UNIDADE sete A EXPANSÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA
Ao longo dos séculos dezesseis e dezessete, houve uma significativa expansão do território colonial da América portuguesa. Os domínios dos colonizadores, que até então estavam concentrados no litoral, começaram a se deslocar para o interior. A configuração do atual território brasileiro é resultado do processo de expansão iniciado nesse período. Contribuíram para isso a diversificação das atividades econômicas e a realização de expedições conhecidas como bandeiras.
Porém, a expansão territorial impactou na vida dos povos indígenas, que desde o início da colonização foram obrigados a se refugiar em locais mais distantes do litoral. A violência contra eles e o avanço sobre suas terras prosseguiram ao longo dos séculos seguintes.
Você imagina como era, entre os séculos dezesseis e dezessete, adentrar os caminhos do interior do imenso território que hoje fórma o Brasil? Como os colonos fizeram para transpor as matas fechadas e os rios ainda pouco conhecidos sem o auxílio dos povos nativos?
Você estudará nesta Unidade:
O impacto das ações missionárias jesuíticas para os indígenas
A expansão da ocupação e dos limites territoriais da América portuguesa
O papel dos bandeirantes na integração territorial da colônia
A violência dos bandeirantes contra os indígenas
A crise econômica da metrópole portuguesa
As revóltas coloniais
CAPÍTULO 16 OS JESUÍTAS NA AMÉRICA PORTUGUESA
A ordem religiosa dos jesuítas foi um importante instrumento para a expansão do Império Português e da Igreja católica na América.
A Companhia de Jesus, criada em 1534 por um grupo de estudantes liderado por Inácio de loióla, obteve reconhecimento oficial do papa em 1540. Desde então, os jesuítas se engajaram no projeto colonizador, desenvolvendo ações missionárias com as populações nativas da Ásia, da África e da América.
Liderados pelo padre Manuel da Nóbrega, os primeiros jesuítas chegaram à América portuguesa em 1549 com a comitiva de Tomé de Sousa, governador-geral do Brasil. Eles tinham a missão de catequizar as populações indígenas e os filhos dos colonizadores. Estabeleceram-se, inicialmente, no litoral da capitania da Bahia, na vila de São Vicente e em áreas do atual estado do Rio de Janeiro, onde fundaram colégios que eram mantidos com os recursos da Coroa e tinham como principais objetivos a educação dos colonos e a formação de novos padres.
A catequização dos indígenas
Os jesuítas desenvolveram um intenso esfôrço de catequização dos indígenas da colônia. Por meio, principalmente, do teatro e da música, eles ensinavam os sacramentos católicos para esses povos.
Nesse trabalho evangelizador, destacou-se o padre José de Anchieta, missionário que chegou à América portuguesa em 1553, aos 19 anos de idade. Na década de 1570, ele compôs várias peças religiosas que eram representadas nas aldeias por meio de músicas e cantos. As encenações eram feitas sobretudo por crianças indígenas, que, segundo Anchieta, seriam as responsáveis pelo êxito missionário.
Os aldeamentos jesuítas
Para converter os povos nativos ao catolicismo, os jesuítas iniciaram, em várias partes da colônia, a organização de aldeamentos autossuficientes chamados missões ou reduções. Nesses aldeamentos, os jesuítas procuravam convencer os indígenas a adotar o modo de vida cristão e a adoração a um só deus, deixando de lado a nudez, o politeísmo, as práticas poligâmicas, enfim, seus costumes ancestrais.
Os jesuítas expandiram as missões para o sertão, atingindo, no norte da colônia, os atuais estados do Ceará, do Pará e do Maranhão. Na região da capitania de São Vicente (depois nomeada São Paulo), dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai (região conhecida como Bacia do Prata) e ao longo do rio Amazonas foram estabelecidos muitos aldeamentos, alguns dos quais chegavam a reunir milhares de indígenas.
Nas missões, os indígenas eram submetidos a uma rígida disciplina de oração e trabalho. Eles praticavam o artesanato, a agricultura, a caça, a pecuária e a coleta e, nos aldeamentos situados na região amazônica, também exploravam as “drogas do sertão”. Como aprenderam a técnica da metalurgia, em alguns aldeamentos começaram a produzir artefatos de metal, como anzóis e facas. Além disso, nas oficinas das missões, fabricavam instrumentos musicais, adornos e esculturas para as residências e as igrejas.
O impacto para os indígenas
A colonização portuguesa e a ação missionária dos jesuítas causaram profundos impactos aos povos indígenas. Os missionários impunham aos indígenas um modo de vida cristão e condenavam suas práticas e crenças religiosas. Além disso, a catequização abalava a estrutura social e cultural desses povos por meio de diversos mecanismos, como o da desvalorização do papel dos pajés e de seus costumes, assim como o da substituição de suas moradias e atividades cotidianas. Por isso, os indígenas buscaram resistir às imposições dos colonizadores e manter suas formas de organização e tradições.
Os aldeamentos jesuítas, por outro lado, serviam de proteção aos indígenas contra os exploradores interessados em escravizá-los. No entanto, a permanência dos nativos nas missões gerava o risco do contato com doenças trazidas pelos europeus, até então desconhecidas na América. A proximidade com os europeus no dia a dia e o agrupamento de indígenas de várias aldeias dentro das missões tornavam o risco de contágio ainda maior. Na capitania da Bahia, entre 1562 e 1563, por exemplo, cêrca de 30 mil indígenas aldeados morreram vítimas da varíola.
Resistências
Um exemplo de resistência indígena foi o movimento Santidade do Jaguaripe, que ocorreu na Bahia, no final do século dezesseis. O movimento foi liderado por um pajé tupinambá que, com o objetivo de revigorar as crenças do seu povo, criou uma cerimônia religiosa que reunia elementos da mitologia tupinambá e do cristianismo. Ele dizia ser o verdadeiro “papa” e a reencarnação de Tamandaré, um ancestral tupinambá. O movimento foi desmantelado pela Coroa portuguesa.
Os conflitos entre jesuítas e colonos
Na América portuguesa, houve inúmeros conflitos entre jesuítas e colonos pelo contrôle das populações indígenas. Enquanto os colonos visavam explorar a mão de obra indígena por meio da escravização, os jesuítas buscavam convertê-los ao cristianismo e transformá-los em “bons cristãos”. As missões jesuítas instaladas em diversas regiões contribuíram para a expansão territorial da colônia.
A grande presença de indígenas no norte da colônia atraiu muitos missionários, principalmente franciscanos e jesuítas. A exploração das “drogas do sertão” na região representou grandes possibilidades comerciais. Além disso, a catequização dos indígenas era vista pela Coroa portuguesa como uma fórma de garantir a posse da região por meio da “pacificação” de grupos hostis, que se tornariam aliados na luta contra outros invasores, como ingleses, franceses e holandeses.
Em 1653, colonos no atual Pará, temendo que os jesuítas impedissem a escravização dos nativos, pressionaram para que eles não fossem aceitos na região. No atual Maranhão, o conflito entre jesuítas e colonos provocou a expulsão dos religiosos em 1654, durante a Revolta de Beckman (como estudaremos mais adiante, no Capítulo 18). Em 1686, os jesuítas puderam voltar, mas os conflitos perduraram até a expulsão definitiva, em 1759.
Na atual região Sudeste a disputa entre jesuítas e colonos também foi acirrada. Entre 1639 e 1640, as violentas reações dos colonos nas atuais cidades de Rio de Janeiro, Santos e São Paulo culminaram com a expulsão dos jesuítas, que só retornaram em 1653.
AMÉRICA PORTUGUESA (século dezoito): PRESENÇA DA IGREJA CATÓLICA
Fonte: VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico: geral e Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. página 105.
A Colônia de Sacramento
Preocupada com a manutenção de sua colônia americana, a Coroa portuguesa buscou ampliar suas fronteiras, principalmente no sul, onde os conflitos com os espanhóis eram frequentes. Assim, em 1680, foi fundada a Colônia de Sacramento (atual cidade de Colônia, no Uruguai).
A fundação da Colônia de Sacramento representou uma ameaça ao monopólio espanhol na região platina. Por isso, a região foi intensamente disputada entre portugueses e espanhóis, levando as duas Coroas a assinarem vários tratados com o intuito de definir a posse desse território.
Em 1750, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri. Por esse acôrdo, a Colônia de Sacramento passou ao domínio espanhol. Em contrapartida, Portugal assegurou a posse das terras na Amazônia e na região dos Sete Povos das Missões, no atual estado do Rio Grande do Sul. Contudo, os jesuítas espanhóis e os indígenas guarani que viviam em Sete Povos das Missões se recusaram a abandonar a área. Assim, entre 1754 e 1756, a região foi palco da chamada Guerra Guaranítica, que terminou com a derrota dos indígenas e de seus aliados jesuítas.
Com a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata em 1816, a região retornou ao domínio espanhol. Mas logo depois houve uma invasão comandada por um general português que procurou restabelecer o domínio territorial. Em 1821, a região é nomeada Província Cisplatina e anexada oficialmente ao território português. Entre 1825 e 1828, desencadeou-se a Guerra Cisplatina, pelo contrôle da região, que resultou em sua independência e na formação da República Oriental do Uruguai.
A educação jesuítica no Brasil colônia
A Companhia de Jesus utilizou o ensino em sua tarefa missionária de “salvação das almas”. Em 1551, o jesuíta Inácio de Loyola, em uma carta endereçada a toda a Companhia, recomendou a criação de colégios nos locais em que os jesuítas estivessem estabelecidos. A partir de então, as escolas elementares e os colégios se difundiram pela colônia.
Os primeiros colégios jesuítas eram pequenas construções muito simples, frequentados principalmente por filhos de colonos e, em menor escala, por indígenas e órfãos. O ensino nos colégios jesuítas procurava seguir o padrão das escolas de Portugal. Os padres priorizavam a formação humanista, que abrangia conhecimentos nas áreas de gramática, retórica, música e poesia. Também eram oferecidos estudos de ciências, exercícios físicos e aulas de comportamento social. O principal objetivo era formar “bons cristãos”.
Os padres ensinavam durante dez horas por dia: cinco horas no período da manhã e cinco à tarde. As lições eram dadas em latim. Aos sábados, os estudantes participavam das chamadas sabatinas, uma avaliação do que foi aprendido ao longo da semana.
Já a educação indígena era realizada nas missões. Para possibilitar a catequese, os jesuítas realizavam encenações, aprendiam as línguas nativas e elaboravam dicionários e gramáticas dos idiomas indígenas para melhor se comunicar com os nativos. José de Anchieta, por exemplo, além de ter elaborado várias peças que eram encenadas nos aldeamentos, escreveu a primeira gramática da língua tupi.
Atividades
Faça as atividades no caderno.
- Quais eram os objetivos e as características da atuação da Companhia de Jesus na América portuguesa? Pode-se dizer que a Coroa apoiava a ação dos jesuítas? E os colonos?
- Como as missões jesuítas contribuíram para a expansão territorial da América portuguesa?
- Leia a seguir um trecho escrito pelo padre jesuíta José de Anchieta em que descreve o trabalho missionário de conversão e educação dos indígenas. Depois, responda às questões:
Temos uma grande escola de meninos índios, bem instruídos em leitura, escrita e em bons costumes, os quais abominam os usos dos seus progenitores. reticências
Ocupamo-nos aqui em doutrinar este povo, não tanto por este, mas pelo fruto que esperamos de outros, para os quais temos aqui abertas as portas.
ANCHIETA, José de. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933. página79.
- Como o padre jesuíta José de Anchieta descreve os indígenas da escola de meninos?
- Identifique alguns ensinamentos transmitidos pelos padres aos indígenas e qual seria a função da ação missionária jesuíta segundo José de Anchieta.
- Cite algumas fórmas de resistência indígena ao longo da colonização portuguesa.
- Compare os mapas a seguir e depois responda às questões. No mapa 1 é possível observar os territórios coloniais das Américas portuguesa e espanhola em 1765; no mapa 2, parte dos territórios que constituem os países da América do Sul na atualidade.
Fonte: FERREIRA, Graça Maria L. Atlas geográfico: espaço mundial. quinta edição São Paulo: Moderna, 2019. página 75.
- Os limites territoriais ao sul do Brasil mudaram de 1765 aos dias de hoje?
- Podemos dizer que o Brasil ampliou ou diminuiu sua extensão territorial de 1765 até a atualidade?
CAPÍTULO 17 A EXPANSÃO para o interior
A partir do final do século dezesseis e do início do século dezessete, as atividades realizadas na colônia começaram a se diversificar, impulsionando a ocupação de áreas mais distantes do litoral. Com isso, os limites territoriais da América portuguesa avançaram cada vez mais em direção ao continente, superando a demarcação do Tratado de Tordesilhas.
A pecuária, que se desenvolveu, a princípio, no interior da atual região Nordeste, passou a ser realizada também ao sul da colônia, contribuindo para a consolidação de um mercado interno de abastecimento das vilas e das cidades coloniais e para a expansão da ocupação do território.
Os bandeirantes também tiveram um papel importante na expansão do território colonial. Eles descobriram passagens, abriram caminhos, reconheceram e exploraram recursos naturais, adentrando regiões distantes e até então desconhecidas pelos colonos.
De início, as expedições, chamadas bandeiras de apresamento, tinham como objetivo a captura de indígenas para trabalharem como escravos nas lavouras paulistas. Muitos nativos foram mortos em conflitos e em decorrência das árduas condições que lhes eram impostas. Depois, expedições que utilizavam trajetos fluviais, chamadas de monções, começaram a ser organizadas para explorar as riquezas do território, entre outras finalidades. Por meio dessas expedições os bandeirantes chegaram a descobrir ouro na região onde atualmente está localizado o estado de Mato Grosso.
A pecuária
Inicialmente, o gado era criado perto dos engenhos de açúcar. Para não comprometer as terras destinadas à grande lavoura de açúcar no litoral, a Coroa incentivou o deslocamento do gado para o interior.
O gado do sertão nordestino espalhou-se pela região do rio São Francisco até as terras dos atuais estados da Paraíba, do Rio Grande do Norte, do Ceará, do Piauí e do Maranhão. Ele era criado solto, em grandes extensões de terra, por trabalhadores livres remunerados (que podiam ser indígenas, mestiços ou escravizados libertos).
No século dezoito, as criações de gado da região passaram a abastecer todo o litoral nordestino. Os rebanhos percorriam longas distâncias, das fazendas até as feiras, onde eram comercializados. Ao final do trajeto, que incluía áreas com escassez de água e comida, o gado chegava magro e fornecia pouca carne.
A pecuária no sul da colônia
Até o século dezessete, o sul da colônia era habitado por povos indígenas, e os limites entre as Américas portuguesa e espanhola eram mal definidos. Nessa região, o gado também era criado solto e ocupava grandes extensões de terra. Aos poucos, a pecuária foi sendo organizada no interior das fazendas.
A criação de bois voltava-se, sobretudo, para a produção de couro. No final do século , dezoito desenvolveu-se também a produção de charque (carne salgada e sêca ao sol) e depois a criação de cavalos e mulas. Os animais eram utilizados para o transporte de pessoas e mercadorias e comercializados em outras regiões da colônia. A criação de animais possibilitou consolidar um próspero mercado em diversas localidades e a ocupação do sul da América portuguesa.
A expansão da pecuária (séculos dezesseis- dezoito)
Fonte: VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico: geral e Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. página 102.
Bandeiras e monções
Assim como a pecuária e as missões jesuíticas, o movimento das bandeiras e das monções cumpriu importante papel na expansão das fronteiras e na ocupação do interior da América portuguesa.
Muitas cidades do nosso país, como Sumidouro ( Minas Gerais), Sabará ( Minas Gerais), Cuiabá ( Mato Grosso) e Camapuã ( Mato Grosso do Sul), surgiram em decorrência das bandeiras e das monções. Naturais de São Paulo os bandeirantes partiam em direção ao interior da colônia através de longas trilhas abertas nas matas e por meio de rios navegáveis, como o Tietê.
As principais atividades desenvolvidas na vila de São Paulo até o século dezessete eram a criação de animais e a agricultura voltada para o mercado interno. Os paulistas cultivavam fundamentalmente o trigo, mas também se dedicavam às lavouras de cana, milho, algodão, feijão e mandioca. Quase todo o trabalho era executado por indígenas escravizados.
Com o principal objetivo de suprir a constante falta de mão de obra nas lavouras, os paulistas começaram a organizar expedições rumo ao interior da colônia a fim de capturar indígenas para serem comercializados como escravos. Em suas incursões, também buscavam metais e pedras preciosas; mas, até o final do século dezessete, a captura de indígenas foi o interesse central dos paulistas.
Nas expedições de apresamento, os colonos, seguindo um costume dos indígenas Tupi, erguiam uma bandeira em sinal de guerra. Por isso, os integrantes dessas expedições foram chamados bandeirantes. As bandeiras de apresamento, como ficaram conhecidas, eram organizadas e financiadas principalmente por particulares, mas algumas também obtiveram recursos da Coroa portuguesa.
RIBEIRO, Regina Helena de A.; LOCONTE, Wanderley. Bandeirantes. São Paulo: Saraiva, 2014. Com base na história fictícia de um jovem de quatorze anos que vivia na vila de São Paulo de Piratininga do século, o livro fala sobre as bandeiras e as ações dos bandeirantes. dezessete
Rumo ao interior da colônia
A quantidade de pessoas que compunham as bandeiras podia variar de algumas dezenas até milhares de homens. Em geral, o grupo que compunha uma bandeira era formado por indígenas escravizados liderados por descendentes de portugueses ou mestiços, filhos de colonos e indígenas.
Ao longo das viagens, os bandeirantes carregavam mantimentos para alguns meses. As condições, no entanto, eram precárias. Muitas vezes, eles abriam clareiras nas matas para cultivar roças, além de complementar a alimentação com a caça, a pesca e a coleta de vegetais.
O alvo principal das bandeiras paulistas eram as missões jesuíticas, onde havia grande concentração de nativos. Alguns historiadores acreditam que os bandeirantes preferiam capturar indígenas que viviam nas missões porque eles já estariam habituados ao regime de trabalho estabelecido pelos jesuítas, voltado para a produção de excedentes. Outros defendem que o principal alvo dos paulistas eram os indígenas guarani, que viviam nas missões ou nas aldeias, porque eram eficientes agricultores.
Os ataques contra as missões provocaram diversos conflitos entre colonos e jesuítas. De um lado, os jesuítas, contrários à escravização dos indígenas, acusavam os colonos de prejudicar o trabalho de evangelização dos nativos. De outro, os colonos responsabilizavam os jesuítas pela falta de mão de obra na lavoura, acusando-os de utilizar o trabalho dos indígenas em suas propriedades e privá-los desse benefício.
Expedições bandeirantes (1550-1720)
Fonte: MONTEIRO, Djón Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. página 13.
Ler o mapa
• De que fórma as bandeiras contribuíram para a expansão do território da América portuguesa? Explique, identificando os caminhos das expedições de apresamento de indígenas representadas no mapa.
O movimento das monções
No início do século dezoito, as viagens dos bandeirantes, que antes ocorriam principalmente a pé, passaram a ser realizadas por caminhos fluviais. A palavra “monção”, de origem árabe, que significa vento ou época do ano favorável à navegação, foi utilizada para nomear essas viagens porque as cheias ou as vazantes dos rios definiam a melhor época para que elas acontecessem.
As monções podiam ser organizadas com fins comerciais, científicos, exploratórios ou militares, mas todas elas utilizavam as bacias dos rios Paraná e Paraguai para atingir os sertões. As expedições partiam de Araritaguaba (hoje o município paulista de Pôrto Feliz) e, em canoas, desciam pelo rio Tietê até atingir o rio Paraná. De lá, alcançavam o rio Cuiabá, terminando a viagem na Vila do Bom Jesus do Cuiabá (atual Cuiabá, capital de Mato Grosso), região onde foram descobertas minas de ouro.
As frotas, no período de auge das minas de Mato Grosso, chegavam a reunir entre trezentas e quatrocentas canoas. Elas transportavam mantimentos, artigos de luxo, armas, munições, tecidos, instrumentos agrícolas e escravizados africanos, que eram vendidos em pequenos núcleos urbanos, nos povoados e nas vilas do interior. Na viagem de volta, as embarcações traziam principalmente ouro e peles.
Ao penetrar no sertão, as monções, assim como as bandeiras, contribuíram para o surgimento de pousos e vilarejos ao longo do caminho, locais que serviam para o descanso e o abastecimento dos exploradores paulistas.
Documento
Os bandeirantes na pintura histórica do Brasil
Alguns artistas do final do século dezenove e do início do século vinte representaram os bandeirantes como homens bem trajados, imponentes e de traços europeus. O objetivo era transformá-los em heróis do estado de São Paulo e do Brasil, enaltecendo sua bravura e capacidade de liderança como corajosos desbravadores.
Alguns historiadores, no entanto, apontam outras características dos bandeirantes. Segundo eles, esses exploradores eram descendentes de portugueses ou indígenas, sendo muitos deles mestiços, andavam frequentemente descalços, tinham aparência maltratada por causa da fome e foram grandes protagonistas da dizimação das populações nativas do Brasil. Qual pode ter sido, então, o interesse envolvido na exaltação dos bandeirantes?
Entre o final do século dezenove e o começo do século vinte, a atividade cafeeira promoveu o crescimento urbano e a industrialização de São Paulo. Tendo o estado como centro da modernização, da urbanização e do crescimento econômico no Brasil, buscou-se consolidar a imagem do povo paulista como naturalmente forte e vencedor, por meio de sua fusão com o mito do desbravador bandeirante.
- Observe a pintura intitulada Domingos Jorge Velho. A obra, feita por Benedito Calixto, é contemporânea às expedições bandeirantes?
- Que impressões a pintura nos transmite sobre os bandeirantes? Qual seria o objetivo do artista ao representar os bandeirantes dessa fórma?
- Por que nessa época buscou-se caracterizar os bandeirantes como desbravadores representantes do povo de São Paulo?
- Você conhece monumentos e obras públicas que homenageiam os bandeirantes? Se sim, cite exemplos. De que maneira é possível relacionar essas homenagens à pintura de Benedito Calixto?
Assimilação de conhecimentos indígenas
Os exploradores paulistas, das bandeiras ou das monções, garantiram sua sobrevivência pondo em prática muitos conhecimentos transmitidos pelos indígenas. Aprenderam com eles os caminhos e as particularidades das matas brasileiras, a reconhecer a aproximação de animais perigosos, entre outros saberes. A experiência dos nativos também foi usada para localizar água potável e aproveitar o líquido extraído de plantas suculentas, como o umbuzeiro e os cipós.
Além disso, nas guerras e nas caçadas promovidas no sertão, os paulistas fizeram uso do arco e da flecha indígenas, muitas vezes mais eficientes que os arcabuzes e as escopetas europeias, que enferrujavam com a umidade e eram de difícil manejo e transporte. Desenhos feitos por indígenas do curso completo de alguns rios e de seus afluentes serviram de orientação para expedições científicas estrangeiras, revelando que os indígenas tinham grande habilidade cartográfica e conhecimento minucioso da topografiaglossário local.
Nas expedições fluviais (monções), os paulistas assimilaram a técnica indígena de construir canoas com o tronco de uma única árvore, em geral peroba ou ximbaúva, mais duráveis e resistentes. Também adotaram o sistema indígena de navegação, em que um dos tripulantes remava sempre de pé, tradição comum em praticamente toda a América pré-colombiana. A dieta indígena também foi assimilada pelos colonos paulistas. O consumo de milho foi muito importante. Dos grãos, obtinha-se a farinha de milho, base para o preparo de biscoitos e bolos, entre outros alimentos.
REPÚBLICA Guarani. Direção: . Brasil, 1981. Duração: 100 Sílvio Béc . minutos O documentário reconstrói por meio de depoimentos de pesquisadores a história dos indígenas guarani.
O “ressurgimento” dos indígenas no Brasil
Desde a chegada dos portugueses ao território que constituiria o Brasil até a década de 1970, as populações indígenas do país foram reduzidas drasticamente ao ponto de algumas desaparecerem. Contudo, essa situação, felizmente, começou a mudar no final do século passado.
Até os anos 1960, acreditava-se que os povos indígenas do Brasil seriam extintos. No entanto, contrariando esse prognóstico, muitas comunidades reapareceram e passaram a reivindicar o reconhecimento de sua etnia e o direito à terra.
Na década de 1980, a redução da mortalidade infantil e o crescimento da taxa de fecundidade entre os indígenas foi essencial para a mudança desse quadro negativo. Além disso, nas últimas décadas, houve aumento do número de pessoas que se declaram indígenas e de grupos reconhecidos pelo Estado brasileiro como povos indígenas. Ocultar a identidade indígena era um modo de evitar o preconceito, mas diversos grupos, que até então tinham ignorado ou deixado de assumir sua identidade, passaram a reafirmá-la, recuperando ou recriando suas tradições.
Conquista de direitos
A Constituição de 1988 reconheceu a organização social, os costumes, as línguas, as crenças e as tradições dos indígenas brasileiros. Também garantiu a esses povos o direito às terras que tradicionalmente ocupam. Com isso, criou-se um ambiente favorável ao reconhecimento da multietnicidade e multiculturalidade do nosso país.
População indígena no Brasil entre 1500 e 2010 (em mil)
Elaborado com base em dados obtidos em: BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Fundação Nacional do Índio. Índios do Brasil: quem são. Brasília, Distrito Federal: Funai, 12 novembro 2013. Disponível em: https://oeds.link/fEBrUH. Acesso em: 2 fevereiro. 2022.
Ler o gráfico
• Observe o gráfico “População indígena no Brasil entre 1500 e 2010” e responda, em seu caderno, às questões a seguir.
- Repare que, entre 1500 e 1650, as populações indígenas diminuíram. Explique esse dado.
- Em que período as populações indígenas começaram a “ressurgir”? Que fatores explicariam esse acontecimento?
Etnogênese no Brasil
O processo de surgimento ou aumento de um grupo étnico é chamado de etnogênese e se difere do etnocídio, que é a extinção de uma etniaglossário .
Os contextos em que diversos povos indígenas ressurgiram no território brasileiro são bastante distintos, pois expressam as histórias específicas de resistência de cada um deles ao longo do tempo.
Os Náua, por exemplo, são um desses povos. Em 1999, o govêrno notificou os grupos indígenas que viviam na Serra do Divisor, no Acre, que seriam transferidos para outro local próximo em decorrência da criação de um parque nacional. O grupo que se denominou Náua, povo considerado extinto, se recusou a sair do local e reivindicou o reconhecimento de sua etnia e de sua terra. Em 2003, após um acôrdo entre o govêrno e os indígenas, a etnia Náua foi finalmente reconhecida.
Outro exemplo foi o reconhecimento de um grupo de camponeses descendente dos Kalankó, que habitam o Alagoas e que tiveram sua etnia reconhecida na década de 1980. Entre os séculos dezesseis e dezenove, no Nordeste (assim como em outras regiões do país), muitos povos indígenas foram dizimados ou deslocados para longe de suas terras. Somente a partir dos anos 1930, grupos da região voltaram a se declarar indígenas.
Os Charrua, que ocupavam parte dos atuais territórios do estado do Rio Grande do Sul, do Uruguai e da Argentina, tinham sido considerados extintos. Contudo, em 2007, uma comunidade indígena na cidade de Pôrto Alegre se declarou descendente dos Charrua e conseguiu o reconhecimento do Estado brasileiro como etnia indígena remanescente.
Comunidades indígenas “ressurgidas” entre 1990 e 2014
Elaborado com base em dados obtidos em: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 2010 – Características gerais dos indígenas: resultados do universo. Rio de Janeiro: , 2012. Disponível em: í bê gê É https://oeds.link/F1SVxa. Acesso em: 2 fevereiro 2022.
Atividades
Faça as atividades no caderno.
- Como a pecuária contribuiu para a expansão territorial da América portuguesa?
- Sobre as bandeiras e monções, responda.
- Quais eram os principais objetivos das expedições bandeirantes em direção ao interior do território?
- Por que era comum a escravização de indígenas na vila de São Paulo até o final do século dezessete?
- Que motivos levaram os bandeirantes a ter predileção por capturar indígenas que viviam em missões jesuítas? Explique.
- No século dezessete, um padre francês registrou, em uma aldeia no Maranhão, o discurso de um chefe indígena tupinambá chamado Momboré-uaçu, que questionava a atuação dos portugueses. Leia o relato a seguir com um colega e depois respondam às questões.
Vi a chegada dos peró [portugueses] em Pernambuco e Potiú reticências. De início, os peró não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência. Nessa época, dormiam livremente com as raparigas, o que nossos companheiros de Pernambuco reputavam grandemente honroso. Mais tarde, disseram que nos devíamos acostumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificarem cidades para morarem conosco. E assim parecia que desejavam que constituíssemos uma só nação. Depois, começaram a dizer que não podiam tomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes permitia possuí-las por meio do casamento e que eles não podiam casar sem que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários paí [padres]. Mandaram vir os paí; e estes ergueram cruzes e principiaram a instruir os nossos e a batizá-los. Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim, se viram os nossos constrangidos a fornecer-lhos. Mas não satisfeitos com os escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade a trataram, que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar a região.
Dábevile, Clúde. História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas. Tradução Sérgio Miliê. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1945. página115.
- Como Momboré uaçú descreve a atuação inicial dos portugueses em Pernambuco?
- Segundo o relato, como os portugueses começaram a agir mais tarde em relação aos indígenas?
- Como os indígenas reagiram à tirania e à crueldade dos colonizadores?
- Observe novamente o mapa “Comunidades indígenas 'ressurgidas' entre 1990 e 2014” reproduzido no Capítulo. Quais estados concentraram o maior número de etnias indígenas ressurgidas?
- Leia o texto a seguir e responda às questões.
A maior concentração do povoamento é na faixa costeira; mas esta mesmo largamente dispersa. O que havia eram núcleos de maior ou menor importância distribuídos desde a foz do rio Amazonas até os confins do Rio Grande do Sul. reticênciasTrês daqueles núcleos são de grande importância: concentram-se em tôrno de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Dois outros seguem num segundo plano: Pará e Maranhão.
Para o interior, a irregularidade do povoamento é muito maior. O que encontramos são apenas manchas demográficas, largamente dispersas e distribuídas, à primeira vista, sem regra alguma. No Extremo-Norte (na Amazônia), vimos o povoamento infiltrar-se ao longo dos cursos dágua numa ocupação linear e rala. No sertão nordestino são as fazendas de gado que concentram a população nas regiões de maiores recursos naturais, em particular da água, tão escassa neste território semiárido. Finalmente para o sul, o povoamento quase desaparece no planalto interior para ir reaparecer no Extremo-Sul onde se localizam as estâncias de gado do Rio Grande.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1971. página 101-102.
- Para o autor, quais eram os núcleos com maior concentração de povoamento no Brasil colonial?
- Quais núcleos de povoamento eram mais irregulares e dispersos?
CAPÍTULO 18 A CRISE NO IMPÉRIO E AS REBELIÕES NA COLÔNIA
Na segunda metade do século dezessete, uma crise econômica afetou diversos países da Europa e, de maneira bastante intensa, Portugal.
A economia portuguesa dependia basicamente do comércio dos produtos procedentes de suas colônias. Porém, o preço do açúcar estava em queda no mercado europeu desde o final do século . dezesseis Expulsos do Brasil em 1654, os holandeses impulsionaram sua agroindústria açucareira instalada no Caribe, que passou a concorrer com o açúcar produzido na América portuguesa. Assim, o preço do açúcar caiu ainda mais e a principal fonte de renda da metrópole deixou de ser tão lucrativa.
Esses fatores contribuíram para que a Coroa portuguesa aumentasse o contrôle sobre todas as atividades econômicas coloniais. Além disso, os portugueses promoveram reformas institucionais e criaram órgãos de fiscalização do comércio e das atividades de exploração das riquezas da colônia. As ações geraram um clima de tensão entre os colonos, bem como insatisfações e revóltas.
A América portuguesa no fim do século dezessete
Em razão dos problemas financeiros enfrentados em Portugal, algumas medidas decretadas na América portuguesa afetaram a vida da população da colônia, como o aumento dos impostos, dos preços das mercadorias que eram trazidas da Europa e das taxas sobre os produtos que eram comercializados. Assim, no final do século dezessete e início do dezoito, as relações entre metrópole e colonos foram marcadas pela intensificação dos conflitos e pelas chamadas revóltas nativistas.
Esses movimentos de resistência expunham contradições entre os interesses dos representantes da metrópole e os dos colonos. Mas não existia entre os rebeldes uma consciência de ser “brasileiro”, pois ainda não havia sido consolidada uma ideia de identidade nacional ou um desejo de romper com Portugal. Os rebeldes se identificavam com os interesses dos grupos locais.
Segundo as historiadoras Lilia M. Chuárquis e Heloísa M. istárlin, diante das manifestações dos colonos, a Coroa portuguesa criou um vocabulário especial para designar o tipo de revolta e as punições específicas para cada caso:
No vocabulário da época, o emprêgo do termo “insurreição” designava uma população em cólera e com objetivos concretos e imediatos, à qual por vezes se uniam escravos. “Sedição” era a palavra para definir um ajuntamento de dez ou mais colonos armados que tinham a intenção deliberada de perturbar a ordem pública. Quando esse agrupamento chegava a mobilizar 30 mil pessoas, a coisa mudava de figura: estava instaurada a “rebelião”, um tipo perigosíssimo de evento em que havia ameaça de anarquia ou de guerra civil. reticências A nomenclatura podia variar, mas a natureza dos ajuntamentos era sempre política.
Chuárquis, Lilia M.; istárlin, Heloisa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. página 133.
A crise econômica do Império Português
Durante o século dezessete, a América portuguesa se expandiu para além das fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Tordesilhas (1494). No entanto, a ampliação dos domínios territoriais portugueses na América não significou o seu crescimento econômico. A grave crise que atingia a Europa, especialmente Portugal, tornou a metrópole cada vez mais dependente de sua colônia americana.
A crise que atingia Portugal estava diretamente relacionada à União Ibérica, que, como você estudou no Capítulo 15 deste volume, corresponde ao período em que Portugal e suas colônias estiveram subordinados à Coroa espanhola (de 1580 a 1640). Nesse período, Inglaterra e Holanda, inimigas da Espanha, atacaram muitas colônias portuguesas. Com isso, áreas importantes do Império Português na América foram perdidas e os territórios mantidos passaram a não proporcionar os mesmos lucros do passado. Fundamentalmente o que causou um grande déficit na balança comercial de Portugal foi a queda dos preços do açúcar e do tabaco.
Para agravar a situação, entre 1642 e 1661, a Coroa portuguesa foi pressionada a assinar tratados que concediam à Coroa inglesa vantagens comerciais como compensação pelo auxílio prestado na Guerra de Restauração, empreendida contra a Espanha, que pôs fim à União Ibérica. Com isso, os navios ingleses foram autorizados, a partir de então, a negociar nas colônias de Portugal, competindo diretamente com os comerciantes portugueses.
O aumento do contrôle metropolitano
Para garantir os lucros com o comércio de seus principais produtos agrícolas, a Coroa portuguesa promoveu uma série de reformas administrativas e a reorganização da exploração econômica na América, como o aumento do monopólio metropolitano, o que afetou diretamente os colonos.
Em 1642, foi criado o Conselho Ultramarino, órgão encarregado de ampliar o contrôlesobre os domínios coloniais. Com isso, produtos que antes eram comercializados livremente, como o tabaco, passaram a ser monopólio da Coroa.
Outras instituições criadas por Portugal foram a Companhia Geral de Comércio do Brasil (1649), que obteve o monopólio do comércio, principalmente, do vinho, do azeite, da farinha e do bacalhau, em regiões ao norte e ao sul da colônia; e a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão (1682), encarregada de abastecer os proprietários do Maranhão com escravizados africanos. A companhia também tinha o monopólio de alguns produtos comercializados na região, como trigo, bacalhau e vinho.
Além disso, em 1696, foi decretado o fim da autonomia das Câmaras Municipais, que passaram a ser dirigidas pelos juízes de fóra, agentes diretos do rei. A Coroa incentivou ainda as manufaturas em Portugal e estimulou a organização de expedições em busca de metais e pedras preciosas na colônia.
Todas essas iniciativas revelavam o esfôrço do govêrno português para intensificar o contrôle de seu império ultramarino e, especialmente, de seus domínios americanos, na esperança de solucionar os graves problemas econômicos do reino.
O exclusivo metropolitano
O modêlo de política imperial das metrópoles, desde o século quinze, baseava-se no mercantilismo, isto é, no acúmulo de metais preciosos e na apropriação de riquezas dos domínios coloniais para aumentar o tesouro e o poder das Coroas europeias. O Pacto Colonial, ou “exclusivo metropolitano”, foi um instrumento da transferência sistemática das riquezas das colônias para os Estados europeus. Esse sistema proibia todo tipo de produção manufatureira nas colônias, até mesmo a publicação de livros ou jornais. Dessa fórma, as colônias eram obrigadas a comprar os manufaturados da metrópole.
Com a intensificação do contrôle português e a elevação dos preços dos produtos estrangeiros, o acesso a eles ficou mais difícil para a maioria da população – até mesmo o sal, que era um produto essencial para a conservação e o preparo dos alimentos, se tornou um artigo de luxo. Algumas revóltas eclodiram em decorrência da elevação do preço dessa mercadoria, como a Revolta do Sal, em 1710, na região da atual cidade de Santos.
Em 1703, os acordos entre Portugal e Inglaterra levaram à assinatura do Tratado de Methuen, que abriu uma brecha no sistema do Pacto Colonial. Em troca de proteção militar, Portugal concedeu à Inglaterra vantagens no comércio de suas manufaturas. Os portugueses venderiam vinho aos ingleses, que por sua vez forneceriam seus produtos têxteis, inclusive para a América portuguesa. Esse acôrdo possibilitou ao govêrno da Inglaterra ampliar enormemente os mercados consumidores de seus tecidos, entre outros produtos, e acumular grande volume de capitais, que puderam ser investidos posteriormente na mecanização de suas indústrias. A Inglaterra tornou-se, então, a maior potência europeia.
Os colonos reagem ao contrôle comercial
Diante das manifestações que ocorriam na colônia, o govêrno português passou a temer a desintegração da América portuguesa. Entretanto, nenhuma dessas revóltas propunha a ruptura com Portugal ou questionava a condição colonial.
Em 1640, ocorreu na capitania do Rio de Janeiro um motim em consequência da decisão do papa de declarar livres todos os indígenas da América. No ano seguinte, em São Paulo, onde grande parte da mão de obra era de origem indígena e submetida ao trabalho escravo, os jesuítas se esforçaram para aplicar a decisão papal e acabaram sendo expulsos da vila pela população local, retornando apenas em 1653.
Na mesma época, a população das capitanias do Rio de Janeiro e de São Paulo protestou contra o aumento dos impostos. Essas reações não foram as únicas registradas no período. Em outras regiões, as revóltas envolveram as elites locais e expressavam disputas internas pelo poder.
A Revolta de Bécman (1684-1685)
A falta de mão de obra tornou-se um problema para os colonos do Maranhão. Eles não podiam escravizar os indígenas, pois a prática foi duramente combatida pelos jesuítas e proibida em 1680. Além disso, alguns produtos que eram monopólio da Companhia de Comércio do Estado do Maranhão não chegavam à região, e os preços das mercadorias vindas da metrópole aumentavam constantemente.
Em decorrência dessa situação, em 1684, eclodiu uma revolta liderada pelos irmãos e senhores de engenho Manuel e tômas béquiman, com o apôio dos proprietários de terra. Os revoltosos ocuparam o depósito da Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, prenderam os jesuítas, depuseram o governador e nomearam Manuel Bécman o chefe do novo govêrno.
O movimento foi sufocado pelas fôrças da Coroa. Em novembro de 1685, o líder Manuel Bécman e seu parceiro Jorge Sampaio foram executados; e os outros envolvidos, presos ou condenados ao degredo (exílio imposto aos criminosos).
A Revolta do Maneta (1711)
Disputas entre França e Inglaterra levaram os franceses a atacar Portugal, principal aliado dos ingleses, invadindo sua colônia americana. Os franceses chegaram ao Rio de Janeiro e, para não atacar a cidade, exigiram uma quantia exorbitante em dinheiro, açúcar e bois. Temendo os ataques franceses à colônia, a população da capital, Salvador, reivindicou a organização de uma tropa para combater os franceses. A Coroa decidiu transferir os custos da ação para os colonos, aumentando os impostos sobre o comércio do sal e sobre a compra de escravizados africanos. Insatisfeitos, populares de Salvador, sob a liderança do comerciante João Figueiredo da Costa (conhecido como Maneta), iniciaram o levante. Os revoltosos conseguiram a suspensão temporária dos tributos pagos à Coroa, além da redução do preço do sal. No entanto, as principais lideranças foram punidas com açoite e confisco dos bens.
História Pétquést 22: os Motins do Maneta: série rréchitégui (cerquilha, sustenido) revóltas do Brasil. [Roteiro e locução: Felipe Camargo]. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 30 abril 2021. Podcast. Disponível em: https://oeds.link/e5hQj6. Acesso em: 9 . 2022. No abril podcast, produzido por estudantes do programa de História da Universidade Federal Fluminense, é possível acompanhar uma análise sobre a Revolta do Maneta.
A Guerra dos Mascates (1710-1711)
No início do século dezoito, Recife era um importante centro econômico da capitania de Pernambuco, mas não tinha o título de vila. Os comerciantes que lá moravam ficavam submetidos às decisões tomadas pelos fazendeiros da vizinha Olinda.
Insatisfeitos com a situação, os comerciantes de Recife, chamados de mascates, começaram a exigir participação no govêrno local. Em 1710, por ordem real, Recife foi elevado à categoria de vila.
Afrontados com tal medida, os senhores de engenho de Olinda proclamaram uma revolta armada e marcharam em direção a Recife, dando início ao conflito que posteriormente ficou conhecido como Guerra dos Mascates. Seguiu-se uma série de enfrentamentos, com o apôio das tropas da Coroa, que culminaram na vitória dos mascates e na elevação de Recife a séde da capitania de Pernambuco, em 1711.
Ler a pintura
• Nesta pintura, o artista holandês frãns pôst representou construções e personagens que integravam o cotidiano de um engenho do Nordeste no Brasil colonial. Quais construções e personagens você identifica?
Lugar e cultura
O Estado do Grão-Pará e o Estado do Brasil
Em 1621, com a criação do Estado do Grão-Pará e Maranhão, cuja capital era São Luís, a América portuguesa passou a ter duas unidades administrativas. A outra unidade administrativa, chamada de Estado do Brasil, tinha sua capital em Salvador. É provável que o objetivo dessa divisão fosse incrementar as atividades econômicas e a defesa militar da área, que hoje corresponde a parte das regiões Norte e Nordeste. Somente no século dezenove, o Estado do Grão-Pará e Maranhão foi integrado ao Estado do Brasil.
O tamanho do território do Estado do Grão-Pará e Maranhão variou ao longo do tempo; em sua máxima extensão, abarcou parte do território dos atuais estados de Maranhão, Piauí, Pará, Amazonas, Amapá e Roraima.
A região era produtora de uma ampla variedade de produtos, como arroz, cacau, café, algodão, cravo, canela, urucum e castanha, ao contrário de outras áreas da América portuguesa, que estavam organizadas em grandes propriedades agrícolas monocultoras.
Muitas manifestações culturais se desenvolveram no Estado do Grão-Pará e Maranhão. Um exemplo é o carimbó, um ritmo musical com influências indígenas e africanas, disseminado a partir do século dezesseis. Por ser uma manifestação ainda muito viva e que integra a identidade dos habitantes do atual estado do Pará e do baixo Amazonas, em especial de Santarém, o carimbó recebeu, em 2014, o título de patrimônio cultural imaterial do Brasil.
O termo “carimbó” designa o instrumento musical denominado curimbó, tambor feito de um tronco internamente escavado, onde em uma das extremidades é colocado couro curtido. A palavra carimbó ou korimbó, inclusive, seria fruto da união de duas palavras de origem tupi, curi (madeira, pau oco) e imbó (furado, escavado). reticências
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O tocador do instrumento senta-se em cima do curimbó e, com as mãos, “bate” o tambor com a marcação rítmica característica da manifestação. reticências
FUSCALDO, Bruna Muriel Huertas. O carimbó: cultura tradicional paraense, patrimônio imaterial do Brasil. Funárti. Revista cê pê cê, São Paulo, número 18, página 81-105, dezembro 2014/ abril. 2015. página 83-84.
- Por que o carimbó foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Brasil?
- Quais são as influências culturais do carimbó?
- A palavra “carimbó” relaciona-se com o uso de um objeto que tem papel de destaque nessa manifestação cultural. Explique.
Atividades
Faça as atividades no caderno.
1. Leia o trecho de um documento redigido pelo Conselho Ultramarino em 1712 e enviado ao rei de Portugal, informando o motim deflagrado na colônia, que ficou conhecido como Revolta do Maneta, na Bahia.
Vendo-se neste Conselho a carta inclusa do governador e capitão geral do Estado do Brasil, reticências em que dá conta a Vossa Majestade que poucos dias depois de haver tomado posse daquele govêrno, se alterara o povo daquela praça da Bahia tumultuosamente, com a notícia das novas imposições que Vossa Majestade mandava impor de novo, não querendo aceitar as dos dez por cento das fazendas que fossem deste Reino, nem os seis mil réis em cada escravo que fosse por negócio, para as minas, e da mesma maneira o acrescentamento do preço do sal que Vossa Majestade permitira ao contratador dele reticências.
PARECER do Conselho Ultramarino. In: DOCUMENTOS Históricos: Consultas do Conselho Ultramarino, Rio de Janeiro, Bahia (1721-1725), Pernambuco e outras capitanias (1712-1716). Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1952. volume 96. página 41-42.
- Quais foram os motivos da revolta popular citados no texto?
- De acôrdo com o que você estudou no Capítulo e suas reflexões após a leitura do texto citado, qual era a função do Conselho Ultramarino criado pela Coroa portuguesa?
2. O texto a seguir analisa a situação da economia portuguesa no final do século dezessete. Leia e responda às questões.
A economia portuguesa dependia sobretudo da reexportação do açúcar e tabaco brasileiros, e da exportação dos produtos portugueses – sal, vinhos e frutas – para pagar as importações de cereais, tecidos e outros produtos manufaturados. O valor dessas exportações nunca foi suficiente para pagar o das importações; e a situação da balança de pagamentos portuguesa tornou-se cada vez mais crítica com o aparecimento da produção açucareira das Índias Orientais inglesas e francesas [Antilhas] que começou a competir com a brasileira, mais antiga.
Bóquisser, Chárles . O império marítimo português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, 1994. página 155.
- Segundo o texto, quais eram os principais produtos exportados e importados por Portugal?
- Por que a metrópole não conseguia equilibrar sua balança comercial? O que contribuiu para o agravamento dessa situação?
- A Revolta de Bécman e a Guerra dos Mascates tiveram como objetivo questionar o domínio colonial português no Brasil? Explique.
- Leia o texto a seguir, sobre a Revolta de Beckman. Depois, reunidos em grupos, respondam às questões propostas.
Bequimão contra o monopólio. Em um trecho das sátiras atribuídas a Gregório de Mattos, a situação da carestia colonial diante do regime de comércio aparece com a contundência habitual. Da Bahia, o poeta se interroga: se a frota portuguesa “não traz nada/ Por que razão leva tudo?/ reticências frota com a tripa cheia,/ e povo com pança !”.
Mas foi no Maranhão, com pouco humor e muita violência, que um dos primeiros ensaios da resistência ao monopólio das companhias de comércio foi escrito. reticências
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O protesto armado explodiu na madrugada de 24 de fevereiro de 1648, com planos de, numa só tacada, expulsar os assentistas e os jesuítas e depor o governador e capitão-mor. Os amotinados seguiam “pelas principais ruas, batendo em todas as portas, e agregando a si, bem ou mal armados, os moradores”, segundo o historiador João Francisco Lisboa. Com o apôio da infantaria e dos estudantes, “meninos das escolas”, trancafiaram os jesuítas em seu Colégio, deixando-os sob vigia, e tomaram a “casa do estanco”, prédio que armazenava os gêneros sob monopólio.
FIGUEIREDO, Luciano. Rebeliões no Brasil colônia. Rio de Janeiro: Jorge zarrár, 2005. página 50-51.
- Qual é a crítica contida nos versos do poeta Gregório de Mattos (1636-1696)?
- Segundo o autor do texto, a revolta no Maranhão eclodiu como um episódio de resistência ao monopólio da Companhia de Comércio na região. Explique os motivos da revolta dos colonos em relação ao órgão criado pela Coroa portuguesa.
- Por que os revoltosos do Maranhão se voltaram contra os padres jesuítas?
Ser no mundo
A educação indígena nos dias atuais
Você estudou nesta Unidade alguns aspectos relacionados à catequização dos indígenas e à educação jesuíta estabelecida nos colégios e nas missões. Refletiu também sobre os impactos desse processo na vida, nos costumes e nas tradições indígenas.
Ao longo do tempo, muita coisa mudou. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a educação indígena deveria ser reconhecida e estimulada. Assim, começou a ser desenvolvida uma política educacional diferenciada para os povos indígenas, com escolas em cada comunidade que possibilitam o ensino bilíngue, do português e das línguas indígenas maternas. As crianças indígenas, dessa fórma, podem estudar conteúdos comuns às escolas não indígenas, porém com um currículo específico, que inclui a cultura, os valores e a história do seu povo.
Na Terra Indígena Guarani Tenondé Porã, no bairro de Parelheiros, na cidade de São Paulo, por exemplo, há duas escolas indígenas: uma municipal, que atende crianças de 0 a 6 anos, e outra estadual de ensino Fundamental e Médio. Nessas escolas, os estudantes têm aulas de guarani e de língua portuguesa e estudam o currículo oficial de maneira integrada à cultura e às práticas de seu povo.
Leia, a seguir, o depoimento de um indígena do Parque Indígena do Xingu sobre a sua visão de educação, registrado no começo da década de 1990:
Festa de antigamente, história de antigamente, nós nunca vamos esquecer. A escola mesmo deve ajudar nisso aí, ensinando as crianças a escrever as histórias, porque os velhos vão morrendo e vão levando as histórias. Criançada, rapaziada, conta histórias e a gente escreve, faz livro, lê para as crianças. Aí aprende mais e usa aquilo que já aprendeu; para não esquecer.
SUYÁ, Itoni apud bitêncur, CirceMaria Fernandes; SILVA, Adriane Costa da. Perspectivas históricas da educação indígena no Brasil. In: PRADO, Maria Ligia Coelho; VIDAL, Diana Gonçalves. À margem dos 500 anos: reflexões irreverentes. São Paulo: êduspi, 2002. página 69.
Uma novidade bastante positiva dos dias atuais é que muitos jovens indígenas conseguem dar continuidade a seus estudos e ingressam em universidades. Na década de 2010, o número de indígenas no Ensino Superior (ou seja, em universidades e faculdades) cresceu 695%, de acôrdo com informações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ( Inépi). O acesso dos jovens indígenas ao Ensino Superior pode transformar e enriquecer a realidade indígena e a relação entre indígenas e não indígenas.
Atualmente muitos jovens indígenas têm procurado a formação universitária em diversas áreas como fórma de participar e intervir nas decisões e nos debates públicos da sociedade, defendendo seus direitos e suas culturas. Muitos exemplos podem ser citados, como é o caso de Chikinha Paresi, do povo Paresi. Formada em História, ela desenvolveu seu mestrado em Educação e doutorado em Antropologia Social. Também atua na construção de políticas públicas de educação escolar indígena. Leia o texto a seguir sobre sua trajetória.
Chikinha Paresi orientou sua militância ao campo da educação escolar indígena, como professora e como gestora de políticas públicas. Tornou-se uma das principais referências nacionais na construção de novos paradigmas da educação indígena “específica, diferenciada, bilíngue e intercultural” reticências
Com essa trajetória acumulada, a sua tese de doutorado no Museu Nacional aborda os novos desafios das escolas indígenas diante de um panorama onde houve avanços inquestionáveis na formação de professores indígenas, no protagonismo indígena na gestão e administração escolar, nas dinâmicas do ensino na língua e da construção curricular, bem como nos processos diferenciados de ensino e aprendizagem.
APARICIO, Miguel. Indígenas que subvertem a velha divisão entre antropólogos e nativos. Nexo: políticas públicas, 12 julho 2021. Disponível em: https://oeds.link/RQrS0o. Acesso em: 9 fevereiro 2022.
- Em linhas gerais, como é o currículo de uma escola indígena? Por que as escolas indígenas têm um currículo específico?
- Na sua opinião, por que a educação escolar indígena é importante?
- De acôrdo com o texto citado sobre a atuação de Chikinha Paresi, em que sentido o protagonismo indígena é importante na construção das escolas indígenas?
Glossário
- Topografia
- Descrição exata e pormenorizada de um terreno, de uma região, com todos os seus acidentes geográficos.
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- Etnia
- Etnia indígena é uma comunidade que se identifica como diferente da sociedade nacional, que tem afinidades linguísticas, culturais e sociais e descende das sociedades pré-coloniais.
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