UNIDADE um  REINOS E POVOS DA ÁFRICA

Fotografia. Vista do alto para baixo, em diagonal, de região portuária com o mar à direita e uma cidade à esquerda. Na cidade, à esquerda, há prédios de tamanhos e épocas diferentes e residências mais baixas. À direita, uma longa avenida margeia a região portuária, onde há embarcações atracadas e contêineres. No mar, há uma plataforma de base quadrada com duas torres verticais de ferro. Ao fundo, a continuação da cidade, o mar e o céu azul claro com nuvens brancas esparsas.
Por muito tempo, a história da África foi relegada a segundo plano pela historiografia. Na atualidade, cada vez mais têm tido destaque os estudos sobre o continente, incluindo a história de seus povos mais antigos. Na imagem, observa-se a cidade de Lagos, na Nigéria. Fotografia de 2019.

Você estudará nesta Unidade:

Os reinos do Sahel

O Reino de Gana

A presença islâmica no continente africano

O Império do Mali

Os povos iorubás e bantos

Os contatos entre África, Europa e Ásia

Fotografia. Vista de um lugar aberto,  com uma grande construção no centro, com uma muralha e três torres em destaque, na mesma coloração do solo, em tons de marrom. Próximo à base da muralha, em primeiro plano, em um patamar mais baixo, uma escadaria pela qual algumas pessoas sobem. As pessoas parecem minúsculas, proporcionalmente, por conta do tamanho da construção. As três torres são contíguas ao muro, e foram erguidas com o mesmo material. Elas têm o topo em forma de cone. Acima, céu nublado na cor cinza.
A Grande Mesquita de Dijenê, localizada na cidade de Dijenê, na República do Mali, é considerada Patrimônio da Humanidade pela unêsco. Sua construção data do século treze. Fotografia de 2019.

Entre os séculos oito e dezesseis, no período correspondente ao da Idade Média europeia, o continente africano era ocupado por diversas sociedades. Algumas delas estavam organizadas em grandes reinos ou impérios, com governos centralizados. Outras se organizavam em aldeias, médias ou pequenas.

A atividade comercial desses povos era intensa, assim como a produção artística e cultural. O comércio de longa distância entre diversas regiões, ao sul e ao norte do deserto do Saara, possibilitou a formação de grandes reinos e as trocas culturais entre diferentes povos. Um exemplo desse intercâmbio cultural é a presença do islamismo, em especial no norte da África.

O que você sabe sobre a diversidade de povos, paisagens, histórias e culturas que caracterizam a África, esse imenso continente?

CAPÍTULO 1 OS REINOS DE SAHEL

Multiculturalismo.

Neste Capítulo, você vai conhecer um pouco sobre os antigos reinos africanos que se estabeleceram na região do Sael.

De origem árabe, a palavra Sael significa “margem” ou “borda”. O Sael é uma extensa faixa de terra situada imediatamente ao sul do deserto do Saara e habitada por diferentes povos pastores e comerciantes.

Entre os séculos oitoe dezesseis, desenvolveram-se na região diversos reinos e cidades mercantis, como o Reino de Gana, o Império do Mali e as cidades de Dijenê e Timbuquitú. Esses reinos e cidades estavam próximos das rótas de comércio a longa distância e constituíam grandes mercados de distribuição de produtos que cruzavam o deserto do Saara de norte a sul. Essas rótas de comércio são chamadas de transaarianas.

Mercadores, principalmente árabes, vindos do norte da África, levavam sal e cobre aos mercados das sociedades Saelianas, e lá adquiriam ouro, marfim, peles, pessoas escravizadas e outros artigos.

Os rios Senegal, Gâmbia e Níger eram muito importantes para os povos que viviam na região do Sael, pois suas cheias fertilizavam áreas onde eram cultivados diversos produtos. Além disso, esses rios eram utilizados para a pesca e o transporte de mercadorias e pessoas.

Fotografia. Vista de um local aberto. No centro, um rio largo de águas de cor marrom. Na margem esquerda do rio, construções de dois, três e quatro pavimentos nas cores rosa claro, branco e amarelo claro, iluminadas pela luz do Sol. Há também algumas pirogas de madeira atracadas na margem esquerda. No lado direito, há uma longa fila de barcos de pesca atracados na margem do rio. Eles são feitos de madeira e decorados com pinturas coloridas em tons de branco, amarelo, vermelho, verde, azul e outras cores. Há bandeiras coloridas hasteadas na proa desses barcos.  Sobre o convés de alguns deles, há redes de pesca emaranhadas na cor azul. No centro da imagem, na parte inferior, sobre as águas do rio, há um homem visto de costas, remando, em pé sobre uma piroga feita de madeira, pintada na cor azul com desenhos coloridos. Também sobre as águas, apoiados em materiais flutuantes, há dois meninos no rio, um à direita do homem remando e outro à esquerda dele. No canto inferior esquerdo, vistos de frente, um homem e um jovem navegando em um pequeno barco de madeira pintado com desenhos amarelos, vermelhos e azuis. No alto, o céu nublado de cor cinza.
Vista do rio Senegal, em san luí, no Senegal. Um dos maiores rios da África, ainda hoje o rio Senegal tem muita importância para as populações que habitam suas margens. Fotografia de 2019.

O Reino de Gana

O Reino de Gana, o mais antigo do Sael, estabeleceu-se ao sul do deserto do Saara por volta do ano 300. Por muito tempo, o reino foi chamado pelos árabes de “terra do ouro”, devido às ricas zonas auríferas existentes na região.

Os comerciantes de Gana trocavam o ouro principalmente por sal, utilizado tanto como moeda nas transações comerciais quanto para a alimentação e a conservação dos alimentos. Estudos arqueológicos indicam que o comércio do ouro existia pelo menos desde o século três. Muitos produtos, como gomaglossário , sorgo, milhete, âmbarglossário , peles, penas e marfim, eram trocados por ouro nesse importante comércio.

O centro comercial do reino era a cidade de Koumbi Salé, que apresentava características urbanas desde o século nove e atingiu seu esplendor por volta dos séculos doze e treze. A cidade chegou a abrigar uma população de 20 mil pessoas e pode ter sido uma das capitais do Reino de Gana.

REINOS E IMPÉRIOS DO Sael (SÉCULOS dez-dezesseis)

Mapa. Reinos e impérios do Sahel. Séculos 10 ao 16. Mapa representando o continente africano. Na legenda, um fundo bege cortado por uma linha horizontal branca indica, 'Divisão política atual'; uma linha pontilhada verde indica, 'Região do Sahel'; uma linha pontilhada rosa, indica, 'Deserto do Saara'; em verde claro destaque para as 'Áreas de influência islâmica'; e territórios hachurados com linhas horizontais de cor cinza, indicam 'Impérios ou reinos'. Delimitada por duas linhas pontilhadas cor de rosa, a região do 'Deserto do Saara' compreende uma extensa faixa horizontal no norte do continente africano, que se estende da costa oeste banhada pelo Oceano Atlântico (desde o sul do Marrocos, o Saara Ocidental e o norte da Mauritânia), até a costa leste banhada pelo Mar Vermelho, que hoje corresponde ao Egito e parte do norte do Sudão. Delimitada por duas linhas pontilhadas verdes ao norte da linha do Equador, a 'Região do Sahel' abrange o sul do deserto do Saara, desde o sul da Mauritânia e o Senegal, na costa oeste, até o oeste de Djibouti e a Somália, na costa leste. Os territórios hachurados com linhas horizontais de cor cinza correspondem aos reinos e impérios de Gana, Mali, Songhai, Bornu e Etiópia; território delimitado, a oeste, pelo Rio Senegal e cortado, no sul, pelo Rio Níger. Considerando a divisão política atual da África, os Impérios de Gana, Mali e Songhai correspondem aos territórios que hoje compreendem o sul da Argélia, o Mali, o sul e o sudoeste da Mauritânia, parte do nordeste da Guiné e o oeste do Níger, com destaque para as cidades de Taodeni, Djenné e  Timbuctu, no atual Mali, e de Koumbi Saleh, na atual Mauritânia. No mapa, o norte desse território ocupa a região do Deserto do Saara e o sul ocupa a região do Sahel. Hachurado em cinza, Bornu ocupava territórios que hoje compreendem parte do sul da Líbia, o leste de Níger, o oeste do Chade e parte do norte da Nigéria, com destaque para a cidade de Bilma, no atual Níger, e o Lago Chade. No mapa, o norte de Bornu ocupa a região do Deserto do Saara e o sul ocupa a região do Sahel. Destacadas em verde claro, as áreas de influência islâmica abrangem: a costa noroeste da África, compreendendo a região banhada pelo Oceano Atlântico, do Estreito de Gibraltar até a foz do rio Gâmbia, região que hoje compreende o Marrocos, o Saara Ocidental, a Mauritânia e o norte do Senegal e parte da Gâmbia; ocupando também o centro e o sul do Mali, o noroeste de Burkina Fasso e parte do sul do Níger e do Norte da Nigéria. A influência islâmica abrange também a costa norte da África banhada pelo Mar Mediterrâneo, do Estreito de Gibraltar até a Península do Sinai, ao norte do Deserto do Saara, região que hoje compreende, o Marrocos, o litoral da Argélia, a Tunísia, o litoral da Líbia e a maior parte do Egito, até a Península do Sinai, ocupando também o centro do continente, com territórios no centro da Argélia e da Líbia, no sudoeste e no sudeste da Líbia, no noroeste do Chade, no leste e sul do Níger e no norte da Nigéria. Destacada em verde, a influência islâmica atinge também a costa leste da África banhada pelo Mar Vermelho e pelo Oceano Índico, desde o leste do Egito, o centro e o litoral do Sudão, a Eritreia, Djibouti, o centro e o leste da Etiópia, a Somália e parte do litoral do Quênia; além de territórios no litoral norte, central e sul de Moçambique e o norte da Ilha de Madagascar. No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de 0 a 640 quilômetros.

Elaborado com base em dados obtidos em: SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.página 297; HERNANDEZ, Leila M. G. L. A África na sala de aula: visita à África contemporânea. São Paulo: sêlo Negro, 2008. página 41.

Ícone. Sugestão de livro.

. Histórias de Ananse. São Paulo: ésse eme, 2007. O livro traz algumas histórias de Ananse, uma aranha que se comporta como um ser humano. As histórias, passadas de geração em geração, nos ensinam sobre tradições e costumes de Gana.

A presença do islã em Gana

No século sete, o islã, religião difundida pelos povos árabes seguidores do profeta Maomé (cêrca de570-cêrca de 632), alcançou o norte da África, principalmente por meio da conquista militar. Após se difundir pelo norte, a religião foi levada para o Sael, desenvolvendo-se no Reino de Gana por volta do século onze, por intermédio de mercadores árabes e líderes religiosos islâmicos vindos do norte, os marabutos. A nova religião encontrou maior número de adeptos entre os funcionários dacôrte e os intelectuais que assessoravam o rei, chamado de gana. Além disso, a escrita árabe passou a ser utilizada na administração do reino e nos negócios.

A religião e a cultura islâmicas contribuíram para fortalecer o poder real e aglutinar diferentes povos sob o domínio do Reino de Gana, como tuaregues, malinquês, fulas, tuculores e soninquês. Com isso, o islã transformou-se em uma religião de Estado, ainda que o próprio gana não tenha se convertido e muitas crenças e rituais tradicionais tenham se mantido na região.

Ilustração. Sobre um fundo bege, quatro homens e um menino montados sobre quatro camelos, vistos lateralmente, com o corpo voltado para o lado esquerdo. À frente deles, um homem em pé, com o corpo voltado para o lado direito, também visto de lado. Os camelos têm cor bege, usam cabrestos vermelhos e brancos, mantas em tons de verde e vermelho sobre o dorso e selas brancas e marrons. Os homens e o menino usam túnicas coloridas (em tons de vermelho, azul e verde) com bordados dourados, além de turbantes brancos, vermelhos e verdes sobre as cabeças. Entre os homens montados, dois deles, à direita, seguram hastes com pontas em forma de meia lua. O menino também está montado sobre um camelo, e está abraçado ao homem montado na ponta esquerda. Os homens montados sobre os camelos possuem barba. O que está em pé, à frente deles, não tem barba. O homem em pé usa uma túnica longa, vermelha com bordados dourados e um manto azul também com detalhes dourados. Na barra da túnica, seus tornozelos estão cobertos por calças brancas pregueadas e ele usa sapatilhas vermelhas. Sobre a cabeça, usa uma espécie de chapéu pontudo em forma de cone, adornado por faixas de tecido branco. Ele estende a mão direita à frente de seu corpo. Na parte inferior, grama verde e flores. Entre o homem em pé e os camelos, há uma espécie de palmeira de caule vermelho e folhas verdes.
Representação árabe de uma caravana de comerciantes no deserto. 1237. Ilustração. O contato entre os mercadores árabes e os reinos do Sael foi uma das principais vias para a introdução do islã na região. Biblioteca de Artes Decorativas, Paris, França.

Diversos povos no Reino de Gana

O texto a seguir fala sobre aspectos sociais e políticos do Reino de Gana.

O Reino de Gana aglutinava diversos povos e cidades que se comunicavam, mas mantinham certa autonomia.

As mais diversas fórmas de organização política conviviam dentro do reino, cuja frágil estrutura era quiçá permanentemente refeita pela ação das armas, com cisões e acréscimos de súditos, e mantida pela divisão dos povos em segmentos de nobres, homens livres, servos e escravos.

SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. quinta edição Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. página 277.

Ícone. Sugestão de livro.

SILVA, Avani Souza. A África recontada para crianças. São Paulo: Martin Claret, 2020. O livro apresenta diversas histórias contadas nos países africanos onde também se fala o português, como Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

O Império do Mali

Entre os séculos treze e dezesseis, na mesma região em que se desenvolveu o Reino de Gana, floresceu um império mais rico e poderoso: o Império do Mali.

Os governantes do Mali recebiam o título de mansa, que significa "rei dos reis". Segundo cronistas árabes, Sundiata Keita foi um dos mansas mais famosos. No século treze, fundou o reino e centralizou alguns povos sob seu poder. Outro importante governante foi Mansa Musa, que entre os séculos treze e catorze organizou o império em províncias, estreitou os laços com o Egito e ampliou a extensão do reino. Mansa Musa também fez uma peregrinação a Meca, em 1324, carregando, pelo deserto, ouro e presentes. Sua viagem foi relatada no Atlas catalão de Êibrarram Cresques, publicado em 1375.

Diversos povos e um rico comércio

O Império do Mali, assim como o Reino de Gana, era habitado por vários povos. Os mandingas, ou malinquês, eram o grupo principal e falavam a mesma língua que o povo de Gana. Além disso, também adotaram a cultura e a religião islâmicas.

O comércio era uma atividade de extrema importância no império. O contrôle das rotas transaarianas e a cobrança de taxas sobre produtos (como ouro, sal, escravos, marfim e noz-de-cola) também eram fundamentais para a manutenção do Império do Mali.

Com as taxas cobradas, o imperador obtinha cavalos para o exército e comprava tecidos e artigos de luxo como fórma de demonstrar seu poder.

A população em geral não era favorecida pela riqueza do comércio transaariano, exceto pelo sal, indispensável na sua alimentação. Os súditos viviam em vilarejos, habitando casebres feitos de barro. Cultivavam milhete, sorgo, inhame, algodão e feijão, criavam animais, como bois, camelos e cabras, pescavam, teciam e produziam objetos artesanais, como cestas e potes.

Fotografia. Escultura em relevo sobre madeira escura de cor marrom, em formato retangular. As bordas retangulares têm frisos geométricos. No centro, um desenho esculpido em alto relevo, representando cinco figuras humanas de formas femininas, em pé, vistas de frente, e uma outra figura, também vista de frente, à direita, pintada na cor dourada, de cabeça e rosto humano e corpo de formato oval. As cinco figuras humanas são iguais, estão nuas, não têm cabelos e têm três linhas verticais esculpidas sobre o ventre. A figura à direita tem a cabeça maior que a das demais, também não tem cabelos, e sobre o centro de seu corpo de formato oval, há linhas esculpidas formando um xis. Todas as figuras estão de olhos fechados.
Escultura (detalhe) de madeira feita pelo povo dogon. Esse povo habita a região do Mali há centenas de anos. Fotografia de 2019.
Ícone. Sugestão de vídeo.

MALI: deserto do Saara. Direção: Carél Bauer. Estados Unidos, 2008. Duração: 23 minutos. Documentário sobre as paisagens, a história e a cultura do atual Mali.

As cidades de Timbuctu e Dijenê

Localizadas às margens do rio Níger, as cidades de Timbuquitú (ou Tombuquitú) e Dijenê passaram a fazer parte do Império do Mali no século treze. Antes dessa data, porém, já eram grandes centros políticos e comerciais e controlavam a chegada dos produtos levados pelas caravanas do norte e do sul da África. Durante o govêrno do Mansa Musa, essas cidades foram transformadas em centros cosmopolitas. Artistas e letrados foram convocados para trabalhar em Dijenê e em Timbuquitú, e diversas mesquitas e prédios públicos foram construídos na região.

Sob o domínio do Império do Mali, a cidade de Timbuquitú se tornou um ponto de encontro de intelectuais e estudiosos que vinham de vários lugares do mundo árabe. A Universidade de Sankore, por exemplo, fundada por volta do século doze, formava com as universidades de J e de Sidi Iaia um importante complexo intelectual em Timbuquitú. Nessas instituições, ensinavam-se Lógica, Astronomia, caligrafia árabe, Matemática, História e os fundamentos do islã por meio da leitura e do estudo do Alcorão.

Timbuquitú, patrimônio mundial

Em 1988, a cidade de Timbuquitú foi declarada patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (unêsco). O processo de desertificação e o acúmulo de areia têm ameaçado muitas construções seculares, que correm risco de desaparecer. Diante desse cenário, a unêsco iniciou um programa para conservar e proteger essa cidade pré-colonial africana.

Fotografia. Vista de local aberto, na altura da rua. No centro, cercada por um muro de cerca de três metros de altura, há uma torre em formato piramidal de aproximadamente seis metros de altura, em cor de areia. À frente, uma rua por onde passam pessoas vestidas com túnicas longas na cores azul e vermelho. Ao fundo, postes e cabos de energia na horizontal. Acima, o céu em tons de azul e branco.
Mesquita de sancore, construída entre os séculosquinze e dezesseis em Timbuquitú, Mali. Fotografia de 2013.
Ícone. Sugestão de vídeo.

Tombuquitú: a cidade dos livros. Brasil, 2009. Duração: 10 minutos. Disponível em: https://oeds.link/C1JoeQ. Acesso em: 20 fevereiro. 2022. Vídeo produzido por professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro que traz abordagens sobre a história, a economia e a cultura em Timbuquitú.

Ícone. Ilustração de um recipiente de base circular, com duas hastes laterais e grafismos coloridos, indicando a seção Lugar e cultura.

Lugar e cultura

Multiculturalismo.

A tradição oral

A tradição oral é muito importante para as sociedades africanas. Isso significa que a maior parte dos conhecimentos, das lendas e das histórias, entre outras manifestações culturais, é transmitida oralmente de geração em geração. Desse modo, as tradições orais, as técnicas e os rituais ligados à palavra, ao corpo e à musicalidade têm sido cada vez mais reconhecidos como práticas importantes para a preservação das memórias. Os mestres de uma tradição conhecem e preservam os saberes, os costumes, e as experiências adquiridos ao longo do tempo por uma sociedade. Por isso, são muito valorizados no grupo. Na África, os mestres da tradição oral mais conhecidos são chamados de griots.

As civilizações africanas, no Saara e ao sul do deserto, eram em grande parte civilizações da palavra falada, mesmo onde existia a escrita; como na África Ocidental a partir do século dezesseis, pois muito poucas pessoas sabiam escrever, ficando a escrita muitas vezes relegada a um plano secundário em relação às preocupações essenciais da sociedade. Seria um erro reduzir a civilização da palavra falada simplesmente a uma negativa, “ausência do escrever”, e perpetuar o desdém inato dos letrados pelos iletrados, que encontramos em tantos ditados, como no provérbio chinês: “A tinta mais fraca é preferível à mais forte palavra”. Isso demonstraria uma total ignorância da natureza dessas civilizações orais.

vansina,Ian. A tradição oral e sua metodologia. In: qui zêrbo, Joséf (edição). História geral da África: metodologia e pré-história da África. segunda edição. Brasília: unêsco, 2010. volume um página 139.

Fotografia. Retrato de uma mulher negra, vista do tronco para cima, usando um lenço estampado marrom e amarelo amarrado sobre a cabeça, cobrindo seus cabelos. Ela usa um par de brincos de argolas douradas e um colar com contas grandes em tons bege, amarelo e marrom em volta do pescoço. Está vestida com uma túnica com as mesmas estampas e cores do lenço e olha para frente, com um leve sorriso.
Contadora de histórias griô, em Mali. Fotografia de 2008.
  1. O historiador Ian vansina afirma que “seria um erro reduzir a civilização da palavra falada simplesmente a uma negativa, ‘ausência do escrever’”. Explique com suas palavras essa afirmação.
  2. Por que a palavra falada, tanto quanto a palavra escrita, pode ser considerada fonte histórica?

O comércio caravaneiro

O comércio era uma atividade essencial para o desenvolvimento do Reino de Gana e do Império do Mali. Como você imagina que esse comércio era realizado? Quais eram os principais produtos negociados pelos mercadores? De que regiões eles vinham? Como as caravanas de comércio vindas do norte chegavam aos reinos Saelianos?

Pode parecer estranho, mas o deserto do Saara, situado em uma extensa faixa de terra no norte da África, cumpriu um papel muito importante na integração dos povos da costa do Mediterrâneo, do Índico, do Atlântico e da região do Sael. Longe de ser um obstáculo, o grande deserto possibilitou o contato entre diversos povos, especialmente com a utilização do camelo como meio de transporte a partir do século três.

A forte resistência do camelo ao clima desértico, com sua capacidade de permanecer sem água por vários dias, tornou possível a travessia do Saara. Além disso, a carne e o leite do animal eram essenciais para a alimentação dos povos nômades que viviam no deserto, e seu pelo era usado para confeccionar tendas nas quais as caravanas paravam para descansar.

Garantidas a sobrevivência e a locomoção no deserto, os povos da região tiveram condições de praticar uma das atividades econômicas mais rentáveis da África durante vários séculos: o comércio caravaneiro, que ligava os entrepostos do Mediterrâneo às praças mercantis da região do Sael.

Fotografia. Vista de um local aberto, em uma paisagem desértica composta de areia em cor bege clara entremeada por tufos de vegetação fina e esparsa na cor verde. Em primeiro plano, cortando a imagem horizontalmente, uma fileira formada por quatro camelos e quatro homens. A fileira caminha no sentido da esquerda para a direita. À esquerda, há três camelos. No centro, há três homens. E à direita, um camelo e um homem. Os camelos à esquerda são de cor branca e bege, usam cabrestos e estão amarrados uns aos outros por cordas presas aos cabrestos. Sobre o dorso dos três camelos, há grandes pacotes cobertos por tecidos em tons de azul com estampas florais. À frente dos camelos, no centro da imagem, há três homens. Um deles, vestido com uma túnica até os joelhos de cor preta, puxa a corda presa ao cabresto do primeiro camelo da fila. Ao lado dele, há dois homens usando vestimentas parecidas de cor bege. Os três têm a cabeça e o rosto cobertos por tecidos nas cores preta e azul e calçam chinelos. À direita, à frente do grupo, há um homem puxando um camelo por uma corda amarrada ao cabresto. Esse homem é visto de costas e veste camiseta branca e calça preta. Ele usa chinelos e tem o cabelo, a cabeça e os ombros cobertos por um tecido de cor preta. Com uma das mãos, ele puxa a corda presa ao cabresto de um camelo branco cujo dorso está coberto por um tecido preto com uma grande rosa bege estampada. Com a outra mão ele segura um cajado. No alto, o céu de cor cinza.
Caravana de camelos no deserto do Saara, na Mauritânia. O comércio caravaneiro é praticado ainda hoje por grupos de tuaregues, povos nômades que vivem no deserto do Saara. Fotografia de 2020.
Ícone. Sugestão de livro.

: Contos do Baobá: 4 contos da África Ocidental. São Paulo: Global, 2017. Nessa obra, o autor brasileiro Maté reconta quatro narrativas da África que fazem parte do repertório dos griots, mestres da cultura oral africana

Rotas do comércio transaariano e

O comércio transaariano ligava as várias praças mercantis às zonas de abastecimento, como as minas de sal do deserto do Saara, as regiões auríferas do l e as áreas de extração de pimenta e -de-cola das florestas tropicais.

Os terminais do comércio transaariano localizados ao norte eram formados pelos portos mediterrânicos da África do Norte, como os de Túnis, Cairo e Argel, e por grandes cidades, como , e Fez. Os terminais dessas rótas situados ao sul eram as cidades Saelianas de Audagôs, Ualata, Timbuquitú, Gao, Tadimecá e Agadés. Delas, os produtos levados pelas caravanas eram redistribuídos por redes de comércio da região do Sael.

As linhas comerciais Transaélianas tinham o sentido oeste, destacando-se nelas o transporte de pessoas e mercadorias realizado por meio dos rios Senegal, Níger e Gâmbia. Dessa fórma, as rótas transaariana e Transaéliana se integravam.

Muitos povos participavam dessa ampla rede mercantil. No deserto, predominavam os berberes, os tuaregues e os azanegues, os quais conduziam caravanas que utilizavam camelos como meio de transporte; nas zonas de florestas, os produtos eram transportados em canoas pelos rios e em caravanas de burros conduzidas pelos diulas, pelos haussás e pelos mandingas.

As rotas comerciais transaarianas (SÉCULO XIV)

Mapa. As rotas comerciais transaarianas. Século 14. Mapa representando o continente africano. Diferentes áreas estão destacadas por cores distintas e linhas pontilhadas indicam rotas comerciais. Ícones indicam fontes de ouro, sal e noz-de-cola. Em laranja escuro, a 'Zona climática equatorial' abrange parte da costa oeste da África, desde a região de Serra Leoa e do Golfo da Guiné, até a região do Rio Congo atingindo as proximidades dos Grandes Lagos no centro do continente. Estende-se também por grande parte da ilha de Madagascar. Em laranja médio, a 'Zona climática tropical' abrange territórios ao sul e ao norte da linha do Equador, desde a foz do Rio Gâmbia, no oeste da África, até o Chifre da África, no leste do continente, abrangendo as regiões da Etiópia, de Sidama e dos Grandes Lagos, no oeste do continente; do Congo, no leste do continente e do Reino do Zimbábue, no sudeste do continente. A costa leste da Ilha de Madagascar também está nessa zona climática. Em laranja claro, a 'Zona climática desértica' corresponde à região do Deserto do Saara, no norte do continente, desde a região ao norte do Rio Senegal, no oeste, até o litoral do Mar Vermelho, no leste, compreendendo as regiões do Egito e da Etiópia até o Golfo de Aden. Outra área desértica está situada no sudoeste do continente, na região que hoje corresponde à Namíbia e ao norte da África do Sul, na costa banhada pelo Oceano Atlântico, nas proximidades do Rio Orange. Destacado em amarelo claro, o 'Semiárido' africano abrange a região de Monomotapa e o sul da África, estendendo-se desde o litoral do Golfo de Benguela, no oeste africano, ao reino do Zimbábue, às margens do rio Zambeze, no leste. O semiárido também compreende a região do Sahel, desde a região que hoje compreende o Senegal, no oeste africano, até a Etiópia, no leste, estendendo-se pelas regiões de Gana, Hauçá, Darfur e Etiópia.  No norte da África, também há zonas climáticas de Semiárido, desde o litoral do território que hoje compreende a Mauritânia, no noroeste, até a foz do Rio Nilo, no norte do continente. Destacada em verde, a 'Zona climática do mediterrâneo' abrange uma pequena parte do litoral norte do continente, na região que hoje compreende o Marrocos, a Argélia e a Tunísia e, no sul do continente, o litoral sul da África do Sul. As pequenas zonas destacadas em lilás, que correspondem ao 'Frio de montanha', estão localizadas na região que hoje compreende a Etiópia e o Quênia; e a leste do Lago Vitória, no território que hoje compreende o Quênia e o norte da Tanzânia. Destacadas em linhas pontilhadas cor de rosa, as rotas comerciais transaarianas conectam as regiões do Sahel e do Mediterrâneo, cortando o Deserto do Saara e estendendo-se desde as cidades da zona climática Equatorial, como Ibo, Até a zona climática mediterrânea, atingindo as cidades de Fez, Argel e Túnis. Interligando, no oeste, as regiões de Gana, Akam e Hauçá, ao sul do deserto, com Tafilelt, Ifriqiya e Kairuan, ao norte do deserto; e, no leste, as regiões de Darfur, Etiópia e Sidama, ao sul do deserto, ao Egito, no norte. Nas rotas, são destacadas as cidades: de Gadam, Awdaghost, Walata, Timbuctu, Djenné, Tadmekka, Takedda, Gao, Agadés, Oyo, Ifé e Ibo; Sidjilmasa, Marrakech, Fez, Argel, Túnis, Trípoli e Cairo.  Destacado por uma linha marrom, os 'limites aproximados do Deserto do Saara' estendem-se do oeste africano, ao norte do Rio Senegal, até o leste do continente, na região que hoje compreende a Eritreia e o Sudão.  Destacados por uma linha verde, os 'limites aproximados da floresta' estão situados na divisa dos climas equatorial e tropical, iniciando-se na costa atlântica, nas proximidades de Futa Jalon e estendendo-se até o centro do continente, nas margens do Rio Ubanji, ao norte do Rio Congo, na região que hoje compreende a República Centro Africana e a República Democrática do Congo. Indicadas por ícones representando barras douradas, as maiores fontes de ouro estão situadas na região tropical, entre Futa Jalon e Oyo, ao sul de Djenné, e na região que hoje corresponde ao litoral da Costa do Marfim, ao sul de Akam. Indicadas por ícones representando triângulos brancos, as maiores fontes de sal abrangem, no oeste do continente, a região de Serra Leoa, Futa Jalon, Awill, Idjill, Teghazza e Taodeni; a região do Golfo do Benim, com destaque para as cidades de Oyo e Ifé; a região do Golfo da Guiné, com destaque para a cidade de Ibo, além de Bilma, ao norte do Lago Chade, no sul do Deserto do Saara. Indicadas por ícones representando formas ovais cor de rosa, as maiores fontes de noz-de-cola estão nos territórios entre Serra Leoa e Akam, na região que hoje compreende parte da Guiné, a Costa do Marfim e Gana. No canto inferior direito, rosa dos ventos e escala de 0 a 660 quilômetros.

Elaborado com base em dados obtidos em: NIANE, Dibríl Tamsír. O Mali e a segunda expansão manden. In: NIANE, Dibríl Tamsír (edição). História geral da África. segunda edição Brasília: unêsco, 2010. volume quatro: África do século doze ao dezesseis. página173; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Atlas geográfico escolar. quinta edição. Rio de Janeiro: í bê gê É, 2009. página58.

Produtos do sul em direção ao norte

Observe, a seguir, os principais produtos transportados da região do Sael e das florestas em direção ao deserto do Saara e à costa do Mediterrâneo, no norte da África, de onde seguiam para a Europa e para a Ásia.

  • Ouro: esse metal era a base do sistema monetário do mundo islâmico e da Europa medieval. As minas de Bambuk, de Burê e dos estados akãs da Costa do Ouro (Gana), onde era extraído, representavam a principal fonte aurífera antes da chegada dos europeus à América.
  • Noz-de-cola: fruto utilizado pelas sociedades africanas tradicionais em cerimônias e rituais e para controlar o cansaço e a fome. A noz-de-cola foi amplamente adotada pelos povos islamizados por ser o único estimulante cujo consumo era recomendado pelas regras muçulmanas.
  • Pessoas escravizadas: trabalhavam nas salinas do Saara, nas sociedades islâmicas do norte da África e nos países europeus, sobretudo na península Ibérica muçulmana.

Além desses produtos, a região fornecia resinas, gomas, peles e couros, e produtos alimentícios, como sorgo, milho africano e milhete.

A noz-de-cola

A noz-de-cola, ainda hoje, é um importante produto de exportação de alguns países africanos. Contudo, no passado, as sementes da noz-de-cola eram utilizadas por povos da África Ocidental principalmente em rituais religiosos. Elas passaram a ser apreciadas também por mercadores árabes para suportar a fadiga e a fome nas longas viagens pelo deserto. Ao estabelecer seu domínio sobre a África, no século dezenove, os europeus perceberam seu poder estimulante e tonificante. Assim, surgiu a produção industrial de refrigerantes à base de cola. Atualmente, para baratear os custos da produção em larga escala, passaram a ser utilizados aromatizantes artificiais no lugar da noz-de-cola.

Fotografia. Imagem mostrando os braços de um trabalhador segurando nas mãos frutos de noz-de-cola em formato arredondado, alguns dos frutos são cor rosa e outros amarelo claro. Ao fundo, centenas de frutos no chão.
Um trabalhador segura sementes de noz-de-cola, em Aniama, Costa do Marfim. Fotografia de 2019.

Produtos do norte em direção ao sul

Conheça agora os produtos comercializados do norte do Saara e da costa do Mediterrâneo em direção às regiões das estepes, das savanas e das florestas ao sul.

  • Sal: produto essencial para a conservação dos alimentos nas áreas tropicais, o sal também servia de moeda nas trocas comerciais.
  • Produtos alimentícios: tâmaras, passas e raízes eram bastante apreciadas pelas comunidades islâmicas do Sael.
  • Burros e cavalos: inexistentes nas florestas tropicais devido à presença das moscas do sono, conhecidas como tsé-tsé, que atacavam a cavalaria dos reinos nas margens das áreas tropicais.
  • Artefatos de metal e manufaturados: utensílios de cobre, bronze e estanho, ferramentas, tecidos e adornos de metais e pedras preciosas vinham do Egito, do Oriente Médio e da Europa.

O sal

A seguir, o historiador britânico Mártin Méredif fala sobre o transporte do sal, extraído das salinas do Saara.

A principal mercadoria pela qual trocavam seu ouro era o sal que as caravanas de comerciantes adquiriam pelo caminho, nas minas do Saara. reticências A demanda pelo produto ali era insaciável. Blocos de sal eram passados adiante aos poucos, das caravanas de camelos para os burros, e levados até o limite do cinturão da mosca tsé-tsé, onde não se podia mais utilizar animais de carga. A partir de então, carregadores humanos o transportavam até a floresta tropical. Ao longo do caminho, o preço poderia aumentar até cem vezes.

Méredif, Mártin. O destino da África: cinco mil anos de riquezas, ganância e desafios. São Paulo: zarrár, 2017. E-book.

Fotografia. Vista de um local aberto. Em um deserto de solo arenoso de cor bege, oito camelos deitados um perto do outro e, ao lado deles, algumas placas retangulares de sal empilhadas. À direita, um homem agachado, vestido com camiseta preta e segurando uma correia verde ao lado de um camelo. No alto, o céu cinza.
Deserto de sal na depressão de Danakil, Etiópia. Fotografia de 2019.
Ícone. Ilustração de três pessoas e dois balões de fala indicando a seção Em debate.

Em debate

Os contatos intercontinentais

O comércio praticado pelos árabes e pelos povos nômades que entrecruzavam o deserto do Saara favoreceu uma ampla rede de contatos, que possibilitou aos mercadores realizar ligações entre o continente africano, o europeu e o asiático. Leia a seguir os textos de dois historiadores sobre essas relações intercontinentais.

Entre 1100 e 1500, a África foi um parceiro privilegiado nas relações intercontinentais do Velho Mundo. Tanto através do Mediterrâneo como através do oceano Índico, um comércio intenso, mais frequentemente intermediado pelos muçulmanos, ligava a Europa e a Ásia ao continente africano. reticências

O papel do Islã, tanto na difusão de ideias como no comércio, foi de extrema importância à época, como ilustram as viagens de Êbnú Battuta para a China e pela África oriental e ocidental. Nossos conhecimentos sobre as populações no período que ora tratamos muito devem aos trabalhos dos geógrafos, viajantes e historiadores muçulmanos.

nianê dibríl tamsír. Relações e intercâmbios entre as várias regiões. In: nianê dibríl tamsír editor. História geral da África: África do século doze ao dezesseis. 2. edição Brasília: Unesco, 2010. volumequatropágina 710.

Esse mundo muçulmano torna-se, assim, uma longa faixa de mobilidade, do Atlântico ao Pacífico, que unificou o Velho Mundo a partir do século sete. Por ter amalgamado a maior parte do mundo conhecido, ele controla as passagens entre as massas densamente povoadas da Europa, em sentido amplo, a África e o Extremo Oriente e vive dos lucros da intermediação que tal contrôle lhe faculta. Nada passa sem a sua permissão e tolerância, representando para toda essa massa terrestre, carente de uma ligação marítima central, o mesmo que a Europa será mais tarde à escala mundial: uma economia triunfante e, logo, uma civilização dominante.

BISSIO, Beatriz. O mundo falava árabe: a civilização árabe-islâmica clássica através da obra de êbnú ráldúna e Êbnú Battuta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. página31.

Ilustração. Um homem de barba longa vestido com uma túnica de cor verde clara, cruzada à frente de seu corpo. Sobre a cabeça, usa um turbante cor de rosa.  A túnica tem mangas longas  o comprimento é abaixo da altura dos joelhos. Há uma faixa vermelha atada na cintura do homem e a barra da túnica tem um barrado vermelho. O homem usa uma grande capa de cor bege sobre as costas, comprida até os pés, e sapatos de cor marrom. Com a mão esquerda, ele segura um sabre preso em sua cintura.
Bêneti Leôn. Representação de Êbnú Battuta. 1878. Ilustração. Êbnú Battuta (1304-1368) foi um viajante nascido no atual Marrocos. Visitou localidades na Ásia, na África e na Europa. Considerando um atlas atual, é possível dizer que Ibn Battuta conheceu, em média, 44 países.
  1. As visões dos dois historiadores sobre as conexões intercontinentais da África são convergentes ou divergentes? Por quê?
  2. No primeiro texto, o autor afirma que a África foi um parceiro privilegiado nas relações com o Velho Mundo. A partir de quais pontos estratégicos era estabelecido o contato comercial com a Europa e a Ásia no continente africano?
  3. No segundo texto, qual é a comparação que a autora faz ao caracterizar o contrôle que os muçulmanos mantiveram das rótas que interligavam a maior parte do mundo conhecido pelos europeus até então: a África, o Oriente e a Europa?

Atividades

Faça as atividades no caderno.

  1. Por que o Reino de Gana, um dos mais antigos da região do Sael, foi chamado pelos cronistas árabes de “terra do ouro”? Qual era a importância do ouro naquele contexto?
  2. Leia o relato de Abú Ubáide Albácri, geógrafo muçulmano que viveu no século onze. Com base nesse relato, pode-se dizer que a introdução do islã no Reino de Gana eliminou as tradições religiosas locais? Por quê?

“Ao redor da cidade do rei há choupanas abobadadas e bosques onde vivem os feiticeiros, homens encarregados de seus cultos religiosos. Ali se encontram também os ídolos e os túmulos dos reis. reticências

Quando o rei morre, constroem uma enorme abóbada de madeira no lugar do enterro. Então trazem-no em uma cama levemente coberta e colocam-no dentro da abóbada. A seu lado colocam seus ornamentos, suas armas, e os recipientes que ele usava para comer e beber. A serpente é a guardiã do Estado e vive em uma caverna que lhe é devotada. Quando o rei morre, seus possíveis sucessores se reúnem em uma assembleia, e a serpente é trazida para picar um deles com seu focinho. Essa pessoa é então chamada para ser o novo rei.”

COSTA, Ricardo. A expansão árabe na África e os impérios negros de Gana, Mali e Songai (séculos sete-. ín: Nixicáua, Taise F. C. História medieval: História dois. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009. página 34-53.

Mapa histórico. Mapa representando o noroeste do continente africano, com fundo de cor bege. O mapa é atravessado por linhas retas na diagonal que se entrecruzam. Há textos, nomes de lugares e ilustrações variadas representando fortes e outras construções. No canto esquerdo do mapa, o oceano em azul e o detalhe de uma embarcação à vela tripulada. Na costa africana, à esquerda, o desenho de sete tendas brancas com listras verticais vermelhas e, na parte superior listras verticais azuis. No topo de cada tenda, um círculo dourado. No centro do mapa, um camelo cinza, montado por um homem branco com a cabeça, o pescoço e os ombros cobertos por um tecido branco, vestido com uma túnica longa e verde. Sobre o dorso do camelo, há um pano vermelho. O homem montado tem o corpo virado para a direita e segura um chicote de três pontas. À direita, uma ilustração representando um homem negro sentado em trono dourado com assento vermelho. Visto de frente, o homem está com o corpo virado para a esquerda. Ele usa uma coroa dourada, segura um cetro dourado em uma mão e, na outra, com o braço flexionado, segura um objeto redondo dourado em frente ao seu rosto. Ele veste uma túnica longa de cor verde e está descalço, com os pés cruzados um sobre o outro. Ao redor deles, territórios com ilustrações em tamanho pequeno indicando construções, como templos e fortes, e diversos textos, não legíveis nessa reprodução. No alto, na região que corresponde ao limite norte do deserto do Saara, há uma espécie de muralha desenhada em tons de amarelo.
CRESQUES, Êibrarram. Atlas catalão de Êibrarram Cresques. 1375. Ilustração (detalhe), 65 por 300 centímetros. O governante Mansa Musa, do Mali, está representado à direita. Ao lado dele, há os seguintes dizeres: “Este senhor negro é aquele muito melhor senhor dos negros de Guiné. Este rei é o mais rico e o mais nobre senhor de toda esta parte, com abundância de ouro na sua terra”. Biblioteca Nacional da França, Paris.
  1. Relacione o comércio caravaneiro com a expansão do islã entre os povos do l.
  2. Observe a imagem do Atlas catalão de Êibrarram Cresques, leia a legenda e responda às questões.
    1. Que informações sobre o Império do Mali podem ser obtidas pela observação dessa imagem?
    2. Que características do Mansa Musa são ressaltadas na fórma como ele é representado?
  3. Em dupla, façam um exercício de imaginação! Escolham uma situação estudada neste Capítulo (o comércio do ouro ou de sal no Reino de Gana ou no Império do Mali, a viagem de Mansa Musa a Meca, entre outras possibilidades) e escrevam uma narrativa sobre a situação escolhida, como se vocês fossem griots. O trabalho final deve ser apresentado ou cantado para o restante da turma.

CAPÍTULO 2  POVOS IORUBÁS E BANTOS

Multiculturalismo.

O Brasil tem a segunda maior população negra do mundo, inferior apenas à da Nigéria, na África. Você já parou para pensar de quais regiões da África vieram os ancestrais dessa parte da nossa população? Que conhecimentos e costumes eles trouxeram para cá?

A partir do século dezesseis, muitos africanos foram trazidos forçadamente para o Brasil pelos portugueses na condição de escravos. Eles pertenciam a uma grande variedade de povos, que, no século dezenove, foi classificada em dois grandes grupos linguísticos: banto e iorubá. Esses povos vieram de regiões onde hoje se localizam Nigéria, Costa do Marfim, Camarões, Angola, Congo e Moçambique, entre outros países. Uma vez estabelecidos no Brasil, entraram em contato com os povos que aqui viviam, com imigrantes de outras regiões do mundo e também com pessoas de diferentes localidades do próprio continente africano, criando, juntos, uma cultura afro-brasileira.

Assim, estudar a história da África é essencial para compreendermos nossa história, uma vez que a identidade brasileira tem fortes marcas africanas.

IORUBÁS E BANTOS (SÉCULOS doze-dezesseis)

Mapa. Iorubás e bantos. Séculos 12 a 16. Mapa representando o continente africano. Algumas áreas estão destacadas em cores distintas. Outras, estão destacadas por círculos e setas coloridas. Em cor de rosa, 'Área de influência iorubá', que abrange a região noroeste da África ocidental, ao sul do Deserto do Saara, desde a costa Atlântica, na altura dos rios Senegal e Níger, até o centro do continente, na margem norte do Rio Ubanji. Com destaque para as cidades de Oyo, Ifé, Owu e Benin, na região do Golfo do Benim. Destacada por setas cor de rosa, 'Migrações dos povos bantos', partindo de um círculo a leste de Owu e do Benin, acompanhando, a leste, o curso dos rios Ubanji e Congo em direção ao centro do continente; e, ao Sul, ao longo da costa Atlântica e da área de influência banta até os limites dessa região que hoje corresponde à Angola. Em amarelo claro, 'Área de influência banta', que abrange toda a região central e sudeste da África, desde o sul do rio Ubanji, até o leste do Rio Orange, abrangendo a bacia dos rios Congo, Kasai, Zambeze, Limpopo e, ao sul, parte da região em torno do rio Orange. Destacada por linhas verdes, 'Provável região de origem dos iorubás', compreendendo círculos ao redor da cidade de Ifé e outro círculo nos arredores das cidades de Owu e Benin. Hachurado com linhas diagonais de cor cinza, 'Deserto do Saara', ocupando a maior parte do norte da África, abrangendo desde a costa oeste, banhada pelo Oceano Atlântico, até a costa leste, banhada pelo Mar Vermelho. Destaque para as cidades de Sidilmasa e Timbuctu. Ao norte do Deserto do Saara, destaque para as cidades de Marrakech, Ceuta, Argel e Bougie. No canto inferior direito, rosa dos ventos e escala de 0 a 755 quilômetros.

Elaborado com base em dados obtidos em: VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico: geral e Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. página 48, 67, 92.

Gravura. Sobre um fundo de papel amarelado, retangular, de orientação vertical e cercado por margens pretas,  no centro, uma ilustração de um homem visto de frente, com a cabeça voltada para a direita, o olhar para o alto e a mão esquerda apoiada na cintura. Na mão direita, o homem segura um bastão nas cores vermelha e bege. Ele é negro, tem cabelos curtos e castanhos parcialmente cobertos por um chapéu sem abas dourado, decorado adornos vermelhos e com um longo véu de tecido vermelho na parte de trás da cabeça. Ele usa brincos e veste uma túnica branca de mangas curtas, com listras inclinadas azuis. Nas mangas e na barra da túnica, há detalhes de listras vermelhas. O homem tem uma espécie de lenço dourado ao redor do pescoço e do torso e usa um pano vermelho com franjas douradas amarrado na cintura. Da cintura para baixo, no lado direito, leva uma capa comprida azul, que está atada a sua cintura, em que também está presa uma espada dourada com detalhes vermelhos. O homem está descalço sobre a grama verde. Ao fundo, paisagem com montanhas. Na parte inferior da ilustração, originalmente em língua francesa, a inscrição em letras de forma, 'Rei do Congo'.
San Suvér, Jáque Grassê de. Rei do congo. cêrca de 1797. Gravura. Museu de Arte do Condado de Los Angeles, Estados Unidos. A região do Congo era habitada por povos de origem banta.

Os reinos iorubás

Os iorubás constituem um grande grupo étnico-linguístico da África Ocidental, representando atualmente cêrca de 20% da população da Nigéria e parte da população do Togo, do Benin e de Serra Leoa. fóra da África, a cultura iorubá tem forte presença no Brasil e em Cuba.

Segundo pesquisas arqueológicas, os reinos iorubás, também chamados de nagôs, floresceram ao sul do rio Níger por volta do século nove, em uma antiga população que tinha como centro a cidade de Ifé (que significa “o que é vasto”). Contudo, segundo alguns estudiosos, as evidências mais antigas desse grupo remontam ao século quatro.

Os reinos iorubás estavam organizados em cidades-Estado independentes que mantinham relações comerciais entre si, como Ifé, ôio , Ouú, Benin e Ilá.

Para os iorubás, a cidade de Ifé tinha origem divina. Ifé também era uma referência política, pois todos os outros reinos iorubás estavam vinculados a ela. A cidade era um importante entreposto do comércio caravaneiro na África. Os mercadores paravam na cidade para descansar, reabastecer as caravanas e negociar produtos, como sal, contas de pedra, dendê, pimenta e pessoas escravizadas.

Fotografia. Vista de um local aberto, sob a copa de uma grande árvore de folhas verdes miúdas, com chão de terra marrom e, em destaque, no centro e em primeiro plano, três pessoas dançando. Elas estão vestidas com máscaras coloridas com faces humanas sobre suas cabeças e usam luvas e mantos coloridos e estampados cobrindo seus corpos da cabeça aos pés. Os mantos têm as cores azul, verde, amarelo, vermelho e outras, além de estampas de folhas e de peixes, entre outras. No alto da cabeça das pessoas que estão dançando, há figuras de animais, como aves e macacos comendo frutas. Sob os mantos essas pessoas usam meias longas e sapatos de pano nas cores preta e branca, além de guizos feitos de metal presos ao redor dos tornozelos. Em torno das figuras com essas vestes, há outras pessoas em trajes coloridos, a maioria delas homens e meninos, (há apenas uma menina à esquerda). Eles têm a cabeça descoberta e observam as figuras no centro. Alguns também estão dançando. Em segundo plano, à direita, uma grande árvore com tronco marrom e folhas pequenas verdes. À esquerda, duas casas baixas.  Ao fundo, o céu diurno em tons de branco.
Cerimônia Gueledé realizada em Quétón, no Benin. Nessa cerimônia, praticada também em países como Nigéria e Togo, são celebrados a sabedoria e o poder das mulheres nas sociedades iorubás. Fotografia de 2019.
Ícone. Sugestão de livro.

ANDRADE, Inaldete Pinheiro de. Uma aventura do velho Baobá. Rio de Janeiro: Pequena zarrár, 2022. O baobá é uma árvore vista como símbolo de resistência. Essa obra, que valoriza os saberes afro-brasileiros, conta a história de um velho baobá, nativo das savanas da África, que atravessa o oceano Atlântico para encontrar seus parentes no Brasil.

Ícone. Ilustração de uma lupa sobre uma folha de papel amarelada com a ponta superior direita dobrada, indicando a seção Documento.

Documento

Multiculturalismo.

Estatuetas e a arte dos iorubás

Os povos iorubás produziam estatuetas feitas de madeira, terracota, pedra, cerâmica, cobre, latão ou bronze. O uso de metais constitui uma evidência de que os iorubás conheciam técnicas de metalurgia.

O tema central da arte iorubá é o culto aos orixás e aos antepassados. Além disso, as figuras esculpidas que formam um par, geralmente um homem e uma mulher, são muito comuns nessa produção artística. Essas figuras são chamadas de edan.

Essas peças eram e continuam sendo usadas como uma espécie de amuleto para prever o futuro, curar doenças, afastar maus espíritos, julgar cidadãos, entre outras funções. Os edans geralmente são feitos de ligas de cobre (é comum aparecer nos livros sobre arte africana como “bronze”), um material muito resistente aos efeitos da umidade e do calor.

Fotografia. Sobre um fundo cinza, duas estátuas feitas de metal de cor marrom escura, com partes esverdeadas, representando duas figuras humanas conectadas por correntes presas em seus chapéus. Elas usam chapéus triangulares com um furo na ponta superior, por onde passa a corrente, e não têm cabelo. As figuras têm olhos avantajados, semicerrados, nariz grande e dois sinais em forma de traço sobre a testa. Suas cabeças são proporcionalmente grandes para o corpo e os ombros e seus braços e pernas são muito finos. Elas estão sentadas com as pernas flexionadas e têm os dois braços flexionados com as mãos sobre a parte frontal do corpo.
Representação de edan produzido por povos iorubás na Nigéria. Século dezenove. Cobre e ferro. Museu de Arte de clívilan, clívilan, Estados Unidos.
  1. Identifique o material utilizado para produzir o edan, o local e a data em que foi feito.
  2. Descreva o que você vê na imagem do edan. As figuras representadas são realistas ou não? Explique como você chegou à conclusão.
  3. Procure explicar, com suas palavras: qual era a função de peças como essas?
  4. O edan analisado por você pode ser considerado uma fonte histórica material dos iorubás? Por quê?

A diversidade dos povos bantos

O termo “banto” significa “povo” ou “os homens”. Ele é utilizado para designar cêrca de 400 grupos étnicos que falam línguas que têm uma origem comum. Provavelmente, o núcleo original dos povos bantos localizava-se na fronteira dos atuais Nigéria e Camarões por volta de 3 mil a 4 mil anos atrás. Por motivos ainda desconhecidos, eles começaram a migrar para o sul e o Léste da África. No século doze, já ocupavam áreas da África Central até o sul do continente.

Cada grupo banto possuía suas especificidades econômicas, políticas, sociais e culturais. No entanto, a prática agrícola era comum a todos os povos bantos. Nas savanas do Congo, por exemplo, o método das queimadas, empregado para limpar o terreno para a agricultura, combinado com o sistema de rodízio, foi predominante. Outros povos aproveitaram as inundações periódicas do rio Zambeze para desenvolver complexos sistemas de irrigação.

Na África Oriental, na região que se estendia do atual Quênia até Moçambique, os bantos cultivavam cereais, raízes e tubérculos, dominavam técnicas de metalurgia e criavam gado.

Os povos bantos mantinham contato com diferentes sociedades, como a dos cuxitas e a dos nilotas, e com os mercadores árabes vindos do norte. Com os africanos islamizados, por exemplo, aprenderam a utilizar atabaquesglossário e desenvolveram uma comunidade étnica com influências árabe e banta, a suaíliglossário ou swahili.

Gravura. Sobre um fundo branco, no centro, vista de frente, uma  mulher negra com o torso nu, em pé, usando, sobre a cabeça, um chapéu sem abas branco com adornos vermelhos e fitas vermelhas descendo da cabeça até a altura da cintura. Ela usa alguns colares de contas azuis ao redor do pescoço, um lenço amarelo cruzando o torso do ombro direito até a cintura e um lenço amarelo ao redor da cintura, amarrado com um laço logo abaixo do umbigo. Nos braços e punhos, ela usa fitas cor de rosa amarradas e, na parte inferior do corpo, veste uma saia azul com bolinhas na altura abaixo do joelho. Perto do ombro direito, ela leva uma planta com folhas de cor verde e frutos arredondados de cor rosa. Ela está descalça, em pé sobre o solo coberto de grama verde; há vegetação verde, com alguns arbustos à esquerda e à direita.
Representação de uma mulher do grupo linguístico banto. Século dezenove. Gravura. Biblioteca de Artes Decorativas, Paris, França.

Os povos bantos no Brasil

O maior grupo de africanos escravizados trazidos ao Brasil nos séculos dezesseis e dezessete tinha origem banta. Os povos bantos trabalharam nos canaviais da Bahia e de Pernambuco e nas plantações de cana e café de São Paulo e do Rio de Janeiro. Também trabalharam nas minas de ouro nas regiões dos atuais estados de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais.

A influência banta no português falado e escrito no Brasil é muito grande. Palavras como caçula, banda, sunga, tanga, quitanda, cachimbo, tutu, entre outras, são derivadas do quimbundo, do tronco linguístico banto.

O Reino do Congo

O Reino do Congo, um dos mais importantes reinos bantos, situava-se em terras que hoje correspondem a Angola, Congo e República Democrática do Congo, países localizados na região da África Centro-Ocidental. Ele surgiu, provavelmente, entre os séculos treze e catorze e estava dividido em províncias e pequenas aldeias. O reino era controlado por um rei, chamado de mani congo (espírito superior), que utilizava objetos que simbolizavam seu poder e o diferenciavam do restante da população, como um chapéu, um tambor, um bracelete de cobre ou marfim e um trono. O rei também nomeava governadores (vindos das famílias aristocráticas) para auxiliá-lo na administração das províncias.

A capital do Reino do Congo era Mubanza Congo, uma praça forte, cercada de muralhas, e também um grande centro comercial. O comércio era a principal atividade econômica dos congoleses. Entre os produtos comercializados no reino, destacavam-se o sal marinho, os metais, os tecidos de fibra e o marfim. As transações comerciais eram feitas por meio do escambo ou com o uso do nzimbu, uma espécie de concha encontrada na ilha de Luanda que servia como moeda.

No Reino do Congo, as famílias aristocráticas, ligadas ao rei por laços de parentesco, cuidavam da administração das províncias. Essa elite era mantida pelos tributos cobrados pelos chefes das aldeias. A vida do rei, da sua côrte e da aristocracia contrastava com a pobreza dos camponeses e dos escravizados.

No século quinze, após os primeiros contatos com os portugueses, o rei do Congo se converteu ao catolicismo e foi batizado com o nome de Dom João. A capital do reino passou a se chamar São Salvador do Congo. Iniciava-se, dessa fórma, uma forte presença portuguesa no Reino do Congo.

A região do Reino do Congo (SÉCULO XVI)

Mapa. A região do reino do Congo. Século 16. Mapa representando o sul e o centro do continente africano. Um território está destacado em verde. Há nomes de regiões e hidrografia sinalizada. Em verde, em destaque, a 'Região do Reino do Congo', na costa oeste da África, entre o sul da foz do Rio Congo e a região ao norte do rio Kwanza, no território que hoje corresponde à Angola. Destaque para as cidades de M’Banza e Luanda. Ao sul do rio Kwanza, o Ndongo; ao norte do Congo, Loango Kakongo. Outros destaques: à leste do Reino do Congo, Kouba e Lunda; a noroeste do Lago Vitória, Kitara; a oeste do Lago Niassa, Maravi; ao sul do Lago Niassa, Lundu; e na região do Rio Zambeze, Monomotapa. No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de 0 a 450 quilômetros.

Elaborado com base em dados obtidos em: dubí jórj. Atlas historique mondial Paris: Larousse, 2003. página 216.

Ícone. Sugestão de vídeo.

ATLÂNTICO Negro: na Róta dos Orixás. Direção: Renato Barbieri. Brasil, 1998. Duração: 75 minutos. O documentário aborda as relações entre Brasil e África, tendo como foco a religiosidade.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

1. No português do Brasil, há muitas palavras originadas do quimbundo, uma das línguas bantas mais faladas na África. Observe algumas delas a seguir, com o nome original entre parênteses. Anote em seu caderno o significado das palavras que você conhece. Depois, consulte um dicionário e descubra o significado das demais palavras.

bobó (mbombo) — canjica (kanjika) — cabaça (kabása) — curinga (kuringa) —gingar (kujinga) — jiló (njilu)  maxixe (maxixi) — minhoca (nhoka) —moleque (muleke) — quibebe (kibembe) —quitanda (kitanda) — tutu (kitutu)

2 . O texto a seguir trata da Lei nº 10 639, de 2003, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas do Brasil (em todos os estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio).

reticências o movimento negro passou a exigir do sistema educacional formal o reconhecimento e a valorização da história dos descendentes de africanos e o respeito à diversidade, identificando na educação a possibilidade de se construir uma identidade negra positiva. É um esfôrço que visa não apenas mudar o branco, mas o próprio negro, por meio do fortalecimento de sua identidade étnica e autoestima.

MACHADO, Sátira. Perguntas frequentes sobre a Lei /. In: MACHADO, Sátira. Blog Criança e Negritude. Viamão, 8 janeiro 2003. Disponível em: https://oeds.link/mciMzQ. Acesso em: 25junho 2022.

  1. Explique a importância da Lei nº 10 639 para a sociedade brasileira como um todo.
  2. Retome os conhecimentos que você adquiriu neste Capítulo e identifique pelo menos três exemplos que contribuem para a construção de uma identidade negra positiva.

3. Como estudamos, os primeiros contatos entre o Reino do Congo e os portugueses ocorreram no século quinze. Leia mais sobre esse assunto no texto a seguir.

Quando os portugueses chegaram ao reino do Kongo [Congo] encontraram um sistema de mercados rotativos e uma moeda nacional (nizimbu) perfeitamente implantada em todo o território. Foi por isso bastante simples iniciar uma relação comercial com este povo.

Os primeiros produtos trocados foram essencialmente cobre e marfim, mas rapidamente os portugueses passariam aos escravos. Este interesse pela mão de obra escrava foi aumentando, criando uma demanda cada vez maior, fazendo com que se desenvolvesse uma rede de compra e venda de mão de obra escrava cada mais estruturada.

BARREIRA, João do Nascimento Marques. Rede de caminhos no Reino do Kongo. 2018. Dissertação (Mestrado em Arqueologia e Território) – Universidade de Coimbra, Portugal, 2018. volume um. página 20. Disponível em: https://oeds.link/wPCUPb. Acesso em: 2 fevereiro 2022.

  1. Segundo o texto, por que, para os portugueses, iniciar relações comerciais com o Reino do Congo foi algo simples?
  2. Qual era o nome da moeda utilizada no Reino do Congo?
  3. Que produtos eram adquiridos pelos portugueses no Reino do Congo a partir do século quinze?

Nesta obra, Alberto da Costa e Silva traça um panorama da história do continente africano, reunindo e analisando fragmentos de histórias orais, transcrições de época e relatos de viajantes, estudiosos e linguistas.

Ícone. Ilustração do globo terrestre circundado por uma linha amarela, simulando a trajetória da Lua em torno do planeta, indicando a seção Ser no mundo.

Ser no mundo

Multiculturalismo.

Quilombolas brasileiros visitam a África

Nesta Unidade, você percebeu que conhecer a história e a cultura dos povos africanos é uma fórma de compreender a diversidade cultural brasileira. Os diferentes povos africanos trazidos ao Brasil na condição de escravos, entre os séculos dezesseis e dezenove, tiveram papel fundamental na formação de nossa sociedade.

Muitos escravizados de origem iorubá trazidos para o Brasil vieram da região onde hoje se localiza o Benin. Logo após a abolição da escravidão no Brasil, em 1888, alguns afrodescendentes brasileiros voltaram para a África, levando consigo diversas influências culturais brasileiras. Ao se estabelecerem no Benin, esses afrodescendentes regressados formaram comunidades e ficaram conhecidos como agudás.

E você sabia que aqui, no Brasil, a história dos agudás foi relembrada e valorizada no ano de 2011? Naquela ocasião, alguns membros da comunidade religiosa da Casa Fanti na cidade de São Luís, no Maranhão, viajaram ao Benin. Essa viagem foi parte de um projeto artístico chamado Pedra da Memória, que pretendia valorizar e expor manifestações culturais do Brasil e do Benin, mostrando o diálogo que ocorre entre esses dois países. O projeto deu origem a um livro, um documentário e exposições fotográficas.

Fotografia. Vista de local aberto. No centro, escadaria de cor marrom clara, vista de baixo para cima em toda sua extensão, com degraus largos e baixos, onde há um homem visto de costas, subindo, vestido com camisa de manga curta e calça estampada ambas de cor azul com detalhes em amarelo. À esquerda e à direita da escadaria, casas de paredes de cor de terracota com vigas em bege. À esquerda, uma escultura vista lateralmente, feita de ferro, com o formato de uma mulher segurando uma chave grande. Ao fundo, árvores com folhas  verdes. No alto, o céu azul claro sem nuvens.
Escadaria com arquitetura tradicional em Pôrto Novo, no Benin. Fotografia de 2019.

Pedra da Memória teve como proposta uma investigação estética entre os gêneros tradicionais cultivados no Brasil e no Benin (África Ocidental), revelando seus vínculos e particularidades. O projeto promoveu um diálogo entre a cultura dos dois países, ao levar às comunidades de culto vodun no Benin uma comitiva da Casa Fanti Axânti.

reticências

Esse contraponto, na outra margem, se evidencia na cultura dos Agudás, que hoje representam 10% da população do Benin. A influência brasileira lá é surpreendente e pouco conhecida. reticências

O Brasil está presente na arquitetura, culinária, língua e diversos outros aspectos culturais do país africano. Cultivando há mais de um século, com impressionante dedicação, as tradições de seus antepassados como o Carnaval, a Festa do Senhor do Bonfim e a Burrinha (aparentada ao Bumba meu boi), os Agudás se consideram brasileiros, e invertem desconcertantemente nossa noção de ancestralidade.

PEDRA da Memória: diálogos Brasil Benin. Disponível em: https://oeds.link/Vv7nmO. Acesso em: 2 fevereiro 2022.

Fotografia. Em um local fechado de paredes de cor bege claro com janelas em forma de arco, dezenas de pessoas, a maioria mulheres, em pé, em uma fia formada num corredor entre cadeiras de madeira. Há também um homem em pé tirando fotografias (à esquerda) e outro, idoso, sentado sobre uma cadeira (à direita). À frente, três mulheres usando turbantes brancos, vestidas com blusas brancas (uma usa uma blusa de renda, as outras duas usam blusas brancas estampadas) e saia longa (uma com uma saia azul, as outras duas com saias brancas, todas elas com estampas de folhas amarelas, verdes e azuis). As mulheres usam colares ao redor do pescoço e brincos. Duas delas, à esquerda, usam faixas verdes cruzadas sobre o corpo. Nas faixas está escrito em amarelo: 'Nosso Senhor Do Bonfim'. A mulher, à esquerda, está à frente das demais. Ela olha para a câmera, usa óculos, está com os lábios abertos, sorrindo e cantando, e segura na mão esquerda, uma bacia redonda azul clara com duas garrafas de bebida dentro. Ao fundo, há outras mulheres com vestes semelhantes, mas com a cabeça descoberta. O fundo está desfocado.
Missa de agudás para o Nosso Senhor do Bonfim, em Pôrto Novo, no Benin, em 2011. Essa tradicional missa, realizada sempre no final do mês de janeiro, é celebrada nos mesmos moldes que a missa ao Nosso Senhor do Bonfim que ocorre em Salvador, na Bahia. Esse é mais um exemplo que mostra a presença da influência afro-brasileira no Benin.
Fotografia. Vista de local aberto, com uma construção em destaque, vista frontalmente, uma grande mesquita em um patamar mais elevado que a rua. Em tons de marrom (nas laterais) e amarelo (no centro), ela possui duas torres laterais e uma fachada elevada com um frontão em forma de triângulo. À frente, cinco portas de entrada, em forma de arco, acessíveis por uma escadaria lateral. As torres são simétricas, e possuem três pavimentos, cada um com uma pequena janela em formato de arco. Em primeiro plano, a rua onde há um homem caminhando e outras duas pessoas: uma em uma moto, outra em pé, ao lado da moto.  À esquerda e à direita, vista parcial de outras construções. No alto, o céu azul claro sem nuvens.
A Grande Mesquita de Pôrto Novo, em Benin, de estilo barroco, foi construída por retornados brasileiros, conhecidos como agudás. Fotografia de 2021.
  1. Considerando a viagem que os membros da comunidade religiosa do Maranhão fizeram ao Benin, elabore um texto sobre a importância da preservação da cultura africana para os afro-brasileiros.
  2. Os agudás são afro-brasileiros regressados ao Benin. Segundo o texto, quais foram as influências mais marcantes dessas comunidades no país africano? Cite também algumas das manifestações culturais afro-brasileiras praticadas até os dias de hoje no Benin.
  3. Na sua opinião, por que a relação que os agudás estabelecem com o Brasil e a cultura afro-brasileira é importante para a construção de suas memórias e identidades?

Glossário

Goma
Seiva translúcida e viscosa produzida por algumas espécies de árvores.
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Âmbar
Resina fóssil de cor amarelada encontrada em solos aluviais. É utilizada na fabricação de objetos ornamentais, como joias.
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Atabaque
Instrumento de percussão usado em danças e cerimônias (religiosas ou profanas) africanas e afro-brasileiras.
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Suaíli
População que se desenvolveu nas ilhas e na costa oriental da África a partir do séculodoze. Tinha como principais atividades a agricultura, a pesca e o comércio. Por meio do comércio com os árabes, os suaílis converteram-se ao islã.
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