca!

O Cliente — Mas eu já paguei mais do dobro do que levei daquireticências

Abelardo primeiro — Me diga uma coisa, seu Pitanga. Fui eu que fui procurá-lo para assinar este papagaio? Foi o meu automóvel que parou diante do seu casebre para pedir que aceitasse o meu dinheiro? Com que direito o senhor me propõe uma redução no capital que eu lhe emprestei?

O Cliente (Desnorteado.) — Eu já paguei duas vezes...

Abelardo primeiro — Suma-se daqui! (Levanta-se.) Saia ou chamo a polícia. É só dar o sinal de crime neste aparelho. A polícia ainda existe...

O Cliente — Para defender os capitalistas! E os seus crimes!

Abelardo primeiro — Para defender o meu dinheiro. Será executado hoje mesmo. (Toca a campainha.) Abelardo! Dê ordens para executá-lo! Rua! Vamos. Fuzile-o. É o sistema da casa.

O Cliente — Eu sou um covarde! (Vai chorando.) O senhor abusa de um fraco, de um covarde!

(Menos o cliente.)

Abelardo primeiro — Não faça entrar mais ninguém hoje, Abelardo.

Abelardo segundo — A jaula está cheiareticências seu Abelardo!

Abelardo primeiro — Mas esta cena basta para nos identificar perante o público. Não preciso mais falar com nenhum dos meus clientes. São todos iguais. Sobretudo, não me traga pais que não podem comprar sapatos para os filhosreticências

reticências

ANDRADE, osváld de. O rei da vela. São Paulo: Globo, 2003. página 39-43. (Obras completas de osváld de Andrade).

A montagem do Teatro Oficina

A primeira montagem do espetáculo O rei da vela foi feita em 1967 pelo Teatro Oficina, grupo fundado em São Paulo (São Paulo) em 1958. No início, o Teatro Oficina era um projeto estudantil, mas, com o passar do tempo, profissionalizou-se e tornou-se um dos mais influentes grupos de teatro do Brasil. Em 1984, passou a se chamar Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona.

Ao encenar O rei da vela, o Teatro Oficina transportou o texto de osváld de Andrade para a realidade brasileira da década de 1960, promovendo uma reflexão a respeito de questões políticas e sociais do Brasil daquela época. A montagem de O rei da vela de 1967 foi dirigida por José Celso Martinez Corrêa, um dos idealizadores e líderes do Teatro Oficina.

Essa montagem teve em seu elenco atores como Dina Isfáti (1938-1989), Esther Góes, Fernando Peixoto (1937-2012), Ítala Nandi, Óton Bastos e Renato Bórgui. Observe os registros dessa montagem nas fotografias reproduzidas a seguir.

Fotografia em preto e branco. Homem de cabelo curto e bigode, vestido com paletó e sapato social, está em pé, entre uma poltrona e uma mesa antiga. Ao fundo, observa-se alguns letreiros nas portas.
O ator Renato Bórgui interpreta a personagem Abelardo primeiro em montagem de O rei da vela realizada pelo Teatro Oficina. São Paulo (São Paulo), 1967.
Fotografia em preto e branco. Em primeiro plano, à esquerda, um homem com uma vara na mão, vestido com shorts e um colete curto, além de uma longa capa, que encobre sua cabeça. À direita, um homem e uma mulher sentados embaixo de um guarda-sol observam o outro homem. Ao fundo, cenário representando a cidade do Rio de Janeiro, com o Cristo Redentor e a orla marítima com algumas embarcações.
Os atores Edigár Gurgel Aranha (no primeiro plano), Etty Frêizer e Renato Bórgui (sentados, ao fundo) em cena de O rei da vela do Teatro Oficina. São Paulo (São Paulo), 1967.

Cinquenta anos depois

Em 2017, o Teatro Oficina fez uma remontagem da peça O rei da vela dirigida por José Celso Martinez Corrêa e na qual ele também atuou, em comemoração aos cinquenta anos de sua estreia. Do elenco original da montagem de 1967, Renato Bórgui mais uma vez interpretou a personagem Abelardo primeiro.

Observe as fotografias a seguir.

Fotografia. Apresentação teatral. Homem idoso com o rosto pintado imitando um grande bigode preto e uma mancha no olho, vestido com paletó cinza e colete vermelho. Ele está à frente de uma mesa, em um cenário que remete a um escritório. Ao fundo, do lado esquerdo, há uma fotografia do ex-presidente Getúlio Vargas na parede. À direita, pessoas se aglomeram em uma cela de prisão. O ambiente tem tons em vermelho, incluindo o chão.
Renato Bórgui interpreta a personagem Abelardo primeiro em remontagem de O rei da vela realizada pelo Teatro Oficina. São Paulo (São Paulo), 2017.
Fotografia. Atores atuam em um palco cujo cenário é uma pintura representando a cidade do Rio de Janeiro, com o Cristo Redentor, praias e morros característicos dessa cidade. Os atores representam diversos personagens, entre eles, um militar, uma senhora de vestes tradicionais, uma menina, entre outros.
Elenco do Teatro Oficina em cena de remontagem de O rei da vela. De vestido longo e chapéu preto, José Celso Martinez Corrêa interpreta a personagem Dona Poloquinha. São Paulo (São Paulo), 2017.

O diretor e encenador teatral

Você leu anteriormente que José Celso Martinez Corrêa foi responsável pelas montagens de O rei da vela realizadas pelo Teatro Oficina em 1967 e em 2017.

Na montagem de uma peça, o papel do diretor teatral é muito importante. Entre as funções do diretor, estão: a escolha do elenco, a orientação dos atores em sua interpretação e movimentação no palco e a organização dos ensaios. Além desse trabalho organizacional, o diretor teatral assume a função de encenador.

Uma das atribuições do encenador é escolher materiais disparadores para o processo criativo (imagens, textos, temas) e a definição dos elementos artísticos que serão adotados na montagem. É o encenador quem articula as diferentes artes do palco (atuação, sonoplastia, iluminação, cenografia, figurinos, dramaturgia) e busca dar à sua montagem um discurso próprio, para além do texto. É também tarefa do encenador a perspectiva estética da montagem teatral, escolhendo estilos de representação e, quando é o caso, criando uma linguagem específica para o texto que será encenado.

Fotografia. Homem idoso, de cabelos brancos, vestido com uma túnica branca. Ele está em um espaço a céu aberto, rodeado de prédios. Está com os braços abertos e as mãos espalmadas.
José Celso Martinez Corrêa em terreno ao lado do Teatro Oficina, em São Paulo (São Paulo). Fotografia de 2018.

A concepção visual

A concepção visual é um dos aspectos mais importantes de um espetáculo teatral. Entre os elementos visuais que compõem a construção de uma peça, estão os cenários e os figurinos.

Nas duas montagens de O rei da vela realizadas pelo Teatro Oficina, o responsável por desenvolver esses elementos foi o cenógrafo Hélio Aichbáuer (1941-2018). Ao criar os cenários para essa peça, algumas das referências de Hélio Aichbáuer foram o circo, o cinema mudo e obras de pintores modernistas como Lasar Segall, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. Um dos elementos cenográficos mais marcantes da montagem de O rei da vela é um grande telão que recria a baía da Guanabara, famoso ponto turístico do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro).

Fotografia. Destaque para o rosto de um homem de cabelo castanho curto, vestido com paletó marrom. Ele segura o queixo com uma das mãos.
Hélio Aichbáuer no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro), em 2006.

Observe uma reprodução do desenho desse telão e estabeleça uma comparação com as fotografias apresentadas anteriormente.

Ilustração. Cenário de uma peça teatral. Um homem de cabelo e bigode pretos, vestido com paletó verde e calça e sapatos brancos, anda de bengala em cima de de uma poça vermelha. Ao fundo, desenho da pintura que representa a cidade do Rio de Janeiro, com o Cristo Redentor e as praias com prédios à beira-mar. A ilustração mostra manchas vermelhas escapando do cenário, se alastrando pelas paredes e pelo chão.
Desenho de cenário criado por Hélio Aichbáuer para a montagem original de O rei da vela, em 1967.

Os figurinos

Para criar os figurinos de O rei da vela, Hélio Aichbáuer reuniu muitas referências. As cores das bandeiras do Brasil, do estado de São Paulo e dos Estados Unidos, bem como os ternos brancos utilizados pelos políticos na década de 1930, são alguns dos elementos que compõem os figurinos de O rei da vela do Teatro Oficina. Além disso, os figurinos contam com um estilo irreverente, que não reproduz a realidade, mas apresenta as características principais de cada personagem e localiza sua função social.

Observe dois desenhos dos figurinos da peça. Ao analisar os desenhos, note que, no primeiro, a personagem Dona Poloquinha apresenta como uma das características a devoção religiosa (observe as cruzes e os rosários que compõem seu figurino), além de usar vestimentas que fazem referência a um passado distante. O segundo desenho mostra o figurino de Abelardo segundo no final da peça, depois de ter roubado Abelardo I. Note como a personagem é retratada de modo semelhante a um “mafioso”.

Ilustração. Mulher idosa de cabelo grisalho, usando um vestido longo na cor rosa e um colar com um grande crucifixo. Ela segura em suas mãos um chicote e um terço.
Ilustração. Um homem usando uma máscara preta que encobre sua face. Ele está vestido com um terno de listras verticais, colete e gravata  e sapatos bicolores.
Desenhos de figurinos criados por Hélio Aichbáuer para a montagem original de O rei da vela, em 1967.

A maquiagem também é um aspecto fundamental na caracterização das personagens. Na montagem de O rei da vela do Teatro Oficina, em 1967, Helio Aichbáuer buscou referência na irreverência dos palhaços para criar máscaras de tinta no rosto dos atores, destacando e exagerando alguns traços dessas personagens, transformando-as em caricaturas.

Por dentro da arte

O desenho como projeto

O desenho é utilizado como ferramenta para o processo criativo nas diferentes áreas das artes. Por meio das linhas do desenho, o artista representa graficamente suas ideias a respeito de um projeto. Foi o que fez Hélio Aichbáuer ao criar os cenários e os figurinos para a montagem de O rei da vela.

Os desenhos são fundamentais no processo de montagem de um espetáculo teatral, pois apresentam ao encenador e à equipe da peça as ideias do figurinista e do cenógrafo, dando a dimensão da concepção visual que o espetáculo poderá ter. Além disso, o desenho é a base com a qual os ou as costureiros(as) e os ou as cenotécnicosglossário (as) vão produzir o figurino e os cenários.

Faça no diário de bordo.

Experimentações


Nesta Unidade, você estudou aspectos da obra O rei da vela, de osváld de Andrade, bem como das montagens dessa peça feitas pelo Teatro Oficina (1967 e 2017) e pelo grupo Parlapatões (2018). Agora é a sua vez de se aventurar em uma experiência teatral, considerando alguns aspectos dessa obra.

Procedimentos

  1. Reúnam-se em grupos de três a cinco integrantes e, sob a orientação do professor, construam uma nova cena com as personagens da história. Vocês terão liberdade para criar qualquer situação, desde que tenham como referência a descrição de personagens apresentada pelo professor.
  2. Decidam coletivamente as personagens da peça que estarão na cena de seu grupo. Então, escolham o lugar em que a cena vai se passar (por exemplo, na fila de um banco, em um restaurante, em uma sala de entrevistas). Depois, decidam qual será a situação apresentada na cena (por exemplo, um comício político ou um jantar sofisticado). É importante que sua escolha apresente novas situações para as personagens de osváld de Andrade, adaptando os temas trabalhados na obra para o atual contexto histórico, econômico e social.
  3. Improvisem essa nova cena diante dos colegas da turma. Para essa improvisação, podem ser utilizados outros elementos que auxiliem na construção da cena, como mesas, cadeiras, objetos que estejam disponíveis e mesmo músicas que possam ser executadas durante a apresentação.

Avaliação

Depois que todos os grupos se apresentarem, seguindo as orientações do professor, formem uma roda com toda a turma e conversem sobre essa atividade. A seguir, estão algumas questões que podem ser discutidas.

  1. Quais foram as dificuldades encontradas na preparação e na realização da atividade?
  2. O que mais chamou a atenção em cada uma das improvisações?
  3. As cenas improvisadas se relacionaram com o atual contexto histórico?
  4. Foi possível reconhecer algumas das características da obra de osváld de Andrade nas cenas apresentadas?
  5. As características das personagens ficaram evidentes?
  6. De que modo as novas situações modificaram as personagens e o enredo da peça?
  7. Todos tiveram a oportunidade de participar da cena e de decidir sobre ela? De que fórma isso foi definido pelo grupo?

Glossário

Ato
: cada uma das em partes, de igual importância em função do tempo e do desenvolvimento da ação, em que uma peça é dividida.
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Cenotécnico
: é o profissional responsável pela execução dos projetos desenvolvidos pelo cenógrafo.
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