Tema 2  A participação do espectador

Uma experiência de convívio

Muitos artistas das mais diferentes linguagens têm procurado estabelecer outros tipos de relação com o público. Nessas novas propostas, o público é convidado a participar, interagir e atuar durante a apresentação do espetáculo. Na Unidade 2, por exemplo, você conheceu obras visuais que convidam o público à interação.

No teatro, uma das propostas que promovem essa interação com o público são as peças conviviais. Nesse tipo de espetáculo teatral, embora haja um roteiro ou mesmo um texto predefinido e ensaiado, o público é convidado a participar e a interagir, muitas vezes entrando em cena com os atores.

Um exemplo de peça convivial é o espetáculo Fauna, da companhia Quatroloscinco – Teatro do Comum. Nessa peça, o texto funciona como um roteiro, e os atores avisam os espectadores de que a participação deles é desejada e que eles podem se sentar onde quiserem, trocar de lugar e falar durante a peça. Tudo começa com o pedido para que todos tirem os sapatos antes de entrar no local da apresentação. Lá instalados, em meio a momentos ensaiados, surgem situações nas quais os espectadores conversam com os atores.

Na peça Fauna, o público também participa da ação construindo a cenografia e interferindo diretamente no espaço em que a cena é realizada.

Fotografia. Cena de uma peça de teatro em um salão. No centro, há dois artistas contracenando: um deles está deitado no chão e o outro, em pé, quase agachado. Eles estão rodeados por sapatos espalhados no chão e pelo público, que se encontra bem próximo a eles, todos sentados no chão.
Os atores Marcos Coletta (deitado) e Assis Benevenuto em cena do espetáculo Fauna, da companhia Quatroloscinco – Teatro do Comum, em Belo Horizonte (Minas Gerais), em 2016.

Um espetáculo-encontro

A proximidade entre atores e público é uma marca da peça Fauna, em que uma dinâmica de intimidade abre espaço para que as conversas aconteçam. Os temas tratados nesse espetáculo são atuais, e os atores não representam propriamente personagens, mas se apresentam como atores que desejam partilhar seu tempo e o espaço em um espetáculo-encontro.

Observe a fotografia reproduzida a seguir, que mostra uma espectadora conversando com um dos atores. Observe que a iluminação coloca um foco de luz sobre a dupla, criando uma atmosfera teatral para esse encontro.

Fotografia. Duas pessoas conversam sentadas ao chão. Um homem de cabelo e barba castanhos, vestido com uma blusa cinza e uma mulher, de costas, vestida com um casaco preto e calça jeans, rodeados por sapatos espalhados no chão.
O ator Marcos Coletta conversa com espectadora em cena do espetáculo Fauna, da companhia Quatroloscinco – Teatro do Comum, em Belo Horizonte (Minas Gerais), em 2016.

Os grupos de teatro que trabalham com essa proximidade com o público desejam provocar nos espectadores a percepção de que eles também podem agir e de que o teatro não é somente um lugar de ouvir histórias, mas também de construir histórias.

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Foco na linguagem

1. Quais seriam as suas sensações ao se deparar com um espetáculo em que a proximidade dos atores é tão grande que quase não se distingue palco de plateia? Comente suas impressões com os colegas.

A proposta do quatroloscinco

O Quatroloscinco − Teatro do Comum é uma companhia mineira que, desde 2007, investiga práticas coletivas de criação e cria espetáculos voltados para diferentes maneiras de relação com o espectador. Em seus trabalhos, o grupo privilegia o trabalho do ator, que, em cena, mais do que contar uma história, se encontra com o público para discutir um tema.

Fotografia. Grupo de cinco pessoas. Quatro olham para cima, e um olha para o grupo. São três homens e duas mulheres, da esquerda para a direita: homem de cabelo curto, vestido com camiseta azul e jaqueta jeans; homem de cabelo e barba castanhos, vestido com camiseta cinza; mulher de cabelo preso com um lenço e de óculos, usa um vestido verde; mulher de cabelos cacheados castanhos, vestida com um blusa branca; homem de cabelo e barba curtos, vestido com camisa xadrez azul e branco.
Integrantes do Quatroloscinco − Teatro do Comum. Da esquerda para direita, Ítalo Laureano, Marcos Coletta, Maria Mourão, Rejane Faria e Assis Benevenuto. Fotografia de 2017.

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Experimentações

Siga as orientações do professor. Você vai experienciar o jogo teatral chamado A plateia faz o som.

Procedimentos

  1. Quatro jogadores se colocam na área de cena, e alguém da plateia sugere um tema de improvisação.
  2. Um voluntário da plateia deverá fazer os sons da cena de acordo com as situações que estão sendo improvisadas. Exemplo: na improvisação, um dos jogadores abre uma porta. O voluntário pode fazer o som do ranger da porta abrindo.
  3. Os jogadores devem estar muito atentos aos sons produzidos pela plateia para que continuem a improvisação com base no estímulo que vem de fóra e para que criem situações que possam ser sonorizadas.
  4. A dinâmica deve ser repetida para que outros jogadores possam experienciar a atividade.

Avaliação

Ao finalizar essa atividade, em roda, comente com os colegas como foi a experiência com base nas questões a seguir. Registre as situações que foram criadas e suas impressões pessoais no diário de bordo.

Ícone. Diário de bordo.
  1. Como foi improvisar no espaço de cena?
  2. Como foi propor os sons da plateia?
  3. Como as cenas se modificam, sob a influência das propostas sonoras vindas da plateia?

Por dentro da arte

Coreológicas Ludus

A fotografia reproduzida nesta página é de uma cena de Coreológicas Ludus, espetáculo de dança concebido pelo Caleidos Companhia de Dança, de São Paulo (São Paulo). A companhia foi fundada em 1996 e é dirigida pela coreógrafa Isabel Marques e pelo dramaturgo Fábio Brazil. O trabalho dessa companhia de dança teve início com um projeto desenvolvido por Isabel Marques de trabalhar com a dança contemporânea nas escolas públicas. Com o tempo, o grupo passou a desenvolver suas propostas – que envolvem educação, poesia e dança – também fóra do ambiente escolar.

O espetáculo Coreológicas Ludus é interativo, ou seja, caracteriza-se pela participação das pessoas que assistem à apresentação. Essas pessoas são convidadas a participar da encenação, interagindo com os artistas sem copiá-los, mas criando movimentos e complementando as cenas propostas. Observe a fotografia a seguir.

Fotografia. Mulher e criança brincam em um espaço, cujo chão é colorido de amarelo, azul e vermelho. Ao fundo, pessoas sentadas no chão observam a cena. A mulher usa roupa azul-escuro e faz um movimento apoiada com os pés e um braço no chão, como se fosse uma ponte. A criança, uma menina vestida de calça vermelha e camiseta listrada nas cores branco e vermelho, passa por baixo da 'ponte' engatinhando.
Criança participa do espetáculo Coreológicas Ludus, da Caleidos Companhia de Dança, com a dançarina Renata Baima, em São Paulo (São Paulo), em 2009.

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Foco na linguagem

1. Em sua opinião, por que os artistas produzem espetáculos de teatro e de dança que contam com a participação do público? Converse com os colegas.

Participação e diversão

Você já foi a um estádio de futebol? Qual é a sensação de assistir a dois times jogando e torcer por um deles?

O teatro-esporte é uma das modalidades de teatro muito comuns na atualidade, com uma estrutura bastante parecida com a do famoso “jogo de bola”: dois times de atores disputam, no palco, a preferência da plateia em suas “jogadas”. São atores improvisadores que, sem um texto programado ou um roteiro combinado, precisam ter muito jogo de cintura e pensamento ágil para criar situações interessantes.

O maior desafio dessa modalidade teatral, no entanto, está na participação do público: os espectadores sugerem os temas, as histórias para as improvisações e, depois, votam e escolhem a cena de sua preferênCompanhia Diferentemente de outras experiências teatrais, nessa proposta o público também cria a peça.

Uma das companhias mais conhecidas de teatro-esporte no Brasil é a Companhia do Quintal. Seu surgimento está diretamente ligado a duas paixões de seus artistas fundadores: o palhaço e a improvisação.

Fotografia. Grupo de treze atores fantasiados de palhaços. Todos estão com uma bola vermelha no nariz e maquiagem no rosto. Eles formam quatro fileiras, em que as pessoas que estão à frente ficam sentadas e as que estão atrás ficam em pé. Dois atores, ao fundo, seguram um varal com camisetas coloridas, com números e nomes escritos nas costas.
Elenco do espetáculo Jogando no quintal, da Companhia do Quintal, em São Paulo (São Paulo), em 2010.

Jogando no quintal

As fotografias desta página mostram cenas de Jogando no quintal, espetáculo de improvisação de palhaços com uma estrutura semelhante à de um jogo de futebol: dois times, um juiz e uma plateia que participa ativamente da criação das cenas e sugere os temas, votando para definir o placar do jogo. Em Jogando no quintal há também uma banda que toca ao vivo durante a apresentação, criando os sons e a trilha musical para as cenas.

Fotografia. Dois homens de perfil se cumprimentam e são observados por uma plateia. À esquerda, homem de cabelo liso e nariz de palhaço, vestido com camiseta de listras brancas e pretas, segura um microfone; à direita, homem de cabelo cacheado, vestido com camiseta dourada e macacão colorido listrado, também com um nariz de palhaço.
Os atores César Gouvea e Marcio Ballas em cena do espetáculo Jogando no quintal, em São Paulo (São Paulo), em 2010.
Fotografia. Palco com formato de campo de futebol pequeno, com gramado e jogadores de dois times: um com uniforme composto por camiseta laranja e saia branca e o outro com uniforme todo azul. Há um juiz em cima de uma cadeira com uniforme vermelho e preto. Os jogadores parecem cumprimentar o público do estádio. Há um jogo de luz e fumaça no ambiente.
Times laranja e azul em cena do espetáculo Jogando no quintal, em São Paulo (São Paulo), em 2010.

No espetáculo Jogando no quintal, a participação do público é bastante efetiva, não como atuante em cena, mas como autor da peça. Sem ter um roteiro ou texto preestabelecido, o espetáculo constitui um grande jogo, como uma sequência de cenas improvisadas que só acontecem graças às sugestões do público. Portanto, o espectador se torna corresponsável pela ação em cena, pois pode sugerir temas mais ou menos estimulantes. Além disso, a torcida, durante o espetáculo e a votação acerca de qual dos times teve melhor desempenho, conduz o ritmo da apresentação, o que torna cada espetáculo único.

A improvisação

A improvisação é uma metodologia de criação teatral muito utilizada em processos de construção de espetáculos, seja para a elaboração de textos, seja para o treinamento dos atores. No caso dos espetáculos de teatro-esporte, a improvisação não é um meio para chegar a algo, mas é, em si mesma, o próprio espetáculo.

Para tanto, as improvisações contam com regras de jogo que delimitam um foco de criação para o ator-improvisador: o foco pode ser na história, em uma temática para a cena, em um estilo de representação, na criação de personagens, entre outros. Mas, entre as regras que se apresentam como um desafio a ser superado no jogo, há uma regra de ouro: em toda e qualquer improvisação é imprescindível a aceitação das ideias dos parceiros de cena. Uma cena improvisada só se realiza quando os jogadores que participam não bloqueiam as propostas dos colegas de jogo, mas, antes, aceitam suas propostas e as desenvolvem.

Outro grupo brasileiro que se dedica à improvisação é o Antropofocus, de Curitiba (Paraná). A fotografia reproduzida a seguir mostra uma cena de Improfocus, espetáculo de improvisação criado por esse grupo.

Fotografia. Quatro atores encenam em um pequeno palco. Eles vestem camisetas vermelhas e calças jeans. À esquerda, uma atriz e, à direita, três atores. Um deles, em primeiro plano, está andando e movendo os braços.
Atores do Antropofocus no espetáculo Improfocus, em Curitiba (Paraná), em 2011. Da esquerda para a direita, Anne Celli, Danilo Correia, Marcelo Rodrigues e Jairo bénquirrárti.

Artista e obra

Antropofocus

O grupo Antropofocus surgiu nos anos 2000, fruto da reunião de estudantes de artes cênicas da Faculdade de ­Artes do Paraná (da Universidade Estadual do Paraná) que queriam investigar a linguagem cômica de fórma própria e original. A partir de então, esse grupo de artistas vem se dedicando ao universo da comédia, viajando o país com espetáculos autorais, muitos deles de cenas curtas, resultado de improvisações na sala de ensaio.

A improvisação em cena aberta também foi um recurso muito utilizado pelo grupo. Em seu espetáculo Histórias extraordinéditas, de 2015, os atores criavam momentos de interação com os espectadores, improvisando as falas e as ações com base nas relações que surgissem no momento. Mas foi após uma viagem a outro país que a improvisação se tornou uma das principais linguagens do grupo.

Desejando apresentar espetáculos de improviso diferentes dos humorísticos televisivos, o Antropofocus foi estudar com um dos fundadores do teatro de improvisação moderno: o inglês quífi diónston. Da experiência com , surgiram Improfocus e Resta 1.

Em Improfocus a plateia constrói o humor com os atores, que buscam estimular a sugestão de temas atuais e da ocasião.

Resta 1 é um espetáculo em formato de jogo, criado pelo próprio e que o grupo Antropofocus trouxe para o Brasil. Nessa proposta, dez atores-improvisadores dividem o palco com dois diretores, que vão construindo as cenas durante as improvisações. Ao final de cada improvisação, o público vota, e o placar determina quem será eliminado, até que reste apenas um.

Fotografia. Grupo de atores em uma peça. Eles vestem camisas claras e calças sociais com coletes e gravatas. Há dois homens sentados em cadeiras à frente. Todos observam o homem à esquerda que está falando e gesticulando com as mãos. O cenário do palco é de madeira, desde o chão até as venezianas nas janelas.
Os atores Andrei mosquêto, Marcelo Rodrigues, Edson Mariano, Kauê Persona, Anne Celli e Jairo bénquirrárti, do grupo Antropofocus, em apresentação da peça Histórias extraordinéditas, em Curitiba (Paraná), em 2015.

Faça no diário de bordo.

Experimentações

Agora que você já conhece algumas das práticas de participação direta da plateia na construção de cenas teatrais e alguns exemplos de jogos e improvisações, é a sua vez de se aventurar.

Momento 1 – Para aquecer

  1. Sob a orientação do professor, organizem uma roda. Nesta primeira etapa, todos os integrantes da turma irão manusear um mesmo objeto imaginário, que deverá circular pela roda em sentido horário. 
  2. Um voluntário propõe um objeto imaginário fazendo movimentos como se tivesse algo entre as mãos. Preste atenção para o tamanho e o peso desse objeto. Por exemplo: você pode mover as mãos como se segurasse um livro, manuseando as páginas. 
  3. Em seguida, esse objeto deverá circular entre os colegas, passando por todos os integrantes em sentido horário. A cada novo integrante que segurar o objeto imaginário, uma nova característica deverá ser acrescentada.
  4. Neste jogo vocês podem falar, desde que não se esqueçam de segurar o objeto imaginário nas mãos. Por exemplo: após receber o livro imaginário do colega anterior, você deverá pegá-lo, manusear as páginas e, então, acrescentar uma nova característica a ele, mostrando o peso do livro ou falando para todos que o livro é colorido. O jogador seguinte receberá o livro nas mãos e poderá, por exemplo, “ver” a capa e comentar o título do livro.
  5. Durante o jogo, aceite todas as propostas dos parceiros na roda, ou seja, retomando o exemplo: se um colega, anteriormente, comentou que o livro é colorido, você não deverá dizer que o livro é todo preto. Ou, ainda, se um colega anterior manuseou o livro como se ele fosse pesado e com muitas páginas, você não deverá segurar o livro como se ele fosse leve.

Momento 2 – Jogo do alfabeto

  1. Sob a orientação do professor, sentem-se em roda para contar coletivamente uma história em que cada frase comece com uma das letras do alfabeto, sequencialmente. Decidam em conjunto o tema da história e quem vai iniciar o jogo.
  2. Cada jogador vai acrescentar uma frase à história.
  3. Por exemplo: após ser definido o tema, o primeiro jogador inicia sua frase com a letra A; o segundo jogador continua a história, iniciando sua frase com a letra B, e assim sucessivamente, até que a história termine com o último jogador. Caso haja mais estudantes do que letras do alfabeto, a história continua, mas a sequência de letras se reinicia.

Momento 3 – Dramaturgia em processo

  1. Dois jogadores entram na área de cena. A plateia sugere um tema.
  2. No decorrer do jogo, a plateia construirá a cena com os jogadores, seguindo as orientações do professor.
  3. A cada 30 segundos, o professor congelará a cena. Os dois jogadores deverão permanecer parados na mesma posição em que estavam quando o professor indicou a pausa. Então, alguém da plateia sugere uma continuidade para a cena. O professor indica que a cena será retomada, e a sugestão da plateia deve ser incorporada à improvisação.
  4. As sugestões devem ser simples, objetivas e podem tanto se direcionar a uma personagem quanto a outra, ou a ambas. Por exemplo: o tema sugerido para improvisação é uma entrevista de emprego; os jogadores assumem seus papéis, um será o entrevistador e o outro, o entrevistado; a cena acontece até que o professor indique a pausa; alguém da plateia sugere: “a sala de entrevistas está muito quente”; a cena é retomada e os jogadores começam a agir de acordo com a sugestão.
  5. Escreva em seu diário de bordo sobre os jogos cênicos de que participou. Relate suas impressões, descreva a narrativa e as personagens que você vivenciou. O registro pode ser feito por meio da escrita, de desenhos ou usando colagens.
    Ícone. Diário de bordo.

Avaliação

Depois de realizada toda a sequência de jogos, permaneça em roda com os colegas e, seguindo as orientações do professor, conversem sobre o trabalho prático. Nesse momento, é importante falar das dificuldades, das aprendizagens e dos desafios vivenciados durante as improvisações. As perguntas a seguir podem nortear esse momento de avaliação.

  1. As atividades 1 e 2 estimularam a imaginação e ampliaram a percepção do outro?
  2. De que modo essas atividades contribuíram para as improvisações propostas?
  3. Durante as improvisações, os jogadores aceitaram as propostas dos colegas e desenvolveram essas proposições na cena?
  4. A plateia contribuiu para as improvisações, estimulando o jogo com propostas instigantes?