Unidade 4  Dança: mudanças e rupturas

Fotografia. Imagem em tons escuros. Grupo de dançarinos se apresenta em um espetáculo. A cena acontece no escuro, há apenas dois focos de luz atrás dos artistas. Eles usam roupas em tons de preto e marrom. No centro, há duas mulheres e um homem em pé. Uma mulher usa bermuda e um casaco brilhante e tem cabelo curto crespo e preto. Um  homem tem cabelo escuro trançado e usa regata e calça escuras. Ambos estão com um braço estendido e o outro flexionado e os punhos  cerrados. A outra mulher em pé,  mais atrás, usa top e calça e está com o braço esquerdo estendido com a palma da mão para cima. Em primeiro plano, um homem dança no chão, de costas. Na frente dele e à direita, há dois homens agachados com um braço estendido e o outro flexionado e os punhos cerrados.
Dançarinos da Companhia Fusion de Danças Urbanas em apresentação do espetáculo Pai contra mãe, em Belo Horizonte Minas Gerais, em 2016.

Nesta Unidade:

TEMA 1 Um convite à reflexão

TEMA 2 A dança a partir do século vinte

TEMA 3 Dança e ruptura

TEMA 4 A dança como manifesto

Respostas e comentários

Competências da Bê êne cê cê

As competências favorecidas nesta Unidade são:

Competências gerais: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10.

Competências específicas de Linguagens para o Ensino Fundamental: 1, 3, 4 e 5.

Competências específicas de Arte para o Ensino Fundamental: 1 e 5.

Objetos de conhecimento e habilidades da Bê êne cê cê

As habilidades favorecidas nesta Unidade são:

Artes visuais

Contextos e práticas

(ê éfe seis nove á érre zero um)

Dança

Contextos e práticas

(ê éfe seis nove á érre zero nove)

Elementos da linguagem

(ê éfe seis nove á érre um zero)

(ê éfe seis nove á érre um um)

Processos de criação

(ê éfe seis nove á érre um dois)

(ê éfe seis nove á érre um três)

(ê éfe seis nove á érre um quatro)

(ê éfe seis nove á érre um cinco)

Artes integradas

Contextos e práticas

(ê éfe seis nove á érre três um)

Matrizes estéticas e culturais

(ê éfe seis nove á érre três três)

Patrimônio cultural

(ê éfe seis nove á érre três quatro)

Arte e tecnologia

(ê éfe seis nove á érre três cinco)

Sobre esta Unidade

A Unidade de dança tem o seu foco nas rupturas da dança moderna. Com vários exemplos de companhias e artistas fundamentais para as mudanças estilísticas, interessadas na relação com a gestualidade cotidiana e com as demais linguagens da arte, apresenta-se um amplo panorama das transformações da linguagem no século vinte. Com base nesse repertório, os estudantes são instigados a experimentar, pesquisar e analisar diversas obras, mas também a produzir relações com a vida social e as temáticas brasileiras. A questão racial negra e a indígena são tematizadas, por meio de obras da dança e de outras linguagens da arte que têm relações com as rupturas da Unidade. Os estudantes criam, experimentam, pesquisam e encerram as proposições com a criação de uma coreografia de dança-manifesto.

De olho na imagem

Fotografia. Imagem em tons escuros. Grupo de dançarinos se apresenta em um espetáculo. A cena acontece no escuro, há apenas dois focos de luz atrás dos artistas. Eles usam roupas em tons de preto e marrom. No centro, há duas mulheres e um homem em pé. Uma mulher usa bermuda e um casaco brilhante e tem cabelo curto crespo e preto. Um  homem tem cabelo escuro trançado e usa regata e calça escuras. Ambos estão com um braço estendido e o outro flexionado e os punhos  cerrados. A outra mulher em pé,  mais atrás, usa top e calça e está com o braço esquerdo estendido com a palma da mão para cima. Em primeiro plano, um homem dança no chão, de costas. Na frente dele e à direita, há dois homens agachados com um braço estendido e o outro flexionado e os punhos cerrados.
Da esquerda para a direita, os dançarinos Isabela Ízaguêrl (de costas), Augusto Guerra, Aline Mathias, Leandro Belilo, Silvia Kamylla e Jonatas Pitucho, em apresentação do espetáculo Pai contra mãe, da Companhia Fusion de Danças Urbanas, em Belo Horizonte Minas Gerais, em 2016.

Faça no diário de bordo.

  1. Observe a imagem. O que você percebe nela à primeira vista?
  2. Quais sensações esses movimentos despertam em você?
  3. Quais movimentos são realizados pelos dançarinos na cena retratada na fotografia? Procure descrever movimentações possíveis de imaginar.
  4. Você já viu ou fez movimentos parecidos com os realizados pelos dançarinos? Em caso afirmativo, converse com os colegas sobre esses movimentos.
  5. Os dançarinos estão explorando os mesmos níveis do espaço (baixo, médio e alto)?
  6. Como é o figurino dos dançarinos? Você já viu ou utilizou vestimentas como essas? Em caso afirmativo, em que situação?
  7. Por que esse figurino teria sido escolhido?
  8. Observe a iluminação da cena. O que você pode dizer sobre ela?
Versão adaptada acessível

1. Com base na descrição da imagem, o que você percebe nela à primeira vista?

Respostas e comentários

De olho na imagem

Faça a leitura de imagem com os estudantes. Durante o exercício, escute atentamente o que eles relatam com base na fotografia, dialogando com as múltiplas compreensões que possam ter sobre a imagem. É possível que alguns estudantes estejam mais familiarizados com o exercício de leitura de imagens que outros, por isso acolha todas as contribuições mesmo que pareçam fugir do assunto, pois é o modo como cada um está se relacionando com a referência visual.

A prática de “ler” imagens é, principalmente, um exercício de atenção dedicada ao que vemos e de reconhecimento das nossas capacidades de leitura.

Esse exercício de leitura de imagens também pode ser uma oportunidade para realizar uma avaliação diagnóstica. Para isso, direcione seu foco de atenção aos repertórios culturais e artísticos, além de temas e questões que os estudantes associam à imagem. Atente também para elementos e temas que estão presentes na imagem e que eventualmente eles não percebem. Após a leitura e a avaliação diagnóstica, você pode fazer adaptações e redirecionamentos no planejamento inicial para trabalhar esta Unidade.

  1. Oriente a leitura da fotografia e peça aos estudantes que apresentem suas impressões sobre a cena retratada.
  2. Oriente os estudantes a “ler” a imagem com alguns direcionamentos, como: o que essa imagem/esses movimentos provocam em cada um deles; a que remetem; se despertam emoções e lembranças; sugerem uma situação ou um contexto. Saliente que eles devem ouvir a exposição dos colegas com atenção e respeitar a vez de cada um falar.
  3. Estimule-os a falar sobre os movimentos realizados pelos dançarinos, destacando semelhanças e diferenças. Espera-se que os estudantes percebam que os dançarinos fazem movimentos diferentes. A dançarina que aparece em primeiro plano na fotografia está equilibrada sobre os braços e faz um movimento de giro. Os dançarinos que estão logo atrás, no nível médio, estão agachados e fazem movimentos similares com os braços e ambos estão com as mãos fechadas. Esses mesmos movimentos de braços e de mãos são realizados pelos dançarinos que estão de pé, no centro da fotografia. A dançarina retratada ao fundo faz um movimento diferente: ela está com um dos braços levemente flexionado e com a mão aberta.
  4. Ouça as considerações dos estudantes. Pode ser que eles relacionem os movimentos que estão sendo realizados pelos dançarinos com a capoeira ou com as danças de rua, como o break. Ouça todas as informações e referências que compõem o repertório deles.
  5. Espera-se que os estudantes mencionem que os dançarinos estão em diferentes níveis espaciais: baixo, médio e alto. Por exemplo, a dançarina retratada em primeiro plano está no nível baixo (com o corpo todo bem próximo do chão).
  6. Estimule os estudantes a apresentar suas impressões a respeito do figurino dos dançarinos. Pergunte a eles que imagem ou ideia eles têm do que deveria ser um figurino. É possível que eles comentem que já viram ou já utilizaram vestimentas como as dos dançarinos da fotografia, pois são peças do dia a dia, como camiseta, bermuda e calça jeans. Faça-os refletir sobre o que faz uma roupa cotidiana se tornar um figurino.
  7. A ideia é que os estudantes elaborem hipóteses para o fato de o figurino ser composto de peças comuns usadas no cotidiano. Deixe que eles falem livremente de suas impressões. Pergunte por que acham que esses figurinos foram escolhidos pelos profissionais. Se houver manifestações como “não gostei”, pergunte o que mudariam no figurino e por quê.
  8. Incentive os estudantes, primeiro, a fazer uma leitura objetiva das cores que podem ser vistas na cena. Com base nisso, pergunte o que essas cores e fórmas despertam neles. Que atmosfera esses elementos sugerem? Quais sensações esses elementos provocam? É importante que eles percebam que a luz compõe a cena e é utilizada como elemento fundamental da cenografia.

Artista e obra

Companhia Fusion de Danças Urbanas

O espetáculo retratado na abertura desta Unidade foi produzido pela Companhia Fusion de Danças Urbanas. O trabalho dessa companhia começou informalmente no ano de 2002 com um grupo de amigos que gostavam de se reunir para dançar e aprender danças urbanas. Em 2009, a companhia estreou seu primeiro trabalho profissional chamado Som, que foi seguido por produções como Matéria prima (2012), Meráki (2013), entre outras.

Fotografia. Palco com cinco homens de roupas em tons de preto, marrom e cinza. Estão em movimento de dança. Ao fundo, sombra dos dançarinos projetada em uma cortina branca.
Os dançarinos Vick Alves, Fabricio Eustáquio, Leandro Belilo, Augusto Guerra e Uálisson Culu em apresentação do espetáculo Matéria prima, da Companhia Fusion de Danças Urbanas, em Belo Horizonte Minas Gerais, em 2013.

A companhia é dirigida por Leandro Belilo e tem como principais objetivos a pesquisa e a divulgação das danças urbanas, como são chamadas as danças que surgiram e são tradicionalmente realizadas nas cidades. As danças urbanas também são conhecidas como danças de rua.

Em 2016, os integrantes da companhia inauguraram sua séde, a Cafuá – Casa Fusion de Arte. Nesse local, são oferecidas aulas de dança e ocorrem exposições e apresentações de obras de diferentes linguagens artísticas.

Fotografia. Interior de um salão em que algumas pessoas estão fazendo aula de dança. O grupo é formado por homens e mulheres e todos usam roupas esportivas, como bermuda e regata. Alguns estão calçados, outros estão descalços. Estão de costas. Ao fundo, um grande espelho horizontal disposto ao longo da extensão da parede. Ele reflete parte do grupo.
Estudantes participam de aula na Cafuá. Belo Horizonte Minas Gerais, 2013.

Tema 1  Um convite à reflexão

O espetáculo Pai contra mãe

O espetáculo Pai contra mãe foi desenvolvido pela Companhia Fusion em 2016. Essa produção teve como referência um conto escrito por ­Machado de Assis (1839-1908) poucos anos após a abolição da escravidão, em 1888. Nesse conto – também intitulado “Pai contra mãe” –, Machado de Assis faz duras críticas ao sistema escravo­crata e chama a atenção para a violência com que eram tratados os negros escravizados.

Fotografia em preto e branco. Homem de cabelo curto escuro e barba longa, com óculos de armação arredondada e paletó escuro.
Machado de Assis em 1890.

Após ler e discutir o texto de Machado de Assis, os integrantes da companhia Fusion decidiram desenvolver um projeto de dança em que pudessem convidar o público a refletir sobre a condição dos negros, especialmente das mulheres, na sociedade atual. Assim nasceu o espetáculo Pai contra mãe, cuja imagem vimos na abertura desta Unidade.

Durante a apresentação, os dançarinos abordam a dramaticidade de temas como discriminação e violência, elementos centrais do espetáculo. Observe a fotografia reproduzida a seguir e note a fôrça dos braços e a fórma como os dançarinos se tocam.

Fotografia. Quatro pessoas abraçadas, duas delas com expressão de dor e duas aparecem de costas. Todos usam roupas escuras. No centro, destaque para uma mulher de cabelo castanho encaracolado, que está com os dentes cerrados. Três pessoas seguram seu rosto e seu corpo, um dos homens está com a boca aberta próxima ao seu rosto.
Da esquerda para a direita, os dançarinos Isabela Ízaguêrl (com blusa com capuz), Silvia Kamylla (mais abaixada), Aline Mathias e Uálisson Culu, em apresentação do espetáculo Pai contra mãe, da Companhia Fusion de Danças Urbanas. Belo Horizonte Minas Gerais, 2016.
Respostas e comentários

Objetivos

  • Refletir sobre as mudanças ocorridas na dança no século vinte.
  • Valorizar a importância de autores e de grupos de dança cujas obras abordam questões sociais.
  • Conhecer espetáculos que reúnem dança e literatura.
  • Entender a proposta de dançarinos que levam para o palco elementos das danças urbanas e compreender a relação entre dança e música.
  • Perceber que temas como a condição da mulher negra, o preconceito étnico e o machismo podem ser abordados em espetáculos de dança.
  • Experienciar uma dança autoral com base em um texto literário.
  • Desenvolver a autoconfiança e a autocrítica por meio da experimentação artística.

Habilidades favorecidas neste Tema

(ê éfe seis nove á érre zero um), (ê éfe seis nove á érre zero nove), (ê éfe seis nove á érre um dois), (ê éfe seis nove á érre um três), (ê éfe seis nove á érre um quatro), (ê éfe seis nove á érre três um) e (ê éfe seis nove á érre três três).

Contextualização

Ao apresentar o espetáculo Pai contra mãe, comente que um dos papéis da arte é refletir sobre as questões sociais e culturais. Comente que essa produção busca, por meio da linguagem das danças urbanas, discutir questões oriundas da escravidão no Brasil, que estão presentes em nossa memória e ancestralidade e afetam ainda hoje as relações culturais e sociais em nosso país. Assim, a Companhia Fusion motiva discussões sobre racismo, sexismo (atitude de discriminação ou preconceito sexual) e necessidade de poder impulsionada pela vaidade humana.

Se julgar oportuno, comente com os estudantes o resumo do conto de Machado de Assis que serviu de referência para o espetáculo Pai contra mãe. Para isso, leia o texto “A história de um caçador de escravos fugitivos”, indicado nas Leituras complementares, nas páginas iniciais desse Manual. Comente que a “roda dos enjeitados” (mencionada no conto) era um mecanismo de madeira instalado em conventos ou nas casas de misericórdia no qual eram depositados bebês abandonados pelos pais. Ao ser girado o mecanismo, o bebê era conduzido para dentro da instituição e um sino era tocado para anunciar a sua chegada. Essa prática foi utilizada no Brasil do século dezoito a meados do século vinte. Nesse conto, Machado de Assis trata com ironia o regime escravocrata brasileiro, imposto pelos portugueses colonizadores aos africanos que foram escravizados e trazidos para cá. As personagens expõem as atitudes contraditórias das pessoas.

A proposta da companhia

As coreografias do espetáculo Pai contra mãe reforçam a proposta do grupo de levar para o palco elementos das danças urbanas. Nesse espetáculo, os dançarinos fazem, por exemplo, diversos movimentos do break, dança que surgiu nos Estados Unidos e que se caracteriza pela realização de movimentos predominantemente rápidos, fortes e diretos. Nessa dança, em geral, os dançarinos exploram todos os níveis do espaço (alto, médio e baixo). Você já dançou break ou viu alguma apresentação dessa dança?

Desde a origem do break, são realizadas as “batalhas”, competições em que dois grupos de dançarinos ficam frente a frente para se apresentar e ser avaliados pelo público. Note que essa característica também está presente no espetáculo Pai contra mãe.

Fotografia. Grupo de dançarinos no palco. À esquerda, um grupo de cinco pessoas confronta uma mulher, que está à direita da foto. Todos usam roupas informais em tons de cinza e estão em movimento de dança.
Da esquerda para a direita, os dançarinos Uálisson Culu, Augusto Guerra, Isabela Ízaguêrl (mais abaixada), Aline Mathias, Jonatas Pitucho e Silvia Kamylla (de frente para o grupo) em apresentação do espetáculo Pai contra mãe, da Companhia Fusion de Danças Urbanas, em Belo Horizonte Minas Gerais, em 2017.

Faça no diário de bordo.

Experimentações


Nesta proposta, você vai experimentar uma “batalha”, mas o foco será apenas uma maneira de conversar com o corpo, dançando, e não uma competição.

Procedimentos

  1. Antes de começar a dançar, faça um breve aquecimento, com as orientações do professor.
  2. Em seguida, forme uma grande roda com toda a turma e escolham, rapidamente, uma ou duas canções que serão a trilha sonora da roda. Não é preciso cantar as canções, apenas cantarolar a melodia juntos e bater palmas para marcar o ritmo. Logo depois, alguém entra na roda e mostra um passo de dança; depois, outra pessoa e assim por diante.
  3. Após a roda, organize-se em dupla com um colega para começar a dançar. Enquanto um de vocês faz movimentos com o corpo todo, procurando demonstrar suas habilidades, o outro observa. Quando quem está dançando faz uma pausa, o colega começa a se movimentar. Repitam essa dinâmica algumas vezes, como acontece quando conversamos: primeiro, uma pessoa fala; a outra responde; depois, a primeira pessoa comenta a resposta e a conversa continua!
  4. Registre em seu diário de bordo suas impressões sobre a proposta de conversar com o corpo e a dança.
    Ilustração. Ícone do diário de bordo.
Respostas e comentários

Contextualização

Para ampliar a contextualização sobre o espetáculo Pai contra mãe, você pode ler com os estudantes o conto de Machado de Assis que foi referência para o espetáculo, disponível em: https://oeds.link/USQEAF. Acesso em: 28 fevereiro 2022.

Após a leitura, retome a conversa com os estudantes sobre o período da escravidão no Brasil e o modo como ele marca a sociedade brasileira até os dias atuais.

Pergunte aos estudantes qual situação eles imaginam que tenha suscitado a batalha no espetáculo Pai contra mãe, e estimule-os a se expressar. Converse sobre essa transposição de um elemento da rua para o palco. Qual é o significado disso? O que os estudantes imaginam que os bailarinos querem dizer com isso?

Pergunte como eles percebem que o racismo se expressa na nossa cultura e como acreditam que possa ser combatido.

Experimentações

Caso os estudantes conheçam alguma batalha, pergunte onde ela costuma acontecer, quais ritmos musicais e referências da dança são usados etcétera

Se as “batalhas” não são parte do repertório de nenhum estudante da turma, você pode apresentar algumas referências para eles. Uma delas pode ser o projeto educativo Batalha do Frevo com o Passinho, realizado no Museu de Arte do Rio (Már). As “batalhas” de Passinho, assim como as de break, são praticadas em diversas cidades do país. Outra referência são as “batalhas” de danças urbanas do festival Palco hip-hop, de Belo Horizonte.

  1. Sugira que eles aqueçam o corpo antes de começar a dançar, espreguiçando-se e fazendo movimentos circulares com ombros, cabeça, quadris, tornozelos e punhos.
  2. Organize os estudantes em roda e estimule-os a compartilhar alguns movimentos. Uma possibilidade é colocar uma canção para tocar. Não é necessário que todos os estudantes dancem no centro da roda, apenas quem se sentir confortável.
  3. Solicite aos estudantes que se revezem entre quem dança e quem observa, chamando a atenção deles para a ideia de “conversar com o corpo”, por meio da dança. Oriente-os sobre a importância de terem cuidado com o corpo e incentive-os a experimentar criar movimentos desafiadores, mas com cautela.
  4. Se preferir, sugira uma conversa em roda sobre as percepções da experimentação.

Por dentro da arte

Bastidores

Assim como a Companhia Fusion de Danças Urbanas, artistas de diferentes linguagens artísticas criam obras com as quais chamam a atenção do público para questões sociais. É o caso da artista visual Rosana Paulino, autora da obra apresentada a seguir.

Fotografia em preto e branco impressa em tecido. Mulher de cabelo escuro preso, com uma camisa clara. Está com a boca costurada com uma linha preta por cima do tecido.
Fotografia em preto e branco impressa em tecido. Mulher de cabelo escuro preso, com uma blusa clara. Está com os olhos costurados com uma linha preta por cima do tecido.
Fotografia em preto e branco impressa em tecido. Mulher de cabelo escuro médio, com camisa clara. Está com os olhos e o pescoço costurados com uma linha preta por cima do tecido.
PAULINO, Rosana. Bastidores. 1997. Imagem transferida sobre tecido e costura sobre bastidor, 30 centímetros de diâmetro (cada bastidor). Coleção particular.

Faça no diário de bordo.

Foco na linguagem

  1. Observando as imagens, o que mais chama a sua atenção?
  2. Em sua opinião, por que Rosana Paulino teria “costurado” a boca, os olhos e a garganta das mulheres retratadas na obra?
  3. Como essa obra se relaciona com o espetáculo Pai contra mãe, que você conheceu anteriormente?
  4. Para criar essa obra, Rosana Paulino utilizou bastidores. Você sabe o que são esses objetos e qual é a função deles? Caso saiba, conhece alguém que os usa?
  5. Você imagina por que a artista teria utilizado bastidores para produzir essa obra?
Versão adaptada acessível

1. O que mais chama sua atenção nas imagens descritas?

Respostas e comentários

Por dentro da arte

Amplie as informações sobre a artista visual Rosana Paulino comentando com os estudantes que Rosana é doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (éca/úspi). A pesquisadora e educadora participa de muitas exposições no Brasil e no exterior e seus trabalhos têm como principal referência a posição que as mulheres negras ocupam na sociedade brasileira e as dificuldades que enfrentam em decorrência do racismo e das consequências da escravidão.

Foco na linguagem

1. a 3. Dedique um tempo para que os estudantes expressem suas leituras sobre o trabalho da artista e elaborem hipóteses com base nas perguntas 1 e 2. Se perceber que alguns estudantes estão com dificuldades para expressar o que percebem, peça que definam as imagens usando apenas uma palavra primeiro e, com base nas palavras que surgirem, aprofunde o diálogo com eles. Depois, converse sobre as possíveis relações entre o espetáculo Pai contra mãe e a obra de Paulino, estimulando que identifiquem mais de uma relação.

  1. Verifique se os estudantes conhecem esse objeto e, caso o conheçam, peça que expliquem qual é sua função. Aproveite para perguntar se conhecem alguém que usa bastidores ou que faça bordados sem usar esse suporte.
  2. Deixe que os estudantes levantem hipóteses livremente. Depois, aproveite a questão para problematizar com eles as separações entre o que é arte e o que é artesanato. Estimule que reflitam sobre essas possibilidades, expondo suas opiniões e as debatendo entre si.

Na conversa, informe que bordado, tapeçaria, costura, crochê etcétera são, em muitas sociedades, práticas realizadas por mulheres e que, na visão eurocêntrica, muitas vezes não são consideradas arte, diferentemente da pintura, da escultura etcétera As práticas artísticas categorizadas como arte foram durante séculos praticadas principalmente por homens nas sociedades ocidentais. Em seguida, pergunte a opinião dos estudantes novamente, com base nessa informação. Se considerar oportuno, pergunte se, na opinião deles, as danças urbanas só passam a ser arte quando são apresentadas em palcos de teatros.

Esta também será uma oportunidade para problematizar as narrativas eurocêntricas e as diversas categorizações da arte (arte, artesanato, folclore, design etcétera, que compõem a unidade temática Artes integradas da Bê êne cê cê e para desenvolver as habilidades de argumentação dos estudantes.

Entrevista com Rosana Paulino

A seguir você vai ler uma entrevista com a artista visual Rosana Paulino.

“Entrevistador: Rosana, por favor, fale um pouco sobre sua atuação nas artes visuais.

Rosana Paulino: Desenvolvo um trabalho de pesquisa na área de arte contemporânea na qual tenho procurado pensar nas questões relativas ao indivíduo negro na sociedade brasileira com um recorte muito focado, que é o da inserção da mulher negra na sociedade brasileira.

Entrevistador: Que tipo de arte visual você produz?

Rosana Paulino: Como artista, eu sempre falo que é a arte que me dá o direcionamento. É o trabalho que pede para ser feito, que aponta o suporte que eu vou usar. Algumas obras ficam muito bem no papel. Nesse caso, eu posso trabalhar com gravuras sobre papel ou desenhos sobre papel. Outras obras, às vezes, precisam crescer, precisam de espaço. Então, eu as produzo como instalações. Geralmente é o trabalho que determina o tipo de mídia que eu vou usar. Isso vai desde o papel, como eu falei, até o vídeo, até as instalações. Hoje em dia, a arte não tem um suporte; é muito raro você encontrar um artista contemporâneo que trabalhe com um único suporte.

Entrevistador: Por favor, fale sobre as questões sociais presentes em sua obra.

Rosana Paulino: Essa questão social no meu trabalho vem, eu creio, primeiramente da educação que eu recebi. Eu recebi uma educação muito crítica; sempre li muito. Minha mãe sempre nos incentivou a ter uma formação crítica. E, é lógico, quando cresce, você vai percebendo o seu entorno. Como uma mulher negra, eu fui percebendo que faltava essa pessoa, faltava essa personagem, por exemplo, na televisão. Quando uma personagem negra aparecia, era a empregada doméstica, aquilo que a gente já sabe. Na produção cultural visual, por exemplo, eu sentia falta de elementos que falassem dessa população que, afinal, é 51% da população brasileira. Então, eu não me encontrava. Quando eu ia a museus, por exemplo, não me encontrava naquelas peças, na produção que estava sendo exposta, principalmente na de arte contemporânea, que é extremamente eurocêntrica. Eu sempre pensava: ‘Onde está o Brasil nessa produção?’. O que havia era uma escola que vinha do norte (americana ou europeia), que não dava conta de discutir as questões do Brasil. Então, foi um caminho óbvio para mim tentar inserir essas questões em minha produção, olhar para o meu entorno, saber de onde eu vim, olhar para os elementos que constituem a obra de arte. Eu sentia falta dos elementos do tecido, da ‘manualidade’ na obra de arte. Então o tema social entrou em minha pesquisa por diversas fontes. Eu acho que o artista precisa sempre falar daquilo que o incomoda. Me incomodava profundamente não perceber, na produção cultural do Brasil, na área de artes visuais, uma presença maior dos indivíduos negros, das mulheres. Então eu quis trabalhar com aquilo que me chamava a atenção e me incomodava. Não teria sentido nenhum eu trabalhar com base em uma tradição que não dialoga comigo, que não é minha, que é essa tradição do norte, europeia ou americana, que não dá conta dos problemas que eu vejo no dia a dia, não só na minha vida, mas no entorno, e que acabam definindo o país.”

Fotografia em preto e branco. Mulher de cabelo escuro curto cacheado, óculos de armação retangular, usando camiseta clara e um colar. Ela sorri.
Fotografia de Rosana Paulino em São Paulo (São Paulo), 2009.

Entrevista concedida especialmente para esta Coleção, em outubro de 2014.

Respostas e comentários

Contextualização

Veja um outro trecho da entrevista concedida por Rosana Paulino em que ela fala da sua relação com o bordado:

reticências

Rosana Paulino: Gosto muito da costura. Minha mãe foi bordadeira e eu a via bordando para ajudar na casa, para ajudar no ensino da gente. Então, desde pequena, eu convivo com linhas, com agulhasreticências Isso é muito tranquilo para mim. O tecido é muito fácil de manusear. reticências

Desde pequena, eu cortava roupinhas para as bonecas, fiz enxoval, aprendi a bordar. É uma coisa que me acompanha. E fóra o fato da minha mãe, que costurava as nossas roupas quando nós éramos pequenas. Ela comprava os tecidos e fazia as nossas roupas. Então, com os retalhinhos a gente já fazia as roupinhas de boneca, os bordados. Então é um meio muito natural. É um meio que eu conheço bem. E eu gosto da flexibilidade dos tecidos e dos bordados. O bordado acrescenta um dado no trabalho. Ele não entra de fórma gratuita em meu trabalho só porque eu sei fazer bordado, só porque eu sou mulher. Ele geralmente une partes do trabalho. Ele entra com um significado no trabalho, sempre. Então, o local onde vai entrar um bordado ou uma costura é sempre muito bem escolhido. Não é aleatório; tem de ter um significado.

Entrevista concedida especialmente para esta Coleção, realizada em São Paulo (São Paulo), em outubro de 2014.

A trilha sonora

É comum imaginarmos que a música deve ditar os movimentos de uma dança. Acredita-se, de modo geral, que a dança seja criada com base em uma música, respeitando seu ritmo, tempo e temática (quando há letra). Nessa situação, a dança só existe em função da música. Porém, isso é diferente na dança contemporânea. Em muitos espetáculos, dança e música se relacionam, mas a dança não depende da música para acontecer. Elas “conversam”, criando juntas sentido, sensações e imagens. É o caso do espetáculo Pai contra mãe, da Companhia Fusion de Danças Urbanas, por exemplo.

Na trilha sonora criada para o espetáculo Pai contra mãe, a companhia trabalhou com sons coletados no centro da cidade de Belo Horizonte, onde está sediada. Esta paisagem sonora da cidade incluiu carros passando, buzinas, serras cortando metais, ruídos ambientes de pessoas conversando e vozes de vendedores ambulantes, que anunciavam produtos e serviços dizendo frases como “Cortar cabelo é dez, escova é cinco” e “Compro e vendo ouro, avaliação é grátis”. Em alguns momentos do espetáculo, estes anúncios são escutados junto com trechos do conto de Machado de Assis que falam de objetos usados para controlar e violentar pessoas escravizadas como as  máscaras de folhas-de-flandresglossário de folhas-de-flandres e correntes. Estes e outros elementos sonoros foram utilizados pelo músico Matheus Rodrigues para compor a trilha sonora especialmente para a peça.

Além das criações originais de Mateus Rodrigues, a trilha também inclui a canção “Maria da Vila Matilde”, do cantor e compositor Douglas Germano, na versão interpretada pela cantora Elza Soares, no álbum A mulher do fim do mundo.

Titulo do carrossel
Imagem meramente ilustrativa

Gire o seu dispositivo para a posição vertical

Em um outro espetáculo da companhia, Quando efé, a cidade também está presente no tema do espetáculo e em sua trilha sonora, mas de outra fórma. O espetáculo propõe uma aproximação entre elementos culturais contemporâneos e tradicionais, que influenciam a companhia e estão presentes no contexto da cidade de Belo Horizonte. Em diálogo com esses elementos, a trilha sonora foi criada com base em referências musicais atuais como o rap e a música eletrônica, e de tradições afro-brasileiras regionais, como o Congado, que é uma manifestação cultural e religiosa afro-mineira que combina música, dança e encenação teatral.

Fotografia. Grupo de homens em movimento de dança num espaço ao ar livre. Em primeiro plano, à direita, homem de cabelo preto trançado, com  camisa rosa e paletó branco. Está agachado. Ao fundo, homens estão pulando e olhando para baixo, sincronizados.
Espetáculo Quando efé, da Companhia Fusion de Danças Urbanas, com o dançarino Augusto Guerra e outros dançarinos da companhia atrás dele. Fotografia de 2014.
Respostas e comentários

Contextualização

Comente com os estudantes que a música e a dança não são indispensáveis uma à outra, mas que podem se complementar em um trabalho cênico. Existem composições de dança que não têm o acompanhamento de uma música. No entanto, é importante observar que a sonoridade é parte integrante de uma composição de dança. Por exemplo, quando coreógrafos contemporâneos decidem pela não utilização de música, eles estão cientes de que essa escolha realça os sons emitidos pelos dançarinos por meio do toque de seus corpos no chão, o som da respiração das pessoas na plateia, enfim, todos os sons emitidos dentro ou até mesmo fóra do espaço em que o compartilhamento do trabalho acontece.

Assim, é possível dizer que as sonoridades são parte de uma composição de dança, sejam elas concebidas de modo tradicional, sejam elas concebidas de modo a deixar espaço para que sons inesperados e não estruturados previamente façam parte da composição de um trabalho de dança.

Sugestão de atividade

Usando a sala de informática ou outro recurso disponível na escola, oriente uma pesquisa sobre o uso de trilhas sonoras em diferentes linguagens da arte. Sugira aos estudantes que pesquisem trilhas sonoras de outros espetáculos de dança, e também de filmes, séries, telenovelas, teatros musicais etcétera

Peça aos estudantes que se organizem em duplas ou trios. Caso não seja possível, considerando a quantidade de estudantes na turma e o número de equipamentos disponíveis, organize grupos maiores. Oriente-os a pesquisar essas referências e a analisar as diferentes maneiras com que as trilhas sonoras são usadas nas obras que encontrarem. Por exemplo, quais diferenças e semelhanças percebem no uso de trilha sonora em um filme e em um espetáculo de dança?

Ao final, peça a eles que separem ao menos duas referências para compartilhar com os colegas, e estimule-os a expressar as diferenças que perceberam na pesquisa. Nesse momento, pergunte também aos grupos se identificaram o tema abordado nas trilhas sonoras e nas obras pesquisadas.

Música, dança e criação

A trilha sonora de Quando efé foi criada pelos músicos Isadora Ribeiro e Mateus Ribeiro, e contou com a participação do Mestre Negoativo, músico e pesquisador das tradições culturais afro-mineiras e das comunidades quilombolasglossário .

Parte da trilha foi criada especialmente para esse espetáculo por Isadora e Mateus, com referência nas pesquisas de Negoativo. A seleção também foi composta com duas canções de outros artistas: “Luar do Sertão” (1913), de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, e Black Sands (2010), do DJ Bonobo. A música se integra ao espetáculo ora com reproduções em áudio, ora com performances ao vivo dos músicos no palco.

Fotografia. Palco em que dois homens e uma mulher dançam. Em primeiro plano, homem de cabelo curto preto, com camisa e calça marrons, está com uma perna esticada e a outra dobrada, tronco inclinado e a cabeça apoiada no peito de outro homem. Seus braços estão projetados para trás. À sua frente, homem de cabelo trançado, com colete e calça  marrons. Seu corpo está inclinado em direção ao outro homem, com os braços projetados para a frente. Ao fundo, telas brancas presas lado a lado na parede escura e uma mulher de roupas claras, que está com o tronco inclinado para frente em movimento de dança.
Espetáculo Quando efé, da Companhia Fusion de Danças Urbanas. Da esquerda para a direita, Victor Alves e Leandro Belilo. Fotografia de 2014.

Nos espetáculos de dança contemporânea, as reproduções das canções em áudio, muitas vezes, são organizadas como uma colagem sonora, que faz junções de sons e canções, prevendo se haverá momentos de silêncio ou não; quando cada uma deve entrar; por quanto tempo serão reproduzidas etcétera Essas definições também fazem parte do trabalho realizado pelos profissionais que criam as trilhas sonoras, em diálogo com outros criadores das companhias.

Fotografia. Quatro pessoas dançam em um espetáculo. Em primeiro plano, à esquerda, homem de cabelo trançado, colete e calça marrons, apoia-se apenas com uma mão no chão, enquanto o resto do corpo projeta-se no ar. No centro, homem de cabelo preto curto, com camisa e calça marrons, está sentado com as pernas dobradas e os braços projetados para a frente. Ao fundo, à direita, telas brancas presas lado a lado na cortina escura. Embaixo delas, há dois homens agachados com a perna esquerda estendida lateralmente.
Espetáculo Quando efé, da Companhia Fusion de Danças Urbanas. Da esquerda para a direita, Leandro Belilo e Victor Alves. Fotografia de 2014.
Respostas e comentários

Contextualização

O espetáculo Quando efé trabalha com referências de danças e manifestações culturais e religiosas afro-mineiras, ou seja, das expressões da cultura e da religiosidade afro-brasileira no estado de Minas Gerais.

Comente com os estudantes que o Congado é uma manifestação associada à diáspora do povo banto, que veio da região onde hoje estão os países Angola, Congo e Gabão. A manifestação compreende a encenação da coroação de um rei africano do Congo, por meio de canções e danças tradicionais e está também associada ao culto a Nossa Senhora do Rosário.

Arte e muito mais

Carolina Maria de Jesus

“15 DE JULHO DE 1955 Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos generos alimenticios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar.

Eu não tinha um tostão para comprar pão. Então eu lavei 3 litros e troquei com o Arnaldo. Ele ficou com os litros e deu-me pão. reticências

Passei o dia indisposta. Percebi que estava resfriada. A noite o peito doia-me. Comecei tussir. Resolvi não sair a noite para catar papel. Procurei meu filho João José. Ele estava na rua Felisberto de Carvalho, perto do mercadinho. reticências

Esperei até as 11 horas, um certo alguem. Ele não veio. reticências Quando despertei o astro rei deslisava no espaço. A minha filha Vera Eunice dizia: — Vai buscar agua mamãe!”

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 1993. página 9. (Série Sinal Aberto).

Carolina Maria de Jesus nasceu na zona rural do município de Sacramento Minas Gerais e, ao longo da vida, trabalhou como empregada doméstica e catadora de materiais recicláveis. Ela estudou apenas até a segunda série do antigo Primário (correspondente ao terceiro ano do Ensino Fundamental), mas tinha muito talento para escrever.

Fotografia. Mulher de vestido claro com um pano claro amarrado na cabeça, sentada em uma cama. Ela ajuda uma menina pequena a se vestir. A menina está em pé, de costas para a mulher, e usa um vestido claro.
As atrizes Gabrielly de Abreu e Zezé Motta em cena do curta-metragem Carolina, 2003.
Fotografia em preto e branco. Mulher de cabelo curto, com camisa clara e casaco escuro, autografa um livro. Ao fundo, à esquerda, prateleiras com livros.
Carolina Maria de Jesus autografa seu livro Quarto de despejo: diário de uma favelada. Fotografia de 1960.

Tinha um diário no qual anotava acontecimentos de seu dia a dia, as dificuldades pelas quais passava, seus sonhos, os cuidados com os filhos e a convivência com os vizinhos. Esse diário foi transformado em livro e publicado em 1960 com o título Quarto de despejo: diário de uma favelada. O livro ficou conhecido no mundo todo, além de ser adaptado para o tea­tro, para o cinema e para uma série de televisão. Uma das adaptações do livro para o cinema foi o curta-metragem Carolina, lançado em 2003.

No Museu Afro Brasil, em São Paulo (São Paulo), há uma biblioteca com mais de 10 mil itens relacionados à cultura e à história africana e afro-brasileira. Essa biblioteca recebeu o nome de Carolina Maria de Jesus em homenagem à escritora.

Faça no diário de bordo.

Ícone. Tema Contemporâneo Transversal. Cidadania e Civismo.

Em nosso dia a dia, frequentemente, decidimos o que guardar e o que descartar. Às vezes, guardamos alguns objetos porque passam a ter um valor sentimental. É assim que surgem as caixas ou gavetas de guardados. Descubra, entre seus familiares ou outras pessoas mais velhas de sua convivência, alguém que possua objetos, cartas, diários e outros documentos que têm importância sentimental. Peça a essa pessoa que escolha até três itens para apresentar-lhe. Registre no diário de bordo a história que esses objetos carregam.

Ilustração. Ícone do diário de bordo.
Respostas e comentários

Arte e muito mais

Comente com os estudantes que Carolina Maria de Jesus é uma escritora muito respeitada em nosso país. Ela viveu parte da vida em São Paulo (São Paulo), onde escreveu seu livro mais aclamado, Quarto de despejo: diário de uma favelada, traduzido para mais de dez idiomas.

A escritora usava cadernos encontrados no lixo para escrever sobre sua vida e sobre seus questionamentos quanto às condições de sobrevivência às quais as pessoas são submetidas.

Em 2021 aconteceu no Instituto Moreira Salles a exposição Carolina Maria de Jesus – Um Brasil para os brasileiros, com curadoria de Hélio Menezes. Se considerar oportuno, compartilhe com os estudantes um vídeo sobre essa exposição, disponível em: https://oeds.link/SKe3LI. Acesso em: 31 maio 2022.

Pesquisa documental

Com base na criação literária da escritora Carolina Maria de Jesus com diários e em sua atuação como catadora de materiais recicláveis, oriente uma análise documental com os estudantes.

O trabalho de Carolina Maria de Jesus nos leva a refletir sobre os resíduos que geramos diariamente, quais objetos escolhemos descartar e quais escolhemos guardar. Essa escolha pode considerar a utilidade, mas é também orientada por motivações subjetivas. Pergunte aos estudantes quais objetos eles guardam e quais descartam, estimulando que reflitam sobre as motivações dessas escolhas.

Em seguida, oriente uma pesquisa de análise documental para realizarem com os familiares ou com pessoas mais velhas. A pesquisa também pode ser feita em arquivos de pessoas já falecidas, a partir de uma conversa com quem é responsável por eles atualmente. Os estudantes deverão conversar com alguém que possui um arquivo pessoal (caixa ou gaveta de guardados ou outro suporte) e conhecer seus guardados.

Peça que escolham até três objetos com a pessoa que possui o arquivo e façam uma análise.

Os objetos ou documentos devem ser analisados segundo alguns critérios:

  1. A quem pertencem?
  2. Por que a pessoa os guardou? Há histórias pessoais associadas a eles?
  3. De que ano ou época aproximadamente são?
  4. Onde e como estão guardados, há alguma organização?
  5. Quais outros objetos compõem esse arquivo?

As apresentações podem ser breves, com cêrca de 5 minutos, e ser feitas com base nas anotações no diário de bordo e outros recursos tecnológicos de registro a que tenham acesso e que possam utilizar: fotografias, vídeos ou áudios com depoimentos etcétera

Essa proposta contempla o Tema contemporâneo transversal Cidadania e civismo (Vida familiar e social).

O espetáculo Rainha

A fotografia reproduzida a seguir é de uma cena de Rainha, espetáculo de dança apresentado em 2007 pelo grupo Margaridas Dança. A condição das mulheres negras na atualidade, com destaque para questões como a marginalização social e o preconceito racial, é o tema abordado nesse espetáculo.

Em Rainha, duas dançarinas dançam e declamam textos de escritoras negras brasileiras e estrangeiras. Fazem parte do espetáculo, por exemplo, textos das brasileiras Carolina Maria de Jesus (1914-1977) e Negra Li e das estadunidenses Toni Morisson (1931-2019) e Alice uólquer.

O espetáculo, assim como a proposta da Companhia Fusion de Danças Urbanas, reúne elementos da dança e da literatura. A trilha musical também faz referência ao universo feminino negro. São utilizadas canções que se tornaram sucesso com a interpretação de cantoras como Clementina de Jesus (1981-1987) e Clara Nunes (1943-1983).

Fotografia. Duas mulheres em um movimento de dança. À esquerda, mulher de cabelo preto cacheado, com vestido médio vermelho e marrom, descalça. Ela está com o braço direito curvado acima da cabeça, bem próximo ao rosto; e a mão esquerda próxima ao queixo. À direita, mulher de cabelo médio castanho, com regata escura e bermuda em tons de azul e marrom e sandália de salto alto. Ela está de costas, com os braços abertos e a cabeça voltada para cima. Ao fundo, latas de metal espalhadas no chão.
As dançarinas Laura Virgínia e Cleani Marques Calazans em apresentação do espetáculo Rainha, do grupo Margaridas Dança, em Brasília Distrito Federal , em 2007.
Respostas e comentários

Contextualização

Comente com os estudantes que o espetáculo Rainha se baseia em poemas que promovem a reflexão sobre a situação da mulher negra na atualidade e que nele também são abordados temas fundamentais para as mulheres na contemporaneidade, como o trabalho, a fragilidade (ou a fôrça), a condição sociocultural, a beleza, a dignidade, a alienação e a emancipação. Comente com eles que, além de as questões políticas e sociais abordadas nos poemas servirem como fonte, o lirismo dos poemas serviu de inspiração para a construção dos movimentos da dança desse espetáculo. Explique a eles que o título Rainha é uma referência às rainhas africanas e às entidades femininas do candomblé.

Promova um debate a respeito das discriminações racial e de gênero. Por meio desse debate, é possível que os estudantes reflitam sobre o fato de essas discriminações no Brasil permanecerem, muitas vezes, veladas ou igno­radas. Ressalte que produções como Rainha levam o público a refletir sobre isso e a identificar nas próprias atitudes resquícios da mentalidade escravagista e ou ou patriarcal.

O processo de conscientização e reflexão é fundamental para que se desfaçam os mitos de igualdade de tratamento e de igualdade de oportunidades para negros e brancos, homens e mulheres.

Artista e obra

Laura Virgínia

Leia trechos de uma entrevista com Laura Virgínia, diretora do espetáculo Rainha.

“Entrevistador: Qual é o tema central de Rainha e como essa proposta é desenvolvida?

Laura Virgínia: O tema central é a reflexão sobre a condição da mulher negra na contemporaneidade. São abordados diferentes olhares dessa realidade: a marginalização social, o preconceito racial, a ancestralidade negra. Para isso criamos um espaço cênico e figurinos com objetos do cotidiano e os valorizamos com as cores de ouro e diamante. Os gestos cotidianos, a faxina, a roupa, as atividades domésticas, o cabelo, a cor da pele, tudo o que parece tão insignificante ganha fôrça [e brilho] quando dançamos e falamos a voz da mulher negra.

Entrevistador: E como foi o processo de criação do espetáculo?

Laura Virgínia: Para o desenvolvimento do espetáculo Rainha, o elenco fez uma pesquisa literária durante seis meses e optou por usar poemas como base da criação. A maior dificuldade foi encontrar material de escritoras brasileiras, pela ausência de publicações de mulheres negras no país. Após reunir vários textos, alguns foram selecionados para entrar em cena. Os poemas foram usados tanto como inspiração para expressar o imaginário feminino negro como para compor a própria dança.

Entrevistador: Fale mais a respeito do fato de o espetáculo Rainha reunir dança e literatura.

Laura Virgínia: O espetáculo Rainha apresenta duas linguagens em diálogo: literatura e dança. A característica primordial do Margaridas Dança é que as nossas performances de dança são leituras em movimento; dançamos falando e mesmo falamos dançando. Falamos o quê? Poemas, partes dos textos literários que deram origem ao trabalho. No caso de Rainha foram poemas e textos de escritoras negras brasileiras e estrangeiras. Desde o início do grupo, criamos uma linguagem particular de interpretar as coreografias usando a fala e o gesto simultaneamente. A essa linguagem demos o nome de Ações da Fala.

Entrevistador: Por que podemos afirmar que Rainha é um espetáculo de dança contemporânea?

Laura Virgínia: Primeiramente, porque é uma obra que possui as características da arte contemporânea. É imprevisível, sem uma narrativa linear; dialogamos com duas linguagens – a literatura e a dança –, e a principal é a expressão autoral de artistas negras que, livremente, expressam sua inconformidade com sua condição na realidade contemporânea, mas ao mesmo tempo expressam tudo isso por meio da beleza e do lirismo.”

Entrevista concedida especialmente para esta Coleção, em janeiro de 2015.

Respostas e comentários

Artista e obra

Peça aos estudantes que leiam, em duplas, a entrevista com a diretora Laura Virgínia. Após a leitura, oriente-os a anotar as ideias que chamaram mais a atenção deles na entrevista.

A seguir, faça a mediação de uma conversa com toda a turma sobre a entrevista, as leituras e as interpretações, incentivando que compartilhem as ideias que anotaram.

Chame a atenção dos estudantes também para o modo como as artistas trabalharam a relação entre a dança e a literatura, e como o tema do espetáculo propõe reflexões sobre diferentes questões sociais, culturais e políticas.

A entrevista com a diretora Laura Virgínia é uma oportunidade para trabalhar o letramento racial com os estudantes.

Como define a socióloga Neide A. de Almeida:

reticências Esse conceito remete à racialização das relações, ou seja, o estabelecimento arbitrário de direitos e lugares hierarquicamente diferentes para brancos e não brancos, que legitima uma pretensa supremacia do branco. Portanto, o racismo pode (e precisa) ser desconstruído, combatido, o que implica necessariamente lutar para que todos sejam efetivamente reconhecidos como cidadãos e que tenham de fato seus direitos garantidos”.

ALMEIDA, Neide A. de. Letramento racial: um desafio para todos nós. Geledes, 28 outubro 2017. Disponível em: https://oeds.link/KqQN6E. Acesso em: 13 maio 2022.

Para ampliar seus conhecimentos sobre letramento racial e suas abordagens no contexto escolar, leia na íntegra esse texto de Neide A. de Almeida e acesse também outras referências didáticas sobre o tema:

  • A publicação educativa da exposição Histórias Afro-atlânticas, que inclui um vocabulário com palavras-chave sobre o tema e sugestões de abordagens didáticas. Disponível para download em: https://oeds.link/vRNbJL. Acesso em: 13 maio 2022.
  • O Jogo do privilégio branco, criado pelo Instituto Identidades do Brasil, que aborda o tema da desigualdade racial no Brasil. As referências e regras do jogo podem ser acessadas na página do instituto pelo link: https://oeds.link/frAqIF. Acesso em: 13 maio 2022.

Faça no diário de bordo.

Experimentações


Neste Tema, você conheceu espetáculos que reúnem dança e literatura. Por meio desse encontro entre as duas linguagens, Pai contra Mãe e Rainha mobilizam reflexões sobre problemas sociais, políticos e culturais presentes em nosso país. Agora, você viverá a experiência de criar, em grupo, uma cena de dança autoral, com base em um texto.

Momento 1 – Movimentar os temas

  1. Com a orientação do professor, forme um grupo com cinco colegas.
  2. Em grupo, relembrem os textos que vocês conheceram anteriormente. Há algum trecho que chamou a atenção de vocês? Por quê? Depois de conversar um pouco sobre essas impressões, busquem os trechos desses textos no livro e os releiam, em conjunto.
  3. Após a leitura dos trechos, escolham apenas um deles para iniciar a criação da cena de dança.
  4. Destaquem as ideias do trecho escolhido e identifiquem quais temas são tratados nele, usando poucas palavras. Essas palavras--temas serão o ponto de partida para os movimentos de dança que serão criados.
  5. Depois, defina com os colegas uma palavra-tema para cada um trabalhar, primeiramente de modo individual. Se vocês não tiverem cinco palavras-temas, mais de uma pessoa pode trabalhar com a mesma palavra.
  6. Pensando na sua palavra-tema, comece a imaginar e a improvisar alguns movimentos individualmente, refletindo sobre o que esse tema representa para você e como poderia expressá-lo com o corpo. Procure criar movimentos que mostrem quais sentimentos e lembranças a palavra-tema desperta em você. Depois de experimentar os movimentos por alguns minutos, selecione até três movimentos para praticar algumas vezes.

Momento 2 – Manifestar palavras-temas

  1. Mostre para os colegas do seu grupo os movimentos que você criou e assista aos movimentos criados por eles. Após assistirem aos movimentos uns dos outros, escolham em conjunto quais serão usados para compor a cena.
  2. Definam qual será o primeiro movimento e, depois, coloquem os outros movimentos em sequência, como se fossem palavras formando uma frase. A sequência pode ser estabelecida como uma conversa corporal, que representa cenas com um roteiro definido.
  3. Pratiquem a cena de dança algumas vezes, em grupo.
  4. Usem o diário de bordo para registrar essa cena. Anotem todos os detalhes do processo de criação: o número da página onde está o trecho textual escolhido, as palavras--temas que vocês retiraram do texto e as descrições ou desenhos que ajudam a lembrar os movimentos da cena de dança que criaram.
    Ilustração. Ícone do diário de bordo.

Momento 3 – Partilha e avaliação

  1. Com a orientação do professor, reúna-se com a turma para contar como foi o processo de criação do grupo, as escolhas que vocês fizeram, as palavras-temas definidas e o que mais considerarem importante partilhar.
  2. Conversem também sobre como foi criar essa cena de dança (quais foram as facilidades e as dificuldades) e o que experimentaram e compreenderam trabalhando e criando em grupo.
Respostas e comentários

Experimentações

Essa proposta pode ser trabalhada no tempo de uma aula, mas será retomada e aprofundada ao final dos Temas 2, 3 e 4 desta Unidade. Por isso, dependendo do trabalho que pretende desenvolver e do engajamento dos estudantes, ela pode ser o início de um projeto criado colaborativamente pelos grupos. No entanto, essas práticas e as próximas também podem ser trabalhadas separadamente, se considerar mais adequado.

Momento 1: oriente os estudantes na organização dos grupos. Circule entre os grupos para observar como está acontecendo o processo de escolha do trecho com que vão trabalhar. Verifique se precisam de auxílio para identi­ficar os temas e sintetizá-los em palavras-tema (ex.: ancestralidade, racismo e sexismo, beleza e lirismo, custo de vida, violência doméstica etcétera Com base nas palavras-tema que escolheram e naquilo que elas possam significar para eles, oriente os estudantes a descobrir movimentos e fórmas de realizá-los. Começar pelo movimento literal pode ser interessante, além de facilitar a adesão dos estudantes à proposta. No entanto, encoraje-os a fazer movimentos não cotidia­nos, lembrando-os de que a dança não é mímica e de que ela não precisa ser literal.

Momento 2: depois de compartilharem os mo­vimentos criados, oriente-os a descobrir isso dançan­do, ou seja, se movendo. Comente com eles que só conseguimos saber se uma escolha será boa ou não se a realizarmos na prática, a ob­servarmos e a avaliarmos.

Momento 3: ao escutar as contribuições dos estudantes nesse momento de partilha e avaliação, verifique se conseguiram compreender como o recorte temático pode ser trabalhado na criação em dan­ça e o que é um tema. Observe se os grupos conseguiram trabalhar de fórma colaborativa, criando e decidindo em conjunto so­bre as criações e se houve dificuldades. Se considerar oportuno, dê alguns exemplos, com base nos relatos que eles trazem, sobre maneiras dife­rentes de trabalhar em colabo­ração e criar coletivamente.

Glossário

Máscaras de folhas-de-flandres
: era um instrumento colocado na boca das pessoas escravizadas para as impedir de beber líquidos, ingerir alimentos e dificultar a fala. Era usada como forma de controle e sujeição moral.
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Quilombolas
: são populações que vivem em comunidades tradicionais fundadas por afrodescendentes no período da escravidão no Brasil.
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