UNIDADEtrês A ERA DE NAPOLEÃO E AS INDEPENDÊNCIAS NA AMÉRICA

Gravura. Em um campo aberto, cena de combate entre pessoas negras e pessoas brancas em um local com vegetação rasteira e construções ao fundo.  À esquerda, há um grupo de pessoas negras, homens e mulheres, que portam facões, machados e tem um canhão, no centro da imagem.  A mulheres usam vestes de mangas curtas e com saias até os joelhos em cores variadas (amarelo, verde, vermelho). Os homens usam tecidos das mesmas cores em volta de seus quadris e tem o torso nu. Ambos, homens e mulheres,  estão descalços, têm os cabelos pretos e curtos.  Entre as pessoas brancas, há mulheres vestidas com blusas de mangas compridas e saias longa, com toucas branca sobre a cabeça. Elas usam roupas azuis, amarelas e verdes. Entre os homens brancos, a maioria veste casaca militar azul, calça azul e usa um chapéu preto sobre a cabeça.  Na porção inferior da gravura, em primeiro plano, uma mulher branca de vestido branco é rendidas por uma mulher negra vestida de amarelo e vista de frente. À direita, dois homens brancos, um de verde, outro de azul, estão no chão, rendidos respectivamente por uma mulher negra de vermelho vista de costas e por um homem negro vestido de azul, visto de lado, ajoelhado no solo.  À frente deles, há uma mulher negra caída ao chão de bruços.  Duas mulheres brancas, à direita, observam a cena.  À esquerda, ainda no primeiro plano, uma mulher negra vista de costas, de roupa verde e mãos para cima, luta com um homem branco de traje marrom e longas meias brancas até os joelhos.  Em segundo plano, no centro da gravura, um canhão é disparado para a direita. De seu cano, sai fogo vermelho e grande quantidade de fumaça branca. À esquerda do canhão, há um grupo de homens negros com lanças, machados  e facões e um homem branco de azul, é segurado por um dos braços. Atrás do canhão, há um grupo de homens brancos de casaca azul e um homem negro caído diante deles. À direita deles, um homem negro corre com uma tocha na mão, deixando um rastro de fumaça. Ao fundo, há construções arredondadas de telhado triangular em tons de vermelho e laranja. Elas estão tomadas por chamas e expelem fumaça. No alto, o céu claro com nuvens.
Representação da revólta de escravizados contra fazendeiros, em 1791, na colônia de São Domingo, no Haiti. Coleção particular.
Pintura. Em um lugar aberto com o chão coberto por grama verde, centenas de pessoas carregam espadas, lanças com pontas de metal e bandeiras erguidas para o alto. Uma pessoa levanta um porrete. Alguns estão vestidos com trajes militares, com casaca e calça; alguns com trajes civis de cor preta, composto de casaco preto, colete preto, camisa branca e calça preta; outros vestidos de branco, com camisa de mangas curtas e calças curtas brancas; outros ainda estão com o torso nu e vestem apenas tangas brancas. A maior parte das pessoas retratadas são homens, mas, em meio à multidão, há uma mulher, vista parcialmente, com o cabelo preso em um coque, usando brincos dourados nas orelhas. Há outra mulher, de vestido verde, vista parcialmente, à direita, cortada na imagem. À frente do grupo, e em destaque na pintura, um homem veste um traje eclesiástico composto por um casaco preto, usado sobre uma túnica preta, com gola branca, uma faixa de tecido roxo em volta da cintura e botas de cano alto pretas. Esse homem é calvo, tem cabelos longos e grisalhos apenas na lateral da cabeça. Ele está de boca aberta e carrega na mão direita uma tocha marrom com fogo cor de laranja; a haste da tocha tem um papel branco com inscrições ilegíveis colado. Seu braço esquerdo está estendido para a direita da pintura.  Essas centenas de pessoas, indígenas, brancas e negras, mulheres e homens, caminham na direção da esquerda para a direita. As bandeiras erguidas por eles têm cores diversas. No centro, há um estandarte de fundo branco com uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe e a inscrição: "Viva Guadalupe!". À direita, há uma bandeira de fundo vermelho cortada por uma cruz preta com uma caveira branca no centro. À esquerda, uma bandeira azul, com um quadrado branco e uma águia dourada no centro.  Em segundo plano, vista de uma cidade com construções à esquerda, morros em bege e marrom. As estradas, ao fundo, também estão tomadas por pessoas segurando bandeiras coloridas e caminhando.
, Ruán. El retablo de la Independencia. cêrca de 1960. Afresco (detalhe), 4,5 por 16 métros Museu Nacional de História, Cidade do México, México.

Você estudará nesta Unidade:

O contexto econômico-político que fez Napoleão Bonaparte chegar ao poder na França

Como o projeto de expansão imperial de Napoleão foi derrotado

A influência da Revolução Francesa sobre os movimentos de independência nas colônias americanas

O processo de independência das colônias espanholas na América

A situação dos afrodescendentes e dos indígenas na América espanhola após as independências

Os processos revolucionários que se desencadearam em várias regiões da América no século dezenove tinham como objetivo conquistar a independência política em relação ao domínio das metrópoles. Esses processos, que refletiam as insatisfações das populações americanas com a condição colonial, foram influenciados por ideais iluministas e outras importantes transformações que ocorriam na Europa. Em 1791, na França, o govêrno que tomou o poder com a Revolução Francesa decretou a igualdade de direitos para todos os cidadãos, incluindo a população de suas colônias na América. Apesar disso, a escravidão foi mantida. Na colônia francesa de São Domingo, por exemplo, a rebelião dos escravizados não tardou a acontecer e tomou conta de toda a ilha. Após muitas batalhas, a independência foi conquistada e proclamou-se a primeira república negra governada por ex-escravizados, que viria a dar origem ao país futuramente chamado Haiti.

Outras colônias portuguesas e espanholas também procuraram romper com o domínio estabelecido pelas metrópoles europeias e conquistaram sua independência política, inaugurando um novo período na história com a proclamação dos países independentes da América.

Você sabia que, a partir de então, uma série de conflitos ocorreu até que a independência do Haiti fosse reconhecida, em 1804? Qual teria sido a relação entre os ideais iluministas e os processos de independência na América?

CAPÍTULO 6 O IMPÉRIO NAPOLEÔNICO E A REVOLUÇÃO DE SÃO DOMINGO

Dez anos após a revolução de 1789, a França enfrentava sérias dificuldades internas. Os recursos financeiros escasseavam, uma grave crise econômica empobrecia a população e dificultava o desenvolvimento do comércio e a retomada da produção.

O Diretório, que assumiu o poder em 1795, era controlado por uma grande burguesia de financistas, corruptos e especuladores; por isso, o govêrno tinha dificuldade de afirmar sua autoridade. De um lado, os jacobinos pressionavam por reformas sociais. De outro, os partidários da monarquia buscavam retomar o poder.

No plano externo, os conflitos contra os vizinhos europeus prosseguiam e esgotavam as finanças do Estado, gerando um clima de incertezas no país. Foi nesse contexto de crise que o jovem general Napoleão Bonaparte começou a ganhar popularidade.

Gravura. Dentro de um salão de chão bege e paredes verdes com janelas altas, há dezenas de homens em pé. A maior parte deles têm cabelos castanhos e longos, usam boinas verde com uma pena branca, manto vermelho sobre os ombros e túnicas longas brancas. Eles estão à esquerda e à direita. A maior parte, à esquerda, com o corpo voltado para a direita. No centro do salão, há um patamar elevado com dois andares. No andar mais alto, há uma cadeira dourada de estofado verde e uma mesa coberta por uma toalha verde. Atrás dessa mesa, em pé, visto de frente, há um homem de boina verde e manto vermelho, tocando um pequeno sino dourado. Ele está com os braços estendidos para a frente.  Nos degraus do patamar, há dezenas de homens de boinas verdes e mantos vermelhos. Eles estão voltados para a direita, alguns com os braços para o alto e expressões de desafio.  No andar mais baixo do patamar, há um homem de manto vermelho diante de uma mesa coberta por uma toalha verde. Ele está segurando uma caneta de pena branca. Sobre a mesa, há livros, um tinteiro dourado, uma caixa de metal fechada com tampa e uma folha de papel. À direita, no chão, encurralados, olhando para a esquerda, um pelotão de militares em duas fileiras, com trajes compostos por chapéu preto de abas laterais largas, casaca longa azul com detalhes vermelhos e botões dourados, calças brancas e botas de cano alto pretas. Os militares seguram baionetas, elevadas para o alto. Um deles, à frente do grupo, está com o chapéu na mão, as costas inclinadas para trás e é ameaçado por um dos homens de boina verde e manto vermelho, que segura uma faca com o braço elevado para o alto.  No canto direito, no chão, em primeiro plano, um dos homens de boina verde é visto de lado, com o corpo voltado para a esquerda. Ele está apontando para a esquerda com uma expressão enfurecida. Atrás dele, sentado com as pernas cruzadas, outro homem de boina está segurando uma pequena faca e observando a cena. Um homem de boina verde e manto vermelho está apoiado em seu ombro observando a cena à esquerda. Ao fundo, na parede, duas janelas altas na vertical com vidros transparentes. Uma das janelas tem uma das folhas abertas por onde se vê nuvens brancas em um céu azul claro.
Golpe de 18 de Brumário, novembro de 1799. Século dezenove. Litogravura colorida. Biblioteca Nacional da França, Paris, França.

Napoleão chega ao poder

Em 1799, Napoleão Bonaparte deixou seu exército em campanha no Egito e dirigiu-se para a França, onde foi aclamado pela população nas ruas de Paris. Dias depois, tomou o poder com um golpe de Estado, que ficou conhecido como 18 Brumário (data do calendário da Revolução, correspondente a 9 de novembro) e que encerrou a Revolução Francesa. As reações dos jacobinos e dos democratas ao golpe foram reprimidas, e o poder político ficou concentrado no Consulado, órgão executivo formado por três cônsules, entre eles o próprio Napoleão Bonaparte. Napoleão concentrou amplos poderes em suas mãos, abandonando o princípio iluminista de limitação do poder. Fortalecido, censurou a imprensa e suprimiu as liberdades individuais e políticas.

A França não voltou a ser uma monarquia absolutista, mas os intensos debates políticos estimulados pela Revolução Francesa ficaram para trás. Em busca da conciliação nacional, Napoleão afirmava estar acima dos interesses particulares e prometia fazer do país a maior potência do mundo, oferecendo segurança e estabilidade política, social e financeira, que haviam desaparecido nos anos da Revolução Francesa.

As vitórias militares na África e o avanço na guerra europeia aumentavam o prestígio do novo líder e a confiança dos franceses em suas ações. Por outro lado, muitas das ideias liberais e das conquistas da revolução de 1789 prevaleceram na política econômica de Napoleão.

Ações do govêrno de Napoleão

Napoleão incentivou a prosperidade da burguesia e manteve a reforma agrária. As finanças do país foram recuperadas com a emissão de papel-moeda pelo Banco da França, o financiamento da agricultura e da indústria e a reorganização dos impostos. Estradas e pontes foram construídas; promoveu-se a melhoria dos serviços de correios e telégrafos.

Em 1804 foi criado o Código Civil Napoleônico, que serviu para organizar e unificar as leis na França, regulamentar o direito à propriedade, garantir a igualdade dos franceses perante a lei e confirmar o confisco das terras da nobreza de origem feudal.

Pintura. Em um local aberto com uma cidade com uma mesquita ao fundo, em primeiro plano, à esquerda, há homens vestidos à europeia, a maioria de traje militar de casaca azul com detalhes dourados, calças brancas, meias até os joelhos e sapatos marrons. Em destaque nesse grupo, há um homem em pé, de chapéu preto de abas laterais largas sobre a cabeça, vestido com casaca azul, dragonas douradas, faixa sobre a cintura e calça branca. Ele está voltado para o lado direito da pintura. Trata-se de Napoleão Bonaparte.  No centro da pintura, há um homem visto de costas, de turbante branco sobre a cabeça, túnica longa vermelha, faixa de tecido bege amarrada na cintura e manto bege sobre o ombro direito. Ele observa um grupo de homens, à direita. Em primeiro plano, à direita, à frente de Napoleão, nesse grupo de homens, alguns estão agachados, com as mãos unidas, e as cabeças curvadas, pedindo clemência, e outros estão em pé. À frente do grupo, há um homem sentado, abraçando um homem caído, desfalecido. Os homens desse grupo usam túnicas longas de cores variadas (vermelha, bege e branca) e turbantes de diferentes cores (verdes, brancos, vermelhos). Há um militar com trajes semelhantes aos de Napoleão entre eles.  À esquerda do militar, um homem de cabelos e bigode castanhos, com o torso nu, usa uma túnica branca e vermelho claro. Seus braços estão voltados para o soldado e presos com algemas, manipuladas pelo soldado. Em segundo plano, a cidade tem  prédios baixos em tons de bege. Há um mesquita com uma cúpula arredondada azulada e minaretes de mesma cor à esquerda. No fundo à direita, a cidade está em chamas e há muita fumaça subindo para o céu azul e com nuvens de cor cinza.
Guerríni, Piérre-Narcíse . Bonaparte perdoa rebeldes no Cairo. cêrca de 1806. Óleo sobre tela. Museu de Belas Artes de CaenCaen, França. Aos olhos da burguesia francesa, Napoleão era a figura capaz de restabelecer a ordem interna na França.
Ícone. Sugestão de livro.

Murruá, André. Napoleão. São Paulo: Globo, 2013. O livro apresenta uma biografia de Napoleão Bonaparte.

Ícone. Ilustração de uma lupa sobre uma folha de papel amarelada com a ponta superior direita dobrada, indicando a seção Documento.

Documento

Representações de Napoleão

Napoleão preocupava-se muito com a fórma como os franceses o viam. Por isso, empenhou-se para que as representações de sua figura reforçassem a imagem de conquistador, herói e homem de coragem e capacidade de comando.

Observe a pintura a seguir.

Pintura. Em local aberto,  diante de uma escarpa de uma montanha de rocha de cor cinza, sem vegetação,  no centro da pintura,  há um homem montado sobre um cavalo branco, empinado. O cavalo está apoiado somente  sobre as patas traseiras, com o corpo inclinado para cima, as patas dianteiras fora do solo e a crina dourada esvoaçando para a esquerda.  O homem montado tem cabelos escuros e curtos, também esvoaçando para a esquerda, uma expressão séria e decidida no rosto, usa um chapéu de abas laterais largas de cor preta com detalhes dourados nas bordas, um manto vermelho sobre os ombros, esvoaçando para a esquerda, veste uma longa casaca militar preta com detalhes dourados, calças amarelas e botas pretas. Ele tem uma espada dourada atada à cintura. Seu braço direito está erguido para o alto e ele tem o dedo indicador para o alto. Com a outra mão ele segura as rédeas do cavalo. O homem tem uma postura imponente. Em segundo plano, à esquerda, há outros homens com trajes militares e um carrinho de madeira com duas rodas, vistos parcialmente.  Na parte inferior da pintura, em primeiro plano, sobre as rochas do caminho, há dois nomes gravados. No canto esquerdo, em uma rocha, 'Bonaparte'. Mais abaixo, no centro, em outra rocha 'Karolus Magnus'.  No alto, no céu coberto de nuvens de cor cinza, uma passagem entre as nuvens deixa entrever a a luz solar e uma pequena parte do céu, em azul claro.
Daví, Jáque Luí. Napoleão sobre o cavalo na passagem de São Bernardo. 1802-1803. Óleo sobre tela, 2,46 por 2,31 métros Museu de História da Arte, Viena, Áustria. Esta pintura representa Napoleão em campanha militar contra os austríacos em 1800.
  1. Como Napoleão é caracterizado na obra? Identifique elementos na pintura que justifiquem sua resposta.
  2. Essa pintura é um retrato da realidade? Por quê? Que efeito você imagina que se pretendeu criar no espectador?
  3. De que fórma a imagem que os franceses podiam ter de Napoleão influenciaria seu govêrno? Discuta essa questão com seus colegas.

Documento

Agora, observe a seguir a obra de outro artista. O francês Paul Delaroche (1797-1856) produziu algumas representações visuais de episódios da vida de Napoleão Bonaparte. Neste quadro, foi representada a travessia dos Alpes, realizada para atacar a Áustria em 1800 — o mesmo episódio retratado na pintura anterior. Repare, porém, que se trata de uma representação mais realista.

Pintura. Em um local aberto, com montanhas rochosas cobertas de neve, em um caminho também coberto de neve, no centro, um homem está montado sobre uma mula.  É um homem de cabelos curtos e castanhos e expressão melancólica no rosto. Ele usa um chapéu de abas laterais largas na cor preta com bordas douradas e está vestido com um casaco cinza até os joelhos,  fechado por um botão na parte superior, calças brancas e botas de cano médio de cor marrom. Uma de suas mãos está sobre sua barriga, dentro do casaco, a outra estendida à frente de seu corpo; ele olha para frente, com olhos cansados.  A mula em que ele está montado tem pelagem marrom, o pescoço e a cabeça abaixados, uma sela amarela e sob a sela, um tecido em tons de marrom e vermelho. O animal parece cansado, está com os olhos fechados. À direita, ao lado do homem montado, um guia está em pé sobre o caminho, e conduz o animal. Visto parcialmente, o guia é um homem de expressão casada, que parece subir o caminho de neve com bastante esforço. Ele tem os cabelos cobertos por um lenço amarrado em volta de sua cabeça e usa um chapéu marrom sobre a cabeça. Veste uma capa bege sobre as costas, casaco verde fechado por botões e botas de cano alto bege. Em uma de suas mãos, ele segura um bastão de madeira, que está com uma das pontas fincada na neve sobre o caminho; com o bastão, o homem se apoia durante a subida.  Em segundo plano, atrás da cena principal, à esquerda, outro homem montado sobre um animal percorre o mesmo caminho, mais ao fundo. Esse homem está montado sobre um cavalo cinza e é visto apenas parcialmente.  Ao fundo, uma montanha alta, branca, coberta de neve.
Delarróche, Pôl . Napoleão cruzando os Alpes. 1850. Óleo sobre tela, 2,79 por 2,14 métros Galeria de Arte WalkerLiverpool, Inglaterra.
  1. Qual é o nome e a data da obra reproduzida? Que acontecimento da história de Napoleão Bonaparte ela representa?
  2. Como esse episódio está representado nessa obra?
  3. Compare a pintura de jác lui daví à de Pôl Delarróche e indique as diferenças entre elas. Quais você acha que seriam os objetivos de cada representação?

O Império Napoleônico

Napoleão enfrentava a oposição dos monarquistas ligados à família de Luís dezesseis que tentavam retornar ao trono. Para assegurar seu poder, ele convocou um plebiscito em agosto de 1802 e tornou-se cônsul vitalício. Dois anos depois, em nova votação, foi aclamado imperador dos franceses, sendo coroado no dia 2 de dezembro daquele ano.

Nas relações externas, o Império Napoleônico foi marcado por intensos conflitos. A reestruturação política e militar e a recuperação financeira da França preocupavam alguns países europeus. Em 1803, Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia uniram-se em coligação e declararam guerra à França. Um novo período de confrontos se iniciava.

Além de temer o expansionismo territorial francês, a maior parte desses países receava que os ideais iluministas da Revolução Francesa se espalhassem por toda a Europa. Esse temor tinha fundamento, uma vez que a luta contra o absolutismo mobilizava intelectuais e setores da classe média de quase todas as regiões da Europa, que viam na França um poderoso aliado.

Mas a reação inglesa à França tinha outros motivos. Para a Inglaterra, a guerra era uma oportunidade de vencer economicamente seu principal rival na disputa pelos mercados europeus e ultramarinos. Mais do que conquistas territoriais, os ingleses desejavam expandir seus mercados.

Mudanças no ensino

Napoleão reorganizou o ensino para promover a unidade nacional da França e disciplinar a população para os interesses do Estado. Entre outras iniciativas, ele criou liceus e escolas de artes e ofícios, instituiu a Universidade Imperial e incentivou o ensino humanístico e técnico-profissional.

Pintura. Dentro de uma sala fechada com arcos altos, paredes cobertas de pedra de cor bege e partes decoradas em marrom e em vermelho. O chão é acarpetado em verde e há uma plataforma mais alta à direita, acessada por três degraus. No centro, há uma mulher de joelhos sobre uma almofada preta com bordados dourados. Ela tem cabelos escuros presos em coque, veste um longo manto vermelho, cuja ponta é segurada por duas mulheres em pé, e veste um longo vestido bege de manhas bufantes. No patamar mais alto, à direita, há um homem em pé, segurando nas mãos uma coroa dourada, elevada para o alto. O homem tem cabelos escuros, usa uma coroa dourada e está com trajes reais e um manto vermelho e dourado.  Entre esse homem e a mulher ajoelhada, prestes a ser coroada, há um homem em pé, ao fundo, com vestes douradas de religioso, chapéu alto de ponta triangular de cor bege, segurando na mão direita uma haste dourada com a ponta em formato de cruz. Ao redor deles, diversas pessoas assistem à cena. Há pessoas sentadas e outras em pé.  À esquerda, em pé, um grupo de mulheres usando longos vestidos brancos. à esquerda, ao redor de um altar com grandes castiçais dourados com longas velas e um crucifixo dourado no centro, diversos homens sentados, usando vestes religiosas. Em segundo plano, ao fundo da sala, pessoas sentadas em tribunas, observando a cena.
Daví, Jáque Luí. A coroação do imperador Napoleão e a coroação da imperatriz Josefina em 1804. 1806-1807. Óleo sobre tela, 6,21 por 9,79 métros Museu do Louvre, Paris , França. A obra representa o imperador no centro da tela, no exato momento em que ele se prepara para coroar a si próprio, enquanto o papa Pio sétimo apenas assiste a seu gesto.

Ler a pintura

• Observe a pintura. Napoleão deveria ser coroado pelo papa Pio sétimo, mas, contrariando a tradição, ele coroa a si mesmo. O que você acha que essa atitude revela?

Batalhas no continente europeu

Durante os conflitos no continente europeu, o exército francês parecia imbatível. A maior dificuldade de Napoleão, porém, era atingir a Inglaterra, isolada pelo mar e protegida pela mais poderosa frota marítima do mundo.

As embarcações francesas foram destruídas pelos ingleses na Batalha de Trafalgar, no litoral da Espanha. O imperador francês voltou-se, então, para a Europa Central: atacou e derrotou a Prússia, ampliou seu domínio sobre a península Itálica e isolou a Áustria.

Após derrotar as tropas russas e austríacas, Napoleão reuniu 16 estados do antigo Sacro Império Romano Germânico na Confederação do Reno. Em 1806, decretou o Bloqueio Continental, por meio do qual os países da Europa ficaram proibidos de comercializar com os ingleses. Em resposta, a Inglaterra passou a dificultar ainda mais o contato entre os países europeus e suas colônias ultramarinas.

As guerras desgastaram o exército francês. Além disso, vários países da Europa dependiam do comércio com a Inglaterra e, portanto, rejeitaram o Bloqueio Continental. Portugal, por exemplo, aliado à Inglaterra, desrespeitou o decreto e teve seu território invadido pela França em novembro de 1807.

No final de 1811, a Rússia também rompeu o bloqueio e, no verão de 1812, teve seu território invadido por Napoleão. As tropas francesas, a princípio, avançaram sem resistência. Porém, no caminho, encontraram dificuldades para se abastecer, com pastos, casas e plantações destruídos. Em setembro, chegaram a Moscou, mas, mesmo assim, o desastre foi total: sem suprimentos e castigadas pelo frio, as fôrças francesas foram aniquiladas pelo exército russo.

As conquistas napoleônicas

Mapa. As conquistas napoleônicas. Mapa representando parte do continente europeu com territórios representados em diferentes cores. Algumas capitais estão destacadas. Na legenda: Em verde claro, 'Território francês em 1789'. Com capital em Paris, englobava o território da Córsega e a maior parte do território que hoje corresponde à França, com exceção da região dos Alpes e da Côte d'Azur.  Em amarelo, 'Territórios conquistados até 1801'. Incluíam um território a nordeste da França, que hoje corresponde à Bélgica, com capital em Bruxelas, e Luxemburgo; Além do reino da Saboia, com capital em  Nice,, na região dos Alpes e da Côte d'Azur,  no sudeste do território que hoje compreende a França. Em rosa, 'Territórios conquistados até 1812'. Incluíam o oeste da Península Itálica, com capital em Roma, um território a leste de Saboia (que hoje corresponde ao noroeste da Itália), um território no litoral do Mar Adriático (que hoje corresponde à Croácia), e um território no Norte da Europa, na região que hoje corresponde aos Países Baixos, com capital em Amsterdã, e ao noroeste da Alemanha. Em laranja, 'Estados aliados da França em 1812'. Incluíam a Espanha e as Ilhas Baleares, com capital em Madri, o Grão-Ducado de Varsóvia, a Westfália, com capital em Leipzig, a Confederação do Reno, a Baviera, o Reino da Itália e o Reino de Nápoles. Em lilás, os 'Estados em guerra contra a França', incluíam: Portugal, com capital em Lisboa, o Reino da Sardenha, o Reino da Sicília, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, com capital em Londres, o Reino da Suécia, a Prússia, com capital em Berlim, a Áustria Hungria, com capital em Viena e o Império Russo, com capital em Moscou.  No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de 0 a 310 quilômetros.

Fonte: VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico: geral e do Brasil. São Paulo: Cipiône, 2011. página 124.

O govêrno dos cem dias

Em março de 1814, Paris foi invadida por uma coligação formada por Áustria, Prússia e Rússia. Diante dessa situação, Napoleão abdicou do trono e exilou-se na Ilha de Elba, no mar Mediterrâneo, onde permaneceu por trezentos dias.

O govêrno francês foi assumido por Luís dezoito, da dinastia burbôm e irmão de Luís dezesseis, que havia sido guilhotinado durante a Revolução Francesa. A maioria da população considerou o ato uma imposição dos países vencedores e um retrocesso em relação às conquistas obtidas durante a revolução.

Na Ilha de Elba, Napoleão recebia notícias da insatisfação dos franceses com a monarquia. Em 1815, ele fugiu do exílio e retornou a Paris, onde foi aclamado pela população e pelas tropas e retomou o poder. Porém seu govêrno durou apenas cem dias. Em junho de 1815, Áustria, Prússia, Rússia e Inglaterra uniram-se novamente e derrotaram Napoleão Bonaparte na Batalha de Waterloo, na Bélgica.

Napoleão foi levado para a Ilha de Santa Helena, no meio do oceano Atlântico, sob forte vigilância da Inglaterra. Lá permaneceu até sua morte, em 5 de maio de 1821.

Gravura. Em uma pequena ilha, há um homem sentado sobre uma pedra, com uma posição pensativa. Ele tem cabelos castanhos e curtos, usa um chapéu preto de abas laterais largas com bordas douradas e plumas vermelhas sobre a cabeça, veste uma casaca militar azul com bordas douradas, faixa de tecido vermelha amarrada na cintura, calças brancas e botas de cano alto pretas.  Com os cotovelos apoiados sobre as pernas flexionadas, ele segura o rosto com as duas mãos, apoiando o queixo em uma das mãos. Ele está com uma expressão triste e chorando: muitas lágrimas caem de seu rosto em direção ao chão de pedra da pequena ilha. Uma espada embainhada repousa sobre o solo, ao lado dele.  No alto, seis pássaros pretos sobrevoam a cabeça do homem.  Ao redor da pequena ilha, o mar em tons de azul claro e, em segundo plano, ao fundo, no canto esquerdo da gravura, há outro território com um morro de pedra em tons de amarelo e uma fortaleza com uma bandeira hasteada no topo. Ao redor desse outro território, há muitas embarcações à vela.
uális, Djón. As tristezas de Bonaparte, ou reflexões na Ilha de Elba! 1814. Gravura. Museu Britânico, Londres, Inglaterra.

Ler a caricatura

• A caricatura faz referência a que acontecimento da história de Napoleão Bonaparte? Qual é a expressão de seu rosto e sua postura? Para onde ele estaria olhando?

O Congresso de Viena

Entre setembro de 1814 e junho de 1815, alguns Estados europeus, liderados por Áustria, Prússia, Rússia e Inglaterra, reuniram-se no Congresso de Viena, na Áustria. O objetivo era fazer a Europa retornar às configurações anteriores a 1789. Os representantes da Áustria, da Prússia e da Rússia criaram a Santa Aliança, um pacto militar que assegurava às nações participantes o direito de intervir em países para reconduzir ao poder governantes destituídos por revoluções liberais.

A Europa que surgiu em Viena procurava reafirmar os valôres do Antigo Regime. Os franceses perderam os territórios conquistados durante as guerras napoleônicas e viram Luís dezoito ser reconduzido ao poder.

A independência do Haiti

Você já deve ter ouvido falar do Haiti, não é mesmo? Esse país, uma ilha da América Latina, com uma população predominantemente afrodescendente, já protagonizou movimentos revolucionários pioneiros na história do Ocidente. Nele ocorreu a única rebelião organizada por uma população de origem africana, composta em sua maioria de escravizados, mas também de ex-escravizados. Foi a primeira colônia do continente a abolir a escravidão e a conquistar sua independência política, livrando-se do domínio dos conquistadores europeus e proclamando uma república.

Os espanhóis chegaram à Ilha Hispaniola, que hoje corresponde ao Haiti e à República Dominicana, em 1492. A Espanha, porém, estava mais interessada em explorar a parte continental da América e, em pouco tempo, acabou abandonando algumas regiões da ilha.

A posição geográfica de Hispaniola, que favorecia a navegação e o comércio entre a América e a Europa, atraiu outras nações europeias, como a França, que passou a ocupar algumas partes da ilha. Em 1697, a Espanha reconheceu a soberania francesa na parte ocidental de Hispaniola, onde foi fundada a colônia de São Domingo.

Os franceses desenvolveram na colônia o cultivo, principalmente, de cana-de-açúcar, e também de café, anil, cacau, algodão, entre outros. Os africanos escravizados eram a principal mão de obra utilizada nas plantações. Na segunda metade do século dezoito, São Domingo chegou a exportar 35 mil toneladas de açúcar bruto (açúcar mascavo) e 25 mil toneladas de açúcar branco.

Gravura. Em um local aberto, com chão de terra,  à direita, duas casas vistas parcialmente, de paredes de cor bege e telhado triangular com telhas de cor marrom. No centro, há doze pessoas negras e descalças, homens, mulheres e crianças, umas próximas umas das outras. 
À frente da árvore com frutos cor de laranja, na parte central da gravura, há um casal dançando, um de frente para o outro. O homem tem o corpo voltado para a esquerda, inclinado para trás, veste uma blusa branca, um lenço vermelho atravessando o corpo, e uma calça até os joelhos azul. Ele usa um lenço branco com listras vermelhas amarrado na cabeça. Está com a perna esquerda para cima e uma das mãos na cintura. De frente para ele, uma mulher com lenço branco amarado na cabeça, usa uma blusa e uma saia longa, ambos brancos; ela segura um tecido cor de rosa, à frente de suas pernas, com as duas mãos. 
À esquerda e à direita deles, há homens, mulheres e crianças. 
Alguns, à esquerda, tocam instrumentos, como uma mulher de saia longa azul tocando pandeiro e um homem de blusa vermelha sentado em um banquinho de madeira  tocando um tambor.  À esquerda dele, uma mulher de lenço branco sobre os cabelos e de vestido longo branco bate palmas. Há direita dele, há três pessoas vistas parcialmente.
À direita do casal dançando no centro da gravura, há três mulheres com os cabelos presos em coques altos e cobertos por lenços, usando blusas de mangas compridas e saias longas até os pés. Um delas, tem um chapéu cinza e dourado no topo do coque alto. 
Perto delas, há uma criança vista de costas, uma menina, com um coque alto coberto por um lenço branco, vestida com blusa branca de mangas bufantes, saia longa azul clara e uma sombrinha verde fechada embaixo do braço. No alto, o céu azul claro e nuvens brancas.
BRUNIAS, Agostino. Dança dos nativos de São Domingo. Século dezoito. Gravura. Centro Yale de Arte Britânica, Universidade de Yale, Estados Unidos.
O levante dos jacobinos negros

Em 1791, durante o processo revolucionário na França, a Assembleia Constituinte do país aprovou a igualdade de direitos para toda a população francesa e de suas colônias, incluindo a de São Domingo; mas a escravidão foi mantida na colônia americana. No mesmo ano, diante das péssimas condições de vida a que estavam submetidos, os africanos escravizados iniciaram uma rebelião. Eles abandonaram as plantações, atearam fogo nos canaviais, destruíram engenhos e executaram proprietários brancos. Dois anos após o início da rebelião, a Convenção francesa decretava o fim da escravidão em São Domingo.

Àquela altura, o clima revolucionário já havia se disseminado por São Domingo. Em pouco tempo, a rebelião espalhou-se para o restante da colônia difundindo os ideais revolucionários de liberdade, igualdade e direito à propriedade. Três anos após o início dos levantes, françuá dominíque tussãn lôvertíur, um ex-escravizado, aderiu ao movimento e passou a liderar um exército disciplinado de combatentes.

Em 1801, Napoleão Bonaparte decidiu intervir na ilha para conter a revólta e restabelecer a escravidão, enviando cêrca de 25 mil soldados à região. Após diversos conflitos, tussãn foi capturado e levado à França, onde morreu na prisão em abril de 1803. Contudo a resistência na ilha continuou.

Outro ex-escravizado, jãn jaque dêssalíne, passou a liderar o movimento. Os combates culminaram na expulsão do exército francês da região. Em 31 de dezembro de 1803, a Declaração de Independência da colônia de São Domingo foi proclamada e o novo país recebeu o nome de Haiti. dêssalíne tornou-se o primeiro chefe de Estado do país, sendo coroado imperador em outubro de 1804.

Gravura. Em um local aberto, com chão de terra, em frente ao mar.  No centro, uma mulher branca em pé, com o corpo voltado para a esquerda, de cabelos castanhos, coroa dourada na cabeça, vestido longo sem mangas azul claro e véu longo até os pés azul escuro. Ela segura uma folha branca com texto em preto, originalmente em francês 'Liberdade de Santo Domingo'.  Ela está de frente para um homem negro, de cabelos castanhos e curtos, com casaca militar azul escura, dragonas douradas, faixa vermelha na cintura, calça branca e botas de cano alto pretas. Na mão direita, ele segura um chapéu de abas laterais largas de cor preta. À esquerda, há um homem branco, sentado, de cabelos castanhos e curtos e com um pequeno par de asas brancas sobre a cabeça. Ele veste apenas um manto vermelho sobre os ombros e quadris. Está descalço, apoiado sobre um objeto dourado vertical, e tem o braço esquerdo para frente, apontando para a mulher e o homem no centro da gravura.
À direita, atrás da mulher de manto azul, uma pessoa negra, de cabelos curtos e escuros, peito nu, saiote quadriculado vermelho e amarelo, ajoelhada, com o joelho direito apoiado no chão. Ela está com o braço direito estendido para frente, usa um cocar de penas coloridas sobre a cabeça e, dos braços dela, pendem correntes quebradas. 
Na ponta da direita, há uma mulher branca sentada diante de um coqueiro verde. Ela tem cabelos escuros, coroa de flores sobre a cabeça e vestido vermelho de manga curtas. Tem as mãos apoiadas em uma cornucópia azul, onde há, abaixo, frutos em tons de amarelo e laranja. No alto, sobrevoando o homem de casaca militar azul, há uma mulher branca com duas grandes asas brancas,  com o corpo na horizontal, cabelos escuros presos em um coque, usando um vestido amarelo e com uma faixa  vermelha ao redor do corpo. Ela carrega duas coroas de louros verdes  em direção à cabeça do homem de casaca militar azul.
Em segundo plano, a água do mar, em azul claro. À esquerda, uma grande embarcação à velas com velas coloridas em azul, rosa e laranja. À esquerda, uma cidade com construções em tons de bege. 
No céu, na ponta esquerda, um sol amarelo com raios em volta em laranja e amarelo e, no alto, de toda a gravura, um arco com duas faixas coloridas em rosa e amarelo onde está escrito: 'Haiti'.
Representação da independência do Haiti em 1804. cêrca de 1830. Litogravura colorida. Biblioteca Nacional da França, Paris, França.
Ícone. Ilustração de três pessoas e dois balões de fala indicando a seção Em debate.

Em debate

Como explicar o Haiti?

Em um texto publicado em 2004, o historiador e cientista social Jacób Gorender fazia o seguinte questionamento sobre o Haiti:

No início do século dezenove, o Haiti era a colônia mais produtiva das Américas e a primeira a conquistar a Independência nacional, em 1804. Como explicar então que não tenha tido uma trajetória progressista, mas, ao contrário, se tornasse o país mais pobre do continente, talvez um dos mais pobres do mundo?

gorênder, jacó. O épico e o trágico na história do Haiti. Estudos Avançados, São Paulo, volume 18, número 50, janeiro/abril 2004. página 295.

Responder a esse questionamento não é algo simples. Muitos historiadores perceberam que a análise histórica da situação do Haiti, do seu processo de independência e de sua trajetória deve ser feita com cuidado. Vamos ler alguns textos para obter pistas sobre o assunto.

reticências a independência política do Haiti representou ameaça aos interesses políticos e econômicos das potências europeias, pois temiam que o acontecimento estimulasse outras colônias a lutar por emancipação.

Matiaxít, Vanessa Braga. Haiti: uma história de instabilidade política. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 20, 2010, Franca. Anaisreticências São Paulo: Ampú/São Paulo, 2010. Disponível em: https://oeds.link/C5XGAt. Acesso em: 17 fevereiro 2022.

reticências O reconhecimento diplomático do Haiti foi um processo demorado e custoso. Com poucos anos de liberdade o país já sofria um encargo econômico irrazoável de indenizar os fazendeiros franceses expulsos. E para além da dívida externa o Haiti ainda foi submetido à quarentena de seus parceiros comerciais de longa data reticências.

SAMPAIO, Maria Clara S. Carneiro. Algumas reflexões sobre a história do Haiti e suas durações. Disponível em: https://oeds.link/gU9Njm. Acesso em: 17 fevereiro 2022.

reticências Primeiro com A. pêtiôn [que, alguns anos após a morte de dêssalíne, tornou-se presidente do Haiti], e depois sob a liderança do Presidente Bóiê, os planos de distribuição de terra conquistaram apôio popular. O sistema agrícola da República como um todo passou a basear-se em uma combinação de minifúndios de camponeses e latifúndios operados por fazendeiros arrendatários. Para o antropólogo Sidney Mínts, o Haiti ingressou neste momento no sistema de pequena propriedade camponesa autossuficiente. Assim, o sonho do Estado negro moderno, envolvido em relações comerciais de âmbito internacional, teria naufragado pois a população liberta desejava terra. reticências Assim o Haiti tornou-se, lentamente, o país mais profundamente camponês do Caribe.

VIANA, Larissa. A Independência do Haiti na Era das Revoluções. Amplác. Disponível em: https://oeds.link/B9sZVZ. Acesso em: 17 fevereiro 2022.

Identifique, em cada um dos textos, um aspecto do contexto pós-independência do Haiti que pode contribuir para responder ao questionamento deJacób Gorender. Em seguida, escreva um breve texto comentando o que explicaria as dificuldades econômicas do Haiti a partir daquele momento.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

1. Em seu caderno, escreva mais quatro itens que completem o esquema sobre o govêrno de Napoleão Bonaparte, sintetizando as principais realizações do govêrno de Napoleão Bonaparte nos campos político-militar (dois itens) e socioeconômico (dois itens).

Esquema. Sobre um fundo laranja, no alto, um retângulo com o texto, 'Governo de Napoleão Bonaparte'. Dele saem três setas cor de laranja. A primeira se conecta a 'Realizações político-militares' que, por sua vez, se conecta por uma seta laranja a 'Bloqueio Continental; Supressão das liberdades individuais e políticas e Censura à imprensa'.  No centro, a segunda seta a partir de 'Governo de Napoleão Bonaparte' se conecta a 'Realizações jurídicas' que, por sua vez, se conecta por uma seta laranja a 'Código Civil Napoleônico'.  A terceira seta a partir de 'Governo de Napoleão Bonaparte' se conecta por uma seta laranja a 'Realizações socioeconômicas' que, por sua vez se conecta por uma seta laranja a 'Criação do Banco da França; Reorganização dos impostos e Realização de obras públicas'.
  1. Que Estados europeus se reuniram no Congresso de Viena? O que eles pretendiam? Qual foi o impacto das decisões do Congresso para a França?
  2. Qual é a relação entre as conquistas territoriais francesas e a consolidação de Napoleão Bonaparte no govêrno?
  3. À época do govêrno de Napoleão, que ideais da Revolução Francesa representavam uma ameaça para as outras nações europeias?
  4. O texto a seguir fala sobre as questões relacionadas a São Domingo no período do govêrno jacobino, na França. Leia o texto e, com base nele e no que você estudou neste Capítulo, responda às questões.

reticências O contexto era dado pela coexistência de duas revoluções: a da metrópole e a dos escravos em São Domingo. A Revolução Francesa vivia a sua fase mais radical, marcada pela ascensão do govêrno revolucionário jacobino e pela atuação de um movimento popular comprometido com a luta contra a aristocracia e a promoção de certo igualitarismo social. reticências No quadro desse regime republicano avançado, onde a influência dos interesses mercantis via-se politicamente enfraquecida, a luta antiescravista encontrava um contexto privilegiado para superar as barreiras que haviam permitido manter, desde o início da Revolução, o tráfico e a escravidão.

Do outro lado do oceano Atlântico, os efeitos da Revolução haviam abalado os alicerces das sociedades coloniais, convertendo as contradições a elas inerentes em confrontos abertos entre os diferentes grupos sociais que as compunham. Em São Domingo, a mais rica e produtiva colônia francesa, as lutas internas entre brancos independentistas e brancos fiéis à metrópole e entre brancos e os chamados homens de côr livres haviam fornecido o contexto para a maior revólta de escravos da era moderna. Iniciada em agosto de 1791, a insurreição havia levado, no prazo de dois anos, à proclamação da emancipação dos escravos da colônia. reticências

SAES, Láurent Azevedo Marques. A primeira abolição francesa da escravidão (4 de fevereiro de 1794) e o problema dos regimes de trabalho. , João Pessoa, número 29, julho/dezembro 2013. página 125-126.

  1. Que relação é possível estabelecer entre os ideais da Revolução Francesa e a agitação social e política que ocorria em São Domingo no início da década de 1790?
  2. Quais eram os grupos sociais e étnicos envolvidos nas lutas internas em São Domingo, de acôrdo com o texto?
  3. Converse com um colega: seria correto dizer que a independência de São Domingo ocorreu como uma espécie de continuação da rebelião dos escravizados? Justifiquem.

CAPÍTULO 7 INDEPENDÊNCIAS NA AMÉRICA ESPANHOLA

Ao longo do século dezenove, as colônias hispano-americanas obtiveram sua independência. O descontentamento que a maior parte dos habitantes das colônias sentia em relação às medidas políticas e econômicas impostas pela metrópole espanhola, assim como a disseminação de ideias liberais entre aqueles que viriam a se tornar os líderes dos movimentos pela independência, são pontos que devem ser destacados quando nos dedicamos a estudar esses processos.

As ideias liberais que estavam em circulação na América espanhola, no período que antecedeu as guerras pela independência, eram, de maneira geral, relacionadas à liberdade política (em reação à opressão que o govêrno da metrópole impunha às colônias) e à liberdade econômica (os habitantes das colônias hispano-americanas desejavam liberdade para estabelecer relações comerciais com qualquer parte do mundo).

Assim, a liberdade era uma aspiração bastante difundida nas colônias. Por outro lado, Estados Unidos e Haiti já haviam conquistado sua independência, mostrando que as lutas emancipatórias eram projetos possíveis.

Pintura. Pintura mural em uma parede alta em tons de bege com três arcos no alto e escadarias laterais, na parte inferior. Na pintura, há dezenas de pessoas representadas. No centro, destaca-se uma ave dourada de bico curto e curvo em amarelo, com o corpo voltado para a esquerda, segurando um objeto vermelho em seu bico. Ao redor dela, há pessoas em pé, aglomeradas. À esquerda,  no centro, há dois homens de vestes brancas, amarrados, usando chapéus brancos em formato de cone, e ao redor deles, homens com vestes religiosas, estendendo crucifixos, tochas e bíblias à frente . à direta, no centro, um grupo de indígenas, vistos de costas, usando roupas brancas, carregando caixas nas costas e ferramentas de trabalho, como picaretas e pás. Na parte inferior, um conflito entre soldados de armadura cinza sobre cavalos e homens indígenas com lanças, escudos redondos e, alguns com vestes representando animais. 
No centro, no alto, um homem com vestes de operário, uma boina cinza, uma camisa cinza e um macacão azul, aponta para a esquerda. À direita dele, três homens, dois deles com bigodes compridos e chapéus de palha grandes com abas largas seguram uma faixa vermelha em que está escrito, originalmente em espanhol, 'Terra e Liberdade'. À direita, também há um grupo de homens entre os quais um segura um cartaz vermelho com o texto 'Terra e Liberdade'.
RIVERA, Diego. A Guerra da Independência. 1929-1935. Mural (detalhe). Palácio Nacional, Cidade do México, México.
Ícone. Sugestão de site.

MEMORIAL da América Latina. Disponível em: https://oeds.link/JhZJf0. Acesso em: 18 fevereiro 2022. Esta instituição, localizada na cidade de São Paulo, tem como objetivo promover a integração cultural entre o Brasil e os demais países latino-americanos. No site, é possível conhecer o acervo do memorial e realizar uma visita virtual.

Agitação política nas colônias

Em 1808, Napoleão ocupou a Espanha e nomeou seu irmão, José Bonaparte, como novo governante do país. Para tentar resistir aos franceses, discutir os rumos a serem tomados e exercer o poder na ausência do rei, um movimento popular espanhol organizou as chamadas juntas de govêrno.

O clima de agitação política chegou às colônias hispano-americanas. Nas mais diversas cidades, como Buenos Aires, La Paz e Bogotá, representantes das elites também passaram a se reunir em juntas de govêrno; com o tempo, especialmente a partir de 1810, as juntas começaram a reivindicar maior autonomia comercial para as colônias.

Entre 1810 e 1815, criollos e chapetones lideraram tentativas de independência nas capitanias da Venezuela e do Chile e nos vice-reinos do Rio da Prata e da Nova Espanha. Para eles, a independência representava liberdade política e econômica para estabelecer seus parceiros comerciais e atuar de maneira autônoma no mercado internacional.

As guerras pela independência nas colônias hispano-americanas foram longas, com derrotas e vitórias sofridas por ambos os lados, e apresentaram feições próprias em cada região. Neste Capítulo, vamos estudar a independência do México, além de exemplos de processos de independência na América Central e na América do Sul.

Grupos sociais nas colônias hispano-americanas

A sociedade na América espanhola, no período das independências, era formada pelos seguintes grupos:

  • chapetones, nascidos na Espanha e detentores do poder político e dos melhores cargos da administração;
  • criollos, nascidos na América e descendentes de espanhóis, que formavam a elite intelectual e econômica;
  • mestiços, filhos de espanhóis e indígenas;
  • indígenas e africanos.

As independências na América espanhola (século dezenove)

Mapa. As independências na América espanhola. Século 19.  Mapa representando parte da América do Norte, a América Central e a América do Sul. Há territórios destacados em cores distintas e nomes e datas em destaque em alguns territórios. Uma linha cinza corresponde à 'Divisão política atual'. Na legenda, em verde, 'Vice-Reino da Nova Espanha'. Era constituído por territórios que hoje correspondem ao México e ao sul dos Estados Unidos. Em laranja, 'Vice-Reino da Nova Granada'. Era constituído por territórios que hoje correspondem ao Equador, a Colômbia, a Venezuela e ao Panamá. Incluía as cidades de Guayaquil, Quito, Pasto, Bogotá, Caracas e Angostura. Em rosa, 'Vice-Reino do Peru'. Era constituído pelo território que hoje corresponde ao Peru. Incluindo as cidades de: Lima, Cuzco, Callao e Pisco. Em marrom, 'Vice-Reino do Rio da Prata'. Era constituído pelos territórios que hoje correspondem à Bolívia, ao Paraguai, a Argentina e o Uruguai. Incluía as cidades de: La Paz e Mendonza.  Em roxo, 'Províncias Unidas da América Central'. Era constituída por territórios que hoje compreendem a Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica. Em amarelo, 'Capitanias gerais de Cuba e do Chile'. Incluíam a ilha de Cuba, na região das Antilhas e o território que hoje corresponde ao Chile, incluindo as cidades de Valparaíso e Santiago. Hachurado com linhas azuis, 'Território mexicano perdido para os Estados Unidos no século 19'. Incluía o norte do Vice Reino de Nova Espanha, correspondente aos territórios que hoje compreendem a Califórnia, Nevada, Utah, Arizona, Colorado, Novo México, Oklahoma e Texas. Hachurado com linhas vermelhas, 'Áreas em disputa'. Havia áreas em disputa no território que hoje corresponde à Guiana Francesa; no norte do território que hoje corresponde ao Brasil (onde se localizam os estados de Roraima, no noroeste do Amazonas e no Acre); no oeste do território que hoje corresponde ao Brasil (na fronteira entre a Bolívia e o Mato Grosso e na fronteira entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai); no sudoeste do território que hoje corresponde ao Brasil (na região da tríplice fronteira, entre Paraguai, Argentina e o oeste do Paraná e de Santa Catarina); além de territórios em disputa no norte do Peru, no norte do Paraguai, no norte do Chile e no sul da Argentina.  Uma linha pontilhada cinza corresponde à 'Divisão política em cerca de 1830'. Incluíam as áreas de fronteira do Brasil em disputa, citadas anteriormente (na fronteira do Brasil com a Venezuela, na fronteira do Brasil com a Colômbia, na fronteira do Brasil com o Peru, na fronteira do Brasil com a Bolívia, na fronteira do Brasil com o Paraguai, e na fronteira do Brasil com a Argentina), além de áreas em disputa no norte do Chile.  Setas de cor roxa indicam, 'Campanha de libertação do norte (Bolívar)'. A Campanha partiu de Angostura, na atual Venezuela, dividiu-se em Caracas, seguiu para Bogotá, na atual Colômbia, de lá, seguiu para Pasto, na atual Colômbia, partindo para Quito e para Guayaquil, no atual Equador, seguindo em direção à Callao, no atual Peru, e de lá para Lima; em seguida partiu para Cuzco, ainda no atual Peru e de lá para La Paz, na atual Bolívia. Setas vermelhas indicam: 'Campanha de libertação do sul (San Martín)'. A Campanha partiu de Mendonza, na atual Argentina, seguiu para Santiago, no atual Chile, e de lá para Valparaíso, também no atual Chile. De lá, seguiu para Pisco, no atual Peru, e de Pisco para Callao, no atual Peru. Os nomes e datas das independências dos países da América Latina estão destacados por textos. São eles: México, 1821; Províncias Unidas da América Central, 1821 (compreendendo territórios que hoje compreendem a Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica); Cuba, 1898; Haiti, 1804; República Dominicana, 1865; Porto Rico, 1898; Grã-Colômbia, 1819, (compreendendo territórios do Vice Reino da Nova Granada, que hoje correspondem ao Equador, a Colômbia, a Venezuela e ao Panamá).  Peru, 1821; Brasil, 1822; Bolívia, 1825; Paraguai, 1811; Argentina; 1816; Chile, 1818 e Uruguai, 1828. No canto inferior direito, rosa dos ventos e escala de 0 a 965 quilômetros.

Elaborado com base em dados obtidos em: dubí, . Atlas histórico mundial. Barcelona: Larousse, 2010. página 248.

Independência no México

O Vice-Reino da Nova Espanha, onde se situa a área que corresponde, aproximadamente, ao atual México, era a região mais rica e populosa da América espanhola. O principal descontentamento dos criollos, nos primeiros anos do século dezenove, referia-se ao contrôle rígido que a metrópole espanhola mantinha na região. Foram os criollos que, de modo geral, lideraram as lutas de independência do México, aliados a grupos de indígenas e mestiços.

O movimento contra o domínio espanhol começou, efetivamente, no dia 16 de setembro de 1810. Liderados pelo padre Miguel Hidalgo, camponeses indígenas e mestiços insurgiram-se no pequeno povoado de Dolores. Hidalgo, defensor das ideias liberais e conhecedor de textos de autores franceses e ingleses ligados ao Iluminismo, defendia os interesses e as aspirações dos camponeses e dos grupos mais humildes da população.

Miguel Hidalgo chegou a proclamar o fim dos tributos indígenas e o fim da escravidão africana. Porém, após um período de lutas, os rebeldes foram derrotados pelas fôrças leais à Espanha. O padre Hidalgo foi julgado e executado em 1811.

A luta pela independência do México continuou após a morte de Hidalgo e a liderança do movimento ficou a cargo de outro padre, José Maria Morelos, que, no entanto, foi executado em 1815. Depois disso, as lutas adquiriram um caráter de guerrilha.

O movimento pela independência do México foi um processo longo e bastante complexo. Foi somente em 1821 que o movimento teve um desfecho: a independência daquele que seria o futuro México foi negociada entre membros da elite, em um processo realizado sob a liderança do militar Augusto de Itúrbide.

Fotografia. Vista frontal de igreja, no centro de um povoado. Ela tem paredes de cor bege, com duas torres de seis andares encimadas por cruzes, à esquerda e à direita e, no centro, sobre a fachada, um relógio redondo encaixado em uma estrutura de pedra. A parte alta das torres e a parte central da fachada da igreja são revestidas de pedra de cor bege com figuras entalhadas. Na parte inferior da porção central da fachada, há uma porta central em forma de arco, acessada por uma escadaria de pedra, e, à esquerda e à direita, em dois anexos ao lado da fachada central e das torres, mais baixos que a parte central, há portas em formato de arco, que são acessadas por escadarias de pedra. Ao fundo, no alto, vista parcial de uma cúpula arredondada de cor bege, sobre o telhado da construção. À frente, pessoas caminhando em diferentes direções.  À esquerda, uma construção de dois andares com paredes cor de abóbora, entrada formada por quatro arcos e janelas retangulares, altas, com balcão na cor marrom. À direita, construção com paredes de cor bege.  No alto, o céu azul claro sem nuvens.
Vista da igreja do pequeno povoado de Dolores, em Guanajuato, no México. Segundo a tradição mexicana, foi ali que ocorreu o chamado “Grito de Dolores”, em 16 de setembro de 1810, quando Hidalgo teria tocado os sinos e feito um sermão com teor político, incentivando a independência. Fotografia de 2019.
As independências na América Central

Em 1821, a Capitania Geral da Guatemala, até então sob domínio espanhol, foi anexada pelo México recém-independente. Dois anos depois, a região rompeu com o govêrno do México e formou as Províncias Unidas da América Central.

Em 1838, as Províncias Unidas fragmentaram-se em diversos países: Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica.

Cuba e Pôrto Rico

Cuba e Pôrto Rico foram as duas últimas grandes áreas coloniais na América espanhola a obter a independência. Cuba, com sua grande produção de cana-de-açúcar, café e tabaco, em que se utilizava o trabalho escravo africano, era importante fonte de lucros para a Coroa espanhola. Ao longo do século dezenove, a Espanha, em crise e já sofrendo com as independências de suas colônias na América do Sul, procurou fortalecer os laços com Cuba com o intuito de não perder essa importante área colonial.

A primeira tentativa de independência em Cuba ocorreu entre 1868 e 1878, na chamada Guerra dos Dez Anos. Porém esse movimento fracassou, reprimido pelas fôrças espanholas. Depois, a partir de 1895, as lutas pela independência passaram a ser lideradas por rossê Martí, político, jornalista e filósofo cubano, que organizou levantes simultâneos em diversas localidades da ilha. Essas lutas tiveram caráter popular, contando com a participação de camponeses e de pessoas das cidades.

Os Estados Unidos tinham grande interesse comercial na região. Então, em 1898, entraram em conflito com os espanhóis, que, derrotados, vieram a assinar a Declaração de Independência de Cuba e a ceder as Filipinas e Pôrto Rico aos Estados Unidos, como indenização de guerra. Os Estados Unidos mantiveram ali uma intervenção militar que durou até 1902. Nesse ano, a República de Cuba foi formalmente proclamada.

Fotografia em preto e branco. Retrato de um homem visto do peito para cima. Ele tem a parte frontal da cabeça calva, cabelos escuros e curtos no topo e nas laterais da cabeça, olhos castanhos, um bigode espesso e escuro cobrindo os lábios, veste camisa branca, terno preto e gravata borboleta preta.
Retrato de rossê Martí. Século dezenove.

rossê Martí

rossê Martí publicou muitos artigos na imprensa e chegou a pensar sobre a necessidade de construir uma unidade latino-americana. Fez críticas ao liberalismo, ao republicanismo e ao positivismo, ideias muito presentes entre os intelectuais latino-americanos, e, com o passar do tempo, posicionou-se contra o domínio dos Estados Unidos na América Latina.

As independências na América do Sul

Em julho de 1816, as Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina) declararam formalmente a emancipação política. rossê de San Martín, governador da província de Mendoza, uniu-se às fôrças rebeldes e avançou em direção ao Peru e ao Chile, participando também da independência dessas colônias espanholas.

No norte da América do Sul, a guerra pela independência era conduzida pelo venezuelano Simón Bolívar. Em 1819, após combater os espanhóis, Bolívar proclamou a independência da Grã-Colômbia, que compreendia, principalmente, os territórios dos atuais Equador, Colômbia, Panamá e Venezuela. Três anos depois, um de seus generais, Antônio de Sucre, libertou o Alto Peru, contribuindo para o surgimento de um novo país, a Bolívia.

O caso do Uruguai

Em 1811, a Banda Oriental do Vice-Reino do Rio da Prata foi invadida pelos luso-brasileiros. Para libertar a região, o general rossê Gervasio Artigas uniu-se à junta revolucionária de Buenos Aires e sitiou Montevidéu, expulsando os invasores. Quatro anos depois, as tropas de Artigas também expulsaram os espanhóis da cidade, onde o líder revolucionário instalou um govêrno independente.

Artigas, entre outras medidas, promulgou uma lei que previa o confisco de terras e sua distribuição entre indígenas, negros livres e criollos pobres. Seu projeto, no entanto, foi violentamente combatido pelas tropas de Buenos Aires e por novas iniciativas expansionistas luso-brasileiras. Derrotados, os artiguistas se exilaram no Paraguai em 1820.

No ano seguinte, a Banda Oriental foi anexada ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. A região só obteve sua efetiva independência em 1828, após negociações e acordos com o Brasil e a Argentina.

Pintura. Cena de batalha. Vista geral de local aberto com vegetação verde, duas residências de paredes brancas e telhados em marrom na parte inferior, uma do lado esquerdo e outra do lado direito e morros ao fundo.  No centro, cena de cavalaria em combate, com dezenas de homens montados sobre cavalos marrons formando uma fileira no centro da imagem. Muitos deles, segurando lanças. As figuras são indistinguíveis.   À esquerda, há outro grande grupo de homens em combate, eles estão envoltos por grande quantidade de fumaça de cor branca.  À direita, há um grupo de infantaria, formado por três fileiras de homens à pé marchando em direção ao centro e, portando lanças apoiadas em seus ombros. Esse grupo é liderado por um homem à cavalo. No solo, na parte inferior da pintura,  há homens desfalecidos sobre o chão. Em segundo plano, morros cobertos de verde e o céu, em branco, que se confunde com a coluna de fumaça que sobre do combate.
ESPINOSA, rossê. Batalha de Boyacá. 1840. Óleo sobre tela, 94 por 120 centímetros. Museu Casa Quinta de Bolívar, Bogotá, Colômbia. Essa batalha, ocorrida em 7 de agosto de 1819, marcou a independência da Grã-Colômbia.

Projetos para o futuro

A luta pela emancipação política entre as colônias hispano-americanas colocou em cena muitos projetos para o futuro. Enquanto alguns pretendiam “dividir” a América espanhola, o que daria origem a diversas unidades livres e autônomas, outros desejavam construir uma confederação americana.

O peruano Pablo Olavide foi um dos primeiros a pensar a integração latino-americana. Influenciado pelo Iluminismo, ele chegou a organizar, em 1795, uma sociedade secreta destinada a incentivar a independência das colônias hispano-americanas. Sua visão de união americana, porém, ficava restrita às sociedades da América do Sul. Simón Bolívar, em um de seus mais famosos documentos, a Carta da Jamaica (1815), defendia a união americana, sem nunca propor, porém, a unidade completa. A proposta mais ambiciosa de Simón Bolívar era a criação de uma confederação capaz de integrar uma faixa de terra que se estendia da Guatemala até a Bolívia. Não incluía o México, a área do Rio da Prata ou o Brasil.

Com o início do processo de independência das colônias hispano-americanas, surgiram outros defensores da integração, pensadores do chamado Pan-americanismo. Ruán Martínez de Róssas, político chileno, autor da Declaração dos Direitos do Povo Chileno, por exemplo, defendeu essa ideia. rossê de San Martín e o coronel Bernardo Monteagudo, por sua vez, acreditavam que a união entre as colônias em processo de emancipação era essencial para que estas conseguissem resistir às investidas da Espanha.

Portanto, é possível notar que as raízes históricas e geográficas comuns das várias jovens nações latino-americanas que se formaram após as independências, bem como a necessidade de defesa contra a antiga metrópole, foram fatores decisivos para a criação da ideia de uma “América unida” e do Pan-americanismo.

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Transcrição do áudio

[LOCUTOR 1]: Carta da Jamaica, de Simón Bolívar

[LOCUTOR 2]: Símon Bolívar nasceu na cidade de Caracas, na Venezuela. Membro da elite criolla, ele se envolveu em lutas de independência das colônias americanas a partir de 1811. Foi um dos líderes do movimento de emancipação da Venezuela e de territórios vizinhos como o Equador, a Colômbia e o Panamá, todos membros da Grã-Colômbia.

Por acreditar que as regiões colonizadas pela Espanha tinham certa unidade, já que haviam passado por um processo histórico comum e possuíam características culturais, sociais e econômicas semelhantes, Bolívar entendia que a aproximação política entre elas era necessária.

Para este venezuelano, o sistema de governo mais adequado aos novos países seria a república, pois ela evitaria privilégios a um grupo menor de pessoas. Porém, essas repúblicas recém-proclamadas deveriam estar unidas por meio de um sistema de confederação, uma vez que algumas decisões se tomariam coletivamente. Essa seria uma forma de elas garantirem sua governança ao mesmo tempo em que se manteriam como organismo político maior e, portanto, mais influente, para fortalecer o crescimento do território como um todo.

Bolívar foi um dos mais importantes defensores da criação de confederações no continente. Apesar de ele e seus aliados terem tomado o poder na região da Venezuela em 1813, as forças espanholas acabaram derrotando os insurgentes e, dois anos mais tarde, recuperaram o controle do local.

Com a derrota, Bolívar buscou refúgio na colônia inglesa da Jamaica. Foi nesse período que ele escreveu a Carta da Jamaica, enviada a um comerciante inglês com o objetivo de conseguir apoio da Inglaterra na luta de independência da América espanhola. Essa carta tornou-se um dos principais documentos em defesa do projeto republicano e da criação de confederações na América.

A seguir, vamos ouvir um trecho dessa carta em que Bolívar explica as razões pelas quais defendia o sistema republicano e entendia não ser possível a criação de uma única grande república no continente.

[LOCUTOR 3]: Eu desejo, mais que qualquer outro, ver formar na América a maior nação do mundo, menos por sua extensão e riquezas que por sua liberdade e glória. Apesar de que aspiro a perfeição do governo da minha pátria, não posso me convencer que o Novo Mundo seja, no momento, regido por uma grande república. Como é impossível, não me atrevo a desejá-lo, e menos ainda desejo uma monarquia universal da América, porque este projeto, sem ser útil, é também impossível. Os abusos atualmente existentes não seriam corrigidos e nossa renovação seria infrutífera. Os estados americanos têm necessidades de governos paternais que curem as pragas e as feridas do despotismo e da guerra. A metrópole, por exemplo, seria México, que é a única que pode ser por seu poder intrínseco, sem o qual não há metrópole. Suponhamos que o istmo do Panamá fosse o ponto central para todos os extremos deste vasto continente: não continuariam estes na passividade e os outros na desordem atual? Para que um só governo dê vida, anime, ponha em ação todas as engrenagens da prosperidade pública, corrija, ilustre e aperfeiçoe ao Novo Mundo, seria necessário que tivesse as faculdades de um Deus e, pelo menos, as luzes e virtudes de todos os homens. O espírito de partido que no momento agita a nossos estados ascenderia então com maior exasperação, estando ausente a única fonte de poder que pode reprimi-la. Além disso, os magnatas das capitais não sofreriam a predominância dos metropolitanos, a quem considerariam como a outros tiranos: seus ciúmes chegariam ao ponto de compará-los com os odiosos espanhóis. Enfim, uma monarquia semelhante seria um colosso disforme que seu próprio peso desabaria diante da menor convulsão. Mister de Pradt dividiu sabiamente a América em quinze ou dezessete Estados, independentes entre si, governados por tantos outros monarcas. Estou de acordo enquanto ao primeiro, pois a América comporta a criação de dezessete nações, enquanto ao segundo, ainda que seja mais fácil de conseguir, é menos útil, e assim, não sou da opinião das monarquias americanas. Eis aqui minhas razões: bem entendido, o interesse de uma república se circunscreve na esfera de sua conservação, prosperidade de glória. O império, desde que não exerça a liberdade com o sentido imperialista, porque é precisamente o seu oposto, nenhum estímulo provocaria aos republicanos para que entendam os termos de sua nação, em detrimento de seus próprios meios, com o único objetivo de fazer participar seus vizinhos de uma constituição liberal. Nenhum direito adquire, nenhuma vantagem tiram vencendo-os, a menos que os reduzam a colônias, conquistas ou aliados seguindo o exemplo de Roma. Tais máximas e exemplos estão em oposição direta aos princípios de justiça dos sistemas republicanos; e, ainda direi mais, em oposição manifesta aos interesses de seus cidadãos, porque um Estado muito extenso em si mesmo ou por suas dependências, ao final entra em decadência e converte sua forma liberal em outra tirania, relaxa os princípios que devem preservá-la e, por último, ocorre o despotismo. O diferencial das pequenas repúblicas é a permanência, o das grandes é variado, mas sempre se inclina ao império. Quase todas as primeiras tiveram uma longa duração: das segundas, só Roma se manteve alguns séculos, mas foi porque a capital era república e não o resto de seus domínios que eram governados por leis e instituições diferentes.

Gravura. Em local aberto, dois homens, um de frente para o outro. À esquerda, homem de cabelos castanhos, curtos e ralos, com casaca militar azul com detalhes em dourado, dragonas da mesma cor, faixa vermelha na cintura, calça branca e sapatos pretos. Ele segura na mão direita um chapéu largo de cor preta e tem a mão esquerda para frente.  À direita, um homem de cabelos escuros, curtos e cheios, com o mesmo tipo de roupa do homem à esquerda, com um chapéu preto debaixo do braço esquerdo e a mão direita para frente.  Atrás dele, vegetação em verde e em segundo plano, atrás do homem à esquerda, um grupo de quatro homens vestidos com o mesmo tipo de roupa.  No alto, céu nublado com muitas nuvens.
Representação de encontro entre Simón Bolívar e San Martín, em Guaiaquil, no Equador, em 1822.
Ícone. Sugestão de livro.

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. O general em seu labirinto. Rio de Janeiro: recór, 2016. A obra de ficção tem como pano de fundo os últimos dias de vida de Simón Bolívar.

E depois da independência?

Após a independência, as diversas ex-colônias hispano-americanas tinham uma grande tarefa pela frente. E essa tarefa não era nada simples: praticamente todas as ex-colônias conheceram um período de instabilidade política e econômica após obterem a independência política em relação à Espanha, pois os problemas e questões a serem resolvidos dentro de cada novo país eram inúmeros.

A conquista da independência marcava o rompimento dos laços políticos com a metrópole e também indicava que complexas tarefas mostravam-se urgentes. Era necessário construir os novos Estados, montar uma estrutura administrativa, delimitar fronteiras, organizar instituições para garantir a ordem e o contrôle sociais e, além de tudo isso, encontrar fórmas de reanimar as combalidas economias. Grupos políticos se formaram para pensar e encaminhar soluções para tais problemas.

PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. São Paulo: Contexto, 2018. página 43.

Os novos países formados após as independências optaram pelo regime republicano. Porém, dentro de cada país, e mesmo dentro de cada província, havia diferentes visões a respeito de como deveria funcionar a república. Em alguns casos, eclodiram guerras civis entre grupos contrários, que tinham diferentes projetos de govêrno, como no México e na Argentina.

No caso do México, a guerra civil se deu entre liberais, que defendiam a República e a separação do Estado em relação à Igreja, e conservadores, que defendiam a Monarquia e os privilégios da Igreja dentro do Estado nacional. O Estado mexicano só se consolidou, efetivamente, após 1850. Já na Argentina, os conflitos que deram fórma a uma guerra civil ocorreram entre federalistas, de um lado, que desejavam ampla autonomia para as províncias, e os chamados unitários, de outro, que defendiam o estabelecimento de um govêrno centralizado. Em razão da instabilidade política, o Estado argentino só foi consolidado em 1862.

São específicos os casos de Pôrto Rico e Filipinas, que, após a guerra de independência de Cuba, passaram ao status de colônias norte-americanas, vivenciando uma trajetória política bem diferente daquela experimentada pelas nações do restante da América Latina.

Algo, porém, havia em comum, em toda a América Latina independente: as elites procuraram afastar os grupos populares das decisões políticas e mantê-los sem direitos plenos.

Ilustração em preto e branco. Vista geral de local aberto: uma ampla praça com construções ao fundo. No centro, sobre um pedestal alto e vertical, um escultura representando uma mulher em pé, segurando uma lança. Ao redor, árvores altas, similares a palmeiras. À frente, perto das árvores, carruagens puxadas por cavalos e, perto delas, pessoas em pé, passando. Perto delas à esquerda, um banco, sem pessoas sentadas, e em segundo plano, uma construção larga e baixa, com janelas retangulares e duas torres na vertical.
Câmara dos Deputados e Praça de Maio, em Buenos Aires, Argentina. 1890. Ilustração. Biblioteca Ambrosiana, Milão, Itália.

Indígenas e africanos na América independente

Para as populações indígenas das antigas colônias espanholas na América, a independência não representou a conquista de mais liberdade. Os novos governos nacionais consideraram que os indígenas precisavam se adaptar às novas condições do país e contribuir para a modernização da economia e da sociedade.

Em alguns países, os tributos cobrados dos povos indígenas foram restabelecidos para socorrer os cofres públicos. Em outros, campanhas militares foram organizadas para expulsar os nativos de suas terras.

Com a intenção de transformar os indígenas em pequenos proprietários e fazer com que sua produção agrícola fosse comercializada, os Estados independentes extinguiram o princípio da posse comunitária da terra, que fazia parte das chamadas reformas liberais, em países como México e Peru. Essa medida, contudo, acabou criando mecanismos de violenta exclusão política e econômica. Muitas terras indígenas foram parar em mãos de grandes fazendeiros, e os indígenas se tornaram mão de obra barata explorada na mineração e na agricultura.

Os indígenas de diferentes Estados hispano-americanos não assistiram passivamente à violação de seus direitos. Durante o século dezenove, as comunidades indígenas denunciaram o desvio do curso de rios por fazendeiros, pressionaram o Estado pela abolição do tributo, recorreram aos tribunais em defesa de seus interesses e mobilizaram revóltas armadas. Protestos e mobilizações indígenas passaram a ocorrer constantemente em diversas regiões da América hispânica.

Gravura. Em um local aberto, com chão de areia bege, há três grupos de pessoas. 
À esquerda, em primeiro plano, sentados e encostados sobre uma pedra, dois homens de cabelos longos e castanhos, descalços, um com uma faixa vermelha sobre a cabeça, blusa vermelha, calça azul  e pano azul sobre os ombros, com as mãos apoiadas sobre um bastão de madeira com pinos finos em cinza na parte inferior, similar a um tacape. À direita dele, outro homem sentado no chão, com a perna direita flexionada e a esquerda estendida, de colete e gorro vermelhos calça e camisa azul, olha para à direita. 
À direita, um homem e duas mulheres em pé. O homem tem cabelos escuros longos até os ombros e veste uma túnica até os joelhos de cor bege com listras diagonais cor de rosa, estampas representando animais em dourado e franjas douradas nas bordas, calça até os joelhos cor de rosa, polainas cor de rosa e sapatos de cor marrom. Ele está com uma faixa com o mesmo padrão da túnica em torno de sua cabeça, com a mão direita apoiada sobre um bastão na vertical dourado e a mão direita inclinada para baixo. À direita dele, duas mulheres de cabelos longos e castanhos, com vestidos e capas  azuis, com detalhes nas bordas dourados, meias brancas e sapatos dourados.  Uma delas, de cinto dourado, está com a mão direita para frente. A outra, usando um cinto rosa, tem as mãos na cintura, Ambas usam brincos, colares e um adereço como uma tira de pedras ao redor da cabeça. 
Ao fundo, à esquerda dois homens montados à cavalo. Os dois homens usam o mesmo tipo de roupa: gorro vermelho, blusa do mesmo tom, túnica e calça em azul. Um deles carrega uma bandeira com uma estrela, o outro, segura uma lança. Ambos montam cavalos de pelagem marrom. Os dois cavalos estão correndo.
Galhina, Galho. Representação de mapúches. cêrca de 1820-1830. Litografia colorida. Coleção particular.
Os africanos na América independente

A mão de obra africana na América espanhola esteve concentrada especialmente em Cuba. O sistema de plantation fez com que pelo menos 840 mil escravizados fossem levados para a ilha entre os anos 1790 e 1870; para termos uma ideia, a América espanhola como um todo recebeu cêrca de 1 milhão e 660 mil indivíduos na condição de escravizados entre os séculos dezesseis e dezenove. O fato de a escravidão ter sido abolida somente em 1886 em Cuba pode mostrar a importância que essa fórma de trabalho adquiriu na colônia.

Vale lembrar que a escravidão africana foi menos presente no restante das colônias hispano-americanas, que contavam predominantemente com a mão de obra indígena. A mão de obra africana esteve concentrada somente em algumas regiões da América do Sul, como no Vice-Reino de Nova Granada, área especializada na exploração de ouro de aluvião.

Os africanos e seus descendentes buscaram resistir à escravidão. Muitos chegaram a formar comunidades semelhantes aos quilombos no Brasil, como os cúmbes, nas terras da atual Venezuela, e os palênques, nas atuais Cuba e Colômbia.

Muitos africanos e seus descendentes foram recrutados para as lutas nas guerras de independência da América espanhola. Esses indivíduos contavam com a promessa de que, após participarem das lutas, seriam alforriados, ou seja, adquiririam a liberdade. Contudo, a independência não significou o fim imediato do trabalho de escravizados na América espanhola.

É importante ressaltar que os africanos e seus descendentes deixaram marcas na história da América espanhola. Suas manifestações culturais, antes rejeitadas, contribuíram para a formação da identidade latino-americana.

Fim da escravidão na América ESPANHOLA independente*

Esquema. Fim da escravidão na América espanhola independente. Não inclui as Províncias Unidas da América Central. À esquerda, um retângulo vermelho com o nome do país. À direita, um retângulo vermelho com a data.  Chile: 1823. México: 1829. Bolívia: 1831. Uruguai: 1846. Colômbia: 1851. Equador: 1852. Argentina: 1853. Peru e Venezuela: 1854. Paraguai: 1869. Porto Rico: 1873. Cuba: 1886.

* Não inclui as Províncias Unidas da América Central.

Fotografia. Um grupo de cinco homens em uma praça, quatro sentados em um banco embaixo de uma árvore, um, à esquerda, em pé. Todos vestidos com camisa branca de mangas curtas, calças jeans e, sobre a cabeça, chapéus de cor bege clara com fitas pretas.  
O homem que está em pé, à esquerda, toca um violão. À direita, sentados: um homem toca um tambor, o outro, à direita, toca um cajon, batendo com as mãos no instrumento sobre o qual  está sentado, outro, à direita, toca um par de chocalhos azuis e, o outro, à direita, toca um violão.  Ao fundo, construção amarela com portas cobertas por grandes brancas. Crianças caminhando na praça e outras pessoas sentadas, ao fundo.
Músicos cubanos realizam apresentação do son em Trinidad, Cuba. O son é um estilo musical de origem cubana que mistura elementos da música espanhola com ritmos africanos. Fotografia de 2019.
Ícone. Ilustração de um recipiente de base circular, com duas hastes laterais e grafismos coloridos, indicando a seção Lugar e cultura.

Lugar e cultura

Ser negro no Uruguai: cultura e preconceito

O racismo, bastante recorrente em situações do dia a dia, manifesta-se de diferente modos no Brasil e em outros países. Cada vez mais, essa problemática tem sido discutida e denunciada em diversos âmbitos, como na música, no cinema, no teatro, na televisão, em textos jornalísticos e literários, na mídia em geral e em manifestações populares. Recentemente, atos de violência contra pessoas negras impulsionaram manifestações contra o racismo em diversos países. Mas o racismo, muitas vezes, se manifesta de fórma quase silenciosa, na dinâmica das relações sociais e na normalização das desigualdades. Você sabe quais são as dificuldades enfrentadas pelos negros em outros países da América? Leia o trecho a seguir e reflita um pouco mais sobre o assunto.

O Uruguai ostenta o menor índice de desigualdade da América do Sul e a menor taxa de pobreza da América Latina e Caribe, além de ser um dos países com melhores estatísticas de inclusão social na região.

No entanto, um estudo recente do Banco Mundial indica que os afrodescendentes – principal minoria étnico-racial com ao menos 8,1% da população, segundo o último censo (2011) – “são mais suscetíveis a serem excluídos”.

O documento diz que a pobreza entre os afro-uruguaios (20%) é o dobro da taxa nacional. Além disso, eles tendem a ganhar 11% a menos que o resto dos 3,45 milhões de uruguaios pelo mesmo trabalho e têm 20,7% menos de chances de completar o ensino médio.

NEGROS no Uruguai, marginalizados no país da inclusão. Estado de Minas Internacional, 7 dezembro 2020. Disponível em: https://oeds.link/nnir0b. Acesso em: 18 fevereiro 2022.

Fotografia. Sob um céu azul escuro, um grupo de pessoas na rua, vestidas com blusas brancas sob casacos de mangas curtas cobertos de lantejoulas vermelhas e, nas bordas, azuis. Usam sobre a cabeça, chapéus prateados. No centro, uma pessoa de cabelos pretos e curtos toca um grande atabaque branco. Ela tem um dos braços erguido para o alto. Perto dela, há homens vistos parcialmente, com o mesmo estilo de roupa, e tocando diferentes tipos de tambores.
Grupo de candombe durante desfile das Llamadas, o “carnaval” mais popular do Uruguai, em Montevidéu, no Uruguai. Fotografia de 2022.
  1. No Brasil, os negros são minoria como no Uruguai? Faça uma rápida pesquisa na internet para descobrir.
  2. Discuta com seus colegas: O que há em comum entre a população negra do Uruguai e a do Brasil? Vocês acreditam que esse fator está ligado à existência do racismo?

Atividades

Faça as atividades no caderno.

1. Leia o texto da historiadora Maria Ligia Coelho Prado sobre o significado de liberdade para os diferentes grupos sociais na América espanhola.

Para os escravos, a liberdade se traduzia pelo rompimento das cadeias que os ligavam a seus senhores; para mestiços e indígenas indicava a possibilidade da abolição das discriminações das chamadas castas. Para os liberais (comerciantes, funcionários, proprietários de terra etcétera, a liberdade significava o fim dos laços com a metrópole. Além disso, os despossuídos queriam terra, enquanto os proprietários e comerciantes desejavam liberdade para produzir e comerciar.

PRADO, Maria Ligia Coelho. Bolívar, Bolívares. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 julho 1983, Folhetim, página 10.

  1. Identifique os grupos sociais citados no texto.
  2. De acôrdo com a historiadora, a noção de liberdade tinha o mesmo significado para os grupos citados? Justifique.
  3. Qual desses projetos foi vitorioso com o processo de independência? Justifique.
  4. Sobre a divergência de interesses e projetos políticos, há semelhanças entre o processo de independências nas regiões hispano-americanas e o processo revolucionário francês de 1789? Por quê?
  1. Com base no mapa "As independências na América Espanhola (século dezenove)" e no conteúdo abordado no Capítulo, responda:
    1. Que regiões faziam parte do Vice-Reino da Nova Granada? Qual foi o papel desempenhado por Bolívar no processo de independência dessa região?
    2. Por que o processo de independência do Vice-Reino da Nova Espanha difere dos demais? Como a emancipação da região foi realizada?
    3. A unidade política da América espanhola se manteve após a independência? Justifique sua resposta.
  2. Organizem-se em grupos, sob orientação do professor. Observem com atenção o mural El retablo de la Independencia, de ruán ôgôrman, apresentado anteriormente, e respondam: quais são os grupos sociais étnicos que o artista quis destacar nessa luta? O que ele fez para garantir esse destaque? Que caráter o artista quis atribuir ao movimento pela independência mexicana?
  3. Retome as informações do Capítulo, especialmente sobre o cenário americano após as independências, e responda:
    1. Que “tarefas” deveriam ser realizadas após as independências na América espanhola?
    2. Que regime político foi adotado nos países que se formaram após as independências?
  4. Reflita sobre a condição dos diferentes grupos que compunham os territórios independentes da América espanhola e responda às questões.
    1. O que a conquista da independência significou para os indígenas? Seus modos de vida foram respeitados? Atualmente, os indígenas têm seus direitos respeitados?
    2. Os afrodescendentes conquistaram sua liberdade e foram considerados sujeitos de direitos plenos logo após a independência das antigas colônias espanholas da América? Podemos dizer que nos dias de hoje a participação dos afrodescendentes nas sociedades latino-americanas é pautada na igualdade de oportunidades em relação ao restante da população?
  5. Qual era a principal concepção de integração da América segundo os líderes independentistas que defendiam o Pan-americanismo?
Ícone. Ilustração do globo terrestre circundado por uma linha amarela, simulando a trajetória da Lua em torno do planeta, indicando a seção Ser no mundo.

Ser no mundo

O Dia da Bandeira no Haiti

Você já sabe que o Haiti foi a primeira colônia na América Latina a alcançar sua independência política. Isso ocorreu em 1804, em um contexto marcado pela revólta organizada por escravizados, por ex-escravizados e por mestiços, inspirados nas ideias iluministas.

Mas o que nem todo mundo conhece é a história que conta a criação da bandeira nacional do Haiti e como esse símbolo guarda uma relação especial com a revólta de São Domingo. A versão mais divulgada e mais conhecida dessa história diz o seguinte:

Exatamente em 18 de maio de 1803, durante o Congresso de Arcauí, Jan-Jéc Dessalíne – que seria responsável por proclamar a independência do Haiti – rasgou a parte central da bandeira francesa e costurou o azul e o vermelho restantes, simbolizando a união entre negros e mulatos. Nascia assim a bandeira do Haiti, país que viria a alcançar sua independência oficial em 1º de janeiro de 1804.

DELFIM, Rodrigo Borges. Por que o dia 18 de maio é tão importante para os haitianos? MigraMundo, 18 maio 2017. Disponível em: https://oeds.link/R1p48g. Acesso em: 18 fevereiro 2022.

Mais tarde, a bandeira do Haiti recebeu a imagem de um brasão de armas, colocado ao centro, em um fundo branco.

Muitos historiadores complementam a história da criação da bandeira haitiana citando a presença de Cáterrine Flón: ela, na verdade, é quem teria sido responsável por costurar as partes azul e vermelha da bandeira. A memória de Cáterrine , juntamente com as de e Dedê Bazíle, mulheres que também tiveram participação no processo de independência do Haiti, é bastante celebrada até os dias de hoje.

Fotografia. Uma bandeira hasteada com duas faixas horizontais; acima, azul e abaixo, vermelha. No centro, um quadrado branco com uma ilustração dentro representando uma árvore ao centro em amarelo, folhas verdes e, abaixo dela, formas finas como lanças em vermelho e pano azul pendente delas, e abaixo das lanças, dois canhões em amarelo. Na parte inferior, base em verde. Em segundo plano, desfocado, local com oceano à esquerda em azul claro e à direita, areia e muitas árvores.
Bandeira haitiana, criada em 1803. Fotografia de 2018.

A história da criação da bandeira, que tem como pano de fundo a independência de São Domingo e a luta contra o domínio colonial, é bem importante até hoje no Haiti. Todos os anos, no dia 18 de maio (o “Dia da Bandeira”), há comemorações em todas as cidades haitianas. Até mesmo pessoas do Haiti que passaram a viver e a trabalhar em outros países celebram o Dia da Bandeira, onde quer que estejam. Isso ocorre no Brasil, por exemplo, que recebeu um grande número de trabalhadores haitianos nos últimos anos. Acontece também em diversas cidades dos Estados Unidos onde há grupos de trabalhadores haitianos imigrantes.

Fotografia. Dezenas de crianças em um desfile em uma rua, meninos e meninas negros de cabelos escuros, as meninas com os cabelos presos em tranças. Meninos e meninas com camisa de mangas curtas na cor azul clara, as meninas de saia de pregas de cor cinza e os meninos de calça cinza. 
À frente, três meninas juntas, duas delas de braços dados, vistas da cintura para cima. Duas delas, à esquerda, segurando pequenas bandeiras do Haiti. A menina à esquerda olha para frente, sorrindo. 
Em segundo plano, o fundo da imagem está desfocado. Há mais crianças com bandeiras e,  mais ao fundo, árvores com folhas verdes.
Crianças participam da celebração do Dia da Bandeira do Haiti em Arcauí, Haiti. Fotografia de 2018.
Fotografia. Dentro de uma sala com paredes e teto em brancos, com um vitral redondo no alto, ao fundo, à esquerda e à direita, bancos de madeira. Em pé diante dos bancos, mulheres negras de cabelos escuros, e diferentes vestes em pé. À esquerda, a maioria está com roupa vermelha e algumas mulheres seguram pequenas bandeiras do Haiti, e, à direita, algumas com roupas brancas e outras com roupa preta.  No centro, no corredor formado pelos espaço entre os bancos,  duas filas de mulheres fazendo passos de dança. Elas usam blusa de mangas curtas e babados e rendas de cor branca, saia longa de cor azul marinho e lenços sobre os cabelos. Elas estão com as mãos dadas, no centro, entre as duas fileiras de mulheres, e estão com o outro braço para cima, como em um gesto de dança.  Em segundo plano, ao fundo, outras mulheres em pé.
Celebração em 18 de maio, Dia da Bandeira, em igreja católica haitiana em Miami, nos Estados Unidos. Além de celebrar a bandeira, criada em um contexto ligado à história da revólta de escravos e da independência como um todo, nesse dia muitas mulheres haitianas e descendentes se vestem como Cáterrine , para homenageá-la. Arcauí, a cidade natal de Cáterrine , inclusive, é conhecida como a “cidade da bandeira”. Fotografia de 2017.
  1. Utilizando seus conhecimentos de História, explique por que justamente a bandeira francesa teria sido rasgada no processo de criação da bandeira do Haiti.
  2. Reúna-se com um colega e escrevam um pequeno texto relacionando a revólta de São Domingo, a independência do Haiti, a criação da bandeira e o fato de o Dia da Bandeira, hoje, ser celebrado até mesmo por haitianos que vivem em outros países. Pensem nas questões da memória e da identidade haitiana e na história daquele país. Finalizem o texto respondendo à seguinte questão: se vivessem em outro país, vocês celebrariam alguma data comemorativa brasileira? Por quê?