UNIDADEsete BRASIL: DA REGÊNCIA AO SEGUNDO REINADO

Fotografia. Vista de um local aberto com destaque para uma edificação com três pavimentos, ao fundo, no centro da imagem. Em primeiro plano, um jardim com grama verde e um corredor formado por coqueiros dos lados direito e esquerdo. No meio do corredor de coqueiros, há uma base quadrada de cimento, pintada de amarelo, com uma estátua representando uma pessoa. Algumas pessoas passeiam e tiram fotos no jardim.  Ao fundo, a edificação de cor amarela, o prédio do Museu Nacional. Nos três pavimentos, há muitas janelas retangulares de cor branca. No alto, o céu nublado em tons de cinza.
O século dezenove no Brasil foi um período importantíssimo para a formação da ideia de nacionalidade tal qual conhecemos hoje. Não é à toa que existem muitos museus espalhados pelo país dedicados a preservar a memória desse período. Um exemplo era o Museu Nacional, no Parque da Quinta da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro Rio de Janeiro. Em 2 de setembro de 2018, um incêndio de grandes proporções destruiu quase totalmente o acervo de mais de 20 milhões de itens desse que era um dos maiores museus de história natural e de Antropologia da América Latina. O edifício em que ele se localizava já serviu de moradia para a família imperial. Fotografia de 2018.

Você estudará nesta Unidade:

revóltas no período das regências

As fôrças políticas no Segundo Reinado

Guerra do Paraguai

O cultivo de café no centro-sul do Brasil

Construção da identidade nacional no século dezenove

O fim da escravidão

Respostas e comentários

Apresentação

Esta Unidade, intitulada “Brasil: da Regência ao Segundo Reinado”, relaciona-se à seguinte Unidade Temática da Bê êne cê cê do 8º ano: O Brasil no século dezenove.

Em consonância com as Competências Gerais da Educação Básica número 1 e número 3, os conteúdos desta Unidade incentivam os estudantes a valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade reticências (1) e valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural (3).

Os conteúdos trabalhados na Unidade também buscam levar o estudante a desenvolver as seguintes Competências Específicas do Componente Curricular História: Compreender acontecimentos históricos, relações de poder e processos e mecanismos de transformação e manutenção das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais ao longo do tempo e em diferentes espaços para analisar, posicionar-se e intervir no mundo contemporâneo (1), Elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em relação a documentos, interpretações e contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens e mídias, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos, a cooperação e o respeito (3) e Identificar interpretações que expressem visões de diferentes sujeitos, culturas e povos com relação a um mesmo contexto histórico, e posicionar-se criticamente com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários (4).

Fotografia. Vista de um local aberto com amplo jardim à frente, na parte inferior da imagem e, no alto, ao fundo, uma edificação grande, de cor amarela, com dois pavimentos e facada com colunas. Em primeiro plano, o jardim tem arbustos verdes aparados simetricamente com os topos planos. Também há postes de iluminação, feitos de metal de cor preta, com luminárias ovais de cor branca. Há árvores mais altas, também podadas, em formato de cone, e algumas palmeiras altas. Ao fundo, em segundo plano, a edificação com colunas na parte central da fachada, e um frontão na entrada, com formato triangular no topo. As janelas possuam formato de arco e estão distribuídas nos dois pavimentos, formando linhas horizontais. À esquerda e à direita,  nas extremidades da edificações, há um terceiro pavimento. No alto, o céu azul claro e nuvens brancas esparsas.
O Museu Paulista da Universidade de São Paulo, conhecido como Museu do Ipiranga, é o mais antigo da cidade de São Paulo. Foi inaugurado oficialmente no dia 7 de setembro de 1895 e está localizado no Parque da Independência. Fotografia de 2019.
Fotografia. Em um local aberto, cercado por árvores, com um caminho de terra com poças de água, no centro, ao fundo, uma edificação cor de rosa, com um pavimento elevado em relação ao solo.  Há vegetação abundante à direita e à esquerda.  No centro e ao fundo, a construção tem paredes cor de rosa e detalhes emoldurando as portas e janelas na cor branca. À frente da casa, há uma escadaria que leva ao primeiro pavimento, com uma porta alta e retangular ladeada por duas janelas de mesmo formato e tamanho.  À direita, um uma das paredes laterais, há três janelas retangulares, também pintadas de branco.  Na parte inferior da construção, junto ao solo, há uma espécie de porão, com aberturas em forma de  arco. A construção tem um telhado de duas águas, triangular, coberto por telhas cor de terracota.
O Museu Paraense Emílio Guêldi, localizado na cidade de Belém, no Pará, foi fundado em 1911, no contexto das expedições de naturalistas e artistas para a Amazônia. Fotografia de 2018.

Entre os anos de 1831 e 1840, o Brasil viveu uma época bastante peculiar: o chamado período regencial, em que governos formados por regências se sucederam no poder político após a abdicação de Dom Pedro primeiro. Historiadores consideram que foi no período regencial que a unidade territorial do país se concretizou, mas não antes de o govêrno central enfrentar uma série de revóltas espalhadas pelo território.

Com o fim do período regencial, iniciou-se o Segundo Reinado. Dom Pedro segundo foi a figura central na política de então. Ao longo dos 49 anos do Segundo Reinado, o Brasil viu nascer a construção de uma história e de uma memória nacionais.

Quais foram os principais conflitos internos e externos vivenciados pelo país naquele período? De que maneira a unidade territorial no Brasil foi concretizada, ao longo do século dezenove? Quais foram as características do processo que levou ao fim da escravidão no país?

Respostas e comentários

Nesta Unidade

Esta Unidade abrange o período que se seguiu à abdicação de Dom Pedro primeiro, em que a monarquia ficou sem um representante da Coroa portuguesa no poder, passando pelas regências, pelo Segundo Reinado e pela abolição da escravidão, contexto que antecedeu a instauração da República.

Após a abdicação de Dom Pedro primeiro, vários conflitos amea­çaram fragmentar o território brasileiro em diversos Estados independentes. Por quase vinte anos, o govêrno regencial e o de Dom Pedro segundo no início de seu reinado lutaram contra a ameaça separatista, procurando fortalecer o poder central. Posteriormente, o Brasil entrou na década de 1850 como um Estado nacional consolidado, tendo reconhecido o poder do imperador e reunindo relativas condições para o desenvolvimento econômico. Nesse aspecto, o período regencial foi fundamental para o projeto de consolidação do Estado brasileiro.

Durante o Segundo Reinado o café tornou-se o principal produto de exportação do Brasil, gerou muita riqueza e promoveu a ampliação da rede de infraestrutura, com ferrovias, bancos e produção de energia. Nas últimas décadas do século dezenove, o trabalho escravo foi gradualmente substituído pela mão de obra de imigrantes livres, especialmente nas regiões cafeeiras. Mas, mesmo após a Lei Áurea, a ausência de uma política de inclusão dos ex-escravizados na sociedade contribuiu para a permanência da desigualdade no país.

Objetos de conhecimento trabalhados na Unidade

O período regencial e as contestações ao poder central.

O Brasil do Segundo Reinado: política e economia.

A Lei de Terras e seus desdobramentos na política do Segundo Reinado.

Territórios e fronteiras: a Guerra do Paraguai.

O escravismo no Brasil do século dezenove: plantations e revóltas de escravizados, abolicionismo e políticas migratórias no Brasil Imperial.

A produção do imaginário nacional brasileiro: cultura popular, representações visuais, letras e o Romantismo no Brasil.

CAPÍTULO 15 O PERÍODO REGENCIAL (1831-1840)

Atualmente, o Brasil é uma república presidencialista. O presidente da República é escolhido pelo povo, nas eleições, e tem mandato temporário previsto pela Constituição. Além disso, o presidente é o chefe do Poder Executivo e exerce sua função auxiliado pelo vice-presidente e pelos ministros de Estado. Também é importante lembrar que, nessa fórma de govêrno, quando o presidente renuncia ao cargo ou é destituído, o vice-presidente assume o poder. Caso ocorra algum impedimento para a posse do vice-presidente, o presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado ou o do Supremo Tribunal Federal assume o cargo em caráter provisório, até que uma eleição defina o novo presidente do país.

No início do século dezenove, o Brasil não era uma república presidencialista, mas sim uma monarquia. O poder político era transmitido hereditariamente, ou seja, era passado de um membro a outro do mesmo grupo familiar. Em abril de 1831, Dom Pedro primeiro abdicou do trono em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, que tinha apenas 5 anos de idade. Como Pedro era muito novo, seguiu-se, à época, a Constituição, que previa que o parente mais próximo do imperador com mais de 25 anos deveria assumir o poder.

Contudo, nenhum outro membro da família real estava habilitado a ocupar o trono no lugar do jovem herdeiro. Por isso, o Império do Brasil passou a ser governado, temporariamente, por três regentes. Após pouco mais de dois meses da abdicação de Dom Pedro primeiro, deputados e senadores reuniram-se em Assembleia Geral e elegeram a Regência Trina Permanente.

Pintura. Retrato de um menino sentado no chão. Ele tem cabelos loiros e curtos, divididos lateralmente e penteados para a esquerda, e olhos claros. Veste uma uma blusa de mangas compridas azul clara, com uma gola de renda branca pregueada, calças brancas, meias brancas e sapatos pretos. Está com as costas encostadas em uma espécie de sofá de madeira, atrás dele. Tem as pernas cruzadas e uma das mãos sobre o joelho flexionado e levado. Ao lado dele, à esquerda, há um tambor amarelo com bordas vermelhas tanto na parte inferior quanto na superior, com cordas brancas amarradas na vertical e um brasão de fundo vermelho com uma esfera armilar e uma coroa dourada e verde entre dois ramos de folhas verdes. É o brasão da Família Real brasileira.  Ao fundo, o móvel de madeira atrás do menino é marrom com estofado verde e há um tecido cor de vinho sobre ele.  No chão, o piso está coberto por  um tapete amarelo com estampas de flores e há uma pequena baqueta de madeira sobre o tapete.
, . Dom Pedro segundo, menino. cêrca de 1830. Óleo sobre tela, 45 por 39 centímetros. Museu Imperial, Petrópolis (Rio de Janeiro). De acôrdo com a Constituição imperial, o país deveria ser governado por regentes até que o herdeiro do trono atingisse a maioridade.
Respostas e comentários

Sobre o Capítulo

Ao desenvolver o estudo deste Capítulo, sugerimos enfatizar as mudanças ocorridas no período regencial em relação à consolidação do Estado nacional independente e às permanências de algumas características herdadas do período colonial. Retome com os estudantes o esfôrço feito pelo govêrno imperial após a independência para constituir a estrutura política do Estado nacional e o contexto do fim do Primeiro Reinado, quando ocorreu a abdicação de Dom Pedro primeiro e seu retôrno para Portugal.

Além disso, é interessante chamar a atenção dos estudantes para o significado das revóltas que eclodiram em muitas regiões durante o período regencial. Enquanto as elites ligadas ao Estado pretendiam fortalecer o poder central, os grupos que representavam os interesses das províncias vislumbravam a descentralização e a autonomia política. A população mais pobre, por sua vez, buscava enfrentar a situação de miséria e exploração econômica e social a que era submetida desde o período colonial.

Habilidades trabalhadas ao longo deste Capítulo

ê éfe zero oito agá ih um cinco: Identificar e analisar o equilíbrio das fôrças e os sujeitos envolvidos nas disputas políticas durante o Primeiro e o Segundo Reinado.

ê éfe zero oito agá ih um seis: Identificar, comparar e analisar a diversidade política, social e regional nas rebeliões e nos movimentos contestatórios ao poder centralizado.

ê éfe zero oito agá ih um nove: Formular questionamentos sobre o legado da escravidão nas Américas, com base na seleção e consulta de fontes de diferentes naturezas.

Observação

O conteúdo desta página possibilita uma aproximação inicial com o trabalho de desenvolvimento da habilidade ê éfe zero oito agá ih um cinco entre os estudantes.

As regências

No período das regências, a elite brasileira estava dividida em três grandes grupos políticos: restauradores, liberais moderados e liberais exaltados.

Os restauradores eram um grupo formado por comerciantes portugueses e funcionários públicos. Desejavam que Dom Pedro primeiro voltasse de Portugal e assumisse o trono. Compunham o Partido Português e eram contrários a reformas sociais e econômicas. Além disso, a ideia de o Brasil ser governado por nativos, ou seja, por pessoas necessariamente nascidas em solo brasileiro, e não por portugueses, não agradava aos restauradores.

Por sua vez, os liberais moderados representavam a aristocracia rural e defendiam o estabelecimento, no Brasil, de uma monarquia constitucional. Eles dominavam a vida política do período.

Já os liberais exaltados eram ligados às camadas médias urbanas, mas também tinham vínculos com grandes proprietários rurais. A principal reivindicação desse grupo era a monarquia federativa, uma fórma de govêrno que garantiria autonomia às províncias. Alguns integrantes desse grupo também defendiam a instauração da república.

O govêrno regencial adotou medidas decisivas para a construção do Estado nacional brasileiro e agia de acôrdo com os interesses das elites provinciais. Por isso, a reivindicação de autonomia para as províncias esteve presente nos principais debates políticos e nas insurreições que marcaram o período.

Diante desse contexto, a regência instituiu o Ato Adicional de 1834, que reformava a Constituição de 1824 e conciliava o objetivo de garantir a unidade nacional com a autonomia desejada pelas elites provinciais. O ato criou as Assembleias Legislativas Provinciais, por meio das quais as províncias poderiam decidir questões que antes eram atribuições do govêrno imperial, como a criação de tributos e a instrução pública. O ato adicional também substituiu a Regência Trina Permanente pela Regência Una.

Pintura. Vista de um local fechado, o interior de uma igreja, com paredes  vermelhas e detalhes em dourado e bege. À esquerda, cortinas de cor verde, abertas, com vista do fundo da igreja, onde há um órgão na parte superior.  À direita, na parte inferior, há um homem com o corpo voltado para a esquerda, vestido com roupa religiosa dourada, em pé sobre um degrau elevado, com as mãos erguidas mostrando as palmas para frente. Segura um báculo dourado, uma espécie de cajado, na mão esquerda e usa uma espécie de chapéu alto, com a ponta triangular, de cor dourada. Do lado dele, há  homem com vestes clericais pretas com colarinho branco, ele é visto de frente e segura um papel, que parece ler, com a mão direita erguida para o alto com a palma aberta voltada para frente. De frente para eles, há uma mesa pequena vermelha e dourada. Ajoelhado diante de mesa sobre uma almofada vermelha, um homem com camisa de gola branca, casaco marrom, calças brancas e sapatos bege. Ele tem o braço direito estendido para frente, acima de um livro aberto que está sobre a mesa.  Formando uma fila atrás do homem ajoelhado, há vários outros homens, que conversam entre si. Eles estão vestidos com roupas usadas em cerimônias formais: casacos longos e escuros, camisas, calças e botas de cano alto brancas.
Pôrto-ALEGRE, Manuel de Araújo. Juramento da Regência Trina. 1831 (detalhe). Óleo sobre tela. 190 por 290 centímetros. Fundação Edson Queiroz, Fortaleza. Compunham a regência: Francisco de Lima e Silva, José da Costa Carvalho e José Bráulio Muniz.
Respostas e comentários

Orientações

Outra importante medida tomada pela regência para conter os liberais exaltados foi a criação do Código de Processo Criminal, aprovado em 29 de novembro de 1832, que transferiu para os juízes de paz o poder de controlar a justiça nos municípios. Embora fossem eleitos pelos eleitores de paróquia, na prática esses juízes se tornaram agentes dos coronéis. As reformas implantadas pela regência ficaram conhecidas como Avanço Liberal. Apesar de moderadas, as reformas desagradaram aos mais conservadores, contrários a qualquer medida que favorecesse o poder político autônomo das províncias. Essa foi uma das questões que estiveram presentes durante o período regencial: a disputa entre os interesses daqueles que defendiam um govêrno central forte e daqueles que defendiam a criação das esferas decisórias locais.

Observação

O conteúdo apresentados nesta página possibilita o desenvolvimento da habilidade ê éfe zero oito agá ih um cinco.

Texto complementar

O texto a seguir trata do significado do período regencial:

A importância do período regencial coloca-se porque, dilacerante, ele foi momento-chave para a construção da nação brasileira, quando, ao custo de muitas vidas e despesas, garantiu-se a independência e o caminho de uma ordem nacional, com determinadas características. A estrutura política – que se pretendia consolidar como Estado nacional – abalava-se pela ausência de poder centralizado na figura do monarca e pela emergência de atores históricos variados com suas demandas sociais. O Brasil recém-independente parecia prestes a se despedaçar

MOREL, Marco. O período das regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge zarrár, 2003. página. 10.

A Regência Una

As mudanças introduzidas pelo Ato Adicional de 1834 criaram no Brasil (que era uma monarquia) um modêlo de govêrnoque ficou conhecido como “experiência republicana”. O país passou a ser governado por uma pessoa, eleita pelo voto secreto e com mandato de quatro anos. A criação das Assembleias Provinciais também representou uma experiência federativa, geralmente associada aos regimes republicanos.

Essas reformas desagradaram aos políticos mais conservadores, que eram contrários à autonomia das províncias. Assim, dois novos grupos políticos surgiram: o dos regressistas, que defendia um govêrno forte e centralizado, e o dos progressistas, favorável à realização de diversas reformas liberais.

Em 1835, o padre progressista Diogo Antônio Feijó venceu as eleições para a regência. Durante seu govêrno, Feijó despertou inimizades em todos os grupos políticos e entrou em confronto com a Igreja católica, por defender a extinção das ordens religiosas e do celibato clerical.

Fotografia. Vista de um local aberto. Sobre um pedestal de pedra de cor bege, uma estátua representando um homem sentado em uma poltrona, com casaco, calça e uma capa longa até os pés sobre as costas.  A estátua é feita de metal de cor esverdeada.  À esquerda e à direita, vista parcial de outras estátuas. E, à direita, vista parcial de uma escadaria feita de pedra de cor bege.
Estátua de Diogo Antônio Feijó, localizada no Parque da Independência, na cidade de São Paulo, São Paulo. Fotografia de 2017.

A Guarda Nacional e a revólta de Manoel Congo

No início da Regência Una, por decisão do padre Feijó, foi criada a Guarda Nacional, uma fôrça paramilitar encarregada de combater os quilombolas e movimentos considerados “ameaças à nação”. Dela, só podiam participar brasileiros com idade entre 21 e 60 anos que tivessem renda superior a 100 mil-réis.

A Guarda Nacional pôs fim ao maior levante de escravizados ocorrido na região de Vassouras, no Vale do Paraíba fluminense. Liderada pelo ferreiro africano Manoel Congo e por sua companheira, Crioula, a revólta começou em novembro de 1838, na fazenda Freguesia, com a fuga de cêrca de 80 escravizados, e se espalhou para outras fazendas, incentivando novas fugas.

Centenas de escravizados saquearam propriedades e assassinaram feitores. O levante foi sufocado e o líder, Manoel Congo, enforcado em praça pública em 6 de setembro de 1839.

Gravura. Sobre um fundo de papel amarelado e envelhecido,  há duas figuras: dois homens com trajes militares, sendo que um deles, à esquerda, está montado em um cavalo branco, e outro, à direita, está de pé.  Ambos estão vestidos com uniforme militar composto por  chapéu alto, vertical, preto, com uma pluma vermelha no topo, casaco vermelho com botões dourados e uma listra vertical amarela no centro e  colarinho amarelo, uma faixa branca cruzando o torso diagonalmente, luvas brancas, cinto branco de fivela dourada, calças azuis com uma listra lateral vermelha vertical e sapatos pretos.  O homem em pé, à direita, segura uma espada levantada à frente de seu corpo. Ele tem outra espada apontada para o chão, na mão esquerda.  O homem à cavalo, à esquerda, está segurando as rédeas do animal e olha para a direita com a mão apoiada sobre o peito.
Aspecto dos uniformes utilizados pelos membros do Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional da província do Rio de Janeiro. 1851-1854. Litogravura, 62 por 45,5 centímetros. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
Respostas e comentários

Orientações

O “modêlo republicano” adotado pelo Império brasileiro nesse período foi amplamente combatido pelos conservadores, que associaram a Regência Una e as rebeliões regenciais à situação de instabilidade política da América hispânica, que também atravessou inúmeros conflitos internos após as independências.

A morte de Dom Pedro em 1834, causou a dissolução do grupo dos restauradores. O Ato Adicional de 1834, por sua vez, dividiu os liberais moderados entre os que apoiavam e os que criticavam as medidas. A desestruturação dos velhos blocos abriu espaço para a formação de dois novos agrupamentos políticos. O grupo dos regressistas era composto de moderados e restauradores; o grupo dos progressistas era integrado por exaltados e alguns moderados. No cenário político do período regencial, além de regressistas e progressistas, havia agrupamentos políticos independentes, com posições vacilantes e oportunistas, que atuavam nas sessões parlamentares avaliando as propostas que melhor atendiam aos seus interesses imediatos.

Observação

O conteúdo desta página possibilita, novamente, o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um cinco.

As revóltas regenciais

O período da regência de Feijó foi marcado pela eclosão de diversas revóltas provinciais, que ameaçaram dividir o jovem Estado brasileiro em diferentes repúblicas independentes. Estava em disputa um modêlo centralizado de poder, defendido pelas elites ligadas ao govêrno imperial, e o modêlo federativo, com autonomia para as províncias.

As rebeliões expunham também as fortes tensões sociais no interior do país, onde a maioria da população era vítima da pobreza e da violência da escravidão.

Acusado de não se esforçar para conter as rebeliões, Feijó renunciou ao cargo. Em seu lugar, assumiu o regressista Pedro de Araújo Lima.

revóltas do Período Regencial

Mapa. Revoltas do Período Regencial. Mapa representando parte da América do Sul, com foco no território do Brasil Imperial, dividido em províncias. Alguns territórios estão destacados em cores distintas. Na legenda, a  cor verde corresponde a: 'Cabanagem (1835 a 1840)'. Revolta ocorrida na província do Grão-Pará, cuja capital era Belém. A cor laranja corresponde a: 'Balaiada (1838 a 1841)'. Revolta ocorrida na fronteira entre as províncias do Maranhão, Piauí e Ceará, tendo como epicentro as cidades de Caxias e São Luís, no Maranhão.  Um círculo roxo corresponde a: 'Malês (1835)' e 'Sabinada (1837)'. A revolta dos Malês ocorreu na cidade de Salvador, capital da província da Bahia. Nesta mesma cidade ocorreu a Sabinada. Um círculo verde corresponde a: 'Rusgas Cuiabanas (1834)'. Ocorrida em Cuiabá, na Província do Mato Grosso. A cor lilás corresponde a: 'Farrapos (1835 a 1845)'.Ocorrida nas províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Com destaque para as cidades de Laguna, em Santa Catarina, e Alegrete e Porto Alegre,  no Rio Grande do Sul. No canto inferior direito, rosa dos ventos e escala de 0 a 460 quilômetros.

Fonte: jôfili, Bernardo. IstoÉ Brasil 500 anos: atlas histórico. São Paulo: Três, 1998. página 57.

A Sabinada (Bahia, 1837)

A província da Bahia, em geral, foi palco de movimentos contra a opressão política e a favor de maior autonomia provincial. Nas primeiras décadas do século dezenove, uma série de revóltas de escravizados explodiu na região, como a Sabinada, que recebeu esse nome por causa de um de seus líderes, Francisco Sabino, médico e jornalista.

O descontentamento com o fato de o comércio e os altos postos administrativos serem ocupados principalmente por membros da elite, aliado à falta de autonomia provincial, mobilizou diversos grupos sociais: o povo pobre urbano, os escravizados, os negros livres, as camadas médias, os comerciantes, os artesãos e os militares.

Em 6 de novembro de 1837, revoltosos ocuparam militarmente a área próxima ao forte de São Pedro. Um documento assinado por 105 revoltosos declarava o desligamento da Bahia do govêrno central (Rio de Janeiro). O presidente da província (cargo que atualmente corresponde ao de governador) da Bahia foi obrigado a abandonar o cargo e os revoltosos declararam um govêrno republicano transitório (até que Dom Pedro segundo alcançasse a maioridade).Contudo, a repressão ao movimento foi forte e, após cercar a cidade de Salvador em 1838, o govêrno central pôs fim à revólta.

A imprensa teve participação intensa durante o movimento da Sabinada, inclusive após seu fim. Os jornais narravam os acontecimentos e diferentes veículos da imprensa marcavam suas posições ideológicas. Os jornais Novo Diário da Bahia e Sete de Novembro, ambos pertecentes a Francisco Sabino, foram os veículos mais atuantes à época.

Respostas e comentários

Texto complementar

O trecho a seguir expõe alguns interesses dos grupos sociais envolvidos na Sabinada:

O Ato Adicional, sobretudo na figura das Assembleias Provinciais, não teria sido eficiente na proposta de acomodar toda a demanda por participação política na província da Bahia. Os espaços de poder reservados às províncias não eram considerados acessíveis por estes homens da cidade, que, embora tivessem algum prestígio, diploma ou casa comercial, não tinham condições de financiar uma campanha eleitoral nos moldes praticados pelos senhores de terras e escravos. reticências

Restava, portanto, aos insatisfeitos da cidade a busca por uma fórma de intervenção política paralela aos espaços intitucionais da província. Crescia, desta fórma, o discurso da legitimidade de uma ação revolucionária, a partir da qual a Bahia passaria a ser diretamente governada pelos setores médios e letrados da cidade de Salvador, em seu próprio benefício e não mais dos chamados “aristocratas”.

Nas palavras de Francisco Sabino, publicadas em seu Novo Diário, “depois de longos e reiterados sofrimentos, de que a Bahia até hoje tem sido vítima, a Revolução se foi preparando, e amadurecendo na opinião dos povos”. Não era mais possível esperar mudanças por parte dos grupos estabelecidos no poder provincial e central.

LOPES, Juliana Serzedello Crespim. Identidades políticas e raciais na Sabinada (Bahia, 1837-1838). 2008. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.página. 55-56.

Observação

O conteúdo desta página possibilita o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um seis.

Multiculturalismo
A revólta dos Malês (Salvador, 1835)

Anteriormente, neste Capítulo, você conheceu a revólta de Manoel Congo, que ocorreu entre 1838 e 1839 na região de Vassouras, no Rio de Janeiro. Agora, você vai conhecer uma das diversas revóltas organizadas por escravizados que ocorreram na província da Bahia.

Os africanos trazidos ao Brasil eram provenientes de diferentes regiões da África e pertenciam a diversas etniasglossário . Em Salvador havia grande concentração de africanos convertidos ao islã.

Em 1835, aconteceu naquela cidade a revólta mais radical de africanos escravizados e libertos do Brasil. A maioria dos rebeldes fazia parte da nação nagô, em cuja língua – o iorubá – a palavra imále significa “muçulmano”. Por isso, eles eram chamados de malês, e a rebelião ficou conhecida como revólta dos Malês.

cêrca de 600 negros escravizados e alforriados se organizaram com o propósito de libertar escravizados, matar aqueles que eram considerados traidores e pôr fim à escravidão. A maior parte dos rebeldes desempenhava atividades nas áreas urbanas, como domésticos, pedreiros, carpinteiros, alfaiates, vendedores e ambulantes.

A Guarda Nacional repreendeu violentamente o movimento. O conflito resultou na morte de 70 rebeldes e 10 militares, além de deixar muitos feridos e centenas de presos.

Pintura. Em lugar um aberto, um caminho de chão de terra cercado por vegetação verde e elevado. No centro, há um homem negro em pé, visto de lado. Ele caminha com o corpo voltado para a esquerda e usa um gorro vermelho sobre a cabeça, está com o peito nu, usa uma calça curta bege com um tecido vermelho amarrado na cintura e está descalço. No ombro direito, ele carrega um feixe com caules de palmeiras e um machado e na mão esquerda uma vareta de madeira em formado de 'Y'.  Ao redor dele, há algumas folhas e troncos de palmeiras no chão. No canto esquerdo, há um pequeno cacto. Ao fundo, o terreno é mais baixo, está coberto de verde e tem algumas árvores.  No alto, o céu em tons de amarelo.
Debrê, Jan-Batiste. Vendedor de palmitos regressando da floresta. 1827. Aquarela, 16,1 por 21,2 centímetros. Museus Castro Maya, Rio de Janeiro.
Pintura. Em ambiente aberto, com chão de terra e uma casa de dois pavimentos do lado direito. Em primeiro plano, um homem negro montado em uma mula, carrega consigo dois pequenos tonéis de madeira.  Ele usa cavanhaque, um chapéu amarelo sobre a cabeça, uma camisa vermelha, um avental  marrom, uma calça azul e está descalço. À direita e ao fundo, outro muar, com um tonel amarrado sobre ele e ao lado da mula, há uma pessoa vista de lado, que carrega outro tonal sobre o ombro esquerdo.  As casas á direita, vistas parcialmente, tem uma porta e janelas de madeira marrom e outras janelas pintadas de cor azul. No alto, o céu nublado com muitas nuvens brancas.
Sinetí, Júle Marrí Vançán. Aguatero. 1838. Aquarela sobre papel, 31,2 por 45,4 centímetros. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo. Na cena estão representados trabalhadores escravizados, na Bahia, em 1838.
Ícone. Sugestão de livro.

BARBOSA, Rogério Andrade. A caixa dos segredos. São Paulo: Record, 2010. Com base na história de Malã, contada por seu tataraneto, este livro apresenta um percurso sobre a escravidão africana no Brasil. Entre os segredos deste ex-escravizado está sua participação na revólta dos Malês, de 1835.

Respostas e comentários

Orientações

A repressão à revólta dos Malês foi extremamente violenta. cêrca de duzentos rebeldes receberam penas que variaram do açoitamento ao fuzilamento. Mais de quinhentos libertos foram expulsos e mandados de volta para a África. Mesmo sem terem participado da revólta, muitos escravizados e libertos muçulmanos que viviam na Bahia foram presos e condenados por portarem amuletos e documentos escritos em árabe.

Ao abordar questões importantes relacionadas à revólta dos Malês, o conteúdo desta página trabalha o tema contemporâneo Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras.

Texto complementar

No trecho a seguir, o historiador Clóvis Moura define a revólta dos Malês:

Essa revólta demonstrou que os escravos já haviam sedimentado uma tradição de luta contra os seus senhores, embora não possuíssem um programa político: a única consigna que os unia era a conquista da liberdade. A revólta dos escravos baianos de 1835 não foi uma eclosão violenta, surgida de um incidente qualquer e sem um plano preestabelecido, mas uma revólta planejada nos seus detalhes, precedida de todo um plano organizacional, cujo período é pouco estudado, mas fundamental para o entendimento das proporções que o movimento tomou.reticências Além das organizações existentes, constituídas de grupos de escravos que se reuniam regular e secretamente em vários pontos da cidade de Salvador, criaram um “clube” secreto, que funcionava na Barra (Vitória), localizado nos fundos da casa do inglês Abrão, e que exerceu papel dos mais importantes na estrutura e dinamização do movimento. reticências

MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: êduspi, 2004. página. 174.

Observação

O conteúdo desta página possibilita desenvolver aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um seis. Além disso, a abordagem da revólta dos Malês constitui um momento propício para o trabalho com aspectos importantes da habilidade ê éfe zero oito agá ih um nove.

A Balaiada (Maranhão, 1838-1841)

A Balaiada foi um movimento predominantemente popular, uma vez que seus membros se posicionavam contra os grandes proprietários maranhenses. O nome “balaiada” tem origem em um de seus líderes, Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, apelidado de “Balaio” por produzir balaios, um tipo de cesto.

Participaram da Balaiada escravizados, trabalhadores livres, vaqueiros e camponeses; esses eram os grupos que mais sofriam com a situação de crise e de miséria na província. Porém, os profissionais liberais também aderiram ao movimento:

reticências os profissionais liberais maranhenses, também descontentes, passaram a reivindicar mudanças nas regras das eleições locais e fundaram um jornal de nome O Bem-Te-Vi com o objetivo de difundir os princípios republicanos e federativos reticências.

Chuárquis, Lilia Mórits; istárlin, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. página 264.

Assim, altos impostos, miséria, desigualdades sociais, desmandos dos grandes proprietários maranhenses e uma crise geral na província causada pela queda nas exportações do algodão foram as principais motivações do movimento.

Em dezembro de 1838, outro líder da Balaiada, o vaqueiro Raimundo Gomes, invadiu a cadeia pública de Vila Manga para libertar seu irmão. A partir de então, com o apôio de Manuel Francisco dos Anjos e de um grupo de vaqueiros, os balaios tomaram a cidade de Caxias. Chegaram a decretar a expulsão dos portugueses da cidade e o fim da Guarda Nacional.

O govêrno do Maranhão passou a combater violentamente os revoltosos. Além disso, o govêrno central (no Rio de Janeiro) enviou tropas ao Maranhão, lideradas pelo coronel Luís Alves de Lima e Silva. A Balaiada foi, por fim, reprimida e terminou em 1841. Nos combates, cêrca de 12 mil escravizados, vaqueiros e camponeses foram mortos.

Fotografia preto e branco. Vista de um local aberto, uma praça, com um caminho formando um "x" no centro da imagem, jardins com gramado e árvores baixas. Em segundo plano, à esquerda, duas construções grandes, com muitas janelas na vertical. Uma delas, mais ao fundo, é uma igreja com duas torres na vertical com cruzes no topo. À direita, outras construções, mais baixas, casas com dois e três andares, telhado  marrom e janelas em forma de arco. No alto, céu sem nuvens.
Praça João Lisboa, em São Luis (Maranhão). Fotografia produzida entre o final do século dezenove e o comêço do vinte. Biblioteca Oliveira Lima – Universidade Católica da América, Washington, Estados Unidos. Segundo historiadores, os revoltosos maranhenses, organizados na cidade de Caxias, chegaram a enviar uma delegação a São Luís, para entregar ao presidente da província as propostas do movimento. Contudo, a revólta foi reprimida com violência.

Cosme Bento

Cosme Bento, também chamado de Negro Cosme, tomou parte na Balaiada a partir de 1839. Organizou um “exército” com quase 3 mil africanos e afrodescendentes. Sua luta era pelo fim da escravidão e, por isso, chegou a fundar um quilombo em Lagoa Amarela. Estudiosos afirmam que as fôrças que oprimiram a Balaiada só consideraram o movimento efetivamente “contido” após a prisão de Cosme Bento, que foi enforcado em 1842.

Respostas e comentários

Texto complementar

O trecho a seguir descreve a visão de alguns historiadores sobre as características da Balaiada. É interessante observar e comparar as diferenças nas interpretações do movimento de acôrdo com cada um deles. Se desejar, apresente o texto para os estudantes e discuta com eles como podemos analisar os fenômenos históricos a partir de variadas perspectivas.

reticências De acôrdo com o historiador João Francisco Lisboa, contemporâneo do movimento, a Balaiada era uma revolução popular cuja origem derivou da ausência de liberdades políticas, dada a presença de grupos conservadores no contrôle do poder político provincial e do govêrno central. Para Caio Prado Júnior., foi um movimento rebelde pouco articulado (das populações sertanejas contra a poderosa opressão política exercida pelos grandes senhores de terras), porque os grupos rebelados não se encontravam organizados e definidos política e ideologicamente, como classes, na estrutura social inclusiva. Finalmente, segundo Astolfo Serra, a Balaiada refletiu a rebeldia “primitiva” das massas sertanejas “incultas” contra determinações de origem política, que desafiavam as suas relações sociais internas, alterando-lhes o seu equilíbrio psicológico e, consequentemente, a noção que aquelas populações possuíam de uma vida em liberdade.

CALDEIRA, José de Ribamar C. A Balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão. Cadernos, São Paulo, número 1, página. 123, 1985.

Observação

O conteúdo desta página possibilita, novamente, o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um seis.

A Cabanagem (Grão-Pará, 1835-1840)

Revoltas esparsas contra o govêrno central vinham ocorrendo na província do Grão-Pará desde a independência e se agravaram com a abdicação de Dom Pedro primeiro. O ponto central da insatisfação dos proprietários de terra e dos comerciantes locais era o contrôle que os comerciantes portugueses exerciam sobre os altos cargos públicos, incluindo o de presidente da província.

Além disso, os habitantes do Grão-Pará viviam em uma situação de pobreza extrema. Dessa fórma, a Cabanagem foi uma revólta que reuniu as reivindicações de ascensão política dos grupos ricos e médios locais com as exigências populares por melhores condições de sobrevivência. Logo, ter uma vida melhor era o desejo dos cabanos, população formada por indígenas, negros e mestiços pobres que moravam em cabanas à beira de rios e igarapés.

Quando o govêrno central nomeou um novo presidente para a província, o movimento se exacerbou.

No entanto, não havia unidade entre os rebeldes. Após a retomada da capital por tropas legalistas, eles se refugiaram no interior, onde permaneceram lutando por aproximadamente três anos. Em 1840, as tropas do govêrno retomaram o contrôle da província. Estima-se que 30 mil pessoas morreram no conflito.

Gravura em preto e branco. Vista de um local aberto, com destaque para uma pequena cabana, no centro, feita de tábuas de madeira dispostas horizontalmente e barro, com telhado de palha. A parte esquerda da construção não tem paredes, apenas vigas de madeira na vertical cobertas pelo telhado de palha. Nesse local, há a silhueta de duas pessoas conversando: uma em pé, outra sentada. A casa possui duas janelas: uma quadrada, outra retangular. Há vegetação rasteira no patio à frente dela. À direita,  vegetação baixa. Ao fundo, árvores de tamanho médio e outras maiores.
Biár, Françuá Oguíste . Cabana no rio Madeira. 1862. Xilogravura, 10 por 9,5 centímetros. Biblioteca Brasiliana Guita e José Míndlin, Universidade de São Paulo, São Paulo. Grande parte da população pobre da província do Grão­‑Pará morava em cabanas como essa, à beira de rios e igarapés.
As Rusgas Cuiabanas (Mato Grosso, 1834)

Em 1834, uma grande rebelião, conhecida como Rusgas Cuiabanas, ocorreu em Mato Grosso, na cidade de Cuiabá. A elite local era contrária aos interesses dos ricos comerciantes portugueses e reivindicava a autonomia da província e maior espaço na vida política.

Em 30 de maio de 1834, os rebeldes realizaram saques, assassinaram portugueses e tomaram o poder por três meses. Porém, o movimento foi reprimido e os principais líderes foram presos.

Ícone. Sugestão de site.

EXPOSIÇÕES virtuais do Arquivo Nacional. Disponível em: https://oeds.link/Gifnst. Acesso em: 25 fevereiro 2022. O site oferece uma série de exposições virtuais sobre a história do Brasil, tendo como base os documentos do Arquivo Nacional.

Respostas e comentários

Texto complementar

Leia a seguir um trecho de estudo sobre a Cabanagem:

Nascida em Belém do Pará, a revolução cabana avançou pelos rios amazônicos e pelo mar Atlântico, atingindo os quatro cantos de uma ampla região. Chegou até as fronteiras do Brasil central e ainda se aproximou do litoral norte e nordeste. Gerou distúrbios internacionais na América caribenha, intensificando um importante tráfico de ideias e de pessoas. Contrastando com este cenário amplo, a Cabanagem normalmente foi, e ainda é, analisada como mais um movimento regional, típico do período regencial do Império do Brasil. No entanto, os cabanos e suas lideranças vislumbravam outras perspectivas políticas e sociais. Eles se autodenominavam “patriotas”, mas ser patriota não era necessariamente sinônimo de ser brasileiro. Este sentimento fazia surgir no interior da Amazônia uma identidade comum entre povos de etnias e culturas diferentes.

ríti, Magda. Cabanagem, cidadania e identidade revolucionária: o problema do patriotismo na Amazônia entre 1835 e 1840. Tempo, Rio de Janeiro, verdadeiro. 11, número 22, página. 6-7, 2007.

Observação

O conteúdo desta página possibilita, novamente, o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um seis.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestões para o professor:

Réris, Marc. Rebelião na Amazônia: Cabanagem, raça e cultura popular no norte do Brasil, 1798-1840. Campinas: Editora da unicâmpi, 2018.

A obra busca comparar a Cabanagem a outras rebeliões latino-americanas que ocorreram no mesmo período.

PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. Visões da cabanagem: uma revólta popular e suas representações na historiografia. Manaus: Valer, 2018.

A obra, originalmente uma tese de doutorado, contextualiza o movimento da Cabanagem, analisando dados historiográficos sobre o tema.

A Guerra dos Farrapos (Rio Grande do Sul, 1835-1845)

Em 1835, na província do Rio Grande do Sul, estourou a Guerra dos Farrapos, também conhecida como Revolução Farroupilha, liderada por ricos estancieirosglossário gaúchos. A economia da região tinha como base a criação de mulas, utilizadas para o transporte de mercadorias, e do gado bovino, com o qual se produzia o charqueglossário .

Os estancieiros tinham vínculos comerciais com as regiões platinas, em especial com o Uruguai, onde eram donos de grandes extensões de terras. Eles exigiam do govêrno central a livre circulação de rebanhos entre os dois países e o aumento das taxas cobradas sobre os produtos importados da região do Prata. Como as taxas de importação fixadas pelo govêrno central eram reduzidas, artigos similares produzidos no sul ficavam com o mesmo preço ou ainda mais caros que os produtos estrangeiros.

O conflito começou quando um grupo de estancieiros, liderados por Bento Gonçalves, depôs o governador da província. Em 1838, os rebeldes proclamaram a República de Piratini e colocaram no poder Bento Gonçalves. O govêrno rebelde organizou-se para defender as fronteiras da república recém-criada e chegou a convocar eleições para deputados, que elaborariam uma Constituição. Os rebeldes também invadiram Laguna, em Santa Catarina; em 1839, proclamaram a República Juliana, que durou apenas quatro meses.

A guerra civil persistiu até 1845, quando a paz foi assinada. Por se tratar de uma área de grande importância estratégica e econômica, o govêrno central agiu com cautela. Houve uma anistia geral, os oficiais farroupilhas foram incorporados ao Exército nacional e as dívidas da República de Piratini foram assumidas pelo império.

Pintura. Em um local aberto, à esquerda, há um grupo de homens montados à cavalo, correndo no sentido da esquerda para a direita. Eles estão usam chapéus, lenços em volta do pescoço, casacos coloridos, calças e botas. Os cavalos têm cores variadas, como branco, marrom e preto. Eles seguram lanças  na mão direita, na vertical, com uma bandeira tricolor com três listras horizontais, uma preta, uma vermelha e uma amarela.  Na parte inferior, na altura das patas dos cavalos, há uma nuvem grande de poeira branca. Ao fundo, em segundo plano, local com nuvens de pó, no céu, o azul claro e nuvens brancas.
LITRAN, Guilherme. Carga de cavalaria. 1893. Óleo sobre tela, 64 por 77 centímetros. Museu Júlio de Castilhos, Pôrto Alegre. A imagem representa estancieiros gaúchos durante a Revolução Farroupilha.
Ícone. Sugestão de livro.

IDEAIS e Farrapos: A Revolução Farroupilha em quadrinhos. Pôrto Alegre: Estúdio Cria Ideias, 2021. No formato de história em quadrinhos, essa obra apresenta as principais características da Revolução Farroupilha, de seus desdobramentos e de seus líderes mais importantes.

Respostas e comentários

Orientações

Se achar interessante, comente com os estudantes que o italiano djiuzépe Garibaldi, que participou das lutas pela unificação da Itália (tema estudado na Unidade cinco deste volume), veio exilado para o Brasil e esteve na Guerra dos Farrapos ao lado dos rebeldes. Também participou de lutas no atual Uruguai e na Argentina. Sua espôsa, Anita Garibaldi, lutou também na Guerra dos Farrapos e se tornou uma figura heroica no imaginário popular.

Observação

O conteúdo desta página possibilita, novamente, o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um seis.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestões complementares referentes ao Capítulo:

LOPES, Nei. Bantos, malês e identidade negra. quarta edição. São Paulo: Autêntica, 2021.

A obra pretende identificar e valorizar as contribuições dos povos bantos na história e na formação do Brasil.

REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (Organização.). revóltas escravas no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

A obra apresenta diversos ensaios que abordam os principais levantes e conspirações organizados por escravizados no Brasil.

Ícone. Ilustração de três pessoas e dois balões de fala indicando a seção Em debate.

Em debate

Multiculturalismo

Os lanceiros negros na Revolução Farroupilha

A participação de escravizados e de afrodescendentes livres ou alforriados na Revolução Farroupilha tem sido bastante pesquisada por historiadores na atualidade. Compreender o papel desses grupos sociais no conflito colabora para o entendimento da história do estado do Rio Grande do Sul e mostra a diversidade de sujeitos históricos presentes nos campos de batalha.

Leia o texto a seguir e descubra como ocorreu essa participação.

Em troca da promessa de liberdade ao final do conflito, muitos escravos lutaram nos Corpos de Lanceiros do exército farroupilha, criados em doze de setembro de mil oitocentos e trinta e seis e trinta e um de agosto de mil oitocentos e trinta e oito. Estima-se que, em alguns momentos, eles tenham composto de um terço à metade das tropas revoltosas reticências.

Além de contribuírem como soldados à causa farroupilha, negros livres e alforriados, juntamente com índios, mestiços e escravos fugidos do Uruguai também trabalharam em outros setores cruciais da economia de guerra: foram tropeiros de gado, mensageiros, peões e campeiros nas estâncias, trabalhadores na fabricação de pólvora, nas plantações de fumo e erva-mate implantadas pelos rebeldes reticências.

Apesar da utilização da alforria como mercadoria de troca, em nenhum momento a República Rio-Grandense [também conhecida como República de Piratini] libertou seus cativos. A questão da abolição era controversa entre os farroupilhas.

OLIVEIRA, V.; CARVALHO, D. Os lanceiros Francisco Cabinda, João aleijado, preto Antonio e outros personagens negros da Guerra dos Farrapos. In: SILVA, G.; SANTOS, J. organização. Rio Grande do Sul negro: cartografias sobre a produção do conhecimento. Pôrto Alegre: êdí púc érre ésse, 2009. página 67-68.

Pintura. Pintura de orientação vertical. Vista de local aberto. No centro da imagem, um homem negro montado sobre um cavalo marrom, em meio a uma área descampada, com gramíneas e solo seco.  O homem usa um gorro verde com barra vermelha sobre a cabeça, uma blusa de mangas compridas bufantes verde, colete metálico de armadura, um tecido vermelho sobre a cintura e calças brancas. Está descalço. Na mão esquerda, ele segura uma lança na vertical, com uma ponta afiada de metal e um tecido pequeno em azul amarrado à ponta. No alto, o céu azul claro com nuvens brancas.
Blánes, RuánManuel. Lanceiro negro. Século dezenove. Óleo sobre cartão, 36 por 24,5 centímetros. Coleção particular.
  1. Por que, de modo geral, os escravizados lutaram nos Corpos de Lanceiros do exército farroupilha?
  2. Segundo informações do texto, é possível constatar que o número de escravizados nas tropas farroupilhas era grande ou pequeno? Explique.
  3. Como a questão da abolição da escravidão era vista pelos farroupilhas? Considerando a promessa de liberdade aos escravizados que lutassem nas tropas, é possível afirmar que esse posicionamento era contraditório?
Respostas e comentários

Orientações

O conteúdo desta seção constitui, novamente, uma boa oportunidade para o trabalho com o tema contemporâneo Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras.

Respostas

1. De modo geral, os escravizados lutaram no exército farroupilha em troca da liberdade. A “promessa” de liberdade aos escravizados que participassem de conflitos era algo comum no Brasil do século dezenove.

2. Segundo informações do texto, em determinados momentos do conflito, o número de escravizados nas tropas farroupilhas era grande: esse grupo chegou a constituir de um terço até a metade das tropas revoltosas.

3. A questão da abolição da escravidão era controversa entre os farroupilhas. Muitos deles eram, inclusive, proprietários de escravos. Diante disso, é possível afirmar que existia uma contradição, já que a promessa feita para os escravizados arregimentados era justamente a de conceder-lhes liberdade.

Observação

O conteúdo desta seção favorece o desenvolvimento da habilidade ê éfe zero oito agá ih um nove.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestão para o estudante:

DINIZ, André. A Guerra dos Farrapos. São Paulo: Escala Educacional, 2009. (Coleção História do Brasil em Quadrinhos).

Nesse livro o estudante poderá conhecer de maneira envolvente alguns episódios que marcaram a Guerra dos Farrapos.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

  1. Durante o período regencial, havia diversos grupos políticos com interesses divergentes. Identifique a composição social dos seguintes grupos políticos e descreva em seu caderno a fórma de govêrno defendida por eles:
    1. restauradores;
    2. liberais moderados;
    3. liberais exaltados.
  2. Os dois textos a seguir trazem análises das repercussões geradas pela revólta dos Malês, que foi organizada por escravizados na Bahia, no ano de 1835. Reúna-se com um colega, leiam os textos e depois respondam às questões.

Texto 1

A rebelião teve repercussão nacional. No Rio de Janeiro a notícia provavelmente chegou ao público através dos periódicos que publicaram o relatório do chefe de polícia da Bahia. Temendo que o exemplo baiano fosse seguido, as autoridades cariocas passaram a exercer vigilância estreita sobre os negros.

REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. São Paulo: Brasiliense, 1986. página 7.

Texto 2

reticências As autoridades após a revólta concentraram-se durante semanas, e até meses, na revista da vida dos africanos de Salvador, perseguindo a “africanidade” nos diversos níveis em que se expressava, a qual parecia desestabilizar o aspecto emocional dos demais baianos.

A punição oficial, que preservou os interesses da elite proprietária, castigou os escravos com açoites e os devolveu, em seguida, aos seus senhores, somente sentenciou com pena de morte e prisão os líderes da revólta, e com deportação os libertos. reticências

No Rio, apesar dos muitos rumores de conspirações, reticências não há registros da real existência de revóltas escravas de grande vulto. Os escravos desta cidade travaram batalhas de cunho “pessoal”, através de ataques aos senhores e suas propriedades, ou, apelando para interpelações no trabalho, insultos, apatia, doenças fingidas reticências.

TEREZA, Tatiane Silva. Um olhar sobre a repercussão das notícias do levante dos malês na côrte imperial do Rio de Janeiro na primeira metade do século dezenove. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23. 2005, Londrina. Anais... Londrina: uél, 2005. página .12320-.12323.

  1. De acôrdo com o texto 1, a revólta teve repercussão nacional. Naquele contexto, que medida foi tomada pelas autoridades do Rio de Janeiro?
  2. Segundo o texto 2, como ficou a vida dos africanos e de seus descendentes em Salvador após a revólta de 1835? Por que isso ocorreu?
  3. Por que, após a revólta de 1835, havia uma grande preocupação especificamente com a segurança do Rio de Janeiro?

3. Leia o texto a seguir e depois responda às questões propostas.

O vazio de poder propiciou a abertura de um espaço político para que os segmentos menos favorecidos da sociedade reticências manifestassem sua insatisfação, gerando um clima de permissividade, inquietação e incerteza.

GUIMARÃES, Lucia Maria Pasqual. Liberalismo moderado: postulados ideológicos e práticas políticas no Período Regencial (1831-1837). In: PEIXOTO, Antonio Carlos. O liberalismo no Brasil Imperial: origens, conceitos e prática. Rio de Janeiro: Revan: uérj, 2001. página 109.

  1. O que você acha que a autora do texto quer dizer ao usar a expressão “vazio de poder”?
  2. De que modo os segmentos menos favorecidos da sociedade demonstraram sua insatisfação durante o período regencial? Será que suas demandas foram atendidas? Justifique.

4. Retome as informações deste Capítulo e compare a diversidade social e política presente nas diferentes revóltas regenciais.

Respostas e comentários

Seção Atividades

Objeto de conhecimento

O período regencial e as contestações ao poder central.

Habilidades

São trabalhados aspectos relacionados às habilidades:

ê éfe zero oito agá ih um cinco (atividades 1, 3)

ê éfe zero oito agá ih um seis (atividades 2, 4)

ê éfe zero oito agá ih um nove (atividade 2)

Respostas

1. a) Eram comerciantes portugueses e funcionários públicos; desejavam a volta de Dom Pedro primeiro ao trono.

b) Representavam a aristocracia rural; defendiam o estabelecimento da monarquia constitucional.

c) Pertenciam às camadas médias urbanas e à aristocracia rural; defendiam principalmente a monarquia federativa, mas alguns desejavam a república.

2. a) Temendo que o exemplo baiano fosse seguido no Rio de Janeiro, as autoridades locais iniciaram uma intensa vigilância da população afrodescendente.

b) Após a revólta, a punição oficial visava preservar os interesses das elites locais, castigando com açoites e devolvendo os escravizados aos seus proprietários. Apenas os líderes da revólta foram punidos com morte e prisão, e os libertos, com deportação. Durante meses, a repressão às manifestações culturais africanas permaneceu.

c) Porque as autoridades e as elites dominantes temiam que a revólta escrava tomasse grandes proporções e se espalhasse pela capital do império.

3. a) A autora se refere ao Estado monárquico, que se encontrava sem um representante da família real.

b) As camadas menos favorecidas da sociedade demonstraram sua insatisfação em relação ao poder central e aos grupos dominantes locais por meio de revóltas que buscavam a autonomia política das províncias.

4. A Balaiada e a Cabanagem foram revóltas que reuniram as camadas menos privilegiadas da província do Maranhão e do Grão-Pará, que reivindicavam melhores condições econômicas e sociais para a população. A Sabinada, que ocorreu na Bahia, agrupou uma ampla gama de grupos sociais na organização da revólta, como profissionais liberais, as camadas médias, militares, a população pobre, os escravizados e libertos que reclamavam direitos políticos e autonomia para a província. A revólta dos Malês, por sua vez, foi uma revólta de negros muçulmanos que buscavam libertar os escravizados e pôr fim ao regime de escravidão. A Guerra dos Farrapos foi organizada por estancieiros gaúchos que exigiam a livre circulação de rebanhos na região platina. As Rusgas Cuiabanas contaram com a participação da elite local da província do Mato Grosso.

CAPÍTULO 16 O SEGUNDO REINADO

Em 1840, durante a regência de Araújo Lima, o govêrno regencial decretou uma lei que diminuía o poder das Assembleias Legislativas Provinciais, limitando a autonomia das províncias. Insatisfeitos com essa medida, que foi interpretada como um “regresso conservador”, os liberais foram ao ataque: lançaram uma campanha pública pela antecipação da maioridade do príncipe Pedro de Alcântara, então com 14 anos de idade.

Segundo historiadores, a antecipação da maioridade de Pedro de Alcântara, para que ele pudesse assumir o trono, já era algo considerado no cenário político brasileiro: desde 1835, pelo menos, essa possibilidade era avaliada e retomada de tempos em tempos. Ao longo dos anos, essa ideia se espalhou e ganhou fôrça, sendo discutida inclusive em textos publicados em jornais no Rio de Janeiro. Assim, a campanha ganhou apôio popular, e o Parlamento finalmente proclamou a maioridade de Pedro de Alcântara. Em julho de 1840, o príncipe assumiu o trono e recebeu o título de Dom Pedro segundo. Iniciava-se, assim, o Segundo Reinado no Brasil.

A antecipação da maioridade de Dom Pedro segundo foi a saída encontrada pelas elites para manter a ordem escravocrata e a unidade da monarquia, ameaçadas pelos levantes nas províncias. As elites desejavam um govêrno centralizado e forte, que contemplasse seus interesses e objetivos.

Pintura. Vista de um local fechado, com paredes em tons amarelados, ornamentados com esculturas e colunas. No centro, na parte inferior da pintura, sobre um tapete verde, um homem vestido com roupa religiosa dourada coroa um menino usando um manto verde com gola de penas amarelas, ajoelhado à frente dele.  O homem religioso está com uma espécie de chapéu alto, com a ponta triangular, dourado, Usa uma túnica longa de tecido dourado sobre os ombros até as pernas. Em volta dele, à esquerda, outros dois homens da Igreja, vestidos de forma semelhante e um terceiro, no canto direito da imagem.  O menino ajoelhado no centro está com uma roupa  bege bordada em tons de dourado, com um manto verde com gola de penas amarelas sobre os ombros. Ajoelhado sobre uma almofada branca com detalhes dourados.  Em segundo plano, há homens em pé e à direita,observando.  Mais ao fundo, em local mais elevado, estão sentadas algumas mulheres usando vestidos claros. Elas também observam a cerimônia. Ao fundo, no alto de uma escadaria, vê-se a silhueta de outras mulheres, com vestidos longos de cor azul.
O ato da coroação do imperador Dom Pedro segundo. 1842. Óleo sobre tela, 2,38 por 3,10 métros Museu Imperial, Petrópolis (Rio de Janeiro). O artista representou Dom Pedro segundo sendo coroado por um clérigo. A união legal entre Igreja e Estado exigia que os governantes se submetessem ao aval da Igreja, ao mesmo tempo que esta dava poderes ao govêrno de interferir nos assuntos clericais do Brasil.
Respostas e comentários

Sobre o Capítulo

Ao longo do Segundo Reinado, foram criados mecanismos que visavam fortalecer as instituições monárquicas, consolidando o poder do imperador. A estrutura política montada possibilitou o revezamento no poder entre os partidos Liberal e Conservador, o que favoreceu a estabilidade política do império.

O Capítulo aborda ainda alguns conflitos que ocorreram durante o Segundo Reinado, como a Revolução Praieira e a Guerra do Paraguai.

Habilidades trabalhadas ao longo deste Capítulo

ê éfe zero oito agá ih um cinco: Identificar e analisar o equilíbrio das fôrças e os sujeitos envolvidos nas disputas políticas durante o Primeiro e o Segundo Reinado.

ê éfe zero oito agá ih um seis: Identificar, comparar e analisar a diversidade política, social e regional nas rebeliões e nos movimentos contestatórios ao poder centralizado.

ê éfe zero oito agá ih um sete: Relacionar as transformações territoriais, em razão de questões de fronteiras, com as tensões e conflitos durante o Império.

ê éfe zero oito agá ih um oito: Identificar as questões internas e externas sobre a atuação do Brasil na Guerra do Paraguai e discutir diferentes versões sobre o conflito.

Observação

O conteúdo desta página possibilita o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um cinco.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestão para o estudante:

Chuárquis, Lilia Mórits. De ôlho em Dom Pedro segundo e seu reino tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Nesse livro, Lilia Mórits Chuárquis utiliza fotografias raras de Dom Pedro segundo, desde sua infância, quando a família regressou a Portugal, até a velhice. A autora trabalha as fontes visuais como um recurso de análise histórica que perpassa a esfera da vida privada e cotidiana e os acontecimentos políticos do país.

As fôrças políticas

O quadro de insurreições do período regencial contribuiu para aprofundar as divergências políticas entre as elites, especialmente no que dizia respeito às fórmas de garantir a estabilidade política e a unidade territorial do país. Nesse contexto, o grupo dos regressistas criou o Partido Conservador, apoiado pelas províncias do nordeste e composto de altos funcionários do govêrno, grandes comerciantes e proprietários de terras. Já os progressistas formaram o Partido Liberal, sustentado pelas províncias do centro-sul e constituído de senhores rurais e membros das camadas médias urbanas.

Os liberais, que haviam sido responsáveis pelo projeto de lei que antecipou a maioridade de Dom Pedro segundo, foram nomeados pelo jovem imperador para compor o primeiro ministério de seu govêrno. No entanto, como os conservadores tinham a maioria na Câmara dos Deputados, os liberais solicitaram ao imperador que dissolvesse o Parlamento e organizasse novas eleições.

Realizadas em outubro de 1840, as eleições ficaram marcadas pelo uso da violência tanto pelos liberais como pelos conservadores. Espancamentos e assassinatos de eleitores e adversários políticos, roubo de urnas e fraudes na contagem de votos explicam por que essa disputa pela hegemonia nas urnas ficou conhecida como “eleições do cacete”.

Os liberais saíram vitoriosos. Insatisfeitos, os conservadores exigiram que o imperador destituísse o gabinete liberal e convocasse novas eleições. Em reação, os liberais organizaram revóltas em São Paulo e em Minas Gerais, que foram rapidamente sufocadas pelas tropas do govêrno imperial.

Pintura. Sobre um fundo preto, o retrato de um menino, visto dos joelhos para cima.  Ele tem cabelos loiros, lisos e curtos e olhos claros. Usa um casaco militar de cor escura com detalhes dourados no colarinho e na parte central. No pescoço, usa um colar de tecido em vermelho com um medalhão com ouro e pedras preciosas, uma insígnia com pedras preciosas em seu peito e uma faixa cruzando o peito, na diagonal, azul. Usa um cinto dourado e uma calça branca.  Ele segura um objeto branco e dourado embaixo do braço direito. Com a mão direita ele segura uma corda dourada na cintura, junto ao seu cinto. Com a outra mão, segura o um cetro dourado, apoiado no chão. Ao fundo, um trono dourado de estofado vermelho.
toné, Félix. Retrato do imperador Dom Pedro segundo. 1837. Óleo sobre tela, 90 por 66 centímetros. Museu Imperial, Petrópolis (Rio de Janeiro). Nesse retrato, Dom Pedro segundo tinha 12 anos de idade.

Liberais e conservadores

De modo geral, podemos considerar que os conservadores acreditavam em um poder central forte. Por sua vez, os políticos liberais defendiam a autonomia de cada província do Brasil e valorizavam a representação na política nacional, por meio de deputados eleitos, por exemplo. Contudo, as atuações dos políticos pertencentes a cada partido têm sido revistas e estudadas por historiadores. Hoje, é possível dizer que existem basicamente três diferentes interpretações de historiadores sobre os partidos Liberal e Conservador no Brasil.

Segundo uma das interpretações, os dois partidos eram, em essência, semelhantes, pois ambos representavam os interesses da aristocracia rural.

Uma segunda corrente destaca as diferenças: enquanto os liberais tinham uma base urbana e defendiam mais autonomia nas províncias, os conservadores representavam setores agrários favoráveis à centralização.

A terceira interpretação historiográfica enfatiza tanto as diferenças quanto as semelhanças entre os dois partidos.

Respostas e comentários

Texto complementar

O artigo a seguir aborda algumas questões relacionadas ao fim das regências e ao cenário político do Segundo Reinado.

Buscando inserir um cenário provincial no contexto imperial, cabe ressaltar que o Período Regencial mostrou-se um marco histórico para a autonomia e a participação política nas províncias do Império. Se o Ato Adicional de 1834 modificou a realidade vivenciada na côrte, no âmbito provincial, na medida em que transformou os Conselhos Provinciais em Assembleias Legislativas, modificou por completo as realidades provincianas. reticências

No cenário nacional, ao fim da Regência, o vocabulário da imprensa demonstrava a formação dos partidos Liberal e Conservador. Durante cêrca de vinte anos de existência política, periodistas do Partido Liberal queixavam-se do impedimento do partido perante o Regime ao longo do tempo. reticências A efervescência da época levou à efetivação do projeto de Conciliação do político Honório Hermeto Carneiro Leão, que manteve os liberais restringidos das cadeiras ministeriais. [Posteriormente], na década de 1860, uma nova geração de liberais, enfatizando essa trajetória, demonstrava estar disposta a pertencer ao jôgo político, mesmo que para isso a ordem estivesse ameaçada, ou até mesmo o próprio Regime.

COUTINHO, Driely Neves. “A liberdade não é incompatível com a ordem”: o vocabulário do Partido Liberal na Província do Espírito Santo. Temporalidades, edição. 33, volume 12, número 2, página. 251-252, maio/agosto. 2020. Disponível em: https://oeds.link/nhk3fC. Acesso em: 22 maio 2022.

Observação

O conteúdo desta página contribui, novamente, para o desenvolvimento de aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um cinco.

O “parlamentarismo à brasileira”

Visando estabilizar a situação política no país, o imperador Dom Pedro segundo acabou por criar, em 1847, o cargo de presidente do Conselho de Ministros, medida que instituiu o parlamentarismo no Brasil. Se compararmos o modêlo de parlamentarismo implantado no Brasil com o modêlo inglês, por exemplo, perceberemos que o parlamentarismo brasileiro funcionou de maneira diferente e peculiar.

Na Inglaterra, o primeiro-ministro, figura que de fato governa o país, é escolhido pelo partido que recebeu mais votos nas eleições. Depois disso, ele nomeia as pessoas que farão parte de seu gabinete ministerial. Contudo, o “poder maior” pertence ao Parlamento. A permanência ou não do primeiro-ministro em seu cargo no govêrno depende, geralmente, do próprio Parlamento.

No Brasil, o imperador, utilizando-se do Poder Moderador, nomeava o presidente do Conselho de Ministros, que escolhia os integrantes de seu gabinete ministerial. Depois disso, novas eleições eram realizadas, para garantir que o partido que ocupava o gabinete ministerial contasse com a maioria no Parlamento.

O revezamento no poder entre os partidos Liberal e Con-servador durou praticamente todo o Segundo Reinado.

Charge em preto e branco. Um homem sentado sobre um banco, debaixo de uma tenda de cor escura. Ele usa uma cartola, casaca e sapatos pretos,  camisa e calça branca.  Está com o braço direito levantado apontando para a esquerda,  enquanto olha para frente.  No alto da tenda, há um cartaz de fundo branco onde está escrito: ‘BAZAR ELEITORAL (NÃO SE FIA)’.  No chão, sob a tenda, no chão, à esquerda, há três caixotes. No primeiro, acima de outro, à esquerda, está escrito: ‘Cédulas. Em branco’. Abaixo, outro com o texto: ‘Cédulas. Prévias’, à direita deles, um outro com a palavra ‘Cédulas’ e texto ilegível.  Há outro caixote no canto direito na charge, com o texto: ‘Cédulas. Cascudas’.  Ao fundo, sob a tenda, há espadas, pistolas, lanças e armas de cano longo dispostas de verticalmente de forma paralela.
AGOSTINI, Ângelo. Bazar eleitoral: Deus louvado, meu partido é o cobre; voto por aquele que me der mais a ganhar. 1867. Charge. Arquivo Público do Estado de São Paulo, São Paulo. O artista Ângelo Agostini, nesta charge, fala sobre a corrupção eleitoral durante o Segundo Reinado. No “bazar eleitoral”, estão sendo vendidos rifles, espadas e cédulas eleitorais (inclusive cédulas em branco).

Ler a charge

• O que as armas “à venda” no bazar eleitoral podem indicar sobre as características das eleições no Segundo Reinado? E as cédulas à venda, o que representam?

Ícone. Sugestão de site.

MUSEU Imperial.Disponível em: https://oeds.link/gPw855. Acesso em: 25 fevereiro 2022. Site do Museu Imperial, localizado em Petrópolis (Rio de Janeiro). O site disponibiliza visitas virtuais pelas dependências da instituição.

Respostas e comentários

Orientações

O estudo de assuntos como o conflito entre os interesses populares e os das oligarquias e o contrôle do aparato do Estado pelos partidos Liberal e Conservador possibilitam estabelecer um paralelo com o mundo atual. Exemplos disso são o choque de interesses no campo e a relação entre o poder econômico e a estrutura partidária. É possível ainda orientar uma reflexão sobre as características do “parlamentarismo à brasileira” nesse período, comparando-as com as do parlamentarismo em outros países e com as propostas de reforma política que na atualidade são debatidas por diferentes grupos no nosso país.

Ao discutir com os estudantes as posições dos liberais e dos conservadores, também é importante ressaltar que havia diferenças internas em cada grupo.

Resposta

Ler a charge: As armas e as cédulas à venda no bazar eleitoral representado na charge de Agostini indicam a violência que permeava as eleições nesse período, as disputas acirradas entre liberais e conservadores e a manipulação dos votos dos eleitores por meio de coerção.

Observação

O conteúdo desta página possibilita o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um cinco.

A “Primavera dos Povos” no Brasil

A última grande revólta do Segundo Reinado ocorreu na província de Pernambuco, em 1848. A Revolução Praieira foi assim chamada porque os líderes do movimento se reuniam na séde do jornal Diário Novo, localizada na rua da Praia, no Recife. Por esse motivo, os membros do movimento ficaram conhecidos como praieiros.

O movimento contou com ampla participação popular, sobretudo das camadas médias urbanas. Essa população lutava contra a falta de emprêgo e pelo fim do contrôle do comércio pelos portugueses em Pernambuco.

Essa revólta não teve apenas motivações locais. Ela foi fortemente influenciada pelo contexto das revoluções liberais que varreram o continente europeu no mesmo ano.

Inspirados no socialismo de Róbert Ôuen e chárles furriê, os praieiros utilizaram a imprensa liberal, sobretudo o jornal Diário Novo e a revista O Progresso, para divulgar suas ideias.

A presença das ideias revolucionárias europeias no movimento praieiro ficou evidente no “Manifesto ao mundo”, publicado em 1849. Por esses motivos, a revólta é chamada por alguns historiadores de “Primavera dos Povos brasileira”. Em 1850, ela foi derrotada pelas tropas imperiais.

Revolução ou revólta?

Os próprios sujeitos da época definiram a Praieira como uma “revolução” e se inspiraram nos valôres e elementos dos movimentos revolucionários europeus de 1830 e 1848, já estudados neste livro. Porém, no caso do Brasil, o movimento ocorreu em um contexto de centralização política imperial, elaborado pelas elites, em um cenário bem diferente das realidades europeias do período. No Brasil dos anos 1830 e 1840, a ordem e a unidade do território nacional até poderiam estar em jôgo mediante as aspirações dos praieiros, mas é importante ressaltar que não se tratava de uma ameaça revolucionária como a representada pelos movimentos de 1830 e 1848 na Europa.

Gravura em preto e branco. Vista elevada de um local urbano com rua ao centro, casas baixas de até quatro andares, à esquerda e à direita. Em segundo plano, outras residências e igrejas. No alto, o céu claro com nuvens escuras.
Vista do bairro de Santo Antônio, localizado em Recife, em Pernambuco. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro. Essa gravura foi publicada em Le Brésil, de Piérre-Emíle Levasser, em 1899.
Respostas e comentários

Orientações

Mesmo após o período regencial e o início do reinado de Dom Pedro segundo, as revóltas que eclodiam em várias regiões do Brasil não cessaram. Exemplo disso foi a Revolução Praieira, inspirada nos movimentos revolucionários europeus do século dezenove, que reivindicava mudanças profundas no modêlo político do Segundo Reinado.

Texto complementar

O trecho a seguir analisa as ideias que influenciaram a Revolução Praieira:

Havia no ambiente intelectual da Província um clima favorabilíssimo à expansão de ideias de reforma social. À agitação popular, correspondia a existência de uma elite intelectual propensa à compreensão e propagação de princípios socialistas. A figura de Vutiê, o engenheiro socialista contratado pelo govêrno provincial, merece realce particular pelo muito que influiu para o conhecimento das novas tendências do socialismo militante na Europa. No seu Diário Íntimo reticências vê-se pela relação dos livros adquiridos e pelas revistas assinadas e propagadas entre nós, como o técnico francês foi um elemento de difusão das preocupações reformadoras dos idealistas da primeira metade do século dezenove.

QUINTAS, Amaro. O sentido social da Revolução Praieira. São Paulo: Yendis, 2004. página. 136.

Observação

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A Guerra do Paraguai (1864-1870)

O principal fator para a eclosão da Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança foram as disputas pelo contrôle da Bacia do Prata, formada pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai.

O Paraguai, sem saída para o mar, dependia dos rios platinos para o escoamento de seus produtos. Para o Brasil, os rios representavam a única via de comunicação entre a província de Mato Grosso e a do Rio de Janeiro.

Os enfrentamentos militares começaram com a intromissão do Brasil nos assuntos internos do Uruguai, cujo poder político era disputado entre os partidos Blanco e Colorado. Em outubro de 1864, o Brasil, que apoiava os colorados, invadiu o Uruguai. O Paraguai, governado por Francisco Solano López e aliado dos blancos, rompeu relações diplomáticas com o Brasil e, em novembro, aprisionou um navio brasileiro que seguia para Cuiabá. No mês seguinte, tropas paraguaias invadiram o Mato Grosso e pediram autorização do govêrno argentino para atravessar seu território e entrar no Rio Grande do Sul. Diante da recusa, Solano López declarou guerra à Argentina e atacou a província de Corrientes.

As investidas do Paraguai motivaram o Brasil, a Argentina e os colorados uruguaios a formalizar, em maio de 1865, a Tríplice Aliança, com o compromisso de derrotar Solano López e liberar a navegação fluvial na região para os três países.

Fotografia em sépia. Dois homens sentados, um ao lado do outro. O homem à esquerda usa um quepe sem abas sobre a cabeça, casaco de mangas compridas, calça e botas de cano longo pretas. Nas mãos e diante de sua cadeira, apoiadas no chão, uma espada e uma espingarda, cruzadas, formando um ‘x’. Está sentado sobre uma cadeira colocada ao contrário, com o encosto na frente do corpo. À direita, um homem sentado com as pernas cruzadas, visto de frente, sobre uma cadeira colocada de lado. Está com o braço esquerdo sobre o encosto da cadeira, à direita dele. Usa um chapéu pequeno, arredondado, com abas, casaco de mangas compridas com botões metálicos no centro da peça, calça e sapatos escuros.  ]Ambos os homens olham fixamente para o fotógrafo. O chão está coberto por um tapete liso, quadrado, de cor clara.
Oficiais brasileiros posando para uma fotografia durante a Guerra do Paraguai, cêrca de 1894. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
Pintura. Vista de um local aberto, com cena de combate com dezenas de homens lutando. 
Na parte inferior da pintura, homens à cavalo, indo da esquerda para a direita, atacando. 
Os animais são montados por homens vestidos de azul e têm cores variadas, como branca, preta e marrom. 
Uma parte dos homens, aqueles do exército à direita, usa uniforme composto de blusa vermelha de mangas compridas e calças brancas, com quepes e chapéus de cor bege sobre as cabeças. 
Outros, do exército que está à esquerda, usam uniforme composto de casaco comprido azul e calças azuis, com quepes azuis com detalhes dourados sobre suas cabeças.
Alguns homens estão sobre o chão desfalecidos, onde também há armas, tambores, chapéus caídos, alimentos e animais (assustados, uma vaca e um carneiro à direita).
Os homens em combate usam armas como lanças, espadas, pistolas e baionetas. 
À direita e à esquerda, há centenas de soldados. Na ponta esquerda, sobre um terreno um pouco mais elevado, oficiais de uniforme azul montados à cavalo observam o combate, que se desenrola no terreno mais baixo. 
Ao fundo, há muita fumaça provocada por explosões, com chamas e fumaça também na mata ao fundo, à direita. 
No alto, o céu  cinza com uma espiral de fumaça que se mistura às nuvens grossas em cinza claro. No centro do céu, há um pequeno círculo que revela um fundo azul claro.
AMÉRICO, Pedro. Batalha do Avaí. 1872-1879. Óleo sobre tela, 6 por 11 métros Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Uma das mais sangrentas batalhas entre as fôrças da Tríplice Aliança e as do Paraguai foi travada junto ao arroio Avaí, no Paraguai, em 11 de dezembro de 1868. Na obra de Pedro Américo, o conflito é idealizado e simboliza o confronto entre a civilização, representada pelos soldados brasileiros fardados e montados a cavalo, e a barbárie, associada aos paraguaios, retratados seminus e no chão.
Respostas e comentários

Orientações

A Guerra do Paraguai foi o conflito de maiores proporções entre nações sul-americanas e gerou importantes transformações ao Império brasileiro, como o fortalecimento dos movimentos pela abolição da escravidão.

Embora não fosse bem treinado e equipado, o exército paraguaio obteve vantagem na primeira fase da guerra. O avanço paraguaio foi detido, porém, após a Batalha do Riachuelo, vencida pela Tríplice Aliança. Em 1866, o sul do Paraguai foi invadido, e a guerra se equilibrou. A partir daí, o conflito se caracterizou pela resistência paraguaia ao avanço dos três países e só terminou em 1870, com a morte de Solano López e a derrota do Paraguai.

Observação

O conteúdo desta página possibilita o trabalho com aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um sete e ê éfe zero oito agá ih um oito.

Resultados do conflito

A guerra só terminou em 1870, com a morte de Solano López e a derrota paraguaia.

Para o Paraguai, o conflito foi uma catástrofe. O país teve de arcar com uma pesada dívida de guerra, além de ter boa parte de suas terras anexada pelos vencedores, como você pode observar no mapa A Guerra do Paraguai (1864-1870). A população paraguaia foi reduzida a um quinto do total antes do conflito. As indústrias e ferrovias ruíram.

A Guerra do Paraguai (1864-1870)

Mapa. A Guerra do Paraguai (1864 a 1870). Mapa representando a região da Tríplice Fronteira, entre Paraguai (em amarelo, com destaque para Laguna, Assunção e Vila Rica), Argentina (em verde, com destaque para Corrientes e Buenos Aires) e Brasil (em cor de rosa, com destaque para Dourados, São Borja e Porto Alegre). Há territórios hachurados com cores distintas e setas indicando rotas.  Na legenda, um pequeno quadrado preto indica a localização das vilas. Há destaque para: Dourados, no Brasil.  Setas roxas indicam: ‘Invasão paraguaia’. Partindo da cidade de Corrientes, no norte da Argentina, até Assunção, no Paraguai, e de lá para o norte do Paraguai e para o território brasileiro em torno do Rio Paraguai. Outra seta, parte do sul do Paraguai em direção a São Borja, no Brasil, e de lá para a Argentina. O território hachurado com listras horizontais cor de rosa e amarelas corresponde a ‘Território paraguaio ocupado pelo Brasil’. Destacando um território ao sul da vila de Dourados, a leste e a oeste de Laguna, entre os rios Paraguai e Paraná.  O território hachurado com listras horizontais verdes e amarelas corresponde a: ‘Território paraguaio anexado pela Argentina’. Destacando a região do Chaco, a oeste do Rio Paraguai, e um território entre os rios Uruguai e Paraná, na região da Tríplice Fronteira.  No canto direito, rosa dos ventos e escala de 0 a 175 quilômetros.

Fonte: jôfili, Bernardo. isto é Brasil 500 anos: atlas histórico. São Paulo: Três, 1998. página 75.

O Brasil não obteve grandes vantagens com o conflito. cêrca de 40 mil soldados morreram em combate, e as dívidas contraídas em decorrência da guerra foram pesadas, o que provocou o aumento da inflação. Como o Brasil assumia a maior parte das despesas do bloco dos aliados, o govêrno de Dom Pedro segundo, em várias ocasiões, teve de recorrer a empréstimos externos para custear o conflito.

Charge em preto e branco. Vista de local aberto. Em primeiro plano, em local com solo pedregoso, à direita, em primeiro plano, um homem negro de cabelos curtos com trajes militares, com o corpo voltado para à esquerda, está com a mão direita sobre a testa, em sinal de espanto com a cena que observa, ao fundo. Em segundo plano, à esquerda, um homem usa um chicote para bater em outro homem, que está amarrado a um tronco enterrado no solo. Outro homem ao fundo, visto de costas, usando chapéu observa a cena. Ao fundo, uma casa e um morro.  No canto inferior esquerdo, uma escada.
AGOSTINI, Ângelo. De volta do Paraguai. 1870. Charge. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Em 1866, uma lei obrigava cada província brasileira a enviar 1% de sua população à Guerra do Paraguai. Para escapar da convocação, muitos senhores de escravizados enviaram seus cativos para o conflito.

Mulheres na guerra

O texto a seguir fala sobre diversas mulheres que participaram, de alguma fórma, da Guerra do Paraguai.

No decorrer da Guerra do Paraguai, as espôsas de militares tinham como meta seguirem os maridos, algumas, inclusive, levando os filhos; determinadas viúvas também se propunham a acompanhar os filhos nessa empreitada. reticências

[Outras mulheres, conhecidas como vivandeiras,] praticavam o comércio, negociavam objetos de necessidade, preparavam e vendiam comidas, bebidas e obtinham excelentes preços pelas mercadorias, dada a precariedade de gêneros alimentícios, uma vez que os provimentos para abastecer o Exército Brasileiro eram irregulares. reticências

[Diversas] mulheres que tiveram algum tipo de referência histórica na Guerra do Paraguai foram aquelas que realizaram determinado ato considerado heroico (bravura) reticências.

CASTILHO, Maria Augusta de; GARCIA, Adilso de Campos. As mulheres na Guerra do Paraguai (1864-1870): o caso da Província de Mato Grosso (Mato Grosso). Revista de História da Uég, volume 9, número 2,julho/dezembro 2020. Disponível em: https://oeds.link/qew7NB. Acesso em: 22 fevereiro 2022.

Respostas e comentários

Texto complementar

Se desejar, apresente aos estudantes o trecho a seguir, sobre as causas da Guerra do Paraguai:

[O progresso paraguaio] começou a preocupar a metrópole inglesa. reticências A própria metrópole via-se desafiada por um exemplo que, frutificado, poderia abalar seu domínio.

As causas da Guerra do Paraguai, crescendo desde o início do século, adquiriam contornos nítidos na medida em que o povo guarani consolidava seu progresso. Os bons resultados que [o Paraguai] reticências obteve nas relações internacionais reticências serão anulados sob quaisquer pretextos, para que um país economicamente emancipado não abale o equilíbrio na Bacia do Prata. Um equilíbrio que significava manter o domínio do capital inglês sobre os dois mais importantes países da América do Sul: Brasil e Argentina.

quiavenáto, Júlio José. Genocídio americano: a Guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1982. página. 81.

Observação

O conteúdo desta página possibilita, novamente, o trabalho com aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um sete e ê éfe zero oito agá ih um oito.

Ícone. Ilustração de três pessoas e dois balões de fala indicando a seção Em debate.

Em debate

Versões da Guerra do Paraguai

A Guerra do Paraguai é objeto de diferentes interpretações históricas. Nos trechos a seguir, o historiador brasileiro Bóris Fausto apresenta algumas dessas interpretações sobre esse conflito internacional que marcou profundamente a história do Segundo Reinado. As pesquisas dos historiadores estão em permanente construção, o que nos leva a perceber que, em determinadas épocas ou conforme o estudo de documentos e vestígios específicos, as interpretações a respeito desse tema podem mudar, se transformar ou serem complementadas por novos estudos e pesquisas.

Texto 1

A guerra constitui um claro exemplo de como a História, sem ser arbitrária, é um trabalho de criação que pode servir a vários fins. Na versão tradicional da historiografia brasileira, o conflito resultou da megalomania e dos planos expansionistas do ditador paraguaio Solano López. Membros das fôrças Armadas – especialmente do Exército – encaram os episódios da guerra como exemplos da capacidade militar brasileira, exaltando os feitos heroicos de Tamandaré, de Osório e, em especial, de Caxias. reticências

Atravessando a fronteira, encontramos no Paraguai uma historiografia oposta. O conflito é aí visto como uma agressão de vizinhos poderosos a um pequeno país independente. Essa versão serviu em anos recentes para glorificar o ditador paraguaio Alfredo Strósner [que governou o país entre 1954 e 1989]. reticências Strósner apresentava-se como continuador da obra do general Bernardino Cabalhêro, reticências oficial de confiança de Solano López nos anos da guerra.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: êduspi, 2007. página 208-209.

Charge em preto e branco. Em primeiro plano, um homem vestido com trajes militares está em pé sobre uma pilha alta composta de  caveiras e ossos humanos. Ele segura uma espada na mão direita e ergue uma cabeça recém decepada com a mão esquerda, em gesto triunfal. No solo,  esqueletos e crânios espalhados. No alto, o céu com manchas escuras.
AGOSTINI, Ângelo. O do século dezenove. 1869. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Charge representando Solano López sobre uma pilha de crânios. Com frequência, o ditador paraguaio foi representado na imprensa brasileira como um líder sanguinário. Por sua vez, os jornais paraguaios retratavam o Exército brasileiro como racista, em razão da participação de negros libertos no conflito.
Respostas e comentários

Orientações

Esta seção procura aprofundar um pouco mais o conhecimento dos estudantes sobre a Guerra do Paraguai, que contou com a participação expressiva de escravizados e libertos nas frentes de batalha e posteriormente se mostrou um conflito importante para o desenvolvimento das lutas sociais e abolicionistas dos afrodescendentes no Brasil. Além disso, busca ampliar a discussão sobre as possibilidades de interpretações historiográficas.

Inicie uma discussão com os estudantes sobre a pesquisa histórica, os caminhos metodológicos, a visão de mundo, a posição crítica, política e social que permeia a análise dos historiadores. É interessante chamar a atenção deles para a época em que as análises são produzidas, pois elas dialogam com as preocupações dos historiadores em relação ao seu tempo.

Observação

O conteúdo desta seção possibilita, novamente, o trabalho com aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um sete e ê éfe zero oito agá ih um oito.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestão para o professor:

BOTELHO, José Francisco; LIMA, Laura Ferraza de. Guerra do Paraguai: vidas, personagens e destinos no maior conflito da América do Sul. São Paulo: Rárper Cólins, 2021.

A obra apresenta uma análise da Guerra do Paraguai, explorando seus personagens e as conjunturas que deram fórma a esse conflito.

Em debate

Texto 2

Na década de 1960, surgiu entre os historiadores de esquerda, como o argentino León Pomer, uma nova versão. O conflito teria sido fomentado pelo imperialismo inglês. O Paraguai era um país de pequenos proprietários que optara pelo desenvolvimento autônomo, livrando-se da dependência externa. Brasil e Argentina definiam-se como nações dependentes, baseadas no comércio externo e no ingresso de recursos e tecnologia estrangeiros. Esses dois países teriam sido manipulados pela Inglaterra para destruir uma pequena nação cujo caminho não lhe convinha. Além disso, os ingleses estariam interessados em controlar o comércio do algodão paraguaio, matéria-prima fundamental para a indústria têxtil britânica.

Essa interpretação está muito ligada às concepções correntes na esquerda latino-americana das décadas de 1960 e 1970. Pensava-se naqueles anos que os problemas do continente resultavam basicamente da exploração imperialista. A Guerra do Paraguai seria um exemplo a mais de como a América Latina, ao longo do tempo, tinha apenas trocado de dono, passando de mãos inglesas para norte-americanas.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: êduspi, 2007. página 208-209.

Texto 3

Nos últimos anos, a partir de historiadores como Francisco Doratioto e Ricardo Salles, surgiu uma nova explicação. Não se trata da última palavra no campo da História, mas de uma versão menos ideológica, mais coerente e bem apoiada em documentos. Ela concentra sua atenção nas relações entre os países envolvidos no conflito. Tem a vantagem de procurar entender cada um desses países a partir de sua fisionomia própria, sem negar a grande influência do capitalismo inglês na região. Chama a atenção, assim, para o processo de formação dos Estados nacionais da América Latina e da luta entre eles para assumir uma posição dominante no continente.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: êduspi, 2007. página208-209.

  1. Identifique as versões sobre a Guerra do Paraguai apresentadas nos textos 1, 2 e 3.
  2. Explique a visão tradicional da historiografia brasileira sobre essa guerra.
  3. Qual é a versão da historiografia paraguaia para o conflito?
  4. Segundo as vertentes historiográficas dos anos 1960 e 1970, citadas no texto 2, qual é a relação entre o imperialismo inglês e a Guerra do Paraguai?
  5. Como a interpretação elaborada por Francisco Doratioto e Ricardo Salles, no texto 3, se opõe à ideia de que essa guerra foi fomentada pelo imperialismo inglês?
Pintura. Vista elevada de um acampamento em local aberto, com chão de terra e tendas brancas. Entre elas, há muitos homens vestidos de preto, transportando madeira, escadas, organizando barris e trabalhando nas tendas.  Ao fundo muitas barracas pequenas, brancas, dispostas em fileiras formando grandes quadrados, simetricamente dispostas lado a lado.  No alto, o céu nublado.
LÓPEZ, Cándido. Acampamento argentino durante a guerra contra o Paraguai (detalhe).cêrca de 1890. 33,5 por 44,7 Museu Nacional do Cabildo e da Revolução de Maio, Buenos Aires, Argentina.
Respostas e comentários

1. Os textos 1, 2 e 3 apresentam quatro versões sobre a Guerra do Paraguai. A primeira é a da historiografia brasileira tradicional. A segunda foi produzida pela historiografia tradicional paraguaia. A terceira é focada no imperialismo inglês, ligada a concepções de correntes da esquerda latino-americana das décadas de 1960 e 1970, e a quarta foi produzida pelo especialista em relações internacionais Francisco Doratioto e pelo historiador Ricardo ­Salles e se concentra nas relações entre os países envolvidos no conflito.

2. Essa interpretação responsabiliza o ditador paraguaio Solano López pela eclosão do conflito. Essa visão também glorifica as fôrças Armadas brasileiras, destacando a atuação de alguns comandantes, vistos como heróis.

3. Na versão paraguaia, o conflito resultou da agressão de vizinhos poderosos a um pequeno país independente. Essa versão foi utilizada em anos recentes para glorificar o ditador paraguaio Alfredo Strósner, que governou o país entre 1954 e 1989.

4. Segundo essas vertentes, o conflito foi fomentado pelo imperialismo inglês. O Paraguai era um país de pequenos proprietários que optaram pelo desenvolvimento autônomo, livrando-se da dependência externa. Brasil e Argentina definiam-se como nações dependentes, baseadas no comércio externo e no ingresso de recursos e tecnologia estrangeiros. De acôrdo com essa interpretação, Brasil e Argentina foram manipulados pela Inglaterra para destruir uma pequena nação cujo caminho não lhe convinha. Além disso, os ingleses estavam interessados em controlar o comércio do algodão paraguaio, matéria-prima fundamental para a indústria têxtil britânica.

5. A vertente dos anos 1960 e 1970 tendeu a analisar o conflito como resultado, principalmente, dos interesses da Inglaterra em interromper o progresso paraguaio, visto como uma ameaça aos negócios ingleses na região platina.

Opondo-se a essa visão, Francisco Doratioto e Ricardo Salles analisam o conflito como fruto das disputas pela hegemonia na região e do caminho escolhido pelos envolvidos para se consolidarem como Estados nacionais.

A expansão cafeeira no Segundo Reinado

O café foi introduzido no Brasil no início do século dezoito, vindo da Guiana Francesa. Foi levado para a capitania do Rio de Janeiro, onde passou a ser cultivado para consumo doméstico. Apenas no final do século dezoito, com a ampliação do consumo nos países do Ocidente, a produção para o mercado começou a se expandir.

No comêço do Segundo Reinado, em 1840, o café já era o principal produto da economia brasileira, representando cêrca de 40% das exportações do país e mais da metade da produção mundial. A rápida expansão do cultivo deveu-se a quatro fatores principais: abundância de terras, disponibilidade de mão de obra, condições climáticas favoráveis e aumento do consumo do produto no exterior.

A primeira fase de produção teve como centro o Vale do Paraíba, onde os cafezais se espalharam por municípios fluminenses (como Barra Mansa, Vassouras e Barra do Piraí) e paulistas (como Taubaté, Areias e Bananal). Essa região reunia condições naturais excelentes para o cultivo: terras virgens e férteis, chuvas regulares e relêvo acidentado, que protegia a planta dos ventos fortes que vinham do oceano.

O cultivo no Vale do Paraíba seguiu o modêlo adotado na agricultura de exportação do Nordeste, baseado na grande propriedade e na mão de obra escrava. Sem investir em inovações técnicas, os fazendeiros aumentavam a produção por meio da expansão dos cafezais para novas terras e da ampliação do contingente de escravizados.

Fotografia. Sobre um fundo verde desfocado, um galho com frutos de café redondos, pequenos, verdes e outros vermelhos, mais maduros. Na parte inferior, os caules finos da planta em que estão presos os grãos.
Grãos de café em plantação no município de Guaxupé, no estado de Minas Gerais. Fotografia de 2017.
Fotografia em preto e branco. Vista de local aberto, com vegetação de médio porte formada por arbustos de galhos finos com folhas pequenas. No centro, há uma dessas plantas e , de cada lado dela, um homens em pé, colhendo frutos redondos e pequenos com as mãos. Ambos trazem cestos às costas e grandes bacias á frente do corpo, em que depositam os grãos.  Os homens usam blusas e calças compridas brancas e chapéus brancos sobre a cabeça. Ao fundo, a plantação.
Escravizados colhendo café em fazenda do Vale do Paraíba. Fotografia, cêrca de 1885. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.
Respostas e comentários

Orientações

O aumento do consumo internacional de café estimulou a expansão das lavouras cafeeiras nas regiões Sudeste e Sul do país. Com isso, o café passou a ser o produto mais importante da economia brasileira. Sugerimos enfatizar as mudanças impulsionadas pela produção cafeeira, como a modernização das regiões produtoras, a construção de ferrovias, a melhoria dos portos, a instalação de casas financiadoras e exportadoras e a ampliação da infraestrutura urbana.

A economia cafeeira do Vale do Paraíba viveu seu período de esplendor entre 1850 e 1870. A riqueza proveniente da produção do café se via na imponência das casas-grandes e na vida luxuosa da elite cafeeira na côrte imperial.

Comente que o cafeeiro é uma planta que não se adapta a regiões muito quentes nem muito frias. As condições ideais para o cultivo dessa planta são temperaturas amenas, chuvas regulares e bem distribuídas e solo fértil. Tais condições foram encontradas na região Centro-Sul do Brasil, na área compreendida hoje pelos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais. Depois, com o esgotamento do solo, a lavoura de café começou a se deslocar para o Oeste paulista, possibilitando que a província se tornasse nesse período a mais rica e dinâmica do país.

Observação

O estudo de atividades econômicas no Segundo Reinado, considerando funções sociais e políticas dos diversos sujeitos nelas envolvidos, possibilita, novamente, o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um cinco.

A caminho do Oeste Paulista

A proximidade entre as áreas de cultivo no Vale do Paraíba e o litoral facilitava o escoamento do produto para a Europa e para os Estados Unidos. Antes da construção das primeiras ferrovias, o café era transportado por tropas de burros e mulas ou em carros de bois até portos intermediários e daí para os portos exportadores, principalmente o do Rio de Janeiro e o de Paraty.

Contudo, por volta de 1860, a cultura cafeeira do Vale do Paraíba dava sinais de decadência. Algumas causas podem explicar esse fenômeno: o desmatamento, as práticas de queimada, o sistema extensivo de produção (ou seja, o tipo de sistema caracterizado pela exploração de grande extensão de terra) e a ausência de técnicas para evitar a erosão provocaram o enfraquecimento das plantas e a queda da produção.

Com o declínio da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba, a economia do café entrou em uma nova fase, rumo ao Oeste Paulista.

A região do Oeste Paulista apresentava condições bastante favoráveis ao cultivo, como o solo de terra roxa, muito fértil, geografia pouco acidentada e grandes extensões de terras inexploradas.

Esses fatores, somados à adoção de novas técnicas agrícolas, possibilitaram que os cafezais do Oeste Paulista fossem mais produtivos e duradouros que os do Vale do Paraíba.

Pintura. Retrato de um homem negro em local aberto, à frente de uma plantação, segurando uma enxada apoiada no solo.  Ele usa camiseta lilás, calça branca e está com os pés descalços. Ao fundo, à direita, o toco de uma árvore cortada. Em segundo plano, solo marrom e uma estrada de ferro, com um trem, a locomotiva expelindo fumaça.  Ao fundo, local com grande plantação de café com plantas verdes dispostas em linhas verticais. No alto, o céu com nuvens claras.
PORTINARI, Candido. O lavrador de café. 1934. Óleo sobre tela, 100 por 81 centímetros. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo.
Pintura. Vista geral de um local aberto em ambiente rural, com vegetação rasteira e partes com arbustos e árvores grandes. 
Na parte mais baixa do terreno,  alguns animais pastando e, na borda, uma pequena floresta. 
No centro, uma casa grande, de paredes brancas, com telhas cor de terracota. No alto, ao fundo, uma grande construção horizontal, com paredes brancas e telhado marrom. Uma parte dessa construção possui dois pavimentos e é sede da fazenda. No alto, o céu azul com poucas nuvens brancas.
calísto, Benedito. Fazenda do Pinhal. 1900. Óleo sobre tela, 90 por 230 centímetros. Casa do Pinhal, São Carlos, São Paulo. Essa fazenda, localizada próxima à cidade de São Carlos, no estado de São Paulo, é aberta para visitações. As edificações e a área da fazenda como um todo são consideradas patrimônio histórico, tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Respostas e comentários

Texto complementar

A seguir, reproduzimos um trecho de um texto do economista Sérgio Silva sobre as condições históricas que propiciaram a expansão cafeeira no Brasil:

Na segunda metade do século dezenove, o comércio mundial cresceu num ritmo sem precedentes. O crescimento do comércio internacional teve uma grande influência sobre a economia dos países onde o desenvolvimento do capitalismo ainda era muito fraco. Ele criou condições favoráveis a esse desenvolvimento.

No que se refere ao Brasil, e em particular à economia cafeeira brasileira, essas condições foram especialmente favoráveis. As cotações internacionais do café, estagnadas ou em baixa desde a independência de 1822, apresentavam-se em alta a partir dos anos 1850. O aparecimento dos navios a vapor no Atlântico Sul deu um novo impulso ao comércio de longas distâncias e em particular veio favorecer as relações comerciais entre o Brasil, de um lado, e a Europa e os Estados Unidos, de outro.

SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1976. página. 29.

Observação

Novamente, o estudo de atividades econômicas no Segundo Reinado, considerando funções sociais e políticas dos diversos sujeitos nelas envolvidos, possibilita o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um cinco.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestão para o estudante:

GONÇALVES, José Manoel Ferreira. História das ferrovias do Brasil: ferrovias paulistas. Curitiba: Sendas Edições, 2019.

O livro procura resgatar a memória da construção de linhas férreas no estado de São Paulo, principalmente ao longo do século dezenove, relacionando esse processo à expansão das lavouras de café.

Outras atividades econômicas durante o Segundo Reinado

Além do café, outros produtos foram importantes para a economia nacional e tiveram destaque no volume de exportações brasileiras no Segundo Reinado.

Apesar de perder a predominância, o açúcar continuou sendo um produto importante para as exportações.

O algodão, cultivado principalmente nas províncias do Maranhão e de Pernambuco, chegou a ocupar o segundo lugar na pauta de exportações do Brasil durante a Guerra de Secessão (1861-1865) nos Estados Unidos. Nesse período, em razão da queda na produção estadunidense, o algodão brasileiro passou a suprir grande parte da demanda pela matéria-prima nas indústrias de tecidos da Inglaterra.

A partir da década de 1870, na Amazônia, a extração do látex das seringueiras impulsionou o crescimento econômico da região. O látex é uma seiva que, ao passar por determinados processos (como a coagulação), dá origem à chamada borracha natural. A demanda por látex no mercado mundial aumentou com o desenvolvimento da indústria automobilística, que utilizava o produto na fabricação de pneus.

Fotografia em preto e branco. Dentro de um local fechado, com teto baixo sustentado por vigas verticais, vários homens vestidos com camisas de cor branca e calças compridas bege, trabalhando juntos. A pele dos homens está impregnada de suor. Em primeiro plano, dois homens abrem uma grande esfera de borracha ao meio, com o auxilio de ferramentas de ferro, enquanto são observados por outros, próximos a eles. Ao fundo, à esquerda, máquinas grandes que emanam fumaça branca.
córte de uma bola de látex na região amazônica, 1901-1907. Museu de Etnologia, Genebra, Suíça. Em 1850, a borracha representava 2% das exportações brasileiras; no final do século dezenove, esse percentual tinha subido para quase 25%.

A exploração dessa riqueza na Amazônia brasileira atraiu milhares de nordestinos (principalmente do Ceará), que fugiam da miséria e da prolongada estiagem que atingiu o sertão do Nordeste na década de 1870.

Crescimento de cidades

A partir da extração da borracha, cujo centro era a região amazônica, muitos povoados e vilas se desenvolveram e, com o tempo, foram transformados em cidades maiores. Desse modo, as atividades ligadas à extração da borracha impulsionaram o crescimento das cidades de Manaus e Belém, e de muitas outras cidades da região, como Marabá, Itacoatiara, Rio Branco, Eirunepé e Altamira.

Respostas e comentários

Orientações

Merecem destaque a permanência do açúcar como produto importante na economia do império e o incremento da produção de algodão e da exploração da borracha, artigos que eram exportados para os países industrializados. Em relação ao látex, vale ressaltar que no século dezenove a demanda por essa matéria-prima aumentou muito, principalmente em decorrência do avanço da indústria automobilística e do consumo de produtos feitos com borracha. A crescente importância da borracha no período ficou evidente nos números: em 1850, o produto representava 2% das exportações brasileiras; no final do século dezenove, esse percentual tinha subido para quase 25%.

Observação

Novamente, o estudo de atividades econômicas no Segundo Reinado, considerando funções sociais e políticas dos diversos sujeitos nelas envolvidos, possibilita o trabalho com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um cinco.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestões complementares referentes ao Capítulo:

CARVALHO, José Murilo de (Organização.). A construção nacional: 1830-1889. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

Com textos produzidos por historiadores brasileiros, a obra analisa o período marcado pela consolidação do Estado nacional no Brasil. Os autores procuram investigar as particularidades desse processo, apresentando e discutindo as novas tendências da historiografia.

DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. 2. edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

Essa obra de referência, escrita com sólida base metodológica e documental, busca analisar as origens e as dinâmicas militares da Guerra do Paraguai. A presente edição da obra apresenta novas pesquisas e estudos recentes, contemplando aspectos do avanço historiográfico.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

  1. Que semelhanças e diferenças podem ser estabelecidas entre a Revolução Praieira e as Revoluções de 1848 na Europa, que você estudou na Unidade cinco?
  2. De acôrdo com o que foi estudado neste Capítulo, responda às questões a seguir.
    1. Qual foi o principal fator para a eclosão da Guerra do Paraguai?
    2. Identifique alguns resultados do conflito para o Paraguai e para o Brasil.
  3. O escritor Euclides da Cunha, que esteve na região da Amazônia entre 1904 e 1905, registrou a desventura dos trabalhadores cearenses que haviam migrado para aquela região, para trabalhar nos seringais:

É a imagem monstruosa e expressiva da sociedade torturada que mourejaglossário naquelas paragens. O cearense aventuroso ali chega numa desapoderada ansiedade de fortuna; e depois de uma breve aprendizagem em que passa de brabo a manso, consoante a gíria dos seringais (o que significa o passar das miragens que o estonteavam para a apatia de um vencido ante a realidade inexorável) – ergue a cabana [e] pressente que nunca mais se livrará da estrada que o enlaça, e que ele vai pisar durante a vida inteira, indo e vindo, a girar estonteadamente no monstruoso círculo vicioso da sua fainaglossário fatigante e estéril.

CUNHA, Euclides da. Citado em: ANTONIO FILHO, Fadél David. Riqueza e miséria do ciclo da borracha na Amazônia brasileira: um olhar geográfico através de Euclides da Cunha. In: GODOY, R. Teixeira de organização. História do pensamento geográfico e epistemologia em Geografia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. página 204. Disponível em: https://oeds.link/0SqzdE. Acesso em: 25 março 2022.

  1. Com base no texto, é possível ter uma ideia da expectativa e da realidade dos nordestinos em relação ao trabalho de exploração da borracha na Amazônia. Exponha, com suas palavras, o quadro descrito por Euclides da Cunha.
  2. Como o autor avalia a capacidade do ser humano de vencer uma realidade adversa?

4. Em duplas, identifiquem, nos trechos do “Manifesto ao mundo” destacados a seguir, elementos e valôres que evidenciam que a Praieira contava com ideias inspiradas nos movimentos revolucionários europeus do período.

Manifesto ao mundo

1º – Voto livre e universal do povo brasileiro.

2º – A plena e absoluta liberdade de comunicar os pensamentos por meio da imprensa.

3º – O trabalho como garantia de vida para o cidadão brasileiro.

4º – O comércio de retalho só para os cidadãos brasileiros.

reticências

6º – A extinção do Poder Moderador reticências.

MANIFESTO ao mundo [1849]. In: MARSON, Isabel. O império do progresso: a Revolução Praieira. São Paulo: Brasiliense, 1987. página 79-80.

Respostas e comentários

Seção Atividades

Objetos de conhecimento

O Brasil do Segundo Reinado: política e economia.

A Lei de Terras e seus desdobramentos na política do Segundo Reinado.

Territórios e fronteiras: a Guerra do Paraguai.

Habilidades

São trabalhados aspectos relacionados às habilidades:

ê éfe zero oito agá ih um cinco (atividades 3, 4)

ê éfe zero oito agá ih um seis (atividades 1, 4)

ê éfe zero oito agá ih um sete (atividade 2)

ê éfe zero oito agá ih um oito (atividade 2)

Respostas

1. Em ambos os movimentos revolucionários, a adesão das classes populares foi motivada pelas dificuldades econômicas enfrentadas pela maioria da população. Além disso, os dois movimentos apresentavam premissas liberais e se orientavam contra a tirania dos governantes, simbolizada na Europa pelo absolutismo monárquico e no Brasil pelo Poder Moderador. Como diferenças, podemos apontar o fato de que, enquanto na Europa a luta se orientava contra os privilégios da nobreza, no Brasil a Revolução Praieira se voltou contra os privilégios dos portugueses no comércio de Pernambuco. No entanto, os movimentos europeus provocaram significativas alterações no quadro político, enquanto no Brasil o movimento foi derrotado.

2. a) O problema mais grave estava na falta de inovações técnicas do sistema extensivo de cultivo, que se baseava na derrubada, na queima das matas e no uso da mão de obra escravizada.

b) O declínio da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba levou a economia do café a outras regiões, especialmente o Oeste paulista, que apresentava condições favoráveis ao cultivo, como o solo de terra roxa, muito fértil, geografia pouco acidentada e grandes extensões de terras inexploradas.

3. a) O autor descreve, com a fôrça poética característica de sua literatura, a dura realidade que os nordestinos encontram nos seringais da Amazônia. O sonho de fazer fortuna rapidamente é sufocado pela natureza hostil. O seringueiro, antes sonhador, logo vislumbra a estrada que terá de seguir para o restante da vida, aprende a domar sua fúria e se acalma, resignado diante de uma realidade implacável.

b) A descrição mostra claramente a influência das teorias deterministas no pensamento de Euclides da Cunha. O sertanejo, ao perceber a fôrça soberana do meio geográfico (a floresta) e da exploração de seu trabalho, rapidamente domestica sua garra, seu desejo furioso de transformação, e se deixa envolver, resignado, pela vida que a floresta lhe reserva.

4. No “Manifesto ao mundo” é possível identificar a defesa das seguintes ideias inspiradas nos movimentos europeus do século dezenove: voto livre e universal, liberdade de imprensa, condições econômicas e de trabalho para os cidadãos, fim do poder ilimitado do Estado.

CAPÍTULO 17 O FIM DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Você já sabe que, durante o período da escravatura, muitos escravizados se rebelaram contra seus proprietários, promovendo diversas fugas e organizando revóltas. Agora, você vai estudar o fim da escravidão no Brasil e perceber que esse não foi um processo sem contradições: após obter a liberdade, os ex-escravizados não foram totalmente integrados à sociedade e à economia do país, pois o Estado não organizou projetos nem planos para que isso acontecesse. Muitos dos ex-escravizados, por exemplo, continuaram a ter laços de dependência com seus ex-senhores ou assumiram trabalhos desprestigiados nas cidades.

Após a abolição, muitos ex-escravizados foram buscar trabalho em grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife ou Salvador. No caso específico da cidade de São Paulo (e da província de São Paulo como um todo), os imigrantes vindos da Europa já ocupavam postos de trabalho na lavoura e na indústria. Os escravizados libertos, que infelizmente já sofriam todas as fórmas de preconceito, eram obrigados a aceitar os trabalhos mais pesados e mal remunerados.

Pintura. Vista de um local aberto, em um ambiente rural. Em uma estrada com chão de terra, há um grupo de pessoas, vistas de lado, que caminham da esquerda para a direita. Elas caminham de um lugar escuro, com uma densa mata, à esquerda, para um lugar claro e ensolarado, à direita. À direita, à frente do grupo, um homem negro vestido com uma camisa azul e uma calça marrom, com um chapéu preto sobre a cabeça segura uma criança com a mão direita e duas crianças com a mão esquerda. Visto de costas, ele caminha olhando para frente. À esquerda dele, há duas meninas negras de idades diferentes, ambas usando vestidos brancos na altura dos joelhos. Uma delas, com o cabelo trançado em tranças curtas, olha para trás, assustada. À direita dele,  vista de costas, uma menina com o mesmo tipo de veste, e calçada com galochas pretas. O homem de camisa azul a segura pela  gola do vestido, no alto das costas. No centro, há duas mulheres negras trajando vestidos brancos. Elas carregam sacos de pano estampado em branco e vermelho sobre a cabeça. As duas seguram gravetos com uma das mãos, estão descalças e têm o olhar assustado e a boca entreaberta. Atrás delas, uma mulher negra de cabelos presos em um coque, usando vestido branco e avental vermelho segura pelo braço um menino negro de peito nu e bermuda branca. Há outras pessoas atrás dela, vistas parcialmente.  No canto esquerdo da pintura, vista parcialmente, uma pessoa negra usando um traje branco, com um saco de pano estampado amarelo e roxo sobre a cabeça, segurando um graveto em uma das mãos. No alto, à direita, o céu iluminado pela luz solar em tons de amarelo. Ao fundo, à esquerda, local com mata densa.
Fuga de escravizados. 1859. Óleo sobre madeira, 31,8 por 51,5 centímetros. Coleção particular. Alguns anos antes da abolição, as fugas de escravizados se tornaram frequentes. Abolicionistas organizavam grupos para ajudar os escravizados a fugir. No entanto, uma vez livres, as perspectivas não eram boas para os negros, que se viam obrigados a disputar empregos com os imigrantes europeus.
Respostas e comentários

Sobre o Capítulo

O Capítulo trabalha com uma temática fundamental para a compreensão da formação da sociedade brasileira contemporânea: a abolição da escravidão e o declínio do regime escravista. O fim do tráfico de escravizados sinalizou o início do lento e gradual processo de abolição da escravidão no Brasil, que só foi concluído em 1888 com a Lei Áurea. Com o fim do tráfico, houve o deslocamento dos capitais investidos para outros setores, colaborando para a diversificação da economia nacional. Muitos anos antes da Lei Áurea, a escravidão sofria desgastes sucessivos: críticas cada vez mais intensas dos setores urbanos e do meio militar, assim como as fugas e as rebeliões de escravizados.

Habilidades trabalhadas ao longo deste Capítulo

ê éfe zero oito agá ih um nove: Formular questionamentos sobre o legado da escravidão nas Américas, com base na seleção e consulta de fontes de diferentes naturezas.

ê éfe zero oito agá ih dois zero: Identificar e relacionar aspectos das estruturas sociais da atualidade com os legados da escravidão no Brasil e discutir a importância de ações afirmativas.

ê éfe zero oito agá ih dois dois: Discutir o papel das culturas letradas, não letradas e das artes na produção das identidades no Brasil do século dezenove.

Observação

O conteúdo desta página possibilita um trabalho inicial com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih dois zero.

A pressão contra o tráfico

Para entender o processo que levou à abolição da escravidão no Brasil, é necessário identificar as etapas que deram fim ao tráfico de escravizados, a começar pelas ações do govêrno da Inglaterra. No início do século dezenove, a Inglaterra aboliu o tráfico negreiro nas suas colônias e iniciou uma política agressiva pela abolição do tráfico transatlântico.

As razões para a mudança na política inglesa em relação ao tráfico e ao escravismo têm gerado muitas discussões entre os historiadores.

A explicação mais conhecida, defendida por uma parte dos historiadores, destaca basicamente os seguintes interesses econômicos da Coroa e da burguesia inglesas:

  • ao abolir o tráfico em suas colônias, o govêrno inglês criou condições para que os colonos investissem os recursos antes aplicados na compra de escravizados na aquisição de produtos industrializados ingleses;
  • o fim do tráfico nas Antilhas inglesas obrigou os proprietários a empregar trabalhadores assalariados nos engenhos de açúcar. Como consequência, o açúcar antilhano se tornou mais caro que o brasileiro, que continuava sendo produzido por escravizados.

Contrapondo-se a essa visão, estudos recentes têm concluído que a mudança na política inglesa tinha razões humanitárias e políticas. A campanha abolicionista inglesa era produto de um movimento popular muito forte na Inglaterra, realizado por meio de petições públicas antiescravistas, artigos na imprensa e pressões sobre o Parlamento.

Pressões internacionais

O texto a seguir aborda as pressões inglesas já no comêço do século dezenove para que o govêrno brasileiro désse fim ao tráfico de escravizados.

O Brasil passou a ser bastante pressionado. Antes mesmo da independência brasileira, reticências Dom João sexto assinou o primeiro tratado internacional com o objetivo de diminuir paulatinamente o tráfico de escravos para o Brasil. O tratado assinado em 22 de janeiro de 1815 proibia que aportassem em terras brasileiras os navios negreiros provenientes das partes da costa africana que ficassem ao norte da linha do Equador. Depois desse primeiro acôrdo, outros foram assinados. Em 1826, o Império do Brasil e o govêrno britânico assinaram outro documento estendendo a proibição do tráfico a todos os navios negreiros vindos da África. Esses acordos não eram completamente respeitados pelo Império, o tráfico, ilegal em teoria, continuava sem a repressão do govêrno imperial.

ACORDOS internacionais e legislação sobre escravidão. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em: https://oeds.link/PFaWET. Acesso em: 26 fevereiro 2022.

Fotografia em preto e branco. Retrato de dois homens negros, um de frente para o outro, vistos de lado, de corpo inteiro. À esquerda, um homem com gorro sobre a cabeça, vestido com camisa clara e calça escura, segura na mão esquerda um grande cesto redondo de vime trançado.   À direita, outro homem um pouco mais alto, com o mesmo tipo de roupa, pés descalços, segurando no ombro direito, um grande cesto redondo de vime trançado.
JUNIOR, Christiano. Escravos carregadores. cêrca de 1864. Fotografia. A imagem foi feita no estúdio do fotógrafo no Rio de Janeiro. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.
Respostas e comentários

Orientações

As pressões inglesas para abolir o tráfico de africanos escravizados começaram em 1810, nos tratados assinados por Dom João, e continuaram nos anos seguintes, enfrentando forte resistência no Brasil. Por ironia, foi justamente no período em que a Inglaterra moveu todos os esforços para acabar com o tráfico que mais aumentou, no Brasil, a demanda de escravizados nas lavouras de café.

Uma evidência que sustentaria a visão que tende a enfatizar as razões humanitárias para a política inglesa de pressão para o fim do comércio escravista internacional é o fato de que as cidades inglesas de Manchester e Liverpool, que obtinham grandes lucros com o tráfico e a escravidão nas colônias inglesas, enfrentaram uma crise profunda depois do seu fim.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestão para o estudante:

Pínsqui, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.

O livro traz um panorama sobre a dinâmica da escravidão do período colonial ao imperial no Brasil.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestão para o professor:

MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

A obra discute o contexto da abolição do tráfico de escravizados para o Brasil, analisando o histórico do processo desde 1831 até a campanha abolicionista, na década de 1880.

Observação

O conteúdo desta página possibilita o trabalho com aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um nove e ê éfe zero oito agá ih dois zero.

A extinção do tráfico de escravizados

Em 1831, foi aprovada uma medida para validar um tratado entre Brasil e Inglaterra pelo fim do tráfico negreiro. Contudo, traficantes e proprietários ignoraram a lei. O tráfico de escravizados para o Brasil continuou em ritmo crescente, muitas vezes com a colaboração de autoridades brasileiras.

As relações entre Inglaterra e Brasil se deterioraram a partir de 1845, quando o Parlamento inglês aprovou o Bill Aberdeen, lei que autorizava a marinha inglesa a apreender os navios negreiros e a levar os responsáveis aos tribunais da Inglaterra.

O Bill Aberdeen provocou violentas reações de políticos brasileiros, que consideravam a medida uma violação da soberania nacional. Os ingleses ignoraram as reações brasileiras e reforçaram a fiscalização. Entre 1849 e 1851, cêrca de 90 navios negreiros foram apreendidos pelos ingleses.

No entanto, a queda de braço com a Inglaterra não duraria muito tempo. Em 1850, foi aprovada a Lei Eusébio de Queiroz, que proibia definitivamente o tráfico de escravizados para o Brasil.

Os efeitos do fim do tráfico

Com a proibição do tráfico internacional, os cafeicultores e outros fazendeiros tiveram de recorrer ao tráfico interno ou interprovincial. As lavouras empobrecidas de cana-de-açúcar do nordeste e o extremo sul do país ampliaram a venda de escravizados para as lavouras do centro-sul, que se transformaram na principal região escravista do Brasil.

O tráfico interno continuou significativo até 1870, quando começou a declinar, constituindo a última tentativa de comercialização de escravizados entre as províncias.

Proibido o tráfico, os capitais antes aplicados na compra de escravizados foram deslocados para outras atividades. Ocorreu, assim, um incremento das indústrias, das ferrovias, dos telégrafos e da navegação.

estimativa de ESCRAVIZADOS importados que desembarcaram no Pôrto da bahia

Gráfico de linhas. Estimativa de escravizados importados que desembarcaram no porto da Bahia.   No eixo vertical são apresentados os números de escravizados que entraram no porto da Bahia. No eixo horizontal, é apresentado o intervalo de tempo, iniciando em 1842 e terminando em 1851.  Entre 1842 e 1843, o número de escravizados que desembarcaram no porto da Bahia passou de cerca de 5 mil para cerca de 9 mil.  Entre 1844 e 1845, o número de escravizados que desembarcaram no porto da Bahia passou de cerca de 9 mil para pouco mais de 14 mil.  Entre 1846 e 1847, o número de escravizados que desembarcaram no porto da Bahia passou de cerca de 14 mil para cerca de 16 mil, com um pico de cerca de 17 mil na metade desse período.  Entre 1848 e 1849, o número de escravizados que desembarcaram no porto da Bahia passou de cerca de  16 mil para cerca de 12 mil.  Entre 1850 e 1851, o número de escravizados que desembarcaram no porto da Bahia passou de cerca de 12 mil para cerca de 9 mil.

Fonte: A abolição do tráfico de escravos no Brasil. In: MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. 3. edição São Paulo: Brasiliense, 2003. página 61.

Ícone. Sugestão de livro.

BAQUAQUA, marrômá Gardo. Biografia de marrômá Gardo Baquaqua. São Paulo: Uirapuru, 2017. Autobiografia de marrômá Gardo Baquaqua, africano que chegou ao Brasil em 1845 na condição de escravizado. Em 1847, Baquaqua foi levado aos Estados Unidos e, lá, tornou-se livre.

Respostas e comentários

Texto complementar

No texto a seguir, a historiadora Emília Vióti da Costa trata da pressão internacional pelo fim da escravidão no século dezenove:

A pressão abolicionista, no entanto, aumentara. Vinha tanto de dentro quanto de fóra do país. Em 1866, a Junta Francesa de Emancipação enviava ao imperador um apêlo em prol da emancipação. Assinavam-no os nomes mais expressivos do abolicionismo francês. Mais importante do que a carta dos abolicionistas franceses foi o impacto da Guerra de Secessão nos Estados Unidos. Terminada a guerra, que pusera um fim à escravidão no sul daquele país (1865), o Brasil e as colônias espanholas (Pôrto Rico e Cuba) eram as únicas nações a ainda manter uma instituição universalmente condenada. A maioria da população culta do país não poderia deixar de reconhecer essa realidade incômoda. A escravidão era uma instituição ultrapassada, arcaica, símbolo do atraso do país. Todas as nações civilizadas tinham-na condenado.

COSTA, Emília Vióti da. A abolição. São Paulo: edição. Unésp, 2010. página. 43.

Observação

O conteúdo desta página possibilita o trabalho com aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um nove e ê éfe zero oito agá ih dois zero.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestão para o estudante:

VITORINO, Artur José. Escravidão e modernização do Brasil no século dezenove. 3. edição. São Paulo: Saraiva, 2019.

Esse livro analisa a engrenagem do sistema escravista, que sustentou a estrutura da sociedade colonial e vigorou durante séculos, submetendo milhões de pessoas ao trabalho forçado e a condições de vida desumanas. A narrativa apresenta registros e fotografias do período para discutir criticamente o processo que culminou com o fim da escravidão.

Abolição lenta e gradual

A partir da década de 1860, o movimento pela abolição ganhou fôrça no país, principalmente depois da Guerra do Paraguai, quando milhares de escravizados combateram nas fileiras do Exército brasileiro.

A grande influência dos fazendeiros na Câmara, no Senado e no govêrno decidiu os rumos da abolição no Brasil. Ela seria lenta, gradual e segura, ou seja, sem riscos para os privilégios dos grupos dominantes. Acompanhe, a seguir, os passos da legislação abolicionista no Brasil.

  • Lei Rio Branco (Lei do Ventre Livre – 1871): declarava livres os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir dessa data. As crianças livres ficariam com suas mães até os 8 anos de idade. Depois disso, os senhores poderiam receber uma indenização do Estado ou exigir que os libertos trabalhassem para eles até completarem 21 anos. Essa lei, contudo, não concedia liberdade aos escravizados nascidos antes da data de sua promulgação tampouco estabelecia um prazo para a extinção da escravidão.
  • Lei Saraiva-Cotegipe (Lei dos Sexagenários – 1885): libertava os escravizados com mais de 60 anos e os obrigava, a título de indenização, a trabalhar para seus antigos donos por três anos. Mesmo os proprietários que inicialmente se colocaram contra a lei perceberam, depois de aprovada, as vantagens que ela lhes trazia. Isso porque a expectativa média de vida de um escravizado não chegava aos 40 anos, e os poucos que atingiam os 60 anos eram praticamente improdutivos, tornando-se um “pêso” para seus senhores.

Por volta de 1885, a campanha abolicionista tornou-se mais intensa. Associações e clubes voltaram-se contra a escravidão, fazendo propaganda e levantando fundos para a compra de cartas de alforria. Intelectuais, jornalistas, advogados, profissionais liberais e mesmo fazendeiros aderiam à causa abolicionista.

Fotografia em sépia. Em um local aberto, com uma plantação de café  ao fundo, um grupo de dez pessoas, uma ao lado da outra, formando uma linha horizontal na fotografia. Há homens e mulheres. Uma mulher no centro do grupo e dois homens nas laterais seguram em suas mãos grandes peneiras de palha trançada, redondas. Outros, um rapaz em cada ponta do grupo, à direita e à esquerda, leva um cesto de vime trançado, redondo, grande e fundo preso às costas costas, sustentado por alças, como as de uma mochila. Os homens estão com blusas de mangas compridas brancas e calças compridas no mesmo tom. Alguns usam chapéus brancos sem abas, feitos de pano; outros usam chapéus redondos, com abas, na cor preta. As mulheres usam blusas de mangas três quartos e saias longas. Elas têm lenços brancos amarrados na cabeça, cobrindo os cabelos. Alguns olham para frente, na direção do fotógrafo.  Ao fundo, à direita, um arbusto alto como um pé de café.
Ferrês, Marc. Escravos em cafezal, Rio de Janeiro. Fotografia, cêrca de 1882. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.
Respostas e comentários

Orientações

Um dos importantes críticos da escravidão foi o pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910). Para ele, a escravidão era a grande responsável pelo atraso econômico do país. Jornalista, advogado e parlamentar, Joaquim Nabuco deixou duas obras importantes sobre o Brasil do Segundo Reinado e sobre a luta contra a escravidão, O abolicionismo e Um estadista do império. Nabuco destacou-se também como defensor da monarquia liberal, projeto que continuou apoiando mesmo depois da proclamação da república.

Observação

O conteúdo desta página possibilita o trabalho com aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um nove e ê éfe zero oito agá ih dois zero.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestão para o estudante:

MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: zarrár, 2004. (Coleção Descobrindo o Brasil).

O livro discute a escravidão e a luta por direitos para a conquista da cidadania plena pelos afrodescendentes, buscando superar a herança das desigualdades de classe e de raça no país, estruturadas na sociedade brasileira desde o período colonial.

Antes e depois da abolição

Ao mesmo tempo que a campanha abolicionista se intensificava, as fugas de escravizados tornavam-se mais frequentes. Ativistas, entre eles filhos da elite cafeeira, organizavam grupos para ajudar escravizados a fugir das fazendas, conduzindo-os a lugares seguros, como a cidade de Santos. Nessa região, escravizados fugidos formaram o quilombo do Jabaquara, que chegou a reunir cêrca de 10 mil pessoas.

Muitos proprietários, sem condições de impedir as fugas, passaram a libertar os escravizados em troca de sua permanência na lavoura por mais alguns anos. Diante dessa situação, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, que substituía provisoriamente o pai, Dom Pedro segundo, no govêrno, assinou a Lei Áurea, abolindo a escravidão no Brasil.

A abolição não provocou o colapso da produção agrícola, como temiam muitos cafeicultores. Os ex-escravizados não receberam nenhum tipo de indenização ou auxílio para recomeçar a vida longe do cativeiro. Assim, grande parte deles continuou trabalhando para seus ex-senhores, em uma situação de dependência semelhante à da escravidão, em especial no nordeste do país. No Vale do Paraíba fluminense e paulista, era comum encontrar libertos que estabeleceram regimes de parceria com seus antigos donos, tornando-se pequenos sitiantes ou ainda tocadores de gado.

Muitos ex-escravizados foram trabalhar nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

A monarquia com os dias contados

Para a monarquia, a abolição causou a perda de uma importante fôrça de sustentação política. Setores agrários mais dependentes do trabalho de escravizados, em particular os cafeicultores do Vale do Paraíba, sentiram-se traídos pelo govêrno, que acabou com a escravidão sem um programa de indenização aos proprietários. Após o dia 13 de maio, a monarquia estava com os dias contados no Brasil.

Cartaz. Vista de um local aberto, ao fundo o mar azul e o Pão de Açúcar. Em primeiro plano, sobre o chão de terra com algumas plantas rasteiras e dois cactos, há dois homens em pé, um de frente para o outro. Eles apertam as mãos em um cumprimento e erguem seus chapéus na direção do céu, como se celebrassem um acontecimento.  À esquerda, um homem branco, de cabelos lisos e pretos, com um casaco bege, calça branca e botas de cano alto marrom.  À frente dele, à direita, um homem negro de cabelos crespos e pretos, com uma blusa com listras verticais brancas e vermelhas, cinto vermelho, calça branca, pés descalços. Atrás deles, no centro da imagem, há uma haste fina na vertical serve de apoio para estandarte de fundo verde, com um losango amarelo e o brasão do Império do Brasil, tendo logo abaixo o texto, em caracteres dourados: 'Lei  número 3.353. 13 de maio de 1888'.  Na parte inferior da ilustração, abaixo dos pés dos homens, está escrito em caracteres pretos: 'AGORA SIM!'.
Cartaz divulgando a abolição da escravidão, provavelmente do início do século vinte. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.

Ler o cartaz

• O cartaz reflete o processo que levou ao fim da escravidão no Brasil? Por quê?

Ícone. Sugestão de livro.

MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Expressão Popular, 2020. A obra trata da formação dos quilombos no Brasil e do papel dessas organizações na luta contra a escravidão. Traz também uma análise: a importância dos movimentos organizados pelos escravizados ao longo do século dezenove, como a revólta dos Malês, na Bahia.

Respostas e comentários

Texto complementar

Sobre o impacto do fim da escravidão, leia a seguir mais um trecho da obra da historiadora Emília Vióti da Costa:

Depois da abolição os libertos foram esquecidos. Com exceção de algumas poucas vozes, ninguém parecia pensar que era sua responsabilidade contribuiur de alguma maneira para facilitar a transição do escravo para o cidadão. Até mesmo abolicionistas, como o aclamado Joaquim Nabuco, que tão ardentemente militara na campanha abolicionista, no Parlamento e na imprensa por mais de uma década, pareciam ter dado por concluída sua missão. A maioria tinha estado mais preocupada em libertar os brancos do fardo da escravidão do que estender aos negros os direitos da cidadania. O govêrno republicano que tomou o poder em 1889 excluiu os analfabetos do direito de voto, eliminando a maioria dos ex-escravos do eleitorado. Poucos foram os abolicionistas que, como o engenheiro negro André Rebouças, continuaram a afirmar que a tarefa deles ainda estava incompleta. Com esse fim em vista, Rebouças propôs uma reforma agrária que poria fim ao latifúndio, ideia apoiada pela Confederação Abolicionista e incluída no programa de 1888 do Partido Liberal. A proposta encontrou e encontra, até hoje, feroz oposição dos grandes proprietários de terras.

COSTA, Emília Vióti da. A abolição. São Paulo: edição. Unésp, 2010. página. 137-138.

Observação

O conteúdo desta página possibilita desenvolver com os estudantes aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih um nove.

Resposta

Ler o cartaz: O cartaz mostra um branco e um negro celebrando a abolição da escravidão, indicada em um estandarte localizado atrás deles. O artista provavelmente quis retratar a abolição como resultado da união entre brancos e negros, que encerraria as possíveis inimizades ou os desejos de vingança dos escravos contra seus senhores. No entanto, a abolição da escravidão no Brasil não foi amistosa como sugere o cartaz. Pelo contrário, muitos escravizados se rebelaram contra seus proprietários, promovendo diversas fugas. Além disso, após a abolição, os ex-escravizados não foram integrados à sociedade; muitos continuaram a ter laços de dependência com seus ex-senhores ou assumiram trabalhos desprestigiados nas cidades.

Lei de Terras

A Lei de Terras foi aprovada em 1850, quinze dias depois da proibição do tráfico de escravizados para o Brasil. Seu decreto estava associado à preocupação com a substituição do trabalho de escravizados. A lei determinava que o acesso às terras devolutasglossário só poderia ocorrer por meio da compra. A posse da terra por meio da ocupação de terrenos vagos passava a ser proibida.

Com a Lei de Terras, a possibilidade de os futuros imigrantes virarem proprietários tornou-se remota, pois essa lei definia que as terras públicas deveriam ser vendidas por um preço relativamente alto, o que afastava posseiros e imigrantes pobres. Além disso, estrangeiros que tivessem passagens financiadas para viajar ao Brasil só poderiam adquirir terras após três anos de estadia. Assim, a atração de imigrantes era mantida, mas evitava-se que eles se transformassem rapidamente em proprietários.

Um decreto de 1854 regulamentou a Lei de Terras, determinando a medição, a legalização das posses e o registro das propriedades. O historiador Uóren Dian, estudando a situação fundiária do município de Rio Claro, no estado de São Paulo, verificou que, entre 1855 e 1857, grande parte dos proprietários da região não conseguiu pagar a quantia cobrada para o registro de suas propriedades. Por esse motivo, muitos perderam suas terras, foram expulsos ou continuaram a trabalhar em suas antigas propriedades na condição de assalariados ou arrendatários. Portanto, a Lei de Terras acentuou a concentração fundiária no Brasil, mantendo o latifúndio como marca de nossa estrutura agrária.

Pintura. Vista elevada de um local aberto, com destaque para sede de uma fazenda, no centro de um vale, com uma casa grande com dois pavimentos. Do lado esquerdo da casa grande, há uma grande construção retangular com patio no meio e um pavimento. À frente, um terreno de secagem de café, com pessoas trabalhando e montes de grão de café em cor marrom escuro. O solo tem cor bege claro nas proximidades das construções.  Ao fundo, muitos morros em tons de verde, parcialmente cobertos de vegetação. à esquerda, as estradas de terra que levam  até a casa. No canto inferior direito, à beira de uma estrada de terra, há uma construção menor, de um pavimento, com paredes brancas e telhado coberto de telhas de cor marrom. À frente dessa construção, um pasto, com bovinos pastando. No alto, o céu azul claro e nuvens brancas.
Fazenda Retiro. 1881. Óleo sobre tela. As grandes propriedades de terra são marcas da estrutura agrária do Brasil.
Respostas e comentários

Orientações

As questões relacionadas à propriedade e ao uso da terra são fundamentais para compreender a história do Brasil, dos tempos coloniais até a atualidade. Elas permanecem como fonte de intensa disputa política e de conflitos sociais. No século dezenove, o Brasil era um país essencialmente rural. A posse da terra, desde os tempos da colônia, significava riqueza e, sobretudo, poder. Mas se tratava de poder e riqueza concentrados nas mãos de poucos. Quando o tráfico de escravos foi abolido no Brasil, em 1850, o govêrno imperial aprovou a Lei de Terras. Essa lei proibiu a aquisição de terras públicas por qualquer outro meio que não a compra. As propriedades ocupadas ilegalmente até então só seriam reconhecidas mediante a demarcação dos limites e o pagamento de um imposto territorial. Os imigrantes recém-chegados só poderiam comprar um lote de terra após três anos de permanência no Brasil. No Parlamento, os defensores da Lei de Terras de 1850 afirmavam que a lei regularia a posse da terra. Desde o início do período colonial, a terra podia ser obtida por meio de doação da Coroa, por compra, herança ou ocupação. Muitos colonos se apossavam da terra, mas sem obter garantias legais. Também acreditavam que a medida impediria que ex-escravizados, pessoas pobres em geral e imigrantes tivessem acesso fácil à terra. Caso contrário, faltaria mão de obra nas fazendas, particularmente nas de café. Depois de vários anos de debates, a lei foi aprovada. O fim do tráfico negreiro e o temor de uma crise de mão de obra foram decisivos para essa aprovação.

Observação

Ao abordar aspectos da Lei de Terras, relacionando-a à preocupação com a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, o conteúdo dessa página possibilita desenvolver aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih dois zero.

Multiculturalismo

Luiz Gama, abolicionista

Entre os abolicionistas brasileiros, Luiz Gama merece destaque. Gama nasceu livre, em 1830, em Salvador, na Bahia. Ele era filho de uma africana livre e de um fidalgo de origem portuguesa. Contudo, aos 10 anos, Luiz Gama foi vendido por seu pai, como escravizado, e nessa condição foi levado para a cidade de São Paulo. Aprendeu a ler e a escrever e reconquistou sua liberdade após provar que havia nascido livre.

Fotografia em preto e branco. Retrato de formato oval. Retrato de um homem negro, visto do peito para cima, de cabelos crespos, curtos e pretos, barba crespa preta com partes grisalhas, com o rosto voltado  para a esquerda, de camisa  branca, gravata com listras diagonais e casaco escuro.
Luiz Gama. Século dezenove. Fotografia. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

No texto a seguir, é possível conhecer com mais detalhes a vida de Luiz Gama e sua atuação no movimento abolicionista do Brasil, como jornalista e advogado.

[Luiz Gama] Publicou, em 1859, uma coletânea de poemas satíricos, “Primeiras Trovas Burlescas”, onde faz uma crítica social e política da sociedade brasileira, denunciando as questões raciais do ponto de vista negro, na primeira pessoa.

Ativista da causa republicana e abolicionista, colaborou com a sua pena em diversos jornais: Diabo Coxo, Cabrião, Correio Paulistano, A Província de São Paulo, Radical Paulistano, A Gazeta da côrte, onde atuou junto com outros abolicionistas negros como Ferreira de Menezes, André Rebouças e José do Patrocínio. O Radical Paulistano era o órgão de comunicação do Partido Liberal Radical, abolicionista e republicano. Neste jornal, Luiz Gama denunciava violações das leis por parte dos representantes dos senhores. Denunciava sentenças e apontava os erros cometidos por juízes e advogados.

reticências

Luiz Gama dedicou-se com afinco e gratuitamente a libertar pessoas escravizadas de várias províncias do Brasil.

Mesmo não sendo “diplomado”, era advogado autodidata com grande cultura jurídica. Luiz Gama possuía uma provisão, documento que autorizava a prática do direito, dada pelo Poder Judiciário do Império.

LUIZ GAMA, ativista abolicionista. Biblioteca Nacional, 13 maio 2020. Disponível em: https://oeds.link/GyNaZc. Acesso em: 26 fevereiro 2022.

Clique no play e acompanhe a reprodução do Áudio.

Fotografia em sépia. Vista de local aberto, com destaque para construção horizontal, vista de lado, formando uma linha diagonal no centro da fotografia.  A construção é retangular, tem dois andares, cada um deles com muitas janelas em forma de arco e, no centro, há uma torre com três andares, mais elevada na parte superior.  À direita, a edificação tem um frontões curvos, com crucifixos  no alto da fachada.  À esquerda, há uma grande porta em formato de arco e um frontão redondo com um grande relógio. À frente da edificação, em uma praça ampla, há dezenas de homens de terno escuro e chapéu de mesmo tom.  À direita, perto da porta, há duas palmeiras altas. Na parte superior, o céu é cortado por alguns cabos de energia na horizontal e diagonal.
Faculdade de Direito e Igreja de São Francisco, localizados no Largo de São Francisco, na cidade de São Paulo. 1906. Fotografia. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
Transcrição do áudio

[LOCUTOR 1:] A poesia de Luiz Gama, um abolicionista negro

 

[LOCUTORA]: Luiz Gama foi um dos principais líderes abolicionistas do Brasil. Nascido em 1830, na cidade de Salvador, na Bahia, era filho de uma mulher negra que havia se libertado da escravidão e de um aristocrata português, sobre o qual pouco se sabe. Sua mãe, Luísa Mahin, natural de Gana, na África, foi uma figura importante nas revoltas antiescravistas que eclodiram na Bahia no início do século XIX.

 

Aos dez anos de idade, Luiz foi vendido como escravo por seu pai e forçado a trabalhar em São Paulo. Oito anos depois, conseguiu fugir. Após reunir provas de que fora escravizado ilegalmente, conseguiu sua liberdade.

Autodidata, aprendeu a ler e a escrever com 18 anos. Enfrentando o racismo de estudantes e professores, frequentou como ouvinte a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, e passou a advogar, mesmo sem diploma, em prol da libertação de pessoas escravizadas. Foram mais de 500 pessoas libertadas por ele nos tribunais, sem contar as que tiveram suas alforrias compradas com a ajuda e a iniciativa de Luiz Gama.

 

Aos 29 anos, lançou suas Primeiras Trovas Burlescas, livro que reúne poemas com forte teor de crítica social e política.

 

Pouco tempo depois, ingressou no jornalismo, contribuindo com vários veículos da imprensa paulistana e fundando seus próprios jornais. Assim como em todas as suas atividades, Gama usou o jornalismo como um meio para lutar contra a escravidão e a monarquia, recebendo o apelido de “terror dos fazendeiros”.

 

Luiz Gama morreu em agosto de 1882, aos 52 anos. Deixou para nós um legado literário inestimável e um exemplo inspirador de luta contra a irracionalidade da escravidão e do racismo.

 

[LOCUTOR 2]:

NO CEMITÉRIO DE SÃO BENEDITO

Da cidade de São Paulo

Também do escravo a humilde sepultura

Um gemido merece de saudade:

Ah caia sobre ela uma só lágrima

De gratidão ao menos.

Dr. Bernardo Guimarães

Em lúgubre recinto escuro e frio,

Onde reina o silêncio aos mortos dado,

Entre quatro paredes descoradas,

Que o caprichoso luxo não adorna,

Jaz de terra coberto humano corpo,

Que escravo sucumbiu, livre nascendo!

Das hórridas cadeias desprendido,

Que só forjam sacrílegos tiranos,

Dorme o sono feliz da eternidade.

Não cercam a morada lutuosa

Os salgueiros, os fúnebres ciprestes,

Nem lhe guarda os umbrais da sepultura

Pesada laje de espartano mármore,

Somente levantado em quadro negro

Epitáfio se lê, que impõe silêncio!

– Descansam neste lar caliginoso

O mísero cativo, o desgraçado!...

Aqui não vem rasteira a vil lisonja

Os feitos decantar da tirania,

Nem ofuscando a luz da sã verdade

Eleva o crime, perpetua a infâmia.

Aqui não se ergue altar ou trono d’ouro

Ao torpe mercador de carne humana.

Aqui se curva o filho respeitoso

Ante a lousa materna, e o pranto em fio

Cai-lhe dos olhos revelando mudo

A história do passado.

Aqui nas sombras

Da funda escuridão do horror eterno,

Dos braços de uma cruz pende o mistério,

Faz-se o cetro bordão, andrajo a túnica,

Mendigo o rei, o potentado escravo!

 

[LOCUTOR 1]: O trecho de No cemitério de São Benedito, de Luiz Gama, foi publicado em 1859 pela tipografia Dous de Dezembro.

Respostas e comentários

Orientações

Ao abordar a atuação de Luiz Gama, esse boxe traz um tema de extrema relevância para a discussão em sala de aula, pensando a escravidão e o protagonismo negro no processo de abolição, assim como as ações cotidianas e anônimas que a documentação fragmentada e ainda pouco analisada pode revelar. Os caminhos possíveis de estudo a partir dos olhares negros sobre as suas experiências no processo da abolição são muito vastos e evidenciam uma gama de sujeitos históricos. Além disso, o conteúdo deste boxe constitui uma ótima oportunidade para o trabalho com o tema contemporâneo Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras.

Atividade complementar

Sugerimos que os estudantes façam uma pesquisa sobre os abolicionistas negros, suas ideias, trajetórias, ações e contribuições intelectuais para a sociedade brasileira. A atividade poderá ser organizada preferencialmente em grupos. Depois, os estudantes devem compartilhar com o restante da turma o que descobriram em sua pesquisa em uma roda de conversa. Esta proposta de atividade complementar possibilita o trabalho com as seguintes práticas de pesquisa: análise documental, revisão bibliográfica e análise de mídias sociais.

Observação

Ao identificar a importância da trajetória de Luiz Gama e expor aos estudantes algumas de suas produções na imprensa do século dezenove, o conteúdo desta página possibilita um trabalho importante com aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um nove e ê éfe zero oito agá ih dois dois.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestão para o estudante:

GOMES, Flávio. Negros e política (1888-1937). São Paulo: zarrár, 2005. (Coleção Descobrindo o Brasil).

Nesse livro o estudante entrará em contato com o rico e pouco divulgado universo das organizações negras e dos projetos elaborados por pensadores e ativistas negros entre o final do século dezenove e o início do vinte, visando à criação de políticas públicas e à ampliação dos direitos e da cidadania, bem como à transformação do país.

Ícone. Ilustração de três pessoas e dois balões de fala indicando a seção Em debate.

Em debate

Multiculturalismo

Vozes negras

No imaginário de grande parte dos brasileiros, a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, resultou da iniciativa da princesa Isabel. O texto a seguir, porém, mostra que os negros escravizados foram os principais agentes dessa decisão.

Em 1889, um grupo de libertos da região de Vassouras, no Rio de Janeiro, endereçou a Rui Barbosa uma carta na qual exigia instrução pública para seus filhos. reticências Os signatários da carta se declaravam republicanos e diziam que foram eles, os ex-escravos, e não a família real, os autores da abolição. Esta declaração de protagonismo não agradava a Rui Barbosa (1849-1923) e a outros emancipacionistas mais conservadores, para quem a abolição era um problema nacional que tinha sido resolvido pelos “cidadãos”, os “homens esclarecidos”, categorias que não incluíam escravos e libertos.

Mas nem de longe o fim da escravidão foi algo decidido e encaminhado apenas pelos senhores brancos e doutores do império. Desde que aqui aportaram os primeiros tumbeiros, as autoridades policiais e políticas eram sobressaltadas por fugas e insurreições escravas a comprometerem, dia após dia, os negócios, o sossêgo e a autoridade senhorial.

Na segunda metade do século dezenove, a relevância da rebeldia negra para a falência do escravismo ficou ainda mais evidente. A historiografia está repleta de personagens negros que tinham na abolição a sua principal causa, como Luiz Gama, José do Patrocínio e Manuel Querino. Houve outros menos famosos, mas também contundentes propagandistas da liberdade negra, como um certo Salustiano.

Ele ficou conhecido na crônica baiana como o orador do povo, graças à veemência com que discursava a favor da abolição e em apôio a José do Patrocínio sempre que se desincumbia dos seus afazeres de sapateiro. A pregação de Salustiano contrariava de tal maneira a ordem vigente que um delegado de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, chegou a solicitar ao chefe de polícia orientação para fazer “calar o dito preto”. reticências

A intensidade das revóltas e fugas coletivas foi uma das maiores evidências da crise do escravismo. A movimentação negra foi tão decisiva que um dos argumentos abolicionistas era de que só o fim do cativeiro libertaria o homem branco, visto como refém da resistência dos seus escravos.

Tinham razão os libertos de Vassouras ao reivindicarem a autoria da abolição.

ALBUQUERQUE, vlamíra R. Ouçam Salustiano. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 3, número 32, maio 2008. página 18.

  1. Por que Rui Barbosa ficou descontente com o conteúdo da carta encaminhada pelos ex-escravizados?
  2. Qual tese é defendida pela autora para criticar a visão de Rui Barbosa? Quais evidências ela apresenta?
  3. Como você explica o argumento dos abolicionistas de que o “fim do cativeiro libertaria o homem branco”?
Respostas e comentários

Orientações

O texto escolhido para esta seção trata do papel dos negros escravizados na luta pelo fim do cativeiro no Brasil e da disputa, no campo da memória e da história, acêrca do protagonismo na luta pela abolição. Destacamos, também, que o conteúdo desta seção trabalha, mais uma vez, o tema contemporâneo Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras.

Observação

O texto explorado nesta seção possibilita um trabalho importante com aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um nove e ê éfe zero oito agá ih dois dois.

Respostas

1. Na carta, os ex-escravizados exigiam instrução pública para os seus filhos e afirmavam terem sido os agentes da abolição, e não a família real. Rui Barbosa, como representante da elite econômica, política e letrada do país, considerava um abuso o fato de negros pobres e analfabetos reivindicarem a direção do movimento abolicionista. Na visão oligárquica e excludente dos grupos governantes, a atuação na vida pública cabia aos homens ricos e letrados; aos negros e à gente pobre em geral, cabiam apenas o trabalho e a obediência.

2. A autora rebate a visão conservadora de Rui Barbosa expondo a ideia de que a resistência e as fugas dos escravizados foram decisivas para o fim da escravidão no Brasil. Em vez de terem sido observadores passivos ou meros figurantes, os escravizados foram protagonistas desse acontecimento. Como evidência do papel decisivo dos escravizados e dos libertos nessa transformação, ela cita as constantes fugas e revóltas coletivas de cativos e o trabalho de propaganda de personagens negros ilustres, como Luís Gama, José do Patrocínio e Manoel Querino, além de outros menos famosos, como o sapateiro Salustiano.

3. O ser humano tem consciência de que uma pessoa, quando submetida à opressão e a um processo contínuo de embrutecimento, teme mais prolongar esse estado de sofrimento que lutar por sua liberdade, mesmo que, para isso, tenha que matar ou morrer. Os senhores, por essa razão, tinham que manter vigilância permanente, para não serem pegos de surpresa. Como viviam com mêdo de uma reação individual ou de uma rebelião coletiva, os senhores eram reféns da resistência escrava. Ao abolir a escravidão, eles perderiam o investimento feito nos escravizados, mas se libertariam do mêdo de conviver diariamente com eles.

Os imigrantes no Brasil

Na segunda metade do século dezenove, países como Portugal e Espanha passavam por graves dificuldades econômicas. Nas áreas rurais italianas e alemãs, o desenvolvimento do capitalismo, as sêcas e as guerras de unificação expulsavam os camponeses de suas terras. Uma das saídas encontradas pelas autoridades para minimizar as tensões sociais foi promover a emigração da população empobrecida para a América.

Quase 4 milhões de pessoas imigraram para o Brasil com o sonho de conseguir um bom emprêgo, cultivar o próprio pedaço de terra e assegurar aos filhos um futuro promissor. De 1850 a 1920, a imigração foi essencialmente de origem europeia; entre 1920 e 1935, os asiáticos predominaram.

O incentivo à colonização europeia refletia a visão de alguns setores das elites brasileiras, influenciadas por teorias racistas que eram divulgadas na Europa. De acôrdo com essa visão, os brancos eram superiores, por isso a civilização europeia atingira um grande progresso. Consequentemente, com a vinda de imigrantes europeus para o Brasil, haveria um “branqueamento” do país, que poderia finalmente se desenvolver.

Em geral, as primeiras tentativas de colonização fracassaram: as terras cedidas aos colonos eram pobres e distantes dos mercados consumidores. Com exceção de alguns núcleos de colonização no sul do país, a maior parte das terras foi abandonada pelos colonos.

Pintura. Em um local aberto, com calçamento de paralelepípedos de cor marrom, um grupo de pessoas caminhando, visto de frente. O grupo é formado por homens, mulheres e crianças. À frente, à direita, em primeiro plano, um homem de chapéu preto, camisa branca, blusa vermelha, casaco marrom, cinto marrom, calças pretas e sapatos pretos. Ele carrega um grande saco de tecido listrado em vermelho e bege sobre os ombros. Está com a cabeça inclinada para baixo, os olhos estão cobertos pela aba do chapéu, ele usa um bigode cobrindo os lábios. À esquerda, um pouco mais ao fundo, há uma mulher com um bebê  no colo. Ela usa um lenço vermelho sobre a cabeça, amarrado no queixo, cobrindo os cabelos, usa blusa azul de mangas longas e saia longa marrom. Olha para a direita, com um olhar triste e vago. O bebê em seu colo está vestido com uma roupinha vermelha e branca.  À esquerda dela, ao fundo, há um homem visto parcialmente, com chapéu de palha sobre a cabeça, bigode, casaco de cor bege e olhar cansado. Ele carrega uma maleta bege.  À direita dela, mais atrás, há um  homem carregando uma bagagem formada por uma espécie de baú verde escuro com um saco de pano branco, ambos amarrados por uma corda às costas dele. Ele usa um gorro marrom sobre a cabeça, veste camisa branca, colete vermelho, casaco marrom, calça em bege e sapatos marrons. Está co as costas levemente curvadas e segura uma sacola em uma das mãos. À direita dele, há uma criança de boina azul, vestida com camisa branca, blusa preta, calça azul e os pés descalços. Ela carrega um saco branco sobre o ombro direito.  À direita, ao fundo, há um portão gradeado. O ambiente está escurecido, ao fundo o céu nublado cinza.
Rôco, Antônio. Os emigrantes. 1910. Óleo sobre tela (detalhe), 2,02 por 2,31 métros Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo.
Ícone. Sugestão de site.

MUSEU da Imigração.Disponível em: https://oeds.link/T8DNpn. Acesso em: 26 fevereiro 2022. Este site reúne textos, imagens e documentos que fazem parte do acervo do Museu da Imigração do Estado de São Paulo.

Respostas e comentários

Orientações

A vinda de imigrantes para o Brasil, trazidos pelo govêrno, começou com Dom João sexto, que promoveu a instalação de suíços e alemães no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. No Sul do Brasil, mais tarde, também se formaram núcleos de povoamento em áreas cedidas pelo govêrno, muitas vezes em terras ocupadas por indígenas. O objetivo era constituir pequenas propriedades familiares que garantissem a ocupação efetiva do território.

É fundamental comentar com os estudantes que o projeto das elites de “branquear” o Brasil levou, por exemplo, à exclusão da população afrodescendente e ao acirramento do preconceito de origem étnica. Estatísticas recentes indicam a permanência de situações de discriminação em processos seletivos no mercado de trabalho, na remuneração, no acesso à universidade, entre outros. Essas constatações reforçam a importância das políticas afirmativas e inclusivas em curso na sociedade brasileira.

Observação

O conteúdo desta página possibilita uma importante continuidade no desenvolvimento de aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um nove e ê éfe zero oito agá ih dois zero.

Ícone. Sugestão de livro.

Sugestões complementares referentes ao Capítulo:

Chalub, Sidney. Visões da liberdade: história das últimas décadas de escravidão na côrte. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011.

A obra apresenta uma detalhada análise de processos criminais e de obtenção de alforria entre escravizados na cidade do Rio de Janeiro, revelando os desejos e as intenções daqueles sujeitos no contexto da escravidão.

MARQUES, Astolfo. O Treze de Maio e outras estórias do pós-Abolição. São Paulo: Fósforo, 2021.

A obra apresenta textos e crônicas de Astolfo Marques, originalmente publicados na imprensa maranhense entre o final do século dezenove e o comêço do vinte.

Políticas de imigração

Em São Paulo, o pioneiro na experiência com o trabalho imigrante foi o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Em 1846, cêrca de trezentas e sessenta e quatro famílias suíças e alemãs foram trabalhar nas lavouras de café da fazenda Ibicaba, no município de Limeira, de propriedade do senador.

O fazendeiro pagava as passagens dos imigrantes e os contratava no sistema de parceria. Também assumia as despesas de manutenção da família dos trabalhadores até a primeira colheita de café. Após a venda do café, o colono entregava ao proprietário metade da produção mais o correspondente a 6% de juros sobre as dívidas contraídas desde a viagem.

O sistema de parceria, porém, não tardou a enfrentar problemas. Os colonos tinham graves reclamações: os fazendeiros reservavam para si as melhores terras, que eram cultivadas pelos escravizados. Os imigrantes ficavam com os cafeeiros mais improdutivos. Além disso, estavam sempre endividados, pois eram obrigados a comprar mantimentos no armazém da fazenda a preços elevados. Descontentes, os colonos chegaram a promover revóltas.

Em 1871, em São Paulo, foi implantado um novo sistema de colonato: os imigrantes passaram a receber salário e podiam cultivar alimentos e vender o excedente da produção.

O govêrno ficava encarregado de divulgar a imigração nos países da Europa e de pagar o transporte do imigrante e de sua família até o Brasil. Esse programa ficou conhecido como imigração subvencionada e inaugurou o período mais ativo da imigração europeia para o Brasil.

Os colonos no sul do Brasil

A fixação dos imigrantes no sul do Brasil ocorreu por meio da formação de núcleos de colonização em torno da pequena propriedade em áreas do governo ou de particulares compradas especialmente para esse fim, em prejuízo dos povos indígenas, como os Kaingang, os Guarani e os Xokleng, que tradicionalmente ocupavam essa porção do território.

Em Santa Catarina, houve presença de russos, ucranianos e poloneses, além de pessoas de outras nacionalidades. Os açorianos tiveram importância em Florianópolis. Alemães e italianos predominaram em Joinville, Blumenau, Itajaí e em outros núcleos catarinenses. Em Chapecó, a colonização foi marcada por ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros.

No Rio Grande do Sul, instalaram-se açorianos, italianos, alemães e austríacos, enquanto no Paraná predominaram russos, poloneses, ucranianos, holandeses, alemães e italianos.

Fotografia em preto e branco. Vista elevada de uma plantação com caminho de terra, no centro, e plantas em fileiras nas laterais, à direita e à esquerda.  Dezenas de pessoas, a maioria mulheres, com roupas claras estão posicionadas de frente para as plantas nas laterais da estrada. Algumas trabalham com enxadas nas mãos, outras com cestos e peneiras grandes, outras apenas com as mãos. No centro, observando as mulheres trabalhando, um homem vestido com roupa branca e chapéu sobre a cabeça.
Imigrantes italianos trabalham na colheita de café em fazenda do interior de São Paulo. 1930. Fotografia. Museu da Imigração do Estado de São Paulo, São Paulo.
Respostas e comentários

Orientações

Descontentes, os colonos chegaram a promover revóltas em algumas fazendas. O sistema mostrava suas limitações e a dificuldade dos cafeicultores, acostumados à ordem escravocrata, de lidar com a mão de obra livre. Gradualmente, as colônias foram desagregadas e o sistema de parceria chegou ao fim. Com o fortalecimento do movimento abolicionista e a expansão das vendas do café no mercado internacional, a mão de obra nas lavouras tornou-se um problema ainda maior para os cafeicultores. Dessa fórma, era necessário realizar novos esforços para atrair imigrantes para o Brasil.

Texto complementar

O texto a seguir, escrito por Lilia Mórits Chuárquis e Flávio dos Santos Gomes, analisa alguns aspectos do pós-abolição, demonstrando a importância do associativismo e do campesinato negro no final do século dezenove.

Um dos legados da pós­‑emancipação foi a gestação de um associativismo negro, que procurava congregar tais populações a partir de temas e problemas comuns. Outro legado foram as inúmeras comunidades camponesas em todo o Brasil. Essa seria uma nova face do campesinato negro, originado de antigos quilombos e mocambos que atravessaram o fim da escravidão. Seria também a história da permanente migração da população negra rural, desde as útimas décadas da escravidão até meados do século vinte. Iriam se estabelecer, nesse momento, bairros rurais, povoados e vilas de camponeses negros, com uma história, de algum modo, comum, já que seus antepassados guardariam vínculos diretos com a escravidão. Eram quilombolas

Chuárquis, Lilia Mórits; GOMES, Flávio dos Santos (Organização.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. E-book.

Observação

O conteúdo desta página possibilita, novamente, uma importante continuidade no desenvolvimento de aspectos das habilidades ê éfe zero oito agá ih um nove e ê éfe zero oito agá ih dois zero.

Ícone. Ilustração de um recipiente de base circular, com duas hastes laterais e grafismos coloridos, indicando a seção Lugar e cultura.

Lugar e cultura

Cidadania e Civismo

As mulheres no Brasil do século dezenove

De acôrdo com a Constituição Brasileira de 1988, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Essa igualdade, porém, nem sempre existiu. No passado, as mulheres eram, em sua maioria, subordinadas juridicamente aos homens.

Embora representassem quase metade da população do Brasil na primeira metade do século dezenove, as mulheres não eram consideradas cidadãs e não podiam votar. As mulheres das famílias de elite não tinham direito de trabalhar fóra do lar ou estudar. Além disso, era o marido quem administrava as propriedades da espôsa. Passaram-se anos de batalhas políticas e jurídicas para que as mulheres pudessem desfrutar de direitos como igualdade e liberdade.

É importante notar que os problemas que afetavam as mulheres negras, principalmente as escravizadas, eram ainda mais graves do que os vivenciados pelas mulheres brancas.

Para muitos estudiosos, a vida das mulheres brasileiras começou a mudar com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808. Os eventos sociais tornaram-se mais frequentes, e as mulheres da elite do Rio de Janeiro passaram, por exemplo, a aprender música, dança e francês.

Em outubro de 1827, uma lei determinou a criação de estabelecimentos de ensino voltados para o público feminino nas cidades e nas vilas mais populosas do Brasil. Com o passar do tempo, essas escolas cresceram em número e se espalharam pelo país. Muitas mulheres defendiam a educação e a emancipação femininas e escreviam sobre o assunto em jornais, revistas e livros.

Uma das primeiras brasileiras a reivindicar direitos para as mulheres e a publicar um livro sobre o tema foi Dionísia Gonçalves Pinto, mais conhecida como Nísia Floresta Brasileira Augusta. Em 1831, passou a publicar artigos sobre a condição das mulheres em diferentes culturas no jornal pernambucano Espelho das Brasileiras. Em 1838, fundou e dirigiu um colégio feminino no Rio de Janeiro: o Colégio Augusto, que funcionou por 17 anos.

  1. Pesquise o que as meninas aprendiam nas escolas voltadas para o público feminino a partir de 1827.
  2. A proposta de ensino do colégio criado por Nísia Floresta foi bem recebida pelo público, mas criticada por alguns educadores. Com base nas informações desta seção e no tipo de conhecimento apreendido pelas meninas nos colégios do início do século dezenove, formule uma hipótese sobre por que a proposta de Nísia não foi bem recebida.
  3. Em sua opinião, na nossa sociedade, as mulheres ainda possuem menos direitos do que os homens? Debata o assunto com os colegas.
Gravura em preto e branco. Retrato de uma mulher, vista do busto para cima, de cabelos escuros, cacheados, até os ombros, com gorro preto sobre a cabeça, capa preta sobre os ombros  e blusa branca.
Nísia Floresta Brasileira Augusta. 1899. Retrato (gravura), 34 por 33 centímetros.
Respostas e comentários

Respostas

1. Nos estabelecimentos de ensino destinados ao público feminino, criados a partir da lei de 1827, as meninas aprendiam a ler, a escrever e a realizar operações aritméticas e prendas domésticas, além de estudar princípios da moral cristã.

2. É esperado que os estudantes percebam que no colégio fundado por Nísia Floresta havia tanto o tradicional ensino de trabalhos manuais, típicos dos colégios para meninas, quanto a valorização de sólidos conhecimentos da língua portuguesa e de línguas estrangeiras, além de noções de geografia. É possível que esse programa de ensino tenha recebido críticas de alguns educadores da época justamente por oferecer às meninas um maior leque de conhecimentos, o que, em um primeiro momento, poderia contribuir para a emancipação das mulheres e a consequente transformação de seu papel na sociedade (algo, talvez, não desejado pelos homens da época).

3. Espera-se que os estudantes reconheçam que as mulheres conquistaram muitos direitos ao longo da história. No entanto, ainda é possível observar a existência da desigualdade entre homens e mulheres na estrutura da sociedade. Diversos aspectos podem ser debatidos e mencionados pelos estudantes.

Observação

O conteúdo desta página possibilita um trabalho amplo com aspectos da habilidade ê éfe zero oito agá ih dois dois.

Orientações

Comente que somente em 2006 foi institucionalizada uma política nacional de combate à violência contra a mulher, com a criação da Lei Maria da Penha. Essa lei prevê proteção e assistência jurídica às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral. Apesar de a Lei Maria da Penha ter sido uma grande conquista, muitas mulheres continuam sendo vítimas da violência cotidianamente. Tal fato evidencia que, mais difícil que mudar a legislação, é transformar a mentalidade da nossa sociedade, ainda muito contaminada pelos valôres patriarcais.

Além disso, destacamos que o conteúdo desta seção, ao abordar a trajetória de mulheres no Brasil ao longo do século dezenove e sua inserção nos estabelecimentos de ensino, trabalha de fórma ampla o tema contemporâneo Vida familiar e social.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

1. Após a abolição, muitos ex-escravizados foram trabalhar nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. A maior parte deles, em São Paulo, não tinha condições de concorrer com os imigrantes e foi obrigada a aceitar trabalhos mal remunerados. Para refletir mais sobre os legados da escravidão, reúna-se com um colega, leiam o texto e depois façam as atividades propostas:

[Segundo o historiador Leandro Jorge Daronco] É preciso lançar pelo menos dois olhares sobre os legados da escravidão no Brasil reticências. O primeiro ponto seria os aspectos formadores da cultura, da identidade e da etnicidade brasileiras reticências.

O segundo ponto seria a presença determinante do trabalho negro nos principais ciclos produtivos da história brasileira: açúcar, ouro, pecuária, café, entre outros. reticências Ao mesmo tempo, a escravidão produziu mazelas históricas em nosso país que dificilmente poderão ser reparadas. Uma dessas marcas é a segregação étnico-racial.

reticências

Observam-se, sobretudo na última década, tentativas de redução das desigualdades étnico-raciais em nosso país, expressas principalmente por políticas públicas afirmativas. Um exemplo desse tipo de política reticências é o sistema de cotas universitárias reticências.

MANFREDO, Maria Teresa. Desigualdade como legado da escravidão no Brasil. Gueledés Instituto da Mulher Negra, 20 setembro 2012. Disponível em: https://oeds.link/vY0mnA. Acesso em: 2 fevereiro 2022.

  1. De acôrdo com o texto, quais são os dois pontos que nos mostram aspectos do legado da escravidão no Brasil? Expliquem cada um deles.
  2. Além disso, o texto considera que a escravidão deixou mazelas históricas em nosso país. Que mazelas são essas?
  3. Façam uma pesquisa para coletar dados estatísticos que mostrem a profunda desigualdade racial existente em nosso país. Uma dica é buscar pesquisas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (ipéa) sobre a situação social do negro no Brasil.
  4. O que são políticas afirmativas e qual o papel delas para uma sociedade como a brasileira, que conviveu com a escravidão durante tanto tempo?

2. Leia o texto e observe a imagem a seguir.

Um telegrama hoje recebido pelo “país” diz o seguinte: “Em Campinas, um fazendeiro importante mandou surrar, pelos seus escravos, e meter no tronco da fazenda o súdito português José Joaquim Silveira, oficial de pedreiro e homem trabalhador”.

Revista Illustrada, número 468, 1887. In: MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da abolição: escravos e senhores no Parlamento e na Justiça. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. página 34.

Capa de revista em preto e branco. Primeira página do periódico intitulado Revista Ilustrada. Logo abaixo do nome da revista, há um desenho em formato quadrado representando um homem branco, amarrado em um tronco de árvore, sendo chicoteado por outro homem, que é acompanhado por outros dois, que observam a cena.  À direita, um homem visto de costas de blusa de mangas compridas, calças dobradas, pés descalços, com um chicote na mão direita, para baixo. Perto dele, mais à direita, um homem de chapéu sobre a cabeça, casaco, calça, botas de cano longo, com os braços cruzados, os observa. Em segundo plano, vegetação e uma mureta na vertical.
AGOSTINI, Ângelo. Ilustração para a Revista Illustrada, número 468, 1887. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
  1. Identifique a crítica presente na imagem.
  2. O que explicaria a violência utilizada pelos proprietários para punir imigrantes que trabalhavam nas fazendas?
Respostas e comentários

Seção Atividades

Objeto de conhecimento

O escravismo no Brasil do século dezenove: plantations e revóltas de escravizados, abolicionismo e políticas migratórias no Brasil Imperial.

Habilidades

São trabalhados aspectos relacionados às habilidades:

ê éfe zero oito agá ih um nove (atividades 1, 2)

ê éfe zero oito agá ih dois zero (atividade 1)

ê éfe zero oito agá ih dois dois (atividades 1, 2)

Respostas

1. a) De acôrdo com o texto, os aspectos formadores da cultura, da identidade e da etnicidade brasileiras nos mostram o legado da escravidão. Além disso, outro aspecto importante seria a presença marcante do trabalhador negro escravizado nos principais ciclos produtivos da história do país. A etnicidade e a identidade da população brasileira, assim como a sua cultura, trazem os contornos e as características da presença africana nas diversas regiões do país. Os africanos escravizados foram a principal mão de obra durante séculos de colonização e depois no Brasil imperial, fôrça de trabalho que sustentou a estrutura produtiva e a manutenção da sociedade por longo período.

b) Uma dessas mazelas é a segregação étnico-racial.

c) Se necessário, oriente os estudantes nas etapas de pesquisa, auxiliando-os na seleção de fontes de informação.

d) As políticas afirmativas voltadas aos afrodescendentes buscam reparar as injustiças e a violência cometidas ao longo da história contra a população negra em nosso país, assim como a desigualdade social e econômica a que foi submetida durante séculos, desde o período escravista até os dias de hoje. Atualmente, os afrodescendentes enfrentam o racismo e condições de desvantagem em relação à população branca e economicamente privilegiada. Por essas razões, as políticas afirmativas visam equiparar brancos e negros em nossa sociedade, promovendo oportunidades iguais a todos os cidadãos brasileiros.

2. a) O artista critica a violência utilizada contra os imigrantes de origem europeia; no caso, é representado um trabalhador português.

b) Os fazendeiros estavam habituados a lidar com a mão de obra de africanos escravizados, que eram considerados mercadorias. De acôrdo com essa mentalidade, os proprietários tratavam os escravizados da fórma como melhor lhes conviesse, fazendo uso, inclusive, da violência. Acostumados a praticar a violência contra os escravizados, os proprietários, como mostra a ilustração, conferiam o mesmo tratamento aos trabalhadores livres.

Ícone. Ilustração do globo terrestre circundado por uma linha amarela, simulando a trajetória da Lua em torno do planeta, indicando a seção Ser no mundo.

Ser no mundo

Multiculturalismo

A construção da identidade nacional no Brasil: cultura popular e erudita

O Brasil do século dezenove, especialmente a partir do govêrno deDom Pedro segundo, precisava de uma identidade própria. Recém-independente de Portugal, o país tinha como tarefa urgente construir uma identidade nacional que conseguisse conectar um território imenso, onde vivia uma população incrivelmente diversificada.

Uma das ações mais bem-sucedidas nesse sentido foi a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro , em 1838. Entre os principais objetivos do instituto estavam o incentivo ao estudo de História do Brasil no ensino público e a organização, a preservação e a divulgação de documentos da história do Brasil.

reticências [O í agá gê bê] pretendia fundar a história do Brasil tomando como modêlo uma história de vultos e grandes personagens sempre exaltados tal qual heróis nacionais. Criar uma historiografia para esse país tão recente [era o objetivo principal do instituto].

Chuárquis, Lilia Mórits. As barbas do imperador: Dom Pedro segundo, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. página 127.

A literatura e as artes plásticas do século dezenove também se mobilizaram para a construção da identidade brasileira.

Pintores na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e escritores ligados ao Romantismo passaram a expressar a nascente identidade brasileira em suas produções artísticas. Para isso, utilizavam especialmente a figura do indígena. De fórma romântica e bastante idealizada, o indígena passou a ser um símbolo nacional. Todo esse processo cultural era bem visto – e financiado – por Dom Pedro segundo.

Pintura. Em uma praia, com vista a partir da areia, com vegetação com árvores frondosas à esquerda e o mar, verde e calmo, à direita.  No centro, em primeiro plano, em pé, nas areias claras da praia., uma mulher indígena de cabelos longos, lisos e pretos, caminha com a cabeça um pouco reclinada. Ela está seminua, usando um colar no pescoço, um fio branco amarrado à cintura, com penas vermelhas, brancas e azuis à frente de seu quadril, com a mão esquerda perto do seio esquerdo.  À frente, um galho fino enterrado na areia, na vertical com folhas verdes, uma flor vermelha, uma pena branca e uma pena vermelha.  Em segundo plano, à esquerda, árvore de tronco escuro e folhas verdes.  No alto, o céu em tons de azul, rosa e laranja. Vê-se ao longe alguns pássaros sobrevoando.
MEDEIROS, José Maria de. Iracema. 1881. Óleo sobre tela, 1,68 por 2,55 métros Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Respostas e comentários

Seção Ser no mundo

Em consonância com as Competências Gerais da Educação Básica número 1 e número 3, esta seção estimula o estudante a valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva e valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.

Os conteúdos trabalhados na seção também buscam levar o estudante a desenvolver as seguintes Competências Específicas do Componente Curricular História: Elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em relação a documentos, interpretações e contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens e mídias, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos, a cooperação e o respeito (3) e Identificar interpretações que expressem visões de diferentes sujeitos, culturas e povos com relação a um mesmo contexto histórico, e posicionar-se criticamente com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários (4).

Destacamos também que o conteúdo desta seção trabalha de fórma ampla o tema contemporâneo Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras.

Habilidade

ê éfe zero oito agá ih dois dois: Discutir o papel das culturas letradas, não le­tradas e das artes na produ­ção das identidades no Brasil do século dezenove.

De modo geral, os artistas do Romantismo ligavam-se ao nacionalismo, à valorização da pátria, da liberdade, da natureza e dos “heróis nacionais”. No caso dos românticos brasileiros, a figura do indígena foi central, e no século dezenove criou-se uma imagem idealizada dos indígenas. Nos romances de José de Alencar, por exemplo, os personagens indígenas surgem sem qualquer rebeldia, como aliados fiéis dos portugueses, incorporando hábitos dos colonizadores.

Outras manifestações culturais, da culinária à religião e à música, também foram importantes para o estabelecimento da identidade da nação. As festividades populares, como a congada, o batuque, o lâmdu (ritmo musical afro-brasileiro) e o samba, originadas de culturas africanas e praticadas nas cidades brasileiras, são exemplos desse tipo de manifestação.

Para compreender a identidade nacional que começou a ser elaborada no século dezenove, é necessário identificar a participação de todos os sujeitos históricos. Considerar somente a imagem idealizada do indígena não é suficiente, já que não representava de modo significativo as características, os problemas e o cotidiano dos povos indígenas na época.

Os povos indígenas da atualidade, inclusive, nos mostram que é possível repensar a questão da identidade nacional. A imagem romantizada do indígena ficou para trás: no Brasil de hoje, a identidade nacional carrega em si os valôres de cada região do país, a luta de mulheres, de jovens, as artes populares, as festividades, o patrimônio histórico e cultural... Vamos conhecer, agora, dois nomes do rap indígena da atualidade que discutem e repensam o Brasil atual.

Formado por Bruno Veron, Clemersom Batista, Quélvin Peixoto e Chárli Peixoto, o Brô êmi cis é considerado o primeiro grupo de rap indígena no Brasil. Os integrantes da etnia guarani-caiouá cantam sobre diversos temas, entre eles os povos tradicionais, a luta de terras e o cotidiano das aldeias.

reticências

[Por sua vez, as] músicas de Kaê Guajajara provocam e denunciam. Com letras sobre preconceito, ancestralidade e resistência, a rapper tem diversas músicas incríveis com melodias envolventes. A artista quer passar importantes mensagens por meio das canções, como em “Mãos Vermelhas”: “Ainda resistimos, em tantos tons e vivências.”

MILLAN, Camilla. Dia da Resistência Indígena: conheça 5 nomes do rap indígena. Rolling Stone, 19 abril 2021. Disponível em: https://oeds.link/xIDIGY. Acesso em: 26 fevereiro 2022.

Fotografia. Retrato da cintura para cima, de uma mulher cantando sob uma luz azulada. Ela é indígena, tem longos cabelos pretos e lisos, usa uma roupa vermelha com franjas trançadas e segura um microfone na mão esquerda. Ela está com a cabeça levemente inclinada para a esquerda, a mão direita perto do rosto e com os olhos fechados. Ao fundo, algumas folhagens vistas parcialmente e um tecido listrado à esquerda na diagonal.
A rapper indígena Kaê Guajajara se apresenta em São Paulo São Paulo, em 2022.
  1. Qual foi a principal contribuição do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para a formação da identidade nacional do Brasil no século dezenove?
  2. Como a literatura e as artes plásticas colaboraram para a elaboração da identidade nacional do Brasil no século dezenove?
  3. A identidade nacional pode ser repensada e transformada. Os povos indígenas, por exemplo, têm mostrado, ao longo do tempo, essa possibilidade de transformação. E você, quando pensa na identidade nacional, ou seja, nas características que fazem com que o Brasil seja único diante de outros países, que elementos vêm à sua mente? Por quê?
Respostas e comentários

Respostas

1. É importante que os estudantes percebam que o í agá gê bê foi o órgão responsável, já no govêrno de Dom Pedro segundo, pelo estabelecimento e pela escrita da História oficial do Brasil. Segundo muitos historiadores, essa história oficial foi ensinada e divulgada nas escolas públicas brasileiras, ou seja, ela influenciou o conhecimento histórico escolar e a produção do conhecimento histórico brasileiro como um todo, durante muitas gerações.

2. Elas elegeram o indígena como símbolo nacional, mas de fórma idealizada e romântica. Essa imagem romântica estava bem distante da realidade e das lutas vivenciadas pelos povos indígenas, e não considerava a importante presença da cultura e da memória afrodescendente.

3. A resposta é aberta. É possível que os estudantes citem músicas populares, artes urbanas e das periferias, produções artísticas regionais, futebol e outras manifestações culturais.

Questões para autoavaliação

Nesta Unidade do livro, as questões sugeridas para autoavaliação – e que podem ser utilizadas, a seu critério, para o diagnóstico do grau de aprendizagem dos estudantes – são:

1. Por que o período regencial é considerado o mais conturbado da história independente do Brasil?

2. Quais foram as características do “parlamentarismo à brasileira”?

3. Que fatores desencadearam a Guerra do Paraguai? Quais foram os resultados do conflito para o Paraguai e para o Brasil?

4. Qual foi a importância do café para a economia brasileira do século dezenove?

5. Por que muitos imigrantes europeus vieram para o Brasil a partir da segunda metade do século dezenove?

6. Que fatores contribuíram para o fim da escravidão no Brasil?

Glossário

Etnia
Grupo social que compartilha uma identidade cultural própria.
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Estancieiro
Nome que se dá, no Rio Grande do Sul, ao proprietário de fazendas de gado.
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Charque
Carne salgada e sêca ao sol para ser mantida própria para o consumo por mais tempo.
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Mourejar
Trabalhar muito, com afinco; labutar.
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Faina
Trabalho contínuo e permanente.
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Terras devolutas
Terras que eram devolvidas à Coroa portuguesa. No período colonial, o termo era empregado para designar a terra cujo sesmeiro (aquele que recebeu uma sesmaria, ou seja, terreno cedido pela Coroa) não cumpria as condições impostas no ato de doação. Com o tempo, esse termo passou a significar “terras vagas”.
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