Tema 2  A participação do espectador

Uma experiência de convívio

Muitos artistas das mais diferentes linguagens têm procurado estabelecer outros tipos de relação com o público. Nessas novas propostas, o público é convidado a participar, interagir e atuar durante a apresentação do espetáculo. Na Unidade 2, por exemplo, você conheceu obras visuais que convidam o público à interação.

No teatro, uma das propostas que promovem essa interação com o público são as peças conviviais. Nesse tipo de espetáculo teatral, embora haja um roteiro ou mesmo um texto predefinido e ensaiado, o público é convidado a participar e a interagir, muitas vezes entrando em cena com os atores.

Um exemplo de peça convivial é o espetáculo Fauna, da companhia Quatroloscinco – Teatro do Comum. Nessa peça, o texto funciona como um roteiro, e os atores avisam os espectadores de que a participação deles é desejada e que eles podem se sentar onde quiserem, trocar de lugar e falar durante a peça. Tudo começa com o pedido para que todos tirem os sapatos antes de entrar no local da apresentação. Lá instalados, em meio a momentos ensaiados, surgem situações nas quais os espectadores conversam com os atores.

Na peça Fauna, o público também participa da ação construindo a cenografia e interferindo diretamente no espaço em que a cena é realizada.

Fotografia. Cena de uma peça de teatro em um salão. No centro, há dois artistas contracenando: um deles está deitado no chão e o outro, em pé, quase agachado. Eles estão rodeados por sapatos espalhados no chão e pelo público, que se encontra bem próximo a eles, todos sentados no chão.
Os atores Marcos Coletta (deitado) e Assis Benevenuto em cena do espetáculo Fauna, da companhia Quatroloscinco – Teatro do Comum, em Belo Horizonte (Minas Gerais), em 2016.
Respostas e comentários

Objetivos

  • Conhecer grupos teatrais de várias partes do Brasil que convidam o público a participar e interagir na ação cênica de seus espetáculos.
  • Perceber que o teatro não é só um espaço de ouvir histórias, mas também de construir histórias.
  • Definir teatro-esporte, caracterizando essa modalidade teatral e percebendo nela a efetiva participação do espectador como autor da própria peça.
  • Compreender a metodologia teatral da improvisação.
  • Realizar trabalho prático de construção de cenas teatrais usando a improvisação e a participação da plateia.
  • Desenvolver a autoconfiança e a autocrítica por meio da experimentação artística.

Habilidades favorecidas neste Tema

(ê éfe seis nove á érre zero nove), (ê éfe seis nove á érre dois quatro), (ê éfe seis nove á érre dois cinco), (ê éfe seis nove á érre dois seis), (ê éfe seis nove á érre dois sete), (ê éfe seis nove á érre dois nove) e (ê éfe seis nove á érre três zero).

Contextualização

Retome com os estudantes a ideia de que o teatro contemporâneo tem como uma das principais características a ocupação das ruas das cidades e muitos de seus espaços alternativos.

Ao sair das salas de teatro, não só os artistas enfrentam desafios para encenar seus espetáculos, como também o público, que muitas vezes é convidado a viver novas experiências: navegar por embarcações, transitar pelos bairros ou caminhar por presídios e hospitais, tal como apresentado no Tema 1 desta Unidade. Explique que essa é uma das características mais marcantes da arte na atualidade: um teatro de experiências. Artistas de diferentes linguagens têm buscado estabelecer outros tipos de relação com seus espectadores. Muito além de se sentar e assistir a um espetáculo, por exemplo, o público é provocado em todo o seu corpo a perceber novos odores, sabores, movimentos e dinâmicas do tempo. Diga aos estudantes que o espetáculo retratado na imagem propõe uma experiência de convívio, aproximando atuan­tes e espectadores. Auxilie-os na leitura da imagem, convidando-os a refletir sobre as fronteiras entre palco e plateia. Espera-se que eles identifiquem, antes da leitura do texto, que os espectadores ocupam o mesmo espaço dos atores e que seus sapatos estão espalhados pelo espaço, compondo a cenografia. Dê sequência à leitura do texto e esclareça que se trata do espetáculo Fauna, em que atores e público convivem diretamente, de maneira muito próxima, e, mais do que isso, a plateia é convocada a interagir com a peça.

Um espetáculo-encontro

A proximidade entre atores e público é uma marca da peça Fauna, em que uma dinâmica de intimidade abre espaço para que as conversas aconteçam. Os temas tratados nesse espetáculo são atuais, e os atores não representam propriamente personagens, mas se apresentam como atores que desejam partilhar seu tempo e o espaço em um espetáculo-encontro.

Observe a fotografia reproduzida a seguir, que mostra uma espectadora conversando com um dos atores. Observe que a iluminação coloca um foco de luz sobre a dupla, criando uma atmosfera teatral para esse encontro.

Fotografia. Duas pessoas conversam sentadas ao chão. Um homem de cabelo e barba castanhos, vestido com uma blusa cinza e uma mulher, de costas, vestida com um casaco preto e calça jeans, rodeados por sapatos espalhados no chão.
O ator Marcos Coletta conversa com espectadora em cena do espetáculo Fauna, da companhia Quatroloscinco – Teatro do Comum, em Belo Horizonte (Minas Gerais), em 2016.

Os grupos de teatro que trabalham com essa proximidade com o público desejam provocar nos espectadores a percepção de que eles também podem agir e de que o teatro não é somente um lugar de ouvir histórias, mas também de construir histórias.

Faça no diário de bordo.

Foco na linguagem

1. Quais seriam as suas sensações ao se deparar com um espetáculo em que a proximidade dos atores é tão grande que quase não se distingue palco de plateia? Comente suas impressões com os colegas.

Respostas e comentários

Contextualização

Incentive os estudantes a observar as fotografias desta página e da página anterior e a formular hipóteses sobre quais seriam as suas sensações ao se deparar com um espetáculo em que a proximidade dos atores é tão grande que quase não se distingue palco de plateia. Aproveite para comentar que, nessa experiência, não há uma posição passiva do espectador; antes, ele toma parte na cena, atuando com seu corpo ao executar ações como pendurar os tênis, construir e reconstruir o espaço e, como na imagem, conversar com os atores. Comente também que nesse tipo de espetáculo há um alto grau de imprevisibilidade e que os atores devem estar preparados para interferências inesperadas dos espectadores.

Foco na linguagem

1. Comente que os atores e a encenação do espetáculo Fauna criam uma atmosfera convidativa para a conversa e para a espectadora se sentir à vontade de entrar em cena e conversar com o ator. Nesse momento, efetiva-se o inesperado, pois nem a espectadora nem o ator já haviam tido essa conversa antes.

A proposta do quatroloscinco

O Quatroloscinco − Teatro do Comum é uma companhia mineira que, desde 2007, investiga práticas coletivas de criação e cria espetáculos voltados para diferentes maneiras de relação com o espectador. Em seus trabalhos, o grupo privilegia o trabalho do ator, que, em cena, mais do que contar uma história, se encontra com o público para discutir um tema.

Fotografia. Grupo de cinco pessoas. Quatro olham para cima, e um olha para o grupo. São três homens e duas mulheres, da esquerda para a direita: homem de cabelo curto, vestido com camiseta azul e jaqueta jeans; homem de cabelo e barba castanhos, vestido com camiseta cinza; mulher de cabelo preso com um lenço e de óculos, usa um vestido verde; mulher de cabelos cacheados castanhos, vestida com um blusa branca; homem de cabelo e barba curtos, vestido com camisa xadrez azul e branco.
Integrantes do Quatroloscinco − Teatro do Comum. Da esquerda para direita, Ítalo Laureano, Marcos Coletta, Maria Mourão, Rejane Faria e Assis Benevenuto. Fotografia de 2017.

Faça no diário de bordo.

Experimentações

Siga as orientações do professor. Você vai experienciar o jogo teatral chamado A plateia faz o som.

Procedimentos

  1. Quatro jogadores se colocam na área de cena, e alguém da plateia sugere um tema de improvisação.
  2. Um voluntário da plateia deverá fazer os sons da cena de acordo com as situações que estão sendo improvisadas. Exemplo: na improvisação, um dos jogadores abre uma porta. O voluntário pode fazer o som do ranger da porta abrindo.
  3. Os jogadores devem estar muito atentos aos sons produzidos pela plateia para que continuem a improvisação com base no estímulo que vem de fóra e para que criem situações que possam ser sonorizadas.
  4. A dinâmica deve ser repetida para que outros jogadores possam experienciar a atividade.

Avaliação

Ao finalizar essa atividade, em roda, comente com os colegas como foi a experiência com base nas questões a seguir. Registre as situações que foram criadas e suas impressões pessoais no diário de bordo.

Ícone. Diário de bordo.
  1. Como foi improvisar no espaço de cena?
  2. Como foi propor os sons da plateia?
  3. Como as cenas se modificam, sob a influência das propostas sonoras vindas da plateia?
Respostas e comentários

Experimentações

Solicite dois jogadores voluntários e organize a sugestão dos temas para a improvisação. Entre as sugestões, selecione um tema que ofereça um motor de ação, ou seja, que provoque os jogadores a criar situações. Estabelecer quem, onde e o que auxiliará os estudantes a escolher a situação. Por exemplo: Dois trabalhadores esperam em um ponto de ônibus; Dois amigos abrem a porta desconhecida de um castelo mal-assombrado; Dois familiares preparam um bolo de aniversário em uma cozinha residencial etcétera Solicite um voluntário para sonorizar a cena. Os sons podem ser dos ambientes improvisados, de objetos que possam ser manipulados imaginariamente na cena, bem como é possível sonorizar de fórma não lógica o pensamento das personagens em cena. Posicione esse estudante próximo à área de jogo. Reforce a importância da escuta entre os jogadores e da atuação conjunta. Todos devem trabalhar em prol da cena. Após dois minutos de improvisação, dê a seguinte instrução: Vocês têm um minuto para encontrar um final. Encaminhem para a resolução da cena. Então, após aproximadamente um minuto, encerre a improvisação. Repita esse jogo algumas vezes, criando oportunidades para que mais de uma dupla possa jogar. Conforme outras duplas participarem, os estudantes poderão ficar mais à vontade para as proposições.

Avaliação

Observe, ao longo do jogo, a disponibilidade e a criatividade dos estudantes. Observe como está ocorrendo a relação entre o improviso e a proposta sonora que vem da plateia, como a sonoridade está influenciando a cena, auxiliando que ela se desenvolva e se modifique. Faça uma roda de apreciação ao final da atividade, observando como cada estudante vivenciou a experiência e se a proposta de interferência na cena, por meio das realizações sonoras da plateia, foi atingida.

Por dentro da arte

Coreológicas Ludus

A fotografia reproduzida nesta página é de uma cena de Coreológicas Ludus, espetáculo de dança concebido pelo Caleidos Companhia de Dança, de São Paulo (São Paulo). A companhia foi fundada em 1996 e é dirigida pela coreógrafa Isabel Marques e pelo dramaturgo Fábio Brazil. O trabalho dessa companhia de dança teve início com um projeto desenvolvido por Isabel Marques de trabalhar com a dança contemporânea nas escolas públicas. Com o tempo, o grupo passou a desenvolver suas propostas – que envolvem educação, poesia e dança – também fóra do ambiente escolar.

O espetáculo Coreológicas Ludus é interativo, ou seja, caracteriza-se pela participação das pessoas que assistem à apresentação. Essas pessoas são convidadas a participar da encenação, interagindo com os artistas sem copiá-los, mas criando movimentos e complementando as cenas propostas. Observe a fotografia a seguir.

Fotografia. Mulher e criança brincam em um espaço, cujo chão é colorido de amarelo, azul e vermelho. Ao fundo, pessoas sentadas no chão observam a cena. A mulher usa roupa azul-escuro e faz um movimento apoiada com os pés e um braço no chão, como se fosse uma ponte. A criança, uma menina vestida de calça vermelha e camiseta listrada nas cores branco e vermelho, passa por baixo da 'ponte' engatinhando.
Criança participa do espetáculo Coreológicas Ludus, da Caleidos Companhia de Dança, com a dançarina Renata Baima, em São Paulo (São Paulo), em 2009.

Faça no diário de bordo.

Foco na linguagem

1. Em sua opinião, por que os artistas produzem espetáculos de teatro e de dança que contam com a participação do público? Converse com os colegas.

Respostas e comentários

Por dentro da arte

Ao abordar essa seção, analise com os estudantes a imagem apresentada. Comente com eles que propostas de interação como a de Coreológicas Ludus nem sempre são bem-sucedidas em uma apresentação. Tal proposta não é garantia de boas experiências, é um risco que o artista corre, pois pode gerar experiências muito ricas ou muito constrangedoras, dependendo do modo como a participação for proposta. Além disso, os artistas devem ter um amplo grau de atenção para responder às interferências vindas da plateia em uma dinâmica de jogo que aproxime os espectadores, e não que os intimide.

Foco na linguagem

1. Incentive os estudantes a falar das experiências que já tiveram com peças interativas e, caso não tenham assistido a esse tipo de espetáculo, solicite a eles que falem de outras oportunidades em que se sentiram integrando uma ação artística, como em festas, eventos, desfiles e manifestações populares. Então, peça a eles que compartilhem suas impressões de qual seria a intenção dos artistas ao promover a interação com a plateia.

Participação e diversão

Você já foi a um estádio de futebol? Qual é a sensação de assistir a dois times jogando e torcer por um deles?

O teatro-esporte é uma das modalidades de teatro muito comuns na atualidade, com uma estrutura bastante parecida com a do famoso “jogo de bola”: dois times de atores disputam, no palco, a preferência da plateia em suas “jogadas”. São atores improvisadores que, sem um texto programado ou um roteiro combinado, precisam ter muito jogo de cintura e pensamento ágil para criar situações interessantes.

O maior desafio dessa modalidade teatral, no entanto, está na participação do público: os espectadores sugerem os temas, as histórias para as improvisações e, depois, votam e escolhem a cena de sua preferênCompanhia Diferentemente de outras experiências teatrais, nessa proposta o público também cria a peça.

Uma das companhias mais conhecidas de teatro-esporte no Brasil é a Companhia do Quintal. Seu surgimento está diretamente ligado a duas paixões de seus artistas fundadores: o palhaço e a improvisação.

Fotografia. Grupo de treze atores fantasiados de palhaços. Todos estão com uma bola vermelha no nariz e maquiagem no rosto. Eles formam quatro fileiras, em que as pessoas que estão à frente ficam sentadas e as que estão atrás ficam em pé. Dois atores, ao fundo, seguram um varal com camisetas coloridas, com números e nomes escritos nas costas.
Elenco do espetáculo Jogando no quintal, da Companhia do Quintal, em São Paulo (São Paulo), em 2010.
Respostas e comentários

Contextualização

Para auxiliá-lo a ampliar as referências de sala de aula acerca do teatro-esporte, se possível, leia “O método de improvisação teatral”, nas Leituras complementares, nas páginas iniciais deste Manual. Caso julgue oportuno, compartilhe-o com os estudantes.

Os atores retratados na fotografia são: Danilo Dal Farra, Vera Abbud, Lu Lopes, Ernani Sanchez, Paola Musatti, Rhena de Faria, Gabriella Argento, Paulo Federal, César Gouvêa, Alvaro Lages, Claudio Thebas, Marcio e Eugenio La Salvia.

Jogando no quintal

As fotografias desta página mostram cenas de Jogando no quintal, espetáculo de improvisação de palhaços com uma estrutura semelhante à de um jogo de futebol: dois times, um juiz e uma plateia que participa ativamente da criação das cenas e sugere os temas, votando para definir o placar do jogo. Em Jogando no quintal há também uma banda que toca ao vivo durante a apresentação, criando os sons e a trilha musical para as cenas.

Fotografia. Dois homens de perfil se cumprimentam e são observados por uma plateia. À esquerda, homem de cabelo liso e nariz de palhaço, vestido com camiseta de listras brancas e pretas, segura um microfone; à direita, homem de cabelo cacheado, vestido com camiseta dourada e macacão colorido listrado, também com um nariz de palhaço.
Os atores César Gouvea e Marcio Ballas em cena do espetáculo Jogando no quintal, em São Paulo (São Paulo), em 2010.
Fotografia. Palco com formato de campo de futebol pequeno, com gramado e jogadores de dois times: um com uniforme composto por camiseta laranja e saia branca e o outro com uniforme todo azul. Há um juiz em cima de uma cadeira com uniforme vermelho e preto. Os jogadores parecem cumprimentar o público do estádio. Há um jogo de luz e fumaça no ambiente.
Times laranja e azul em cena do espetáculo Jogando no quintal, em São Paulo (São Paulo), em 2010.

No espetáculo Jogando no quintal, a participação do público é bastante efetiva, não como atuante em cena, mas como autor da peça. Sem ter um roteiro ou texto preestabelecido, o espetáculo constitui um grande jogo, como uma sequência de cenas improvisadas que só acontecem graças às sugestões do público. Portanto, o espectador se torna corresponsável pela ação em cena, pois pode sugerir temas mais ou menos estimulantes. Além disso, a torcida, durante o espetáculo e a votação acerca de qual dos times teve melhor desempenho, conduz o ritmo da apresentação, o que torna cada espetáculo único.

Respostas e comentários

Contextualização

Converse com os estudantes sobre o encontro entre teatro, humor e futebol. Pergunte a eles:

  • Vocês gostam de futebol? Preferem outros esportes? Comentem.
  • Vocês já tinham imaginado que o futebol pudesse ser material para uma obra teatral?
  • Como imaginam que o humor pode estar presente em uma partida?
  • Vocês conhecem algum filme que trata do tema?
  • Que outras relações vocês imaginam que é possível fazer entre as artes e os esportes?

A depender do desenvolvimento da conversa, você pode criar propostas integradas com o professor de Educação Física, tematizando as dinâmicas próprias dos esportes como material para imaginação e criação de cenas. Do mesmo modo, os jogos teatrais podem ser instrumentalizados como um recurso de experimentação, criação e sociabilidade nas aulas de Educação Física.

A improvisação

A improvisação é uma metodologia de criação teatral muito utilizada em processos de construção de espetáculos, seja para a elaboração de textos, seja para o treinamento dos atores. No caso dos espetáculos de teatro-esporte, a improvisação não é um meio para chegar a algo, mas é, em si mesma, o próprio espetáculo.

Para tanto, as improvisações contam com regras de jogo que delimitam um foco de criação para o ator-improvisador: o foco pode ser na história, em uma temática para a cena, em um estilo de representação, na criação de personagens, entre outros. Mas, entre as regras que se apresentam como um desafio a ser superado no jogo, há uma regra de ouro: em toda e qualquer improvisação é imprescindível a aceitação das ideias dos parceiros de cena. Uma cena improvisada só se realiza quando os jogadores que participam não bloqueiam as propostas dos colegas de jogo, mas, antes, aceitam suas propostas e as desenvolvem.

Outro grupo brasileiro que se dedica à improvisação é o Antropofocus, de Curitiba (Paraná). A fotografia reproduzida a seguir mostra uma cena de Improfocus, espetáculo de improvisação criado por esse grupo.

Fotografia. Quatro atores encenam em um pequeno palco. Eles vestem camisetas vermelhas e calças jeans. À esquerda, uma atriz e, à direita, três atores. Um deles, em primeiro plano, está andando e movendo os braços.
Atores do Antropofocus no espetáculo Improfocus, em Curitiba (Paraná), em 2011. Da esquerda para a direita, Anne Celli, Danilo Correia, Marcelo Rodrigues e Jairo bénquirrárti.
Respostas e comentários

Contextualização

Muitas vezes, entendemos a improvisação como uma fórma de resolver as questões de última hora, sem planejamento. No teatro não se trata disso. O que caracteriza a improvisação é a ideia de criar ou desenvolver uma cena sem planejamento anterior ou, mesmo que haja um roteiro, sem ensaios anteriores. Para que um ator-improvisador faça sua cena ficar interessante, é necessário muito treinamento e um forte estado de atenção para solucionar os problemas cênicos enquanto eles aparecem, durante o desenvolvimento da cena, pois eles são a chave para a abordagem do aspecto da linguagem teatral. Por exemplo: foco na criação da personagem; foco no desenvolvimento de um conflito; foco na atuação com o corpo todo. As improvisações são também muito utilizadas em processos de ensino de teatro em que, por meio de jogos teatrais, os estudantes podem experimentar e descobrir aspectos dessa linguagem artística. Os jogos teatrais de Viola ispolín (1906-1994) são referência nesse sentido: sua proposta pedagógica envolve uma sequência de atividades lúdicas e exercícios teatrais em que, sem a sustentação de uma fábula, os estudantes têm contato com diferentes aspectos do fazer artístico. O texto a seguir traz mais informações sobre Viola Ispólin e sua metodologia.

[Viola Ispólin]

ispolín, tomando por base os jogos de regras, cria um sistema de exercícios para o treinamento do teatro, com o objetivo inicial de libertar a atuação de crianças e amadores de comportamentos rígidos e mecânicos. Este sistema de atuação, calcado em jogos de improvisação, tem o intuito de estimular o participante a construir um conhecimento próprio acerca da linguagem teatral, através de um método em que o indivíduo, junto com o grupo, aprende a partir da experimentação cênica e da análise crítica do que foi realizado. reticências

O processo de aprendizagem no sistema de Jogos Teatrais estrutura-se a partir da resolução de problemas de atuação que vão sendo apresentados pelo coordenador, para que o grupo, e cada um de seus integrantes, elabore respostas próprias. reticências

À medida que o grupo vai compreendendo e respondendo aos problemas com resoluções cênicas próprias e criativas, o coordenador da atividade propõe novos desafios, mais complexos, levando o grupo a explorar os diversos aspectos da encenação, trabalhando os vários elementos da linguagem teatral, que vão sendo vez a vez selecionados como foco de investigação, tais como: a percepção espacial e cenográfica (ONDE), aqueles que se referem à construção de personagens (QUEM) e o desenvolvimento da ação dramática (O QUE).”

degrânge, Flavio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Ucitéc, 2006. página 110-111.

Artista e obra

Antropofocus

O grupo Antropofocus surgiu nos anos 2000, fruto da reunião de estudantes de artes cênicas da Faculdade de ­Artes do Paraná (da Universidade Estadual do Paraná) que queriam investigar a linguagem cômica de fórma própria e original. A partir de então, esse grupo de artistas vem se dedicando ao universo da comédia, viajando o país com espetáculos autorais, muitos deles de cenas curtas, resultado de improvisações na sala de ensaio.

A improvisação em cena aberta também foi um recurso muito utilizado pelo grupo. Em seu espetáculo Histórias extraordinéditas, de 2015, os atores criavam momentos de interação com os espectadores, improvisando as falas e as ações com base nas relações que surgissem no momento. Mas foi após uma viagem a outro país que a improvisação se tornou uma das principais linguagens do grupo.

Desejando apresentar espetáculos de improviso diferentes dos humorísticos televisivos, o Antropofocus foi estudar com um dos fundadores do teatro de improvisação moderno: o inglês quífi diónston. Da experiência com , surgiram Improfocus e Resta 1.

Em Improfocus a plateia constrói o humor com os atores, que buscam estimular a sugestão de temas atuais e da ocasião.

Resta 1 é um espetáculo em formato de jogo, criado pelo próprio e que o grupo Antropofocus trouxe para o Brasil. Nessa proposta, dez atores-improvisadores dividem o palco com dois diretores, que vão construindo as cenas durante as improvisações. Ao final de cada improvisação, o público vota, e o placar determina quem será eliminado, até que reste apenas um.

Fotografia. Grupo de atores em uma peça. Eles vestem camisas claras e calças sociais com coletes e gravatas. Há dois homens sentados em cadeiras à frente. Todos observam o homem à esquerda que está falando e gesticulando com as mãos. O cenário do palco é de madeira, desde o chão até as venezianas nas janelas.
Os atores Andrei mosquêto, Marcelo Rodrigues, Edson Mariano, Kauê Persona, Anne Celli e Jairo bénquirrárti, do grupo Antropofocus, em apresentação da peça Histórias extraordinéditas, em Curitiba (Paraná), em 2015.
Respostas e comentários

Sugestão de atividade

Peça aos estudantes que formem dupla com um colega e sigam as suas orientações para dar início a um bate-papo, cujo tema será sugerido por você.

Um após o outro, os integrantes da dupla devem falar por três minutos sobre o tema sugerido. Aquele que ouve e observa deve atentar aos modos de falar do colega: a entonação, os trejeitos, o movimento das mãos, o volume de voz, os momentos emocionantes da narrativa; e, então, reproduzir com o corpo os movimentos e as características do parceiro de bate-papo. No entanto, aquele que fala não deve falar pelo colega, mas, antes, descrever o que ouviu, sempre começando com a seguinte frase: “Ele me contou quereticências.”

Assim como o grupo Antropofocus, que improvisa a partir de estímulos vindos da plateia, nesta atividade o estudante vai improvisar a partir dos estímulos de movimentos e da narrativa que seu colega vai compartilhar. Para que o improviso aconteça, esta atividade solicita atenção, escuta e conexão com o colega. Para iniciar a atividade, oriente os estudantes a se posicionarem um diante do outro, a fazer silêncio e apenas se olharem por alguns instantes. Defina um tema para a conversa das duplas. Temáticas que ativem as memórias e os afetos podem ser mais interessantes nesse tipo de prática. Oriente os estudantes a apresentar uma narrativa pessoal, real, e não uma história inventada. Sugestão de temas: amizades da infância; lugares mais estranhos já visitados; encontros inesquecíveis. Chame a atenção para o fato de que ambos os integrantes da dupla devem passar pelas duas funções: a de contar a própria história e a de ouvir a história do parceiro. Oriente-os a exercitar uma escuta atenta, prestando muita atenção aos detalhes da história e à fórma como o colega a conta.

Ao final, incentive os estudantes a falar sobre o desafio de contar a sua história pessoal, mas também de ouvir a sua história sendo contada por outra pessoa. Observe como cada estudante encontrou soluções para reproduzir no seu corpo os movimentos do colega, com atenção, detalhamento e criatividade.

Faça no diário de bordo.

Experimentações

Agora que você já conhece algumas das práticas de participação direta da plateia na construção de cenas teatrais e alguns exemplos de jogos e improvisações, é a sua vez de se aventurar.

Momento 1 – Para aquecer

  1. Sob a orientação do professor, organizem uma roda. Nesta primeira etapa, todos os integrantes da turma irão manusear um mesmo objeto imaginário, que deverá circular pela roda em sentido horário. 
  2. Um voluntário propõe um objeto imaginário fazendo movimentos como se tivesse algo entre as mãos. Preste atenção para o tamanho e o peso desse objeto. Por exemplo: você pode mover as mãos como se segurasse um livro, manuseando as páginas. 
  3. Em seguida, esse objeto deverá circular entre os colegas, passando por todos os integrantes em sentido horário. A cada novo integrante que segurar o objeto imaginário, uma nova característica deverá ser acrescentada.
  4. Neste jogo vocês podem falar, desde que não se esqueçam de segurar o objeto imaginário nas mãos. Por exemplo: após receber o livro imaginário do colega anterior, você deverá pegá-lo, manusear as páginas e, então, acrescentar uma nova característica a ele, mostrando o peso do livro ou falando para todos que o livro é colorido. O jogador seguinte receberá o livro nas mãos e poderá, por exemplo, “ver” a capa e comentar o título do livro.
  5. Durante o jogo, aceite todas as propostas dos parceiros na roda, ou seja, retomando o exemplo: se um colega, anteriormente, comentou que o livro é colorido, você não deverá dizer que o livro é todo preto. Ou, ainda, se um colega anterior manuseou o livro como se ele fosse pesado e com muitas páginas, você não deverá segurar o livro como se ele fosse leve.

Momento 2 – Jogo do alfabeto

  1. Sob a orientação do professor, sentem-se em roda para contar coletivamente uma história em que cada frase comece com uma das letras do alfabeto, sequencialmente. Decidam em conjunto o tema da história e quem vai iniciar o jogo.
  2. Cada jogador vai acrescentar uma frase à história.
  3. Por exemplo: após ser definido o tema, o primeiro jogador inicia sua frase com a letra A; o segundo jogador continua a história, iniciando sua frase com a letra B, e assim sucessivamente, até que a história termine com o último jogador. Caso haja mais estudantes do que letras do alfabeto, a história continua, mas a sequência de letras se reinicia.
Respostas e comentários

Experimentações

Nesta seção você encontra três propostas de jogo cênico que colocam em prática os conteúdos abordados ao longo deste Tema. Elas são inspiradas nos jogos teatrais de Viola ispolín e nos jogos para atores e não atores de Augusto Boal (1931-2009).

Para esta sequência de atividades, é importante utilizar um espaço amplo que não tenha carteiras; elas podem ser afastadas para as laterais da sala de aula ou pode-se utilizar o pátio ou a quadra da escola.

Momento 1: escolha um dos estudantes para começar o jogo ou inicie você mesmo. Chame a atenção para o fato de que se trata de “fiscalizar” um objeto imaginário, portanto os jogadores devem manipular o ar, como se ali estivesse o objeto que estão imaginando. Esclareça a sequência dos jogadores de acordo com a roda e que, um após o outro, todos deverão acrescentar características ao objeto proposto pelo primeiro jogador.

Dê alguns exemplos que possam ajudar os estudantes a criar a cena: um chapéu é apre­sentado; na sequência, ele ganha um perfume; logo após, outro jogador apresenta sua textura; em seguida, outro fala de sua cor, e assim sucessivamente.

Momento 2: reforce que se trata de uma construção coletiva da história e que cada um deverá acrescentar uma ou duas frases. Chame a atenção para o fato de que, ao dizer sua frase, cada jogador deve apresentar uma sequência da história que possibilite a sua continuidade. Oriente, portanto, para que não encerrem a história logo nas primeiras frases com propostas como matar a personagem principal.

Organize as sugestões de tema e selecione um. Dê início à história com o primeiro jogador. Se julgar necessário, nas primeiras rodadas, você pode recomeçar o jogo até que todos tenham entendido a dinâmica da atividade.

Caso você tenha mais estudantes do que a quantidade de letras do alfabeto, peça a eles que, após a letra Z, continuem a história recomeçando o alfabeto, ou seja, o próximo da roda deverá começar sua frase com a letra A.

Momento 3 – Dramaturgia em processo

  1. Dois jogadores entram na área de cena. A plateia sugere um tema.
  2. No decorrer do jogo, a plateia construirá a cena com os jogadores, seguindo as orientações do professor.
  3. A cada 30 segundos, o professor congelará a cena. Os dois jogadores deverão permanecer parados na mesma posição em que estavam quando o professor indicou a pausa. Então, alguém da plateia sugere uma continuidade para a cena. O professor indica que a cena será retomada, e a sugestão da plateia deve ser incorporada à improvisação.
  4. As sugestões devem ser simples, objetivas e podem tanto se direcionar a uma personagem quanto a outra, ou a ambas. Por exemplo: o tema sugerido para improvisação é uma entrevista de emprego; os jogadores assumem seus papéis, um será o entrevistador e o outro, o entrevistado; a cena acontece até que o professor indique a pausa; alguém da plateia sugere: “a sala de entrevistas está muito quente”; a cena é retomada e os jogadores começam a agir de acordo com a sugestão.
  5. Escreva em seu diário de bordo sobre os jogos cênicos de que participou. Relate suas impressões, descreva a narrativa e as personagens que você vivenciou. O registro pode ser feito por meio da escrita, de desenhos ou usando colagens.
    Ícone. Diário de bordo.

Avaliação

Depois de realizada toda a sequência de jogos, permaneça em roda com os colegas e, seguindo as orientações do professor, conversem sobre o trabalho prático. Nesse momento, é importante falar das dificuldades, das aprendizagens e dos desafios vivenciados durante as improvisações. As perguntas a seguir podem nortear esse momento de avaliação.

  1. As atividades 1 e 2 estimularam a imaginação e ampliaram a percepção do outro?
  2. De que modo essas atividades contribuíram para as improvisações propostas?
  3. Durante as improvisações, os jogadores aceitaram as propostas dos colegas e desenvolveram essas proposições na cena?
  4. A plateia contribuiu para as improvisações, estimulando o jogo com propostas instigantes?
Respostas e comentários

Momento 3: solicite dois voluntários e organize a sugestão de temas. Selecione um tema que dê espaço para o desenvolvimento de ações e de um possível conflito.

Durante esse jogo você desempenhará o papel de condutor. Combine com os estudantes um código para congelar a cena. Por exemplo, uma palma. Deixe a cena acontecer por aproximadamente trinta segundos e então congele-a. Você pode fazer isso algumas vezes durante a cena.

Combine com os estudantes que estão observando um código para sugestões, como levantar a mão. Então, quando você congelar a cena, escolha aleatoriamente um ou dois estudantes para falar, em voz alta, suas sugestões para a cena. Reforce a importância de os jogadores em cena permanecerem congelados enquanto ouvem as instruções. Quando a cena for retomada, dê instruções para que, aos poucos, incorporem as sugestões à situação improvisada.

Chame a atenção para a necessidade de sugestões objetivas e simples. Explique aos estudantes que as sugestões devem ser estímulos para ajudar os colegas a criar novas situações em cena. Alerte para o fato de que todos, coletivamente, estão construindo a mesma cena, portanto não serão permitidas sugestões que boicotem os jogadores em cena ou zombem deles.

Avaliação

Convide os estudantes a comentar as relações que se estabeleceram entre os jogadores e se as propostas dos colegas serviram de estímulo à criação. Chame a atenção para o fato de que os momentos 1 e 2 tinham por objetivo “aquecer” a imaginação e a relação entre os jogadores para que pudessem realizar as improvisações de maneira mais disponível e com alto grau de proposição. É muito importante destacar a regra básica das improvisações: “a aceitação das propostas dos parceiros”, bem como verificar com os estudantes se eles percebem o quanto as cenas podem ser mais interessantes quando essa regra é seguida. Se julgar oportuno, retome pontos trabalhados ao longo do Tema e peça que relacionem sua participação como espectadores nesses jogos aos espetáculos estudados. Aproveite para avaliar como se deu a participação dos estudantes como espectadores colaboradores, verificando com eles se percebem os momentos em que os jogadores na plateia efetivamente contribuíram para o desenvolvimento das improvisações.