Unidade 4 A dança na atualidade
Nesta Unidade:
TEMA 1 Novos espaços para a dança
TEMA 2 Dança na rua ou dança de rua?
TEMA 3 Dança e tecnologia
Respostas e comentários
Competências da Bê êne cê cê
As competências favorecidas nesta Unidade são:
Competências gerais: 1, 2, 3, 5, 7, 6, 8 e 9.
Competências específicas de Linguagens para o Ensino Fundamental: 1, 3, 4, 5 e 6.
Competências específicas de Arte para o Ensino Fundamental: 1, 3, 5, 6, 7, 8 e 9.
Objetos de conhecimento e habilidades da Bê êne cê cê
As habilidades favorecidas nesta Unidade são:
Dança
Contextos e práticas
ê éfe seis nove á érre zero nove
Elementos da linguagem
Processos de criação
Música
Contextos e práticas
Artes integradas
Matrizes estéticas e culturais
Patrimônio cultural
Arte e tecnologia
Sobre esta Unidade
Ao longo da Unidade, os estudantes entrarão em contato com exemplos de articulação entre a dança e a cidade, a tecnologia e as culturas juvenis, bem como com várias referências do campo da dança, experimentando e pesquisando, de modo a produzir conhecimentos em torno da dança por meio da experiência e também de critérios científicos. Eles farão uma cartografia, uma produção de dança com vídeo e experimentarão uma dança brasileira que foi reconhecida como patrimônio cultural.
De olho na imagem
Faça no diário de bordo.
- Dedique um tempo para olhar a imagem desta página. O que nela chama sua atenção?
- Os dançarinos estão se apresentando em qual espaço? Você já viu ou já imaginou uma dança sendo realizada em um espaço como esse?
- Observando a fotografia, é possível imaginar o que essa dança quer expressar ao público? Converse com os colegas sobre essa questão.
- Lembre-se de alguma apresentação de dança a que você já tenha assistido (pela televisão, no teatro ou na rua, por exemplo). Há alguma semelhança com essa imagem? O que é semelhante e o que é diferente?
- O que você diria sobre os movimentos dos dançarinos? Você já realizou algum movimento parecido com os deles?
- Observe o figurino dos dançarinos. Você já viu ou usou algo parecido? O que você poderia dizer sobre a escolha desse figurino?
- Como é a iluminação das cenas apresentadas na fotografia?
- Há elementos cênicos ou um cenário? Em caso afirmativo, que elementos cênicos ou que cenário?
Versão adaptada acessível
1. Com base na imagem, responda: o que nela chama a sua atenção?
2. Os dançarinos estão se apresentando em qual espaço? Você já imaginou uma dança sendo realizada em um espaço como esse?
3. Com base na fotografia, é possível imaginar o que essa dança quer expressar ao público? Converse com os colegas sobre essa questão.
4. Você já presenciou ou já participou de algum espetáculo de dança? Se sim, há algo nele que você pode associar com o que ouviu na descrição da imagem?
5. O que você diria sobre os movimentos dos dançarinos? Você já realizou algum movimento parecido com os deles?
6. Considerando o figurino dos dançarinos: você já usou algo parecido? O que você poderia dizer sobre a escolha desse figurino?
7. Como é a iluminação das cenas apresentadas na fotografia?
8. Há elementos cênicos ou um cenário? Em caso afirmativo, que elementos cênicos ou que cenário?
Respostas e comentários
De olho na imagem
Utilize esta seção como um momento de avaliação diagnóstica, cujo critério de verificação é a conversa com base nas perguntas propostas. Você poderá somar novos pontos para identificar lacunas de aprendizagem ou dificuldades de enunciação e interpretação.
- Reserve um tempo para incentivar os estudantes a elaborar suas leituras iniciais da imagem, com base em seu repertório cultural e imagético.
- Essa coreografia foi concebida para a rua. Converse com os estudantes sobre essa possibilidade e motive-os a pensar em diferentes espaços em que uma apresentação de dança pode acontecer. Pergunte se eles já assistiram a alguma dança na rua. Relembre o Carnaval, que acontece na rua, bem como outras manifestações populares, como a capoeira.
- Comente com os estudantes a cena como um todo. Incentive-os a refletir sobre as maneiras como essa dança se insere no cotidiano de uma cidade, situando sua apresentação no tempo e no espaço, e sobre quais significados eles imaginam a partir disso.
- Motive os estudantes a elaborar reflexões sobre a cena do espetáculo com base nos conhecimentos prévios deles e também em suas sensações e impressões. Incentive-os a falar de espetáculos de dança de qualquer natureza a que já tenham assistido e estimule-os a compará-los com a apresentação retratada na imagem reproduzida.
- Espera-se que os estudantes mencionem que os dançarinos parecem caminhar e que realizam, principalmente, movimentos com os braços e as mãos. Caso os estudantes respondam que já realizaram movimentos como esses, pergunte-lhes em quais situações.
- Ouça a opinião dos estudantes e destaque a aparência de roupas do cotidiano das vestimentas, apesar de serem um figurino. Espera-se que eles percebam que o figurino é um elemento da obra que dá unidade ao grupo e faz parte da concepção do espetáculo. Os dançarinos estão usando figurinos com escala de cores parecidas, que conferem unidade ao grupo. Eles também usam sapatos pretos.
- Não há iluminação cênica, apenas luz natural.
- Os elementos cênicos e o cenário são a própria rua, e os dançarinos lidam também com esse caráter de improvisação, pois esses elementos podem mudar a cada dia de apresentação. As composições de dança compartilhadas nas ruas dialogam com as pessoas, os objetos e as sonoridades presentes nos espaços públicos. O espetáculo parece integrar a paisagem do local onde é apresentado.
Artista e obra
Grupo Contemporâneo de Dança Livre
As fotografias das páginas anteriores mostram uma cena do espetáculo Na reta de 4 corpos, do Grupo Contemporâneo de Dança Livre. O grupo foi formado em 2004 por iniciativa da dançarina e coreógrafa Socorro Dias. Atualmente, além de Socorro Dias, fazem parte do grupo os dançarinos Duna Dias, Heloisa Rodrigues e Leonardo Augusto.
O Grupo Contemporâneo de Dança Livre trabalha com um processo colaborativo de pesquisa e criação, desenvolvendo propostas para apresentações no palco e na rua. Em seus trabalhos, o grupo promove discussões, compartilhamentos e observações coletivas, descentralizando ideias e favorecendo o intercâmbio de experiências.
Ao longo de sua trajetória, o grupo tem se apresentado em diversas cidades brasileiras e, também, no exterior. O espetáculo retratado na abertura desta Unidade, por exemplo, foi realizado no Panamá.
O grupo também já se apresentou em outros países, como Colômbia, México, França, Bélgica e Portugal.
O que você imagina que muda nos espetáculos da companhia de dança em cada lugar que são apresentados?
Respostas e comentários
Artista e obra
Ressalte para os estudantes que o espetáculo Na reta de 4 corpos é realizado em espaços urbanos. Em cada cidade o espetáculo se transforma. Outros espetáculos que a companhia criou e que são encenados em espaços públicos também passam por transformações, influenciados pelas características do lugar onde se apresentam.
Caso considere oportuno, compartilhe com os estudantes que o Grupo Contemporâneo de Dança Livre foi concebido com a ideia de abordar diferentes técnicas e manifestações em dança para criar suas composições. No entanto, a partir de 2010, o grupo definiu um modo de trabalho específico, relacionado à dança contemporânea e à criação com base em processos colaborativos. Nesses processos, os participantes contribuem com seus saberes e interesses de um modo não hierárquico. Comente com os estudantes que o processo colaborativo teve início no teatro e que, anos depois, foi absorvido por artistas da dança. Se julgar oportuno, retome, nesse momento, o conceito de processo colaborativo apresentado na Unidade 3.
TEMA 1 Novos espaços para a dança
O espaço da dança
A pesquisa de novos espaços para a criação artística é uma característica da arte contemporânea e uma marca do trabalho de artistas de diferentes linguagens. Nas Unidades anteriores, por exemplo, você conheceu criações visuais e criações teatrais que extrapolam os espaços convencionais − o museu e o palco italiano, por exemplo − para ocupar espaços alternativos, como ruas, praças, estações de trem e hospitais.
Na dança, durante muito tempo, o palco italiano – aquele em que os artistas e o público ficam dispostos um de frente para o outro – era o espaço reservado para as apresentações. No balé clássico, por exemplo, ainda hoje é comum que os espetáculos sejam realizados em espaços desse tipo. Observe a fotografia reproduzida a seguir.
Com o desenvolvimento da dança contemporânea, no entanto, a busca por novos espaços se consolidou, e os grupos e os dançarinos passaram a pesquisar novas possibilidades espaciais para suas criações. Um exemplo dessa mudança é o espetáculo Na reta de 4 corpos, que conhecemos nas páginas anteriores.
Respostas e comentários
Objetivos
- Reconhecer grupos de dança brasileiros cuja proposta é ocupar espaços urbanos, como ruas e praças.
- Identificar nos espetáculos desses grupos a participação do público em tempo real.
- Perceber os vários tipos de questão abordados nesses espetáculos, como a violência, as diferenças sociais, as ilusões, entre outros.
- Valorizar as intervenções urbanas concebidas pela dança contemporânea e sua nova relação com o espaço.
- Vivenciar em grupo a criação de um trajeto sensível-poético pelo espaço da escola.
- Desenvolver a autoconfiança e a autocrítica por meio da experimentação artística.
Habilidades favorecidas neste Tema
e
Contextualização
Se for necessário, retome o conceito de palco italiano, apresentado na Unidade 3. Depois, comente com os estudantes que as apresentações de dança na rua acontecem de uma maneira muito diferente das que ocorrem em teatros e espaços especialmente destinados às produções artísticas. Na rua, os artistas se submetem aos acontecimentos inesperados protagonizados por pessoas que estão passando por ali, os transeuntes. Não há um público sentado, que permanece em silêncio e concentrado para assistir a uma encenação. A apresentação afeta o espaço e é afetada por ele e por tudo que está nele, como pessoas, objetos, animais, informações arquitetônicas e sociais. A rua apresenta desafios e possibilidades imprevisíveis, que exigem uma habilidade específica dos artistas que se dedicam a esse tipo de pesquisa.
As ruas como palco
Criado pelo Grupo Contemporâneo de Dança Livre, o espetáculo Na reta de 4 corpos tem as ruas como palco e surgiu do desejo do grupo de desenvolver propostas para dançar no espaço urbano.
Na reta de 4 corpos é um tipo de intervenção em fórma de cortejo, no qual os dançarinos se deslocam em apenas uma direção, interagindo e modificando o cotidiano da cidade escolhida para a apresentação. Observe essa interação na fotografia reproduzida a seguir; perceba que muitas pessoas que passam pelo local mudam sua rotina e param para acompanhar a apresentação.
Em geral, as propostas de dança contemporânea em ruas e praças são desenvolvidas no local e são compartilhadas com o público em tempo real, como no espetáculo Na reta de 4 corpos.
Respostas e comentários
Contextualização
O cortejo é uma manifestação típica da cultura popular brasileira. Em sua origem, era uma atividade ritualística realizada por um grupo de pessoas em fórma de caminhada ou trajetória única (como no espetáculo Na reta de 4 corpos). Os cortejos podem ser festivos e integrar ritos religiosos, cívicos ou fúnebres. Eles sempre ocorrem no espaço público, geralmente nas ruas.
Blocos de Carnaval, procissões religiosas em homenagem a santos católicos, romarias, desfiles de fanfarras, funerais e diversos tipos de folguedo são exemplos de situações nas quais é possível identificar o cortejo.
Pergunte aos estudantes se eles já participaram de algum tipo de cortejo e peça-lhes que falem dessa experiência com os colegas. Faça uma sondagem para descobrir se há manifestações desse tipo no bairro, entorno ou comunidade onde vivem.
Por fim, convide-os a refletir, à luz dessas informações, sobre quais seriam as motivações do Grupo Contemporâneo de Dança Livre ao adotar o cortejo como fórma de organizar o espetáculo Na reta de 4 corpos. Peça que elaborem paralelos e relações entre o trabalho do grupo e o cortejo em sua essência.
Falta de ar
Ao longo de sua trajetória, o Grupo Contemporâneo de Dança Livre realizou diversos espetáculos de dança que tinham as ruas e as praças como espaço cênico. Um exemplo é o espetáculo Falta de ar, criado pelo grupo em 2016. Esse projeto teve como criadores e intérpretes os dançarinos Duna Dias e Leonardo Augusto e discute com o público fatos e notícias que, na atualidade, nos levam a “perder o ar”, a sufocar.
Com esse espetáculo, o Grupo Contemporâneo de Dança Livre problematiza questões como a violência, o abismo social e as ilusões. Observe, a seguir, alguns registros desse espetáculo.
Respostas e comentários
Contextualização
Comente com a turma que o espetáculo Falta de ar, do Grupo Contemporâneo de Dança Livre, trata do incômodo dos artistas em relação a muitos acontecimentos da atualidade e no que diz respeito às desigualdades e às incoerências sociais. Caso julgue conveniente, pergunte aos estudantes o que os incomoda nas configurações da sociedade. Em seguida, questione-os sobre quais aspectos de suas vidas sociais e das pessoas que estão à volta deles eles gostariam de conversar com os colegas. Nesse momento, pode ser proveitoso deixar que os estudantes elaborem e compartilhem uns com os outros suas considerações.
Promova uma reflexão a respeito da arte como denúncia social e pergunte aos estudantes se eles conhecem ou se interessam por artistas que se dedicam a essa temática, nas mais diversas linguagens. Se julgar oportuno, retome na Unidade 2 os trabalhos de Eduardo isrur e Frans krachbérg, artistas visuais que criam obras com as quais chamam a atenção para a degradação do meio ambiente.
Se julgar oportuno, comente que, em São Paulo (São Paulo), a CompanhiaSansacroma desenvolveu o conceito de dança da indignação, que consiste no desenvolvimento de propostas de dança que expressem as vivências dos integrantes do grupo. Assim como o Grupo Contemporâneo de Dança Livre, a Companhia Sansacroma realiza a maioria dos seus trabalhos na rua, dialogando com os espaços da cidade.
Solos de rua
Outro grupo que se dedica à criação de espetáculos de dança na rua é o AVOA! Núcleo Artístico. O AVOA! pesquisa a relação existente entre a dança e os contextos e faz uso de lugares que vão além do palco convencional. Um dos projetos desenvolvidos por esse grupo é o espetáculo Solos de rua, retratado na fotografia reproduzida nesta página.
Faça no diário de bordo.
Experimentações
• A partir das pesquisas poéticas com a dança nos espaços públicos que conheceu até aqui, você vai fazer uma pesquisa sobre outros modos de ocupação e movimentação nesses espaços, com referência nos cortejos populares. Para isso, você entrevistará algumas pessoas de fóra da escola para saber se já participaram de cortejos. A entrevista pode ser feita com seus pais, com avós, com vizinhos ou outras pessoas com quem você tenha contato fóra da escola. O objetivo da entrevista é descobrir se as pessoas já participaram de algum cortejo, qual era a ocasião, onde foi feito o trajeto e que movimentos corporais realizaram. Por exemplo, se a pessoa caminhou, qual era a velocidade, a intensidade dos passos, por quanto tempo; se ela dançou, como era a dança, quais foram os passos mais marcantes, com que intensidade etcétera
Procedimentos
- Reúna-se com dois ou três colegas e elaborem um roteiro de entrevista com três a cinco questões. Usem o diário de bordo para anotar as perguntas. Incluam alguns exemplos de cortejo nas perguntas; isso vai ajudar as pessoas entrevistadas a se lembrar de suas experiências.
- Usem o diário de bordo para anotar as respostas das entrevistas, registrando apenas as frases que considerarem mais importantes. Façam uso de palavras-chave para lembrar de coisas que vocês descobriram com as entrevistas. Não se esqueçam das informações principais: que cortejo era, como foi feito o trajeto, que movimentos corporais foram feitos e como foram feitos. Além disso, é possível que as pessoas contem alguma história com base nas perguntas; caso isso aconteça, registre a história!
- Na data agendada pelo professor, compartilhem com os colegas como foram as entrevista e as descobertas. Comparem as diferentes respostas obtidas.
Respostas e comentários
Contextualização
Informe aos estudantes que o espetáculo Solos de rua, do AVOA! Núcleo Artístico, é um jogo coreográfico dirigido por Luciana Bortoletto em que os dançarinos vestem uma lona que tem um lado preto e outro branco. As apresentações desse trabalho acontecem em espaços públicos de grande circulação, e os artistas se misturam à paisagem local, agregando suas características sonoras, arquitetônicas e sociais.
Sugestão de atividade
Organize os estudantes em grupos de três ou quatro integrantes e oriente uma pesquisa sobre um dos mais importantes trabalhos do artista Hélio Oiticica: Parangolés.
Na pesquisa, sugira que procurem também por referências sobre a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro, e sobre a participação dela nessa criação do artista. Incentive que assistam a alguns vídeos nos quais os artistas da Mangueira performam com os Parangolés.
É possível também propor algumas perguntas para focar a atenção em elementos dessas performances:
- Quais movimentos corporais são feitos?
- Esses movimentos lembram alguma dança em específico?
- As performances remetem a outras manifestações culturais? Quais?
Ao final, observe com os estudantes as fotografias do espetáculo Solos de rua, do AVOA! Núcleo Artístico, e investiguem as semelhanças e as diferenças com o trabalho Parangolés.
Experimentações
- Considere um tempo curto para a elaboração das perguntas, cerca de 10 minutos são suficientes.
- Se considerar que entrevistar uma pessoa pode ser mais viável do que duas, observando as realidades ou o engajamento dos estudantes com esse tipo de trabalho, proponha apenas uma entrevista. Inclusive, com a mesma pessoa, eles podem investigar mais de um cortejo.
- Deixe que os estudantes compartilhem entre si os registros das entrevistas e como foi a experiência.
Artista e obra
Luciana Bortoletto
A seguir, você vai ler uma entrevista de Luciana Bortoletto, coreógrafa, professora, dançarina e diretora do espetáculo Solos de rua.
“Entrevistador: Luciana, como você se interessou pela dança e como foi o início de sua carreira?
Luciana Bortoletto: [Eu] Me interessei pela dança ainda criança. Comecei a fazer minha formação artística graças a um sistema de permutas: eu trocava trabalhos administrativos e de auxiliar de produção por aulas com professores artistas maravilhosos, em uma importante escola de dança contemporânea de São Paulo (São Paulo) reticências. Lá, eu construí toda a base de minha formação e também fui professora, após anos de total imersão na linguagem de dança e das artes do corpo e da cena. Também estudei mímica e teatro físico, poesia, consciência corporal, anatomia. Atuei como fotógrafa de cena, aprendi a olhar dança e a fotografar corpos em movimento. [Eu] Observava atentamente o modo como meus professores davam aula. Aprendi a dar aulas fazendo [assistindo às] aulas. Tive grandes mestres que respeito e admiro com muita gratidão. Sempre li muito e amo música. Aprendi a tocar acordeão e isso me ajuda a coreografar, pois provoca um entendimento maior sobre a musicalidade do movimento, os pulsos, os ritmos. Enfim, minha trajetória como artista da dança não se restringe apenas à linguagem da dança. Para ser bailarina, coreógrafa e professora, pesquisadora e educadora do movimento tive que aprender a observar, aprender a ver, a ouvir.
Respostas e comentários
Artista e obra
Com base na leitura da entrevista com Luciana Bortoletto, é possível trabalhar os seguintes aspectos com os estudantes:
- Formação artística: oriente-os a identificar na fala da artista quais foram as etapas e os processos de formação que ela vivenciou para se tornar uma artista da dança. É importante que eles reconheçam que a formação do artista não se dá apenas fazendo aulas de dança, mas que se trata de uma formação complexa, que passa por diversas áreas do conhecimento.
- Dança contemporânea: peça a eles que identifiquem o que é dança contemporânea segundo o ponto de vista da artista. É importante que identifiquem que a dança contemporânea não é um estilo estético formal, no sentido de ser uma coletânea de passos, mas um sistema de pensamentos sobre a dança e o corpo.
- Processos criativos: oriente os estudantes a destacar informações sobre o processo criativo da artista e da companhia. Eles devem perceber que os pontos de partida para uma criação artística podem ser diversos, porém que todos passam pelo olhar pessoal de cada artista. Destaque que qualquer assunto, situação, local ou elemento pode ser disparador de um processo de criação. O importante é compreender que esses “temas” geralmente são o ponto de partida e o fio condutor de um processo que não tem de antemão lugar de chegada.
Entrevistador: Luciana, para um jovem que se interesse por trabalhar com dança, o que você lhe sugere para iniciar sua trajetória nessa linguagem?
Luciana Bortoletto: A pessoa precisa ter muita perseverança e curiosidade. Ler, estudar, conhecer a história da dança, ir a espetáculos de dança de diferentes estilos e em diferentes ambientes. Ver teatro, ir ao cinema. Gostar de movimento e de expressão. Saber quem são as pessoas que fazem a história da dança no Brasil e em sua cidade; reconhecer-se dentro da história e ser protagonista da própria história! Fazer aulas práticas de dança e de consciência corporal. Defender a dança como profissão, já que, em nosso país, as pessoas consideram a arte e a cultura coisas supérfluas, [apenas] como ‘lazer’. Dança é profissão regulamentada e deve ser valorizada. Há pouco reconhecimento da sociedade em relação a essa profissão do artista da dança. O jovem interessado em ser artista da dança precisa ter em mente que a arte não é somente a técnica, mas sim um modo de ser e de estar no mundo. Por isso, é tão importante estudar. Há universidades públicas e particulares, e boas escolas livres. Bons grupos [de dança] para assistir, conhecer, se aproximar. O artista da dança é sempre curioso e atento.
Entrevistador: Pode falar um pouco sobre a dança em espaços não convencionais, na perspectiva da dança contemporânea?
Luciana Bortoletto: A dança contemporânea não é exatamente um ‘estilo’ de dança, mas sim um modo de pensar o corpo, o movimento, a criação. Assim, o artista da dança contemporânea está sempre indagando o momento histórico no qual está inserido, e há um desejo de dialogar, questionar e provocar outros modos de se relacionar com o seu lugar de atuação, com a cidade [onde vive], com as pessoas que podem ser potencialmente o público. Dançar na rua não é simplesmente usar a rua como cenário. A dança é criada em contexto com o lugar, ou seja, o público não é apenas observador passivo, e a dança é um modo de praticar a cidade, habitá-la, questionar sobre normas impostas sobre os corpos que habitam a cidade e sobre o modo como nos relacionamos com ela.
Entrevistador: Como surgiu a proposta do espetáculo Solos de rua? Como foi a concepção artística desse espetáculo?
Luciana Bortoletto: Eu era moradora do Centro de São Paulo e me intrigava ver pessoas jogadas no chão feito ‘coisas’. Misturadas aos detritos, em meio a esses detritos e ignoradas [pelos transeuntes e pelo poder público]. O fato de naturalizarmos a miséria e descartarmos o lixo ‘dentro’ das ruas. Ao mesmo tempo, encontrei um manifesto denominado ‘As embalagens’, do encenador polonês Tadêus Cántor (1915-1990), no qual ele faz uma relação muito interessante entre a embalagem e o ser humano, sobre o que, em um momento, é útil e, no outro, é descartável. Assim, comecei a ‘embalar’ meu própio corpo e a investigar, com outros bailarinos, maneiras de explorar o corpo misturado a grandes lonas plásticas que se mesclam à paisagem urbana. Ora parecemos coisas, detritos. Ora nos apresentamos como pessoas. Indagamos sobre como viver na cidade e utilizamos esse manifesto, um texto teatral, para nos basear na criação da dramaturgia.
Atuamos no centro histórico de São Paulo e escolhemos uma rua para criar a partir dela, com suas singularidades. [Em Solos de rua] São nove pessoas em cena, entre músicos e dançarinos, e quase vinte profissionais envolvidos, entre figurinistas, artistas convidados, produção reticências.”
Entrevista concedida especialmente para esta Coleção, em agosto de 2018.
Respostas e comentários
Sugestão de atividade
Proponha aos estudantes que entrevistem artistas locais usando as mesmas perguntas da entrevista com a Luciana Bortoletto.
Oriente-os a fazer pequenas adaptações nas perguntas da entrevista, para que seja possível entrevistar artistas de outras linguagens, além da dança.
Além disso, a fim de prepará-los para esta busca por artistas locais e de ampliar o campo de possibilidades de investigação, pergunte aos estudantes quem eles imaginam que possam entrevistar. Incentive-os a buscar artistas que realizam seus trabalhos na rua ou em outros espaços não convencionais. Outra possibilidade é procurar centros culturais onde algum artista se apresente ou ministre cursos e oficinas.
Se for possível, oriente-os a fazer as entrevistas em duplas ou trios.
Peça-lhes que façam o registro da entrevista usando o diário de bordo.
Se for possível e o artista permitir, oriente-os a fotografar o entrevistado usando uma câmera de celular.
Depois de realizadas as entrevistas, promova uma conversa com os estudantes sobre as diferenças ou as semelhanças entre as respostas que obtiveram e as de Luciana Bortoletto. Converse também sobre como foi essa experiência, que tipos de trabalhos artísticos os artistas entrevistados realizam etcétera
Ao final, oriente a criação de um mural coletivo usando cartolinas, papel sulfite ou algum outro material que tenha à disposição na escola. Palavras de revistas e jornais também podem ser usadas para compor esse mural.
Peça aos estudantes que coloquem nele os nomes e as frases registradas nas entrevistas, que tipo de trabalho realizam os artistas entrevistados e outras informações que considerarem relevantes incluir ali. Se possível, faça impressões das fotografias dos artistas produzidas pelos estudantes e inclua no mural.
O mural pode se tornar uma espécie de museu vivo, com referências de artistas que poderão inspirar criações artísticas dos estudantes, abrir debates sobre processos criativos e trajetórias etcétera O espaço também pode ir se ampliando caso os estudantes queiram colocar outros artistas locais nele, além dos entrevistados.
Carcaça
Observe a fotografia reproduzida nesta página. Ela mostra uma cena de Carcaça, espetáculo de dança do Grupo istrôndum, de Uberlândia (Minas Gerais). A principal proposta desse grupo é levar espetáculos de dança para espaços não convencionais, como prédios abandonados, construções, ruas e praças.
Assim como as propostas de espetáculos que conhecemos nas páginas anteriores, o espetáculo Carcaça acontece em um espaço aberto. Note que os dançarinos se apresentam ao redor e sobre uma carcaça de automóvel. Em sua opinião, por que o grupo teria escolhido um automóvel como elemento cênico para esse espetáculo?
Em Carcaça, o Grupo Strondum propõe uma reflexão a respeito do consumo exagerado que marca o mundo contemporâneo. A escolha do automóvel como principal elemento cênico reafirma esse objetivo, pois o automóvel constitui um dos símbolos do capitalismo.
No espetáculo Carcaça, a dança é coreografada em pequenos segmentos, sem estabelecer cenicamente a ligação cronológica entre um segmento e outro. O grupo chama esses segmentos de “células coreográficas”, pois apresentam aparentes características isoladas, que, juntas, constituem um “tecido cênico”: o espetáculo.
Respostas e comentários
Contextualização
Caso ache oportuno, você pode ampliar as informações sobre o Grupo Strondum, que iniciou seu trabalho em 2003, na cidade de Uberlândia, em Minas Gerais. O espetáculo Carcaça teve sua primeira apresentação em 2010 e, desde então, é exibido em espaços públicos. Os artistas interagem entre si, com o público e com uma carcaça de automóvel danificada chamando a atenção para a simbologia inerente a esse meio de transporte e para a reflexão sobre objetos que perdem sua utilidade.
Comente com os estudantes que também existem espetáculos de dança contemporânea que acontecem no palco italiano.
Faça no diário de bordo.
Experimentações
• Ao longo deste Tema, você conheceu diversos grupos que desenvolvem propostas de dança em espaços não convencionais, como ruas e praças. Agora, a partir dessas referências artísticas e da entrevista sobre cortejo que realizou em grupo, você vai criar com os colegas uma cartografia pela escola que possibilite a todos perceber o ambiente do ponto de vista de cada um.
Momento 1 – Cartografar
- Organizem-se em grupos com quatro integrantes.
- Conversem sobre os espaços da escola de que mais gostam. Façam uma lista desses espaços no diário de bordo.
- Agora, vocês vão se organizar para que cada um vá a um espaço; se houver menos espaços escolhidos do que o número de integrantes do grupo, dois ou mais integrantes podem ir para o mesmo local.
- Observem atentamente o espaço em que estão e como as pessoas o percorrem. Usando poucas palavras, façam anotações no diário de bordo sobre o que vocês observaram e conversem sobre o que perceberam.
- Experimentem diferentes maneiras de percorrer esses espaços. Evitem trajetos únicos que sejam retas com começo, meio e fim. Procurem criar deslocamentos que vão e voltam pelos espaços, param no meio do caminho, fazem círculos ou outras possibilidades que o grupo quiser experimentar.
- Registrem os deslocamentos incomuns que vocês fizeram pelos locais, usando apenas linhas. Após terminar o mapa dos percursos, passem a caneta ou o lápis em algumas linhas, reforçando os modos de percorrer os espaços que vocês consideraram mais interessantes.
Momento 2 – Relevos
a. Voltem para os espaços destacados no mapa, pensando em novas maneiras de se movimentar entre eles. Vocês podem consultar o diário de bordo e experimentar alguns movimentos dos cortejos descritos pelos entrevistados na atividade da página 136. Façam os movimentos entre os espaços durante um tempo e, aos poucos, comecem a transformá-los em novas movimentações e ações.
- A partir desses movimentos, escolham uma ação para cada lugar. Por exemplo: na quadra, deitem-se no chão e observem o céu; no corredor da escola, andem “colados” à parede etcétera
- Anotem a trajetória com as indicações de ação no mapa e escolham quem será o cartógrafo (podem ser cartógrafos também).
Momento 3 – Cartógrafos
- Seguindo as orientações do professor, cada grupo vai conduzir a turma para experienciar a trajetória que criou, observando as ações corporais definidas para cada espaço.
- Retornem à sala de aula e compartilhem a experiência, tanto de criar as cartografias e conduzir esse trajeto sensível-poético quanto de assistir, como público participante, aos trajetos dos colegas.
- Ao final, procurem responder às seguintes questões: essa atividade mudou o modo como percebemos e nos relacionamos com o espaço? Que experiências as trajetórias dos outros grupos possibilitaram?
Respostas e comentários
Experimentações
Essa proposta será uma preparação para a atividade ao final do Tema 2 e para a seção Pensar e fazer arte ao final do Tema 3. No entanto, ela pode ser realizada também de fórma independente.
Peça aos estudantes que tenham em mãos os diários de bordo. Defina com eles tempos máximos para cada momento.
Antes de começar, pergunte o que eles entendem por cartografia e, caso considere oportuno, comente que cartografia é uma atividade científica que envolve a produção de mapas, plantas e outras representações gráficas dos espaços. Nessa experimentação, a cartografia será usada como uma referência para a criação poética.
Momento 1: incentive os estudantes a pensar nessa escolha de fórma subjetiva e individual. O objetivo é que eles façam uma cartografia afetiva, ou seja, que eles pensem no espaço em relação aos próprios afetos: pode ser um lugar onde eles gostem de sentar e ouvir música, um muro que tenha um desenho que considerem muito bonito, uma trave da quadra onde o estudante tenha marcado um gol importante, um degrau da arquibancada onde tenha acontecido uma conversa significativa com alguém etcétera
Considerando essas escolhas subjetivas, eles vão se dividir entre os locais e realizar exercícios de observação e registro do espaço, percebendo como outras pessoas usam ou transitam por esse lugar.
Sugira que comecem a proposta corporal com o máximo de silêncio e concentração que conseguirem. Ressalte também que, neste momento, a ideia é caminhar, e não dançar.
Momento 2: o cartógrafo ou os cartógrafos serão as pessoas do grupo que vão conduzir a turma pelos espaços para praticar as ações do grupo, praticando a cartografia. Esses trajetos podem ser contínuos: quando um grupo encerra, o outro já começa. Pode ser que os estudantes comecem a praticar as ações com os grupos ou que apenas caminhem; deixe que eles participem da proposta como preferirem. Lembre-se de que você, assim como eles, faz parte do público participante.
Momento 3: faça a mediação da conversa com toda a turma, trazendo as perguntas indicadas no momento que considerar oportuno. Se desejar, faça perguntas adicionais para aprofundar as reflexões dos estudantes. Lembre à turma que é importante acolher as reflexões de todos, inclusive aquelas que possivelmente se refiram a sensações não tão agradáveis, como incômodo e ansiedade, por exemplo. Ressalte que as pessoas podem ter sensações diferentes e que é fundamental que as reconheçam.