Tema 2 A dança a partir do século XX
A dança moderna
Propostas contemporâneas como as desenvolvidas pela Companhia Fusion de Danças Urbanas e pelo grupo Margaridas Dança integram uma série de mudanças que começaram a ocorrer na dança a partir do século vinte, quando diversos dançarinos e pesquisadores passaram a renovar e a ampliar suas concepções e ideias a respeito dessa arte dando início ao que chamamos de dança moderna. Para entender quais foram essas rupturas, precisamos saber como era a dança antes delas.
Dançar é algo que acontece desde os tempos mais antigos, quando nossos ancestrais realizavam movimentos em ritos sagrados. A partir desses primeiros movimentos, a dança se desdobrou de diversas fórmas e, em diferentes épocas e lugares, assumiu as mais variadas características.
O balé foi o estilo de dança com o qual os precursores da dança moderna romperam diretamente, criando e, propondo outras fórmas de dançar, organizar o corpo e os seus movimentos. O balé surgiu nos salões em festas dos reinos e teve como seu maior entusiasta o rei francês Luís catorze (1638-1715), também conhecido como Rei Sol. Dos bailes, a dança foi para os palcos e se desenvolveu até culminar no que chamamos de balé romântico. Nesse período também surgiu a sapatilha de ponta, tão característica do balé. A primeira bailarina a dançar nas pontas foi Marie Taglioni (1804-1884), no balé La Sylphide.
As rupturas
As coreografias no balé romântico quase sempre mantinham o mesmo padrão: uma história romântica (temática), a presença de uma protagonista (primeira bailarina) e o corpo de baile. As apresentações aconteciam em palco italiano (palco tradicional, no qual a plateia assiste ao espetáculo de frente), com música clássica tocada por orquestra.
As coreografias eram compostas de movimentos simétricos e criteriosamente ensaiados (o papel dos bailarinos era apenas executar as coreografias criadas pelo coreógrafo). Esses movimentos tinham relação direta com a música, e os figurinos eram específicos para esse tipo de dança (tutu para as bailarinas, colante e calça para os bailarinos).
Durante muitas décadas, o balé romântico foi uma espécie de “modelo de dança ideal” para a côrte europeia. No entanto, vale lembrar que o século vinte foi palco de duas grandes guerras mundiais, que causaram destruição, miséria e uma mudança profunda na vida das pessoas e na fórma de ver o mundo.
Foi nesse panorama devastado pelas guerras que diversos artistas da dança, sobretudo mulheres, perceberam que era impossível continuar dançando e se expressando com base no pensamento romântico. Para eles, era preciso criar outros modos de expressar o tempo e a realidade que estavam vivendo e refletir sobre eles. Foi assim que surgiu a dança moderna.
Observe a seguir alguns expoentes desse novo olhar sobre a dança.
Isadora Dankãn
Uma das pioneiras da dança moderna, a dançarina estadunidense Isadora Dankãn (1877-1927) incorporou à dança movimentos que se libertavam dos códigos preestabelecidos, valorizando os sentimentos e as emoções na composição de suas coreografias. Para ela, a dança deveria ser a expressão da alma, e não a exibição de técnicas.
Dankãn revolucionou a linguagem da dança ao propor a liberdade de movimentos. Como você já viu, no balé romântico os bailarinos apenas executavam as coreografias criadas pelo coreógrafo. Dankãn , ao contrário, passou a criar os próprios movimentos, livres e sem a simetria rígida do balé. Ela também mudou a relação com a música, muitas vezes dançando sem música ou ao som da natureza. Suas coreografias não ficavam presas a uma relação frontal com a plateia; ela usava até mesmo espaços ao ar livre para dançar.
A concepção de dança de Dankãn influenciou artistas do mundo todo, possibilitando a introdução de novas fórmas de dançar. No Brasil, os dançarinos Klauss Vianna (1928-1992) e ângel Vianna, influenciados pela dançarina, se destacaram ao desenvolver novas práticas de dança.
As mudanças no figurino
Uma das transformações mais marcantes de Isadora Dankãn foi abolir a sapatilha de ponta e dançar com os pés descalços, buscando uma relação direta com a terra e com a concretude da vida. Ela também abandonou o figurino tradicional do balé usando vestes leves e esvoaçantes, inspiradas naquelas utilizadas pelas mulheres da Grécia antiga.
Observe as fotografias.
Loie Fuller
Outra dançarina estadunidense que contribuiu para a consolidação da dança moderna foi Louí Fúler (1862-1928). Assim como Isadora Dankãn , Fuller acreditava que a dança devia se libertar das narrativas dos contos de fadas, dos figurinos que restringiam movimentos e das coreografias fundamentadas em passos preestabelecidos.
Uma das principais inovações de Louí Fúler foi a criação de uma grande vestimenta de seda sobre a qual eram projetados feixes de luz coloridos durante suas apresentações. Para movimentar essa vestimenta, a dançarina utilizava bastões presos aos braços. O figurino, dessa maneira, transformava-se em uma grande tela em movimento. As coreografias realizadas com esse figurino ficaram conhecidas como dança serpentina.
Louí Fúler viveu muitos anos em Paris, na França, onde seu trabalho alcançou grande repercussão. Na capital francesa, tornou-se amiga de vários artistas, cientistas e intelectuais, como o pintor Henri de Tulúsi-Lautrec (1864-1901) e os irmãos luí (1864-1948) e Oguíst Limiérr (1862-1954), considerados os criadores do cinema.
Por dentro da arte
Louí Fúler, a dançarina
Durante os anos em que viveu em Paris, Louí Fúler influenciou vários artistas na criação de obras visuais. Esses artistas buscavam representar a liberdade de movimentos e os efeitos esvoaçantes dos figurinos da dançarina. Entre as obras que representam Louí Fúler, merece destaque a escultura retratada a seguir.
O autor dessa escultura é Raul Françoá Lárchi (1860-1912), artista que se dedicava à art nouveau, estilo que se desenvolveu na Europa e nos Estados Unidos entre o final do século dezenove e o início do século vinte.
Rudolf Laban
Outro dançarino que revolucionou a dança ocidental no século vinte foi rúdolf Laban (1879-1958). Assim como Isadora Dankãn e Louí Fúler, ele rompeu com as propostas de dança tradicionais e desenvolveu uma nova maneira de conceber a dança e se relacionar com essa manifestação artística.
Laban estudou e pesquisou os movimentos realizados por operários de fábricas. Essa pesquisa possibilitou a ele que identificasse padrões que, mais tarde, foram classificados como fatores do movimento humano.
Com seu trabalho, Laban desejava aproximar a dança da vida das pessoas. Por essa razão, os espetáculos produzidos por ele abordavam questões políticas e sociais da época.
Ele criou também um sistema de notação de movimentos (labanotation) e de coreografias utilizado até os dias de hoje por companhias de dança e coreógrafos do mundo todo.
Suas teorias sobre o movimento e a coreografia estão entre os principais fundamentos da dança moderna.
Artista e obra
méri uíguiman
O Expressionismo se manifestou em várias linguagens artísticas. Esse movimento buscava, por meio do exagero e da deformação da realidade, expressar de fórma subjetiva a natureza e o ser humano, tendo como foco sentimentos e imagens do inconsciente.
Na dança, como resposta ao mundo devastado pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), artistas buscavam expor o lado mais obscuro dos indivíduos, seus medos, desamparo, angústia e fragilidade diante do horror da realidade. Corporalmente isso resultou em uma dança intensa, com foco nas contrações musculares (relaxamentos e tensões), torções do tronco, assimetrias, uso de caretas, deformidades faciais, de gestos, movimentos livres e improvisados, bem como o uso do chão.
A dança expressionista é conhecida também como “dança abstrata”, pois buscou expressar sentimentos e emoções em um movimento contrário ao de contar histórias com começo, meio e fim.
A alemã Méri Wigman (1886-1973) foi uma das bailarinas e coreógrafas mais importantes da dança expressionista. Aluna e colaboradora de rúdolf Laban, Wigman defendia a ideia de que a dança deveria se libertar da música, pois o corpo “canta”. Em 1917, deixou de trabalhar com Laban e passou a desenvolver abordagens próprias tanto como artista quanto como professora de dança.
Um de seus solos que ficaram mais conhecidos foi o Hexentanz (Dança-bruxa), de 1914. Nesse solo, a artista dança principalmente no chão e usa uma máscara. Suas coreografias continham forte carga dramática, que era expressa por meio de gestos e movimentos do corpo, muitas vezes improvisados e não coreografados. Observe a fotografia.
Maria Duchênis
No Brasil, uma das responsáveis pela introdução do trabalho desenvolvido por Laban foi a dançarina, coreógrafa e educadora Maria Duchênis (1922-2014).
Nascida na Hungria, Maria Duchênis mudou-se para o Brasil em 1940, fugindo dos horrores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Em suas coreografias, influenciada pelos ensinamentos de Laban, ela buscava nos gestos do cotidiano as mais variadas possibilidades de comunicação. Duchênis trabalhava com dançarinos profissionais e não profissionais. Entre suas criações coreográficas, destaca-se o espetáculo Magitex (1978).
Em 1984, Maria Duchênis criou o projeto Dança/Arte do Movimento, que durou dez anos e visava ensinar dança a crianças e professores que frequentavam bibliotecas públicas da cidade de São Paulo.
O projeto Dança/Arte do Movimento possibilitou que Duchênis levasse suas propostas de dança para espaços não convencionais, como igrejas, praças e estacionamentos.
A dança coral
Seguindo uma proposta elaborada por Laban na década de 1920, Maria Duchênis desenvolveu no Brasil a chamada dança coral.
Nessa proposta – em que um grande número de pessoas realiza movimentos em conjunto –, os principais objetivos são tornar a dança acessível a todos e promover uma celebração do espírito comunitário.
Faça no diário de bordo.
Experimentações
• Neste Tema, você conheceu coreógrafas, educadoras e dançarinas, entre elas Maria Duchênis e seu trabalho com dança coral no Brasil. Em suas aulas e apresentações, Duchênis trabalhava com gestos, diferentes maneiras de se movimentar e ocupar os espaços com o corpo e a dança. Além disso, como Laban, ela fazia registros das coreografias criadas para serem executadas por muitas pessoas. Esses registros tinham função semelhante à das partituras musicais.
Momento 1 – Investigar e reinventar movimentos
- Com a orientação do professor, forme um grupo de cinco integrantes.
- Relembrem os movimentos criados, e sua ordem, com base nas palavras-temas, trabalhadas ao final do Tema 1 ou criem outros, improvisando movimentos da dança. Se escolherem a improvisação, depois de dançar por alguns minutos, definam, no mínimo, cinco movimentos que serão explorados a seguir. Nos dois casos, trabalhem em grupo, tanto para lembrar movimentos já criados quanto para improvisar.
- Depois de criar ou relembrar os movimentos de dança, investiguem algumas características desses movimentos, analisando cada um deles. Nesse momento, dividam o grupo em dois subgrupos: um vai dançar e o outro observar. Depois vocês trocam as funções. Estas perguntas podem auxiliar na investigação: onde começa e onde termina o movimento? Qual é a primeira parte do corpo que se movimenta ao começar? E ao terminar? Quais níveis da dança se ocupam com essa movimentação (baixo, médio e alto)? Depois, conversem sobre cada movimento, investigando de onde ele parte e onde termina, e quais níveis ocupa.
- Em seguida, comecem a reinventar esses movimentos experimentando qualidades diferentes para cada um deles. Quatro pessoas do grupo vão dançar e uma vai indicar a qualidade de movimento que o grupo vai executar. Após passar por todas as qualidades de movimentos, outra pessoa assume a direção, enquanto as demais continuam praticando e assim por diante. Vocês podem trabalhar com as seguintes qualidades: usando muita fôrça/pouca fôrça/ fôrça mediana; em tempo lento/rápido/médio/muito lento/muito rápido; leve/pesado; ocupando muito/pouco espaço; movimento contínuo/pausado.
- Depois de experimentar os movimentos algumas vezes, definam qual será a qualidade de cada um. As qualidades podem ser combinadas: um movimento pode ser lento e contínuo; outro, forte e pesado etcétera Pratiquem os movimentos algumas vezes antes de iniciar o próximo momento.
Momento 2 – Partituras de dança
- Utilizando papel e lápis ou caneta, criem um registro para a sequência de dança do grupo. Façam isso com todos os movimentos e anotem essas representações lado a lado, como se fosse uma partitura musical.
- Em seguida, em um papel à parte, criem um grupo de desenhos para representar a qualidade de cada movimento.
- Depois, desenhem como imaginam que esta sequência de movimentos da partitura poderia ocupar o espaço quando forem dançar juntos.
Momento 3 – Tradução e partilha
- Chegou o momento de apresentar os movimentos criados. Dancem juntos a cena ou sequência de dança e depois apresentem as partituras. Na exposição, expliquem os desenhos, mostrando a qual movimento e qualidade se referem.
- Depois, discutam os principais desafios ao realizar esta experimentação e falem outras impressões que tiveram nos Momentos 1 e 2.
- Façam um relato desta vivência no diário de bordo.