Tema 2  O teatro como retrato de uma época

O rei da vela

Os dramaturgos, muitas vezes, utilizam suas peças teatrais para apresentar sua visão dos diferentes aspectos da sociedade em que vivem. Um exemplo é a peça O rei da vela, escrita por osváld de Andrade, que, como você aprendeu na Unidade 1, foi um dos nomes mais importantes do Modernismo brasileiro. Essa peça foi escrita em 1933 e publicada em 1937.

Em O rei da vela, osváld de Andrade apresenta uma visão crítica abordando de modo cômico e satírico os costumes e os valores da sociedade da época. Dois dos principais personagens da história são Abelardo um e Abelardo dois, proprietários da Abelardo & Abelardo, uma empresa de agiotagem (que empresta dinheiro a juros superiores às taxas estabelecidas pelo governo). A palavra vela, na época, também era utilizada para se referir à prática da agiotagem, que é criticada na peça.

A fotografia a seguir mostra uma cena da montagem de O rei da vela realizada em 2018 pelo grupo Parlapatões, Patifes e Paspalhões, mais conhecido apenas como grupo Parlapatões. Hugo Possolo atuou na peça, fez a adaptação do texto original de osváld de Andrade e dirigiu o espetáculo.

Fotografia. Ator maquiado com bigodes pretos, sobrancelhas grossas e nariz pintado de vermelho e branco. Ele usa um paletó branco e uma gravata borboleta preta, e está sentado em uma cadeira. Ele segura próximo ao ouvido um objeto feito de arames e canos  que se assemelha a um telefone antigo. Está rodeado por canos dourados.
O ator Hugo Possolo como Abelardo primeiro em cena do espetáculo O rei da vela, do grupo Parlapatões, em São Paulo (São Paulo), em 2018.
Respostas e comentários

Objetivos

  • Entender em que contexto a peça O rei da vela foi escrita e encenada pela primeira vez.
  • Reconhecer osváld de Andrade como um dos precursores do teatro brasileiro moderno.
  • Conhecer o papel do diretor musical, do sonoplasta e do diretor teatral.
  • Reconhecer a importância do desenho como ferramenta para a criação de cenários e figurinos.
  • Conhecer o trabalho de grupos e artistas relevantes na cena teatral brasileira.
  • Experimentar movimentos corporais e possibilidades vocais de maneira criativa para serem utilizados na improvisação teatral e no jogo cênico.
  • Compor improvisações e acontecimentos cênicos com base em textos dramáticos ou outros estímulos (música, imagens, objetos etcétera), caracterizando personagens e considerando a relação com o espectador.
  • Experienciar a criação de trabalhos artísticos coletivamente.
  • Desenvolver autoconfiança e autocrítica por meio da experimentação artística.

Habilidades favorecidas neste Tema

(ê éfe seis nove á érre zero três), (ê éfe seis nove á érre dois quatro), (ê éfe seis nove á érre dois cinco), (ê éfe seis nove á érre dois seis), (ê éfe seis nove á érre dois sete), (ê éfe seis nove á érre dois oito), (ê éfe seis nove á érre dois nove), (ê éfe seis nove á érre três zero), (ê éfe seis nove á érre três um) e (ê éfe seis nove á érre três dois).

Contextualização

Ao abordar esse item, comente com os estudantes que, nessa montagem de O rei da vela, o grupo Parlapatões realizou uma adaptação do texto original de osváld de Andrade.

Se possível, apresente aos estudantes mais informações sobre a montagem do grupo Parlapatões.

Para mais informações, consulte o texto “O pensamento de osváld de Andrade na atualidade”, nas Leituras complementares, nas páginas iniciais deste Manual.

A montagem dos Parlapatões

Em sua montagem de O rei da vela, o grupo Parlapatões realizou uma adaptação do texto original de osváld de Andrade. Como vimos no Tema anterior, a adaptação é um recurso utilizado pelos artistas para transpor obras de uma linguagem artística para outra (do teatro para o cinema ou a televisão, por exemplo). No entanto, também chamamos adaptação quando, utilizando uma mesma linguagem, um grupo de artistas atualiza determinada obra para sua época. Esse é o caso da montagem do grupo Parlapatões.

Nessa versão, os Parlapatões trazem para a cena o autor osváld de Andrade, personagem que se mostra um narrador inquieto, que expõe a estrutura de sua história. Além disso, a fim de aproximar a obra do atual contexto político, o grupo fez algu­mas adaptações nos diálogos, inserindo textos da atualidade, bem como cortou algumas cenas e modificou a ordem do texto original, conferindo mais dinamismo à trama.

Uma das marcas da versão de O rei da vela do grupo Parlapatões é a intensa presença da música, que é executada por uma banda ao vivo, durante a encenação. Essa proposta faz parte do trabalho de direção musical, coordenado por Fernanda Maia.

Fotografia. Três atrizes em uma peça de teatro. Elas usam perucas loiras e duas delas também estão com chapéus extravagantes nas cores verde e amarelo; todas usam batom preto. Da direita para a esquerda, uma senhora usa um vestido azul longo; uma mulher de cabelos curtos gargalha e usa calça e colete cinzas com uma camisa branca; a última mulher usa um vestido curto dourado com meia arrastão.
As atrizes Fernanda Maia, Fernanda Zaboróviskí e Camila Turim, do grupo Parlapatões, em cena da peça O rei da vela. São Paulo (São Paulo), 2018.

Por dentro da arte

Direção musical e sonoplastia

No teatro, assim como o texto e a atuação, a trilha sonora tem papel fundamental no desenvolvimento da história. A música pode modificar completamente a sensação da plateia em relação a determinada cena. Muitas vezes, uma cena romântica pode se tornar cômica, dependendo da trilha sonora que a acompanha.

Na montagem de O rei da vela feita pelo grupo Parlapatões, a atriz e musicista Fernanda Maia escolheu uma trilha sonora composta de músicas brasileiras que contêm acentuada crítica social e optou por uma banda, que executa a trilha ao vivo. Isso cria um clima festivo para o espetáculo.

O trabalho de seleção musical e da escolha dos momentos da história que serão acompanhados de determinada música é atribuição do diretor musical.

Além da trilha sonora, os sons são essenciais em uma montagem teatral. Por meio de efeitos sonoros, os artistas podem criar, por exemplo, a sensação de uma tempestade ou também de uma explosão. A área que cuida da seleção e da execução dos sons em uma montagem teatral é a sonoplastia.

Fotografia. Retrato de uma atriz representando um personagem com o dedo em riste. Ela tem cabelo médio cacheado loiro e está maquiada com batom azul e alguns detalhes em branco (ao redor dos olhos e ao redor do rosto). Usa um chapéu vermelho e está vestida com uma camiseta branca e paletó preto.
Fernanda Maia também atuou como atriz na montagem de O rei da vela do grupo Parlapatões. São Paulo (São Paulo), 2018.
Respostas e comentários

Por dentro da arte

Destaque a interface entre as linguagens do teatro e da música na temática da direção musical e da sonoplastia.

Para que os estudantes compreendam melhor o tema, você pode recorrer ao próprio repertório deles no campo do audiovisual, considerando games, desenhos animados, seriados, telenovelas e filmes. Para isso, se possível, faça uso dos recursos digitais que você tem à mão, como celular ou os computadores da escola.

Recorrer ao repertório dos próprios estudantes ajuda a fazê-los se sentir reconhecidos em suas vivências e gostos, ampliando a possibilidade de que formulem relações e interpretações com base no conteúdo do livro.

Pergunte a eles se têm exemplos da aplicação de trilhas sonoras ou de efeitos de sonoplastia no audiovisual. Elenque os exemplos citados, anotando-os na lousa. Na medida do possível, tente provocá-los a variar as referências. Se for preciso, você também pode trazer alguns exemplos que acredite que eles reconhecerão.

Procure compartilhar com eles alguns exemplos de vídeos que podem ser encontrados na internet. Você pode pesquisar e variar entre cenas musicadas para filmes de comédia, drama, terror, ação e romance. Pode também usar animações e games para buscar efeitos de sonoplastia (para isso, você pode procurar vídeos com cenas de jogos de videogame clássicos, como Super Mario ou Donkey Kong, além de trilhas sonoras desses mesmos jogos separadas e apresentadas como música).

O objetivo desse compartilhamento é que os estudantes possam relacionar as linguagens teatral e musical e perceber como as linguagens artísticas estão difundidas na cultura visual, podendo ser acessadas por outros meios, para além das aulas de Arte.

Experimentações


A turma será divida em dois grupos, um observará a atividade como espectador, o outro fará o improviso. Forme uma dupla com um colega do seu grupo e siga as orientações do professor.

Procedimentos

  1. Se você for do grupo de improvisão, posicione-se diante de seu colega, a uma distância razoável. Caminhe, lentamente, em direção a ele e se cumprimentem com um aperto de mão. Repitam a ação algumas vezes até que ambos fixem o tempo de execução da ação.
  2. O professor colocará uma trilha sonora, variando os estilos musicais. Permaneçam executando a ação no tempo fixado.
Fotografia. Duas garotas adolescentes caminham uma em direção a outra, em um parque bastante arborizado. A garota da esquerda usa o cabelo amarrado no topo da cabeça e está vestida com calça jeans, camiseta rosa, jaqueta jeans por cima e tênis branco. A garota da direita tem cabelos castanhos médios e veste uma camiseta escura com uma camisa xadrez vermelha e preta por cima, calça jeans e tênis preto.
Fotografia. Duas garotas adolescentes se cumprimentam com um aperto de mãos em um parque bastante arborizado. A garota da esquerda usa o cabelo amarrado no topo da cabeça e está vestida com calça jeans, camiseta rosa, jaqueta jeans por cima e tênis branco. A garota da direita tem cabelos castanhos médios e veste uma camiseta escura com uma camisa xadrez vermelha e preta por cima, calça jeans e tênis preto.
Estudante caminhando em direção a outra estudante e as duas se cumprimentando com um aperto de mãos. São Paulo (São Paulo), 2002.
  1. Se você for do grupo de espectadores, vai observar as diferenças decorridas das mudanças de estilo da trilha sonora.
  2. Em seguida, os grupos deverão trocar as funções e repetir a dinâmica.
  3. Converse com os colegas sobre o que você percebeu e sobre a importância da música na leitura de uma cena.
Respostas e comentários

Experimentações

A atividade possibilita uma ampliação dos conteúdos apresentados na seção Por dentro da arte, da página anterior. Separe a turma em dois grupos: um grupo observará como espectador e o outro fará a improvisação.

Solicite aos estudantes que façam duplas. Peça que se posicionem um diante do outro, com uma distância razoável entre ambos.

a) Peça que um caminhe em direção ao outro; e volte ao seu lugar depois de se cumprimentarem com um aperto de mão. Sugira que essa sequência de ações seja realizada lentamente. Solicite que repitam essa sequência de ações algumas vezes diante da plateia para que as duplas possam fixar o tempo de execução das ações. É importante que repitam as ações da maneira mais semelhante possível.

b) e c) Agora, as repetições deverão ser realizadas com trilha sonora. A cada nova rodada da sequência de ações, coloque uma música de fundo. É importante variar bastante os estilos musicais a cada nova rodada. Você pode utilizar músicas conhecidas pelos estudantes e que façam referência a cenas famosas do cinema ou do teatro. Por exemplo, músicas românticas, músicas de suspense, sertanejas, clássicas etcétera

d) Após algumas rodadas variando as músicas, você poderá solicitar aos grupos que troquem as funções e repitam a dinâmica.

e) Ao final da experiência, converse com os estudantes sobre o que perceberam e sobre a importância da música na leitura de uma cena. Observe a leitura de cena dos estudantes, verificando se foram capazes de identificar as diferenças de intenções da cena, influenciados pelas músicas. Chame a atenção para o fato de que uma mesma sequência de ações pode ter diferentes leituras de acordo com a trilha sonora.

Por dentro da arte

osváld de Andrade e o teatro moderno

Fotografia em preto e branco. Retrato de um homem que usa chapéu arredondado e está vestido com paletó, gravata e camisa social.
osváld de Andrade em cêrca de 1920.

Desde jovem, osváld de Andrade realizou trabalhos como escritor e redator em revistas e em jornais. Ao longo de sua carreira, além de atuar como dramaturgo, osváld de Andrade dedicou-se a outros gêneros literários, como a poesia e o romance.

osváld foi um dos mais importantes escritores brasileiros e esteve à frente do Modernismo, movimento que representou a ruptura no modo como as artes eram tratadas no país. Ele também escreveu o texto que se tornou o marco do movimento modernista no Brasil, o Manifesto Antropófago.

Como você aprendeu na Unidade 1, entre as principais reivindicações modernistas estava a criação de uma arte genuinamente brasileira, que “devorasse” as referências das vanguardas europeias (como o Cubismo e o Expressionismo) e as assimilasse em produções nacionais. Além disso, os modernistas se engajaram na politização da arte, convocando os artistas brasileiros a retratar o contexto sociocultural e econômico do Brasil em suas obras.

No entanto, o teatro foi a única linguagem artística que tardou a assimilar as rupturas modernistas. Mesmo com uma produção específica de peças de teatro escritas por osváld de Andrade, a renovação nos palcos brasileiros só aconteceu em meados da década de 1940, quando a comédia de costumes cedeu espaço a uma dramaturgia que abordava os problemas do Brasil contemporâneo.

O marco do surgimento do teatro moderno brasileiro foi a peça Vestido de noiva, escrita por Nelson Rodrigues, em 1943.

Mas, sem dúvida, foi osváld de Andrade quem lançou as bases da moderna dramaturgia brasileira, reconhecida somente anos mais tarde na montagem de O rei da vela pelo Teatro Oficina, que você vai conhecer a seguir.

Com a obra de osváld e de outros dramaturgos, como Jorge Andrade (1922-1984) e, depois, Nelson Rodrigues (1912-1980), o teatro passou a incorporar nos textos o contexto sociocultural, político e econômico do país, estimulando a ruptura com os convencionalismos do passado e abrindo caminho para o teatro moderno brasileiro.

Respostas e comentários

Por dentro da arte

Comente com os estudantes que um dos artistas que mais contribuiu para a modernização do teatro brasileiro foi o diretor polonês Zbigniew Ziembinski (1908-1978).

Ziembinski fundou, em 1943, o grupo Os Comediantes e deu início a uma série de pesquisas em novas técnicas de representação, criando a consciência do elenco coletivo em contraponto ao sistema das “estrelas” da comédia. Ele também foi o responsável pela introdução do conceito de “encenação” no teatro brasileiro. Seu trabalho na montagem de peças teatrais não era apenas o de um ensaiador dos atores e guardião do texto, como nas décadas anteriores.

Ziembinski trouxe ao teatro brasileiro um olhar que já vinha sendo desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos: o do diretor teatral como um encenador, um intérprete da obra e artista que articulava as diferentes artes do palco na criação de um discurso cênico próprio, com uma pesquisa estética que ia além de apenas contar a história do texto escrito.

O encontro entre o dramaturgo Nelson Rodrigues e Ziembinski na montagem de Vestido de noiva, em 1943, representou o “marco inaugural” do teatro moderno no Brasil. O enredo dessa peça conta a história de duas irmãs que disputam um homem, mas essa história é narrada em três diferentes planos: o da realidade, o da memória e o da alucinação.

Para contar essa história, Ziembinski criou um universo soturno, conduzindo seu elenco para um inovador estilo de representação expressionista, bem como articulando iluminação e cenografia na construção dos três planos propostos pelo texto.

Com Vestido de noiva, as experiências do teatro brasileiro adentravam a modernidade, trazendo para a cena os problemas sociais, os fenômenos psicológicos e as fórmas de representação que propunham inovações cênicas às já habituais comédias de costumes e suas tendências de imitação da realidade.

O texto de O rei da vela

A peça O rei da vela é dividida em três atosglossário . Grande parte da história acontece no escritório da Abelardo & Abelardo, no qual os proprietários recebem clientes que passam por dificuldades financeiras.

Abelardo segundo é caracterizado como um domador de feras, usando um chicote para atender seus clientes, que ficam presos em uma jaula. Na história, osváld de Andrade faz uma crítica ao modo como a burguesia explora as pessoas mais simples, se alia aos latifundiários falidos e depende do capital estrangeiro, em um movimento cíclico.

Observe na fotografia a personagem Abelardo segundo (à esquerda).

Fotografia. Atores em peça teatral. À esquerda, um homem de cabelo escuro curto e barba rala, vestido com camisa branca, colete preto e calça preta. Ele está ajoelhado segurando um objeto semelhante a uma corda na mão. Ao lado, uma mulher de cabelo loiro, vestida com paletó e calça pretos, está sentada no chão e se segura nos braços do homem. Ao fundo, em pé, um homem vestido com um paletó branco, gravata borboleta e calça pretas.
Os atores Conrado Sardinha (Abelardo segundo), Camila Turim e Hugo Possolo em cena de O rei da vela, do grupo Parlapatões. São Paulo (São Paulo), 2018.

Leia um trecho do primeiro ato de O rei da vela, peça teatral escrita por osváld de Andrade.

reticências

Abelardo I, Abelardo II e O Cliente

Abelardo primeiro (Sentado em conversa com O Cliente. Aperta um botão, ouve-se um forte barulho de campainha.) — Vamos verreticências

Abelardo segundo (Veste botas e um [traje] completo de domador de feras. Usa pastinha e enormes bigodes retorcidos. Monóculo. Um revólver à cinta.) – Pronto, seu Abelardo.

Abelardo primeiro— Traga o dossiê desse homem.

Abelardo segundo — Pois não! O seu nome?

O Cliente (Embaraçado, o chapéu na mão, uma gravata de corda no pescoço magro.) — Manoel Pitanga de Moraes.

Abelardo segundo — Profissão?

O Cliente — Eu era proprietário quando vim aqui pela primeira vez. Depois fui dois anos funcionário da Estrada de Ferro Sorocabana. O empréstimo, o primeiro, creio que foi feito para o parto. Quando nasceu a meninareticências

Abelardo segundo — Já sei. Está nos IMPONTUAIS. (Entrega o dossiê reclamado e sai.)

Abelardo primeiro (Examina.) — Veja! Isto não é comercial, seu Pitanga! O senhor fez o primeiro empréstimo em fins de 29. Liquidou em maio de 1931. Fez outro em junho de 31, estamos em 1933. Reformou sempre. Há dois meses suspendeu o serviço de jurosreticências Não é comercialreticências

O Cliente Exatamente. Procurei o senhor a segunda vez por causa da demora de pagamento na Estrada, com a Revolução de 30. A primeira foi para o parto. A criança já tinha dois anos. E a Revolução de 30reticências Foi um mau sucesso que complicou tudoreticências

Respostas e comentários

Contextualização

Ao abordar esse tópico, se julgar oportuno, comente com os estudantes sobre as personagens descritas a seguir.

  • Abelardo primeiro – o rei da vela,agiota inescrupuloso, prepotente representante da burguesia. Seu nome faz referência ao palhaço Piolim (Abelardo Pinto), figura festejada pelos modernistas.
  • Abelardo segundo – empregado de Abelardo primeiro, traidor que carrega no nome o signo da eterna repetição.
  • Heloísa de Lesbos – filha da aristocracia decadente, é noiva de Abelardo primeiro. Tem apreço especial pelo boxe, esporte marcadamente masculino (o nome dela, Heloísa de Lesbos, sugere tendências homossexuais), mas trai sua condição em troca de um casamento arranjado para salvar a si e a sua família da bancarrota.
  • Coronel Belarmino – pai de Heloísa. Seu título refere-se ao coronelismo da aristocracia rural.
  • Dona Cesarina – mãe de Heloísa. Embora acostumada aos privilégios da aristocracia rural, não resiste aos galanteios de seu genro, Abelardo primeiro.
  • Dona Poloquinha – sexagenária pudica, representante dileta da moral e dos “bons costumes” da aristocracia.
  • Joana – irmã de Heloísa, mais conhecida por “João dos Divãs”. Apesar de seu apelido fazer referência a uma possível homossexualidade, também vive em busca de um “bom partido” que lhe permita tirar a família da falência.
  • Totó Fruta-de-Conde – irmão de Heloísa, simboliza a degenerescência dos valores aristocráticos, sendo um homossexual libertino em meio a uma família supostamente conservadora.
  • Perdigoto – irmão mais velho de Heloísa e ativista do Integralismo, movimento partidário de posicionamento político de extrema direita. Viciado em jogo e em bebidas, seu nome faz referência à saliva daqueles que cospem ao falar.
  • Míster Dions – banqueiro estadunidense, representante do capital estrangeiro.
  • Pinote – intelectual cheio de pompas e mesuras.
  • Personagens secundários: o cliente, a secretária, os devedores e as devedoras.

Sobre a divisão da peça em três atos, se houver necessidade, transmita aos estudantes as informações a seguir.

  • O primeiro ato se passa em São Paulo, no escritório de usura Abelardo & Abelardo: uma metáfora de todo um país hipotecado (cedido como garantia) ao imperialismo. Sua caracterização como o rei da vela (ou seja, praticante de agiotagem) é uma ironia, representa a usurpação daquele que lucra até mesmo com a morte e as crises. osváld de Andrade é bem didático ao apresentar suas personagens, trazendo para a cena o burguês Abelardo primeiro e seu empregado Abelardo segundo, que pretende superá-lo. A ação começa a ser apresentada com o surgimento e a execução dos devedores, tratados como animais presos em uma jaula. Em outra cena, entra Heloísa de Lesbos, noiva de Abelardo primeiro e que representa a decadente classe dos latifundiários. O casamento entre ambos é uma metáfora: com isso, osváld simboliza a união entre duas classes sociais igualmente corruptas e “abastadas”: a burguesia aproveitadora e os latifundiários falidos. Mais adiante, osváld também traz à cena um intelectual, Pinote, e aproveita para mostrar os intelectuais e artistas como servis à classe burguesa. Com a saída de Pinote, surge Mister djôunes, a personagem que completa a tríade que comanda o país: o capital estrangeiro (Mister djôunes), a aristocracia rural (Heloísa) e a burguesia brasileira (Abelardo primeiro).
  • O segundo ato se passa em uma ilha tropical na Baía de Guanabara, em uma sucessão de cenas que revelam a libertinagem das classes dominantes. Heloísa aparece em meio a insinuações amorosas com Mister djôunes, que também desperta o interesse do irmão dela, Totó Fruta-de-Conde; a mãe dela, por sua vez, se rende às investidas do genro, Abelardo primeiro. O pai de Heloísa, coronel Belarmino, lamenta por seu mundo em decadência, e seu outro irmão, Perdigoto, viciado em jogo e em bebidas, revela-se um fascista que planeja organizar uma “milícia patriótica” para conter os colonos descontentes. As loucuras de Perdigoto interessam a Abelardo primeiro, pois anunciam uma possibilidade de manutenção da ordem social, algo importante para sua riqueza. Finalmente, aparece dona Poloca, a tia conservadora, religiosa e virgem que, do alto dos seus mais de 60 anos, também se sente tentada a uma noite de aventuras sensuais com Abelardo primeiro.
  • O terceiro e último ato é a tragicomédia da morte, da agonia da burguesia brasileira e da repetição das estruturas cíclicas em que os burgueses se sucedem. Cai um Abelardo, o outro o substitui. A ação retorna ao escritório de usura, em que Abelardo primeiro foi roubado por Abelardo segundo e decide cometer suicídio. Mas o sistema permanece, Abelardo primeirolembra a Heloísa que ela se casará com Abelardo segundo, o ladrão. Nesse ato, osváld revela a consciência de sua personagem principal, mas, apesar disso, a vela que receberá antes de morrer é das mais baratas e, falido, o rei da vela será enterrado em uma vala comum. A peça termina com uma indicação do casamento de Abelardo segundo com Heloísa e com o comentário de Mr. Jones: Oh! Good business!”.

Abelardo primeiro — O senhor sabe, o sistema da casa é reformar. Mas não podemos trabalhar com quem não paga jurosreticências Vivemos disso. O senhor cometeu a maior falta contra a segurança do nosso negócio e o sistema da casareticências

O Cliente — Há dois meses somente que não posso pagar juros.

Abelardo primeiro — Dois meses. O senhor acha que é pouco?

O Cliente — Por isso mesmo é que eu quero liquidar. Entrar num acordo. A fim de não ser penhorado. Que diabo! O senhor tem auxiliado tanta gente. É o amigo de todo mundoreticências Por que comigo não há de fazer um acordo?

Abelardo primeiro — Aqui não há acordo, meu amigo. Há pagamento!

O Cliente — Mas eu me acho numa situação triste. Não posso pagar tudo, seu Abelardo. Talvez consiga um adiantamento para liquidarreticências

Abelardo primeiro — Apesar de sua impontualidade, examinaremos as suas propostasreticências

O Cliente — Mas eu fui pontual dois anos e meio. Paguei enquanto pude! A minha dívida era de um conto de réis. Só de juros eu lhe trouxe aqui nesta sala mais de dois contos e quinhentos. E até agora não me utilizei da lei contra a usura...

Abelardo primeiro (Interrompendo-o, brutal.) — Ah! Meu amigo. Utilize-se dessa coisa imoral e iníqua. Se fala de lei de usura, estamos com as negociações rotasreticências Saia daqui!

O Cliente — Ora, seu Abelardo. O senhor me conhece. Eu sou incapaz!

Abelardo primeiro — Não me fale nessa monstruosidade porque eu o mando executar hoje mesmo. Tomo-lhe até a roupa, ouviu? A camisa do corpo.

O Cliente Eu não vou me aproveitar, seu Abelardo. Quero lhe pagar. Mas quero também lhe propor um acordo. A minha situação é tristereticências Não tenho culpa de ter sido dispensado. Empreguei-me outra vez. Despediram-me por economia. Não ponho minha filhinha na escola porque não posso comprar sapatos para ela. Não hei de morrer de fome também. Às vezes não temos o que comer em casa. Minha mulher agora caiu doente. No entanto, sou um homem habilitado. Tenho procurado inutilmente emprego por toda a parte. Só tenho recebido nãos enormes. Do tamanho do céu! Agora, aprendi escrituração, estou fazendo umas escritas. Uns biscates. Hei de arribarreticências Quero ver se adiantam para lhe pagar.

Abelardoprimeiro — Mas, enfim, o que é que o senhor me propõe?

O Cliente — Uma pequena redução no capital.

Abelardo primeiro — No capital? O senhor está maluco! Reduzir o capital? Nunca!

O Cliente — Mas eu já paguei mais do dobro do que levei daquireticências

Abelardo primeiro — Me diga uma coisa, seu Pitanga. Fui eu que fui procurá-lo para assinar este papagaio? Foi o meu automóvel que parou diante do seu casebre para pedir que aceitasse o meu dinheiro? Com que direito o senhor me propõe uma redução no capital que eu lhe emprestei?

O Cliente (Desnorteado.) — Eu já paguei duas vezes...

Abelardo primeiro — Suma-se daqui! (Levanta-se.) Saia ou chamo a polícia. É só dar o sinal de crime neste aparelho. A polícia ainda existe...

O Cliente — Para defender os capitalistas! E os seus crimes!

Abelardo primeiro — Para defender o meu dinheiro. Será executado hoje mesmo. (Toca a campainha.) Abelardo! Dê ordens para executá-lo! Rua! Vamos. Fuzile-o. É o sistema da casa.

O Cliente — Eu sou um covarde! (Vai chorando.) O senhor abusa de um fraco, de um covarde!

(Menos o cliente.)

Abelardo primeiro — Não faça entrar mais ninguém hoje, Abelardo.

Abelardo segundo — A jaula está cheiareticências seu Abelardo!

Abelardo primeiro — Mas esta cena basta para nos identificar perante o público. Não preciso mais falar com nenhum dos meus clientes. São todos iguais. Sobretudo, não me traga pais que não podem comprar sapatos para os filhosreticências

reticências

ANDRADE, osváld de. O rei da vela. São Paulo: Globo, 2003. página 39-43. (Obras completas de osváld de Andrade).

A montagem do Teatro Oficina

A primeira montagem do espetáculo O rei da vela foi feita em 1967 pelo Teatro Oficina, grupo fundado em São Paulo (São Paulo) em 1958. No início, o Teatro Oficina era um projeto estudantil, mas, com o passar do tempo, profissionalizou-se e tornou-se um dos mais influentes grupos de teatro do Brasil. Em 1984, passou a se chamar Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona.

Ao encenar O rei da vela, o Teatro Oficina transportou o texto de osváld de Andrade para a realidade brasileira da década de 1960, promovendo uma reflexão a respeito de questões políticas e sociais do Brasil daquela época. A montagem de O rei da vela de 1967 foi dirigida por José Celso Martinez Corrêa, um dos idealizadores e líderes do Teatro Oficina.

Essa montagem teve em seu elenco atores como Dina Isfáti (1938-1989), Esther Góes, Fernando Peixoto (1937-2012), Ítala Nandi, Óton Bastos e Renato Bórgui. Observe os registros dessa montagem nas fotografias reproduzidas a seguir.

Fotografia em preto e branco. Homem de cabelo curto e bigode, vestido com paletó e sapato social, está em pé, entre uma poltrona e uma mesa antiga. Ao fundo, observa-se alguns letreiros nas portas.
O ator Renato Bórgui interpreta a personagem Abelardo primeiro em montagem de O rei da vela realizada pelo Teatro Oficina. São Paulo (São Paulo), 1967.
Fotografia em preto e branco. Em primeiro plano, à esquerda, um homem com uma vara na mão, vestido com shorts e um colete curto, além de uma longa capa, que encobre sua cabeça. À direita, um homem e uma mulher sentados embaixo de um guarda-sol observam o outro homem. Ao fundo, cenário representando a cidade do Rio de Janeiro, com o Cristo Redentor e a orla marítima com algumas embarcações.
Os atores Edigár Gurgel Aranha (no primeiro plano), Etty Frêizer e Renato Bórgui (sentados, ao fundo) em cena de O rei da vela do Teatro Oficina. São Paulo (São Paulo), 1967.
Respostas e comentários

Contextualização

Se for possível, apresente aos estudantes as informações contidas no texto a seguir sobre a emblemática encenação da peça realizada pelo Teatro Oficina.

[O Teatro Oficina em O rei da vela]

O rei da vela, publicado em 1937, exatamente 30 anos após teve sua montagem executada pelo Grupo Teatro Oficina de São Paulo sob a direção de José Celso Martinez Corrêa. Esta montagem, sem dúvida alguma, tornou-se um marco de extrema importância para o teatro nacional, espécie de divisor de águas entre o que acontecia no teatro brasileiro até então e o após montagem do grupo Oficina.

A época de efervescência política e intelectual promovia um amplo debate sobre a cultura nacional e, nada mais significativo, então, que a montagem de O rei da vela. A referida encenação tornou-se ponto de convergência para um intenso debate de ideias sobre a cultura nacional (e também política), incluindo contribuições que redundariam no Tropicalismo (movimento musical) e no chamado Cinema Novo, especialmente aquele de Terra em transe, de Glauber Rocha.

Encenar O rei da vela promoveu não só o debate mas também uma certa revisitação à nossa cultura passada, aos nossos postulados nacionalistas e às nossas posições estéticas frente à cultura internacional. Os debates integram, como já dissemos, músicos, cineastas, intelectuais, estudantes, os poetas do concretismo, tornando o final da década de mil novecentos e sessenta, talvez, na época de maior agitação cultural que já vivemos no Brasil. Assim, osváld revivido, como que ressuscitado 30 anos após, antropofagizava futuristicamente a inteligência nacional. Seus postulados para um teatro antropofágico, adormecidos até então, eram acordados e recordados nessa nova tentativa de busca da nacionalidade em nossas manifestações culturais. O clima da época era revificador. Época de revisões em todo o mundo. Momentos de irreverência, anarquismo, rompimento com estruturas consideradas envelhecidas e deterministas. osváld, mais uma vez, tornava-se ponto de partida perfeito para as exigências da época.

GARDIN, Carlos. O teatro antropofágico de osváld de Andrade: da ação teatral ao teatro de ação. São Paulo: Annablume, 1993. página 147-148.

Cinquenta anos depois

Em 2017, o Teatro Oficina fez uma remontagem da peça O rei da vela dirigida por José Celso Martinez Corrêa e na qual ele também atuou, em comemoração aos cinquenta anos de sua estreia. Do elenco original da montagem de 1967, Renato Bórgui mais uma vez interpretou a personagem Abelardo primeiro.

Observe as fotografias a seguir.

Fotografia. Apresentação teatral. Homem idoso com o rosto pintado imitando um grande bigode preto e uma mancha no olho, vestido com paletó cinza e colete vermelho. Ele está à frente de uma mesa, em um cenário que remete a um escritório. Ao fundo, do lado esquerdo, há uma fotografia do ex-presidente Getúlio Vargas na parede. À direita, pessoas se aglomeram em uma cela de prisão. O ambiente tem tons em vermelho, incluindo o chão.
Renato Bórgui interpreta a personagem Abelardo primeiro em remontagem de O rei da vela realizada pelo Teatro Oficina. São Paulo (São Paulo), 2017.
Fotografia. Atores atuam em um palco cujo cenário é uma pintura representando a cidade do Rio de Janeiro, com o Cristo Redentor, praias e morros característicos dessa cidade. Os atores representam diversos personagens, entre eles, um militar, uma senhora de vestes tradicionais, uma menina, entre outros.
Elenco do Teatro Oficina em cena de remontagem de O rei da vela. De vestido longo e chapéu preto, José Celso Martinez Corrêa interpreta a personagem Dona Poloquinha. São Paulo (São Paulo), 2017.
Respostas e comentários

Contextualização

Nesta página, é importante auxiliar os estudantes na leitura das fotografias. Comente com eles que o ator que representa Abelardo primeiro é Renato Bórgui, em apresentação da remontagem de O rei da vela em 2017.

Se achar oportuno, diga aos estudantes que Renato Bórgui é um dos mais destacados atores brasileiros. Nascido no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro) em 1937, passou a morar em São Paulo (São Paulo), onde se formou em Direito e integrou o Oficina, grupo de teatro amador ligado ao Centro Acadêmico da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Lá, conheceu José Celso Martinez Corrêa, com quem viria a oficializar a profissionalização do grupo Teatro Oficina, em 1961.

No Oficina, Bórgui participou de diversas montagens com seu estilo que mesclava irreverência e sarcasmo, consagrando-se em 1967 na montagem de O rei da vela no papel de Abelardo primeiro. Essa montagem lhe rendeu os prêmios Molière e da Associação Paulista de Críticos Teatrais. Ainda com José Celso, integrou o elenco de Galileu, Galilei e Na selva das cidades, do alemão Bertolt bréche (1898-1956), e de As três irmãs, do russo Anton Tchekhov (1860-1904).

Mais tarde, em 1972, desligou-se do Oficina e, com Esther Góes (sua esposa na época), fundou o Teatro Vivo. Após a saída do Oficina, iniciou outra parceria intensiva com Fernando Peixoto, também ex-integrante do grupo de José Celso. Juntos, Bórgui e Peixoto produziram importantes textos do ator, diretor e dramaturgo dianfrantchesco Guarnieri (1934-2006).

Em seus mais de sessenta anos de carreira, Bórgui atuou em diversos outros espetáculos, acumulando mais de dez premiações entre melhor ator e melhor autor. Além disso, trabalhou em diversas produções no cinema e na televisão.

Cinquenta anos depois da primeira montagem de O rei da vela, Renato Bórgui voltou aos palcos e restabeleceu a parceria com José Celso Martinez Corrêa, revivendo o usurário Abelardo primeiro com sua atuação debochada e irônica.

O diretor e encenador teatral

Você leu anteriormente que José Celso Martinez Corrêa foi responsável pelas montagens de O rei da vela realizadas pelo Teatro Oficina em 1967 e em 2017.

Na montagem de uma peça, o papel do diretor teatral é muito importante. Entre as funções do diretor, estão: a escolha do elenco, a orientação dos atores em sua interpretação e movimentação no palco e a organização dos ensaios. Além desse trabalho organizacional, o diretor teatral assume a função de encenador.

Uma das atribuições do encenador é escolher materiais disparadores para o processo criativo (imagens, textos, temas) e a definição dos elementos artísticos que serão adotados na montagem. É o encenador quem articula as diferentes artes do palco (atuação, sonoplastia, iluminação, cenografia, figurinos, dramaturgia) e busca dar à sua montagem um discurso próprio, para além do texto. É também tarefa do encenador a perspectiva estética da montagem teatral, escolhendo estilos de representação e, quando é o caso, criando uma linguagem específica para o texto que será encenado.

Fotografia. Homem idoso, de cabelos brancos, vestido com uma túnica branca. Ele está em um espaço a céu aberto, rodeado de prédios. Está com os braços abertos e as mãos espalmadas.
José Celso Martinez Corrêa em terreno ao lado do Teatro Oficina, em São Paulo (São Paulo). Fotografia de 2018.
Respostas e comentários

Contextualização

O espaço representado nessa fotografia é o terreno em que o Teatro Oficina (ao fundo) está inserido. O Teatro foi projetado pela arquiteta modernista ítalo-brasileira Lina Bo Bardi em parceria com o arquiteto Edson Elito, inaugurado em 1993. O edifício do teatro é tombado desde 2010 pelo patrimônio histórico nas esferas federal, estadual e municipal.

O terreno ao lado do Teatro encontra-se em constantes disputas. O grupo realiza mobilizações sociais para a criação do Parque Bixiga nessa área. Por outro lado, o grupo dono do terreno tem outros objetivos para ele.

Sugestão de atividade

Sugira aos estudantes que realizem uma pesquisa de notícias sobre o tema. Ela pode ser feita em sites de pesquisa na internet, nos arquivos on-line de jornais, e também em arquivos físicos, em hemerotecas (acervos de jornais e revistas), em bibliotecas de sua cidade. Solicite aos estudantes que recolham notícias sobre o assunto e listem as justificativas das partes envolvidas, anotando as informações e as fontes pesquisadas. Peça a eles que levem o resultado da pesquisa para a sala de aula e realizem um debate sobre o assunto. Caso seja possível, organize a turma em grupos e incentive os estudantes a debater, de fórma crítica, apresentando informações e argumentos sobre o tema. A atividade poderá estimulá-los a produzir pensamentos sobre a manutenção dos espaços culturais nas grandes cidades e as disputas territoriais pelas questões imobiliárias e financeiras. Peça a eles que relacionem esses dados a outras situações semelhantes que ocorram em sua cidade e região.

A concepção visual

A concepção visual é um dos aspectos mais importantes de um espetáculo teatral. Entre os elementos visuais que compõem a construção de uma peça, estão os cenários e os figurinos.

Nas duas montagens de O rei da vela realizadas pelo Teatro Oficina, o responsável por desenvolver esses elementos foi o cenógrafo Hélio Aichbáuer (1941-2018). Ao criar os cenários para essa peça, algumas das referências de Hélio Aichbáuer foram o circo, o cinema mudo e obras de pintores modernistas como Lasar Segall, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. Um dos elementos cenográficos mais marcantes da montagem de O rei da vela é um grande telão que recria a baía da Guanabara, famoso ponto turístico do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro).

Fotografia. Destaque para o rosto de um homem de cabelo castanho curto, vestido com paletó marrom. Ele segura o queixo com uma das mãos.
Hélio Aichbáuer no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro), em 2006.

Observe uma reprodução do desenho desse telão e estabeleça uma comparação com as fotografias apresentadas anteriormente.

Ilustração. Cenário de uma peça teatral. Um homem de cabelo e bigode pretos, vestido com paletó verde e calça e sapatos brancos, anda de bengala em cima de de uma poça vermelha. Ao fundo, desenho da pintura que representa a cidade do Rio de Janeiro, com o Cristo Redentor e as praias com prédios à beira-mar. A ilustração mostra manchas vermelhas escapando do cenário, se alastrando pelas paredes e pelo chão.
Desenho de cenário criado por Hélio Aichbáuer para a montagem original de O rei da vela, em 1967.
Respostas e comentários

Contextualização

Auxilie os estudantes na leitura da segunda imagem desta página. Chame a atenção para os detalhes do telão pintado ao fundo, representando a baía de Guanabara e dando ao espectador a localização da cena. Destaque também que, mesmo que haja uma referência explícita ao local onde a cena se passa, o cenógrafo criou uma visualidade estilizada, não apenas reproduzindo uma imagem real do lugar retratado, mas também apresentando cores e fórmas que pretendem comunicar ao espectador a irreverência e o sarcasmo do texto de osváld de Andrade, assim como a perspectiva carnavalesca do encenador José Celso Martinez Corrêa.

Convide os estudantes a elaborar hipóteses sobre as manchas vermelhas que saem das laterais do telão ao fundo e que se assemelham ao tapete logo abaixo da personagem em cena. Espera-se que eles relacionem essas manchas ao sangue, em alusão à crueldade do agiota, bem como à sua morte.

Peça-lhes que relacionem o desenho do cenário à fotografia da montagem, na página 69, verificando a realização do desenho na construção da cena reproduzida na imagem.

Se julgar oportuno, comente com os estudantes que o desenho reproduzido nesta página, além de compor um dos telões usados no cenário de O rei da vela, foi capa do álbum Estrangeiro, lançado pelo cantor e compositor Caetano Veloso em 1989.

Os figurinos

Para criar os figurinos de O rei da vela, Hélio Aichbáuer reuniu muitas referências. As cores das bandeiras do Brasil, do estado de São Paulo e dos Estados Unidos, bem como os ternos brancos utilizados pelos políticos na década de 1930, são alguns dos elementos que compõem os figurinos de O rei da vela do Teatro Oficina. Além disso, os figurinos contam com um estilo irreverente, que não reproduz a realidade, mas apresenta as características principais de cada personagem e localiza sua função social.

Observe dois desenhos dos figurinos da peça. Ao analisar os desenhos, note que, no primeiro, a personagem Dona Poloquinha apresenta como uma das características a devoção religiosa (observe as cruzes e os rosários que compõem seu figurino), além de usar vestimentas que fazem referência a um passado distante. O segundo desenho mostra o figurino de Abelardo segundo no final da peça, depois de ter roubado Abelardo I. Note como a personagem é retratada de modo semelhante a um “mafioso”.

Ilustração. Mulher idosa de cabelo grisalho, usando um vestido longo na cor rosa e um colar com um grande crucifixo. Ela segura em suas mãos um chicote e um terço.
Ilustração. Um homem usando uma máscara preta que encobre sua face. Ele está vestido com um terno de listras verticais, colete e gravata  e sapatos bicolores.
Desenhos de figurinos criados por Hélio Aichbáuer para a montagem original de O rei da vela, em 1967.

A maquiagem também é um aspecto fundamental na caracterização das personagens. Na montagem de O rei da vela do Teatro Oficina, em 1967, Helio Aichbáuer buscou referência na irreverência dos palhaços para criar máscaras de tinta no rosto dos atores, destacando e exagerando alguns traços dessas personagens, transformando-as em caricaturas.

Por dentro da arte

O desenho como projeto

O desenho é utilizado como ferramenta para o processo criativo nas diferentes áreas das artes. Por meio das linhas do desenho, o artista representa graficamente suas ideias a respeito de um projeto. Foi o que fez Hélio Aichbáuer ao criar os cenários e os figurinos para a montagem de O rei da vela.

Os desenhos são fundamentais no processo de montagem de um espetáculo teatral, pois apresentam ao encenador e à equipe da peça as ideias do figurinista e do cenógrafo, dando a dimensão da concepção visual que o espetáculo poderá ter. Além disso, o desenho é a base com a qual os ou as costureiros(as) e os ou as cenotécnicosglossário (as) vão produzir o figurino e os cenários.

Respostas e comentários

Contextualização

Comente com os estudantes as características de cada desenho de figurino. Peça que reflitam sobre o que cada vestimenta aparenta. Se julgar necessário, retome as características das personagens para auxiliar os estudantes na leitura das imagens.

Sugestão de atividades

1. Aquecimento

Em roda, proponha aos estudantes que encostem as palmas das mãos nas palmas das mãos dos colegas ao lado. Depois, peça a eles que se espreguicem utilizando o apoio oferecido pela mão dos colegas. Dê instruções como: Apoie-se em seu colega! Ofereça resistência ao peso! Espreguice em todas as direções! Faça movimentos diferentes!

2. Escultor/escultura

Organize os estudantes em duplas e espalhe-os por toda a sala de aula. Peça a eles que definam um integrante da dupla para começar. O jogo consiste em propor uma postura que revele quem aquela escultura retrata ou uma atitude que aquela escultura representa. Essa experimentação pode ser feita em etapas:

  1. Propor uma profissão: o colega propõe ao outro colega que ele forme uma imagem corporal que remeta a um profissional – um cantor, professor ou jogador de futebol. Após essa rodada, troque as funções do jogo.
  2. Propor uma atitude: proponha ao colega que forme uma imagem corporal que remeta a uma atitude – raiva, meditação, paixão, curiosidade etcétera Depois, troque as funções do jogo.
  3. Propor uma personagem da peça: indique as características das personagens de O rei da vela. Indique a personagem e, em diferentes rodadas, solicite aos estudantes que encontrem uma imagem corporal que a represente.

Faça diferentes rodadas nesta etapa, alternando a cada rodada as funções de quem propõe e de quem realiza. A descrição detalhada das personagens da peça está nas orientações da página 66. Essas informações podem ser apresentadas previamente aos estudantes, ou narradas enquanto eles realizam a atividade.

Faça no diário de bordo.

Experimentações


Nesta Unidade, você estudou aspectos da obra O rei da vela, de osváld de Andrade, bem como das montagens dessa peça feitas pelo Teatro Oficina (1967 e 2017) e pelo grupo Parlapatões (2018). Agora é a sua vez de se aventurar em uma experiência teatral, considerando alguns aspectos dessa obra.

Procedimentos

  1. Reúnam-se em grupos de três a cinco integrantes e, sob a orientação do professor, construam uma nova cena com as personagens da história. Vocês terão liberdade para criar qualquer situação, desde que tenham como referência a descrição de personagens apresentada pelo professor.
  2. Decidam coletivamente as personagens da peça que estarão na cena de seu grupo. Então, escolham o lugar em que a cena vai se passar (por exemplo, na fila de um banco, em um restaurante, em uma sala de entrevistas). Depois, decidam qual será a situação apresentada na cena (por exemplo, um comício político ou um jantar sofisticado). É importante que sua escolha apresente novas situações para as personagens de osváld de Andrade, adaptando os temas trabalhados na obra para o atual contexto histórico, econômico e social.
  3. Improvisem essa nova cena diante dos colegas da turma. Para essa improvisação, podem ser utilizados outros elementos que auxiliem na construção da cena, como mesas, cadeiras, objetos que estejam disponíveis e mesmo músicas que possam ser executadas durante a apresentação.

Avaliação

Depois que todos os grupos se apresentarem, seguindo as orientações do professor, formem uma roda com toda a turma e conversem sobre essa atividade. A seguir, estão algumas questões que podem ser discutidas.

  1. Quais foram as dificuldades encontradas na preparação e na realização da atividade?
  2. O que mais chamou a atenção em cada uma das improvisações?
  3. As cenas improvisadas se relacionaram com o atual contexto histórico?
  4. Foi possível reconhecer algumas das características da obra de osváld de Andrade nas cenas apresentadas?
  5. As características das personagens ficaram evidentes?
  6. De que modo as novas situações modificaram as personagens e o enredo da peça?
  7. Todos tiveram a oportunidade de participar da cena e de decidir sobre ela? De que fórma isso foi definido pelo grupo?
Respostas e comentários

Experimentações

Antes de organizar os estudantes em grupos de três a cinco participantes, leia com eles a descrição das personagens de O rei da vela apresentada na página 66. Reflita com eles sobre o enredo da obra e discuta as relações que eles fazem entre os aspectos apontados pela história de osváld de Andrade e a realidade atual do país. Oriente-os a definir com quais personagens da obra vão criar a cena. Diga-lhes que o foco dessa atividade é a adaptação das situações apresentadas pelo autor para o atual contexto do país, ao mesmo tempo que deverão preservar as características das personagens escolhidas.

Estabeleça apenas cinco minutos de preparação para a cena, pois não deverá haver ensaios prévios, eles apenas deverão combinar quais serão as personagens, o lugar onde a cena se passa e o acontecimento no qual as personagens estarão inseridas.

No momento da apresentação das cenas, lembre-se de criar um ambiente agradável e descontraído, ressaltando que se trata de uma experimentação, e não de um espetáculo pronto.

Destaque também a importância do silêncio da plateia e da atenção dos espectadores, que após as apresentações contribuirão para o aprendizado de todos por meio de comentários.

Avaliação

Após as apresentações, organize uma roda de apreciação das cenas apresentadas. Durante essa roda de apreciação da atividade, é importante que você seja o mediador do debate entre os estudantes e possa lançar as questões propostas uma de cada vez. Além disso, é importante reforçar que, em vez de emitir juízos como “gostei” ou “não gostei”, analisem a cena considerando o foco proposto, ou seja, a adaptação do enredo para a atualidade, respeitando as personagens criadas por osváld de Andrade.

Para avaliação, observe como cada estudante analisa sua participação na atividade, desde o processo de criação e os ensaios até a apresentação. Identifique os estudantes que apresentam dificuldades expressivas, observe se conseguem identificá-las e quais descobertas fizeram ao longo da atividade para solucioná-las. Indica-se que a avaliação seja feita observando todo o processo, e não apenas o resultado.

Glossário

Ato
: cada uma das em partes, de igual importância em função do tempo e do desenvolvimento da ação, em que uma peça é dividida.
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Cenotécnico
: é o profissional responsável pela execução dos projetos desenvolvidos pelo cenógrafo.
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