UNIDADE um A REPÚBLICA CHEGA AO BRASIL

Fotografia em preto e branco. Vista elevada em diagonal, com uma rua ao centro e edifícios nas laterais direita e esquerda. No primeiro plano, pessoas caminham pela calçada e pela rua, ao lado de um bonde puxado por dois muares. Há uma fileira de árvores de médio porte delimitando os espaços da rua e da calçada. Há trilhos de bondes ao longo da rua. Em segundo plano, na extensão da rua, vê-se bondes e charretes. As pessoas estão vestidas com roupa escura e chapéu, algumas com guarda-chuva. À esquerda da imagem edificações de quatro andares, algumas com balcões, onde se notam flores, toldos e bandeiras. Ao fundo e no alto, um pedaço do céu claro.
Rua Primeiro de Março, uma das principais ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro. Fotografia de Augusto Malta, década de 1910.

Você estudará nesta Unidade:

O processo de instauração da República no Brasil

Os mecanismos de dominação dos grupos oligárquicos estaduais durante a Primeira República

Conflitos no campo e movimentos urbanos nos primeiros anos da República

Imigração, industrialização e urbanização na Primeira República

O movimento modernista

Fotografia em preto e branco. Vista elevada de rua que ocupa o centro da imagem. A rua é delimitada, à esquerda, por construções de dois pavimentos, com muitas portas e janelas, e à direita por um canteiro de obras. Próximo ao canteiro de obras, há muitos objetos empilhados, e pessoas trabalhando. Em primeiro plano, alguns homens carregam mercadorias, vestidos com roupas claras e escuras, com chapéu ou boné. À esquerda, estacionadas ao longo da lateral do edifício, vê-se charretes de transporte de carga atreladas a muares. Em segundo e terceiro planos, ao longo da extensão da rua, pessoas carregam mercadorias em pequenas carroças puxadas à mão. No balcão de uma das construções, no primeiro pavimento, duas pessoas observam o movimento da rua. Ao fundo, mais construções de pequeno porte e céu claro.
Rua da Carioca, na cidade do Rio de Janeiro. Fotografia de Augusto Malta, 1905. Coleção particular.
Fotografia em preto e branco. Em um local aberto, ao fundo, uma casa pequena e baixa com paredes de madeira, telhado triangular, com uma porta e duas janelas. Há sete pessoas negras na fotografia: duas crianças, duas mulheres e três homens, que estão parados observando o fotógrafo. Ao chão, próximo à casa, vê-se um cesto, pedaços de madeira e dois cachorros deitados. Nos arredores da casa nota-se algumas arvores e chão de terra batida.
Barraco às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, na cidade do Rio de Janeiro. Fotografia de Augusto Malta, 1922. Museu da Imagem e do Som, Rio de Janeiro.

Em 15 de novembro de 1889, um movimento liderado por militares decretou o fim da Monarquia e o início de uma nova fórma de governo no Brasil, a República.

A mudança na fórma de governo, contudo, não alterou substancialmente a sociedade brasileira. Enquanto os grandes proprietários de terra, principalmente os produtores de café, mantinham seu poder e seus privilégios, a maior parte da população permanecia excluída da vida política. No entanto, trabalhadores urbanos e rurais não deixaram de se mobilizar em busca de melhores condições de vida.

O que você conhece sobre esse período da história do Brasil? O que já sabe sobre a Política dos Governadores, os movimentos messiânicos, a greve de 1917, o Modernismo?

CAPÍTULO 1   UMA REPÚBLICA EM CONSTRUÇÃO

A república, como fórma de governo, nasceu na Roma Antiga. Com ela, surgiu a noção de um governo considerado res publica (“coisa pública”), que deveria servir aos interesses dos cidadãos.

Com a Revolução Francesa, no final do século dezoito, o conceito de república se uniu às ideias de liberdade e democracia. A construção do regime republicano passou a ser associada aos direitos civis e políticos conquistados pelos revolucionários franceses.

No Brasil, a república surgiu como resultado de uma aliança entre setores do Exército e das elites econômicas e políticas do país no final do século dezenove. Nossa República foi estabelecida para atender aos interesses de uma pequena elite dominante.

Desde o início, o uso da “coisa pública” – ou seja, do Estado – em benefício de interesses privados e em prejuízo da coletividade marcou a nossa República. Os escândalos de corrupção ou relacionados ao descaso dos representantes do Estado com os serviços públicos, por exemplo, representam apenas uma parte dos problemas da República brasileira, reduzida de seu sentido público.

Fotografia. Vista parcial de um local aberto. Em primeiro plano e espalhadas por toda a extensão do lugar, centenas de pessoas segurando faixas e cartazes erguidos. Ao centro, uma grande faixa branca, onde está escrito: NAS REDES NAS RUAS – PASSE LIVRE JÁ! À esquerda, ao fundo, árvores altas com folhagem verde. À direita, ao fundo, prédios de tamanhos diversos em tons de bege, amarelo e azul-claro. No alto, também ao fundo, céu azul-claro e nuvens brancas esparsas.
Em junho de 2013, ocorreu uma série de manifestações em várias cidades brasileiras contra o aumento das tarifas do transporte coletivo, que logo se transformou em um movimento geral por melhorias nos serviços públicos, por mais justiça social e pela ética na política. Na fotografia, manifestação na cidade de Belém, Pará.

A emergência da república

Antes da independência do Brasil, muitos grupos sociais já defendiam a implantação de uma república. De maneira difusa, a proposta republicana apareceu, por exemplo, nas rebeliões coloniais do século dezoito, nas Conjurações Baiana e Mineira e na Revolução Pernambucana de 1817. Mas apenas no século dezenove, com a expansão da lavoura cafeeira e a formação de uma rica camada de fazendeiros no Sudeste, o projeto republicano ganhou fôrça no país.

O acontecimento que assinalou a arrancada desse movimento no Brasil foi a publicação do Manifesto Republicano, em 1870. Nele, seus adeptos criticavam o caráter centralizador e hereditário da monarquia e defendiam o princípio federativo do regime republicano.

Havia divergências entre os republicanos. O grupo dominante, liderado pelo jornalista Quintino Bocaiuva, pregava que a república deveria ser instalada sem agitações sociais que ameaçassem a ordem estabelecida. Outros, como o advogado Silva Jardim, criticavam as propostas republicanas conservadoras e defendiam uma mobilização popular para derrubar a Monarquia.

Charge em preto e branco. Cena em ambiente fechado. Em primeiro plano, ao centro da imagem, um homem adulto, de cabelos brancos, barba branca volumosa, veste roupa de mangas compridas, manto longo, dos ombros até os pés, e tem uma coroa sobre a cabeça. Ele é derrubado de uma poltrona, empurrada por trás por outro homem. Com a queda, ele abre a mão e solta um papel com letras pretas, em que pode-se ler "Fala do trono". O homem que empurra a poltrona é adulto, calvo, possui bigode e barbicha, um par de óculos de grau, casaca abotoada e calça branca. Ao fundo, por trás de uma longa cortina, nota-se silhuetas de pessoas que observam a cena com interesse e espanto.
AGOSTINI, Angelo. Dom Pedro segundo sendo derrubado do trono pelos republicanos. 1882. Charge publicada na Revista Ilustrada. Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro.
Ícone. Sugestão de site.

MUSEU da República. Disponível em: https://oeds.link/fizIg7. Acesso em: 28 fevereiro 2022. Criado em 1960 e localizado na cidade do Rio de Janeiro, o museu guarda peças e documentos relativos à história da República no Brasil. No site há fotografias do acervo e é possível fazer uma visita virtual ao local.

Os conflitos com a Igreja

O movimento republicano só se transformou em fôrça decisiva quando a Monarquia perdeu o apoio dos grupos que a sustentavam: a Igreja católica, os militares e os cafeicultores do Vale do Paraíba.

Desde o período colonial, o poder civil e o religioso estavam unidos por meio do padroado, uma instituição que submetia a Igreja católica ao contrôle da Coroa portuguesa e, após a independência, da Coroa brasileira.

Ao longo do século dezenove, contudo, a Igreja buscou recuperar seu poder. A maçonariaglossário , por exemplo, havia sido condenada pelo papa e alguns bispos brasileiros passaram a exigir que tanto os fiéis como os clérigos que fossem maçons abandonassem essa prática. Isso gerou um dilema, uma vez que a elite brasileira era em grande parte maçônica e católica.

O imperador deu ordens para que a medida do papa não fosse cumprida e, na década de 1870, prendeu dois bispos que se recusaram a seguir as ordens imperiais. Situações como essa caracterizaram a Questão Religiosa, que marcou o afastamento entre o clero católico e a Monarquia.

A Questão Militar

Durante o governo de Dom Pedro segundo, o Exército ocupou uma posição marginal na política brasileira. Os baixos soldos, a rígida disciplina da corporação e a lentidão nas promoções desencorajavam os filhos das elites a seguir a carreira militar.

A maior parte dos membros do Exército pertencia às camadas médias da sociedade e, embora tivesse uma formação escolar rigorosa, dificilmente conseguia ascender na vida política ou ocupar cargos públicos.

Após a vitória brasileira na Guerra do Paraguai, o Exército saiu fortalecido como corporação.

Na década de 1880, evidenciou-se o objetivo militar de assumir um novo papel na cena política brasileira, o que desgastou a relação entre o Exército e a Monarquia.

Fotografia em preto e branco. Quatorze militares posam para a fotografia, posicionados um do lado do outro. A cena ocorre em local aberto, em frente à uma escada de acesso a uma edificação, ao fundo. Alguns portam sabres, abaixados em direção ao solo. Oito homens estão em primeiro plano, quatro estão em segundo plano, logo atrás e dois na última fileira, no alto da escadaria.
Militares na cidade do Rio de Janeiro. Fotografia de márc ferrês, 1885.
Ícone. Sugestão de livro.

VEIGA, Edison. Essa tal Proclamação da República. São Paulo: Panda Books, 2009. Este livro apresenta os antecedentes da Proclamação da República no Brasil e oferece um amplo panorama sobre a sociedade, a economia e a política do país no final do século dezenove.

A desconfiança de setores da sociedade

Além dos conflitos com a Igreja e os militares, o Império passou a enfrentar, na década de 1880, a descrença das camadas médias e da elite cafeicultora na capacidade de administração de Dom Pedro segundo, já idoso e com a saúde frágil. Por sua vez, os sucessores do trono, a princesa Isabel e seu marido, o francês Luís Filipe Maria Fernando Gastão, não inspiravam confiança nesses grupos.

Os cafeicultores do Oeste Paulista, que usavam técnicas modernas de produção e já não dependiam do trabalho escravo, julgavam que o governo imperial não atendia às suas demandas. Consideravam-no conservador e atrasado e passaram a defender o federalismoglossário republicano. Para esse grupo, a república poderia assegurar mais autonomia política e financeira para as províncias e, na prática, subordinar o Estado aos interesses da economia cafeeira.

O golpe de 15 de novembro

O isolamento da Monarquia se acentuou após a abolição da escravatura, em 1888. O governo decretou a abolição sem nenhum tipo de indenização aos proprietários de escravizados, o que desagradou principalmente à elite cafeicultora. Com isso, o governo perdia mais um apoio que compunha sua sustentação política. Reuniões conspirativas passaram a ser organizadas com frequência por militares e republicanos civis.

Na manhã do dia 15 de novembro de 1889, o Ministério da Guerra foi ocupado por tropas sob o comando do marechal Deodoro da Fonseca. É possível que a intenção de Deodoro da Fonseca fosse derrubar apenas o gabinete ministerial, mas o episódio culminou com a Proclamação da República, sem resistência do imperador. Assim, o regime republicano foi instituído no Brasil por meio de um golpe, que resultou de uma ação isolada do Exército, sem participação popular, e com o apoio de um pequeno grupo de republicanos civis.

Fotografia em preto e branco. Oito pessoas em uma varanda de uma residência, tendo ao fundo uma grande janela de madeira e, à frente, os degraus de uma escadaria. Destaque para um homem adulto idoso com barba volumosa, que veste roupa preta e segura um chapéu à mão. Uma mulher adulta está do seu lado direito, e apoia as mãos em seu braço direito. Uma senhora está sentada em uma cadeira, ao lado de uma criança, que está sentada ao chão. Do lado esquerdo do senhor, também de pé, estão dois homens adultos e duas crianças.
A família imperial na escadaria do Palácio Isabel, em Petrópolis, em 1889, antes de partir para o exílio. Ao centro, estão o imperador Dom Pedro segundo e sua filha, a princesa Isabel. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

A República da Espada

O papel desempenhado pelo Exército na Proclamação da República assegurou aos militares a chefia do novo governo. Essa fase da República brasileira é conhecida como República da Espada (1889-1894).

O comando do Governo Provisório, instaurado pela República, foi entregue ao marechal Deodoro da Fonseca. Entre suas primeiras medidas, destacam-se a ordem de enviar a família real ao exílio na Europa e a naturalização de estrangeiros imigrados.

Em dezembro de 1889, foram convocadas eleições para o Congresso Nacional Constituinte para que fosse elaborada uma nova Constituição para o país. Em fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituição da República brasileira, que estabelecia, entre outros pontos, o presidencialismo no Brasil e eleições para presidente de quatro em quatro anos. Apenas o primeiro presidente seria eleito, excepcionalmente, pelo Congresso Constituinte, que elegeu Deodoro da Fonseca.

Pintura. Vista geral de local aberto. Em primeiro plano, uma grande área descampada, com muitos militares montados à cavalo e uma fileira de canhões atrelados a rodas. Alguns soldados estão com o braço direito erguido. Há fumaça cinza sobre a fileira de canhões. Em segundo plano, à direita e ao fundo, algumas construções, com destaque para extenso edifício horizontal de dois pavimentos, à direita. Ao fundo e no alto, montanhas, céu azul-claro e nuvens brancas esparsas.
CALIXTO, Benedito. Proclamação da República. 1893. Óleo sobre tela, 124 por 200 centímetros. Pinacoteca Municipal, São Paulo.

Ler a pintura

• Observe que, nesta pintura, o artista representou o evento que marcou a Proclamação da República como uma parada militar. É possível identificar a presença da população civil nesta obra? O evento parece pacífico ou conflituoso? Que mensagem o autor da obra pretendia transmitir ao representar a passagem da monarquia para a república no Brasil?

A crise econômica e o fim da República da Espada

Durante o Governo Provisório, Deodoro nomeou o primeiro ministro da Fazenda da República brasileira, Rui Barbosa, que decidiu implantar uma política de incentivo ao crescimento econômico, especialmente o industrial. Como nesse período havia escassez de moeda circulante no Brasil, o ministro determinou a emissão de mais dinheiro, que serviria para o financiamento de novas empresas e possibilitaria a concessão de créditos aos cafeicultores que precisassem reestruturar sua produção após a abolição da escravidão.

Com mais moedas em circulação, os preços aumentaram, ou seja, teve início um surto inflacionário. Além disso, em vez de ser empregada em empresas, grande parte do dinheiro foi investida em ações na Bolsa de Valores, até mesmo de empresas fictícias. Assim, a política de Rui Barbosa se mostrou um completo desastre, e a economia do Brasil entrou em colapso.

A grave crise econômica somou-se à crise política, com o caráter centralizador do governo sendo severamente criticado pelas elites cafeicultoras. Pressionado e sem apoio político, Deodoro foi levado a renunciar, em novembro de 1891.

A Constituição determinava que, em caso de renúncia do presidente, novas eleições deveriam ser convocadas. No entanto, o vice-presidente, marechal Floriano Peixoto, conseguiu evitar um novo pleito e governou o país até o fim do mandato com o apoio dos cafeicultores paulistas.

A primeira Constituição da República

A Constituição de 1891 estabeleceu o regime federativo, assim, as antigas províncias transformaram-se em estados.

Estabeleceu-se o voto direto e universal para cidadãos maiores de 21 anos. Mendigos, analfabetos e soldados não podiam votar, o que excluía a maioria da população desse direito. Na prática, o voto não era secreto e as mulheres estavam excluídas das eleições (como eleitoras e como candidatas), apesar de a Constituição não fazer menção a esses pontos.

O poder foi dividido em Executivo (o presidente e os ministros), Legislativo (Câmara de Deputados e Senado) e Judiciário (com a criação de um Supremo Tribunal Federal). O Estado separou-se da Igreja.

Ilustração em preto e branco sobre papel em tom amarelo. Em primeiro plano, uma rua com dezenas de homens de casaca e chapéu conversam intensamente tendo papéis à mão. Em segundo plano, ao fundo, vista parcial de prédios com dois e três pavimentos, com janelas e balcões, onde vê-se outros homens gesticulando na direção dos que estão na rua.
Movimentação em frente à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Ilustração publicada no livro O encilhamento, de Visconde de toné, de 1894.

A República Oligárquica

Em 1894, ocorreu a primeira eleição direta para presidente da República no Brasil. Venceu Prudente de Morais, um “republicano histórico”, ou seja, que tinha participado da fundação do Partido Republicano e era membro da elite cafeicultora paulista. Seu governo foi instável politicamente, pois elites dirigentes ainda não tinham estabelecido as bases de funcionamento do novo regime político, o que gerava disputas.

A estabilização política foi constituída no governo de seu sucessor, o também paulista Campos Sales. Durante sua gestão, de 1898 a 1902, consolidaram-se os mecanismos de poder que constituíram as bases da República Oligárquica: a criação da Política dos Governadores e o fortalecimento do coronelismo.

A Política dos Governadores e o coronelismo

Idealizada por Campos Sales, a Política dos Governadores era um mecanismo político para evitar os choques entre os governos estaduais e o governo federal. Por meio dela, os grupos dominantes de cada estado apoiavam as políticas do governo federal, que, em troca, favorecia esses grupos e dificultava a ação de seus opositores. Atualmente, esse acordo político seria o famoso “toma lá dá cá”.

No nível estadual, a troca de favores acontecia entre os grupos dominantes do estado e os grandes proprietários de terra dos municípios, conhecidos como coronéis, os quais controlavam os votos dos eleitores, valendo-se, para isso, da compra de voto ou mesmo da fôrça. Garantiam, assim, que fossem eleitos apenas os candidatos ligados às oligarquias do estado. Esse fenômeno ficou conhecido como coronelismo.

Voto de cabresto

O mecanismo de contrôle dos votos por parte dos coronéis, uma prática muito comum nos tempos da República Oligárquica, é chamado de voto de cabresto.

Essa expressão faz referência ao cabresto, que é um dispositivo de corda ou couro colocado nos cavalos para direcionar sua marcha.

Charge. Na parte inferior, um morro ovalado, cercado de homens com os braços erguidos em direção ao alto do morro. Esses homens portam chapéus e trazem os nomes de estados brasileiros escritos nas suas costas, como Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, e Mato Grosso. Na parte superior, no alto do morro, dois homens de chapéu estão de pé ao lado de uma grande poltrona em cujo encosto está escrito Presidência da Republica. No chapéu do homem à direita da poltrona está escrito São Paulo. Ele olha em direção ao pé do morro, e, com sua mão espalmada, procura acalmar os homens que estão embaixo. No chapéu do homem que está à esquerda da poltrona, está escrito Minas. Ele tem os braços cruzados.
A charge, de Alfredo Storni, ironiza a disputa entre as oligarquias dos Estados. Publicada na revista Careta, número 897, em 29 de agosto de 1925. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
O poder das oligarquias

Os cargos políticos federais mais importantes, como o de presidente da República e o de ministro da Fazenda, eram dominados pelas oligarquias paulista, mineira e gaúcha. Particularmente, São Paulo e Minas Gerais, os estados mais ricos da União, impunham uma política de favorecimento de seus interesses. A hegemonia dos paulistas e dos mineiros na presidência da República ficou conhecida como política do café com leite.

É preciso, porém, relativizar o poder dessa frente oligárquica, pois ela não controlou sozinha e o tempo todo o governo da República. Em algumas ocasiões, esses dois estados estiveram em lados opostos, como nas eleições de 1910, em que o gaúcho Hermes da Fonseca, apoiado por Minas Gerais, venceu Rui Barbosa, candidato de São Paulo. Além disso, outros grupos políticos oligárquicos faziam parte do jogo de alianças e determinavam, em conjunto, os rumos políticos e econômicos do país.

A proteção ao café

O café foi o principal item de exportação do Brasil durante o Segundo Império e a Primeira República. Contudo, o aumento da produção, no final do século dezenove, provocou a queda nos preços do café no exterior. Diante disso, o governo federal lançou planos para reerguer os preços do produto.

A principal medida, iniciada em 1906, foi contrair empréstimos para comprar estoques do produto e reduzir a oferta, forçando, assim, o aumento dos preços. A queda nas exportações de café foi sentida já no ano seguinte, quando as remessas para o exterior caíram de 19 mil sacas comercializadas, em 1906, para cêrca de 10 mil, em 1907.

As práticas conhecidas como defesa ou valorização do café foram retomadas outras vezes pelo governo brasileiro.

Fotografia em sépia. Vista parcial de local aberto, com arbustos de grande porte. Sete pessoas estão próximas aos arbustos, sendo que há, entre eles, uma criança. Dois homens estão sobre escadas e têm as mãos sobre as partes mais elevadas dos arbustos. Todos estão vestidos com roupas de mangas compridas e chapéus com abas largas. Uma mulher usa um pano na cabeça. Todos estão descalços. No alto, céu claro.
Colheita de café no interior paulista. Fotografia de tiodór praising, 1924. Museu Paulista da Universidade de São Paulo, São Paulo.
Ícone. Ilustração de três pessoas e dois balões de fala indicando a seção Em debate.

Em debate

O ideal de unidade nacional e as contradições regionais

A transição para a Primeira República (que se estendeu de 1889 a 1930, segundo estudiosos) foi acompanhada pela difusão da ideia de integração regional, de consolidação da unidade do Estado nacional e da identidade do povo brasileiro. Os artistas românticos exaltaram as singularidades dos povos nativos, as peculiaridades dos costumes locais e as belezas da paisagem natural como símbolos do sentimento de brasilidade. O imaginário da unidade e da identidade nacional que sintetizariam em um modelo emblemático toda a diversidade étnica, social, cultural e geográfica existente no imenso território brasileiro era construído, ao mesmo tempo que aconteciam muitas disputas entre grupos de diversas localidades. As contradições entre os interesses regionais e entre os diferentes grupos sociais se manifestavam desde a colônia e o Império e continuaram a aflorar no período republicano.

Alguns historiadores, como Raymundo Faoro, estudaram a formação das instâncias de poder a partir da Primeira República e as relações que se estabeleceram entre o governo federal, os estados e os municípios. O modelo federalista foi reivindicado pelas elites das regiões economicamente mais poderosas, que buscavam garantir o contrôle político dos mecanismos decisórios do Estado, com base no discurso de autonomia administrativa e equilíbrio de interesses regionais.

reticências Na doutrina do Estado soberano, pregada por Campos Sales ainda quando deputado na Assembleia Provincial, está implícita a política dos governadores, ou, como queria seu fundador, por amor à correção, a política dos Estados. O sistema federativo caracterizar-se-ia pela existência de uma dupla soberania na tríplice esfera do poder público, explicitamente. “Neste regime, é minha convicção inabalável, a verdadeira fôrça política, que no apertado unitarismo do Império residia no poder central, deslocou-se para os Estados. A política dos Estados, isto é, a política que fortifica os vínculos de harmonia entre os Estados e a União, é, pois, na sua essência, a política nacional. É lá, na soma dessas unidades autônomas, que se encontra a verdadeira soberania da opinião. O que pensam os Estados pensa a União.” Ora, o curso da doutrina denuncia uma presença mais viva que o tecido abstrato das ideias: a ascendência dos Estados acarretaria, nesse plano de somas, a hegemonia dos mais prósperos e poderosos. Isto interessava a alguns – sobretudo a São Paulo, a Minas, ao Rio Grande do Sul, este com interesses divergentes dos dois primeiros –, mas não a todos, prejudicando manifestamente aos decadentes, sobretudo à Bahia e Pernambuco reticências.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. décima Editora São Paulo: Globo: Publifolha, 2000. volume2, página 73.

  1. Quais eram alguns dos princípios defendidos por Campos Sales para o estabelecimento da República Federativa?
  2. Segundo o historiador Raymundo Faoro, o sistema federativo de fato garantia a autonomia dos Estados e o equilíbrio das fôrças regionais?
  3. Em sua opinião, os mecanismos organizados durante a instauração da República no Brasil com a Política dos Governadores ainda vigoram no país nos dias de hoje?

Os conflitos no campo

Na passagem do Império para a República, ao final do século dezenove, ainda predominavam no Brasil características econômicas herdadas da época colonial: latifúndio, monocultura e técnicas rudimentares de produção. A abolição da escravidão, em 1888, e a implantação do trabalho assalariado não significaram a garantia de direitos nem a criação de leis de proteção aos trabalhadores.

Nesse cenário de baixo desenvolvimento econômico e de superexploração dos trabalhadores, agravado por um regime político e eleitoral excludente, surgiram movimentos sociais baseados na religiosidade popular com líderes messiânicosglossário , como Canudos e o Contestado. Ganhou fôrça também um tipo de organização em grupo conhecido como cangaço.

A Guerra de Canudos

Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu no interior do Ceará, por volta de 1830. Ainda criança, iniciou os estudos para a formação de padre, mas, ao se tornar adulto, acabou exercendo outras profissões, como a de comerciante e advogado.

Já adulto, passou a peregrinar pelo interior dos estados de Sergipe, Pernambuco e Bahia, pregando mensagens religiosas e aconselhando os sertanejos. Procurava ainda organizá-los para a realização de obras como a construção de igrejas, casas, açudes e colheitas agrícolas. Visto como liderança religiosa e política, o beato passou a ser chamado de Antônio Conselheiro.

Em 1893, junto com seus seguidores, fundou um povoado comunitário na antiga fazenda Canudos, às margens do rio Vaza-Barris, no estado da Bahia. Chamada de Belo Monte, a comunidade era organizada com base no trabalho agrícola coletivo. Canudos mantinha relações comerciais regulares com vilas e cidades da região e chegou a reunir entre 20 mil e 30 mil moradores.

Região de Canudos

Mapa. Região de Canudos.
Legenda: 
Vermelho: Região de Canudos (1893 a 1897) 
Linha em cinza: Limites atuais entre os estados brasileiros 
O mapa mostra a porção leste do território do Brasil e os limites atuais entre os estados brasileiros. Em vermelho, está a região de Canudos (de 1893 a 1897) abrangendo uma área a noroeste do estado da Bahia, englobando as cidades de Canudos e Monte Santo. Destaque para os rios São Francisco e Vaza Barris, representados em azul.
Na parte inferior direita, rosa dos ventos e escala de 0 a 340 quilômetros.

Fonte: SAGA: a grande história do Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1981. página 173.

Ícone. Sugestão de vídeo.

GUERRA de Canudos. Direção: Sérgio Rezende. Brasil, 1997. Duração: 170 minutos Baseado no conflito que tomou conta de Canudos nos tempos da Primeira República, este filme conta a história de uma família que migra para a região de Belo Monte, tomando contato com as ideias de Conselheiro.

As expedições contra Canudos

À medida que a comunidade de Canudos cresceu, os fazendeiros passaram a notar a falta de mão de obra e a Igreja católica começou a perder fiéis. Diante disso, o governo federal foi chamado a intervir contra Canudos. As autoridades procuraram justificar a ação armada alegando que as pregações de Antônio Conselheiro comprovavam sua vocação monarquista e representavam, assim, uma ameaça à ordem republicana.

Em 1896, fôrças federais e baianas iniciaram a campanha militar para destruir Canudos. Apesar da superioridade bélica, o exército do governo foi derrotado pelos conselheiristas em três expedições.

Canudos só foi destruída na quarta expedição, quando mais de 10 mil homens fortemente armados foram enviados ao sertão baiano para atacar a comunidade. Após três meses de combate, o arraial foi derrotado pelas fôrças do governo em 5 de outubro de 1897. A maior parte de seus habitantes foi morta.

Relatos de civis contam que, mesmo após a queda do arraial, muitos prisioneiros foram mortos e várias crianças foram abandonadas ou entregues à adoção. O escritor Euclides da Cunha, que cobriu a Guerra de Canudos como correspondente de um jornal paulista, assim descreveu o fim da batalha:

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnadoglossário palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.

CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Martin Claret, 2008. página 597.

Fotografia em preto e branco. Vista parcial de local aberto. Em primeiro plano, uma área descampada com dezenas de pessoas sentadas, a maioria delas mulheres, algumas crianças e bebês. Elas estão vestidas com pedaços de panos. Algumas delas cobrem a cabeça com o mesmo pano usado para cobrir o corpo. Os corpos das pessoas que estão em primeiro plano são magros. Em segundo plano, dezenas de soldados em pé observam as pessoas sentadas. No alto, céu claro.
Moradores de Canudos presos em incursão das fôrças do governo, em Canudos, na Bahia. Fotografia de Flávio de Barros, 1897. Museu da República, Rio de Janeiro.
A Guerra do Contestado

No início do século vinte, muitos camponeses se estabeleceram em uma região ao Sul do país, disputada pelos estados do Paraná e de Santa Catarina, conforme indicado no mapa A Guerra do Contestado (1912-1916), a seguir. Mas, ao longo dos anos, seus territórios foram ocupados por fazendeiros interessados na extração de erva-mate e madeira. Além disso, a presença de grandes companhias estrangeiras envolvidas na construção de estradas de ferro reduzia ainda mais o espaço das lavouras de subsistência das famílias camponesas.

Nesse período, surgiram na região movimentos messiânicos. Um dos pregadores com maior número de adeptos era o monge José Maria. Seus seguidores acreditavam que o fim do mundo estava próximo e que a adesão ao movimento significaria a salvação da alma.

Ao grupo de José Maria uniram-se também operários recrutados para a construção da ferrovia que tinham sido demitidos e proibidos de viver às margens da estrada. O anseio dessas pessoas por terra, trabalho e melhores condições de vida associou-se à religiosidade popular, tornando as tensões sociais da região ainda mais explosivas e dando início à Guerra do Contestado, que ocorreu entre 1912 e 1916.

Fotografia em preto e branco. Vista parcial do interior de uma casa com paredes de madeira e chão de terra. Ao centro, um homem idoso está sentado sobre um pedaço de madeira, com o pé direito cruzado sobre o esquerdo e as mãos entrelaçadas sobre as pernas. Ele tem cabelos brancos e barba volumosa, chapéu escuro sobre a cabeça, usa paletó de mangas compridas, calça clara e par de chinelos. À sua direita, estão algumas almofadas e, ao fundo, uma mobília com poucos objetos.
Monge José Maria de Agostinho, líder do movimento messiânico do Contestado. Fotografia de cêrca de 1910. Museu do Contestado, Caçador, Santa Catarina.

A guerra do contestado (1912-1916)

Mapa. A Guerra do Contestado (1912 a 1916). Legenda: Laranja: Região disputada entre Paraná e Santa Catarina  Laranja com linhas em marrom na horizontal: Região da Guerra do Contestado  Linha horizontal contínua em preto com pequenos traços verticais simétricos dos dois lados: Estrada de ferro entre São Paulo e Porto Alegre. Linha horizontal contínua em cinza: Limites atuais entre os estados brasileiros. A porção sul do território do Brasil aparece em cor verde. Em laranja, região de fronteira disputada entre Paraná e Santa Catarina. Em laranja com linhas em marrom, região da Guerra do Contestado, abrangendo as cidades de Irani, Porto União, Caçador, Videira, Curitibanos, Lages e Campos Novos. Traçado em linha preta das estradas de ferro, ligando as cidades de Uruguaiana, Santa Maria, Porto Alegre, Passo Fundo, Porto União, Ponta Grossa, Itararé e São Paulo.  Na parte inferior esquerda, rosa dos ventos e escala de 0 a 135 quilômetros.

Elaborado com base em dados obtidos em: NOSSA, Leonencio. Os principais embates da guerra. Estadão, São Paulo, 11 fevereiro 2012. Disponível em: https://oeds.link/ozPIqu. Acesso em: 28 fevereiro 2022.

Ícone. Sugestão de site.

MUSEU Paranaense.

Disponível em: https://oeds.link/pp20Uh. Acesso em: 28 fevereiro 2022.

No site do museu, é possível acessar fotografias feitas no Contestado pelo sueco Claro Jansson.

O desenrolar do conflito

A movimentação de camponeses e outros trabalhadores pobres em torno do monge José Maria gerou a desconfiança dos governos estaduais e federal, e essa tensão se converteu em conflito armado em outubro de 1912.

Como parte de suas peregrinações, o monge, acompanhado de um grupo de fiéis, foi até Irani, situada hoje no estado de Santa Catarina. Na época, o município era centro de uma disputa territorial entre Santa Catarina e Paraná. Por isso, as autoridades paranaenses pensaram que os caboclos tinham sido enviados pelo governo de Santa Catarina e iniciaram um ataque ao grupo, que culminou com a morte de José Maria.

A crença de que o monge ressuscitaria levou ao surgimento de “cidades santas”, comandadas por meninas que, segundo se acreditava, tinham visões e recebiam instruções diretamente de José Maria. Inicialmente religioso, o movimento tornou-se político. Os caboclos reivindicavam o direito à terra e à liberdade religiosa.

O Exército enviou cêrca de dois terços de seu efetivo para a região, equipando as tropas com canhões. Pela primeira vez no Brasil foram utilizados aviões com fins bélicos.

Em 1915, o cerco ao movimento intensificou-se. A truculência do Exército, a falta de alimentos e a proliferação de doenças enfraqueceram os rebeldes e provocaram o fim do conflito, em 1916, deixando cêrca de 20 mil mortos, principalmente caboclos pobres.

Parte dos descendentes dos rebeldes do Contestado vive hoje em comunidades no interior do estado de Santa Catarina. Dedicam-se, principalmente, aos cultivos de subsistência e ao trabalho temporário em grandes fazendas ou madeireiras.

Fotografia. Vista parcial de local aberto. Em primeiro plano, em destaque, porteira em madeira, com pórtico onde se lê Cemitério do Contestado. Em segundo plano, gramado cercado por cerca de madeira, contendo lápides e flores. Ao fundo, alguns pinheiros. No alto, céu nublado.
Entrada do Cemitério do Contestado, no município de Irani, em Santa Catarina. Fotografia de 2015. No cemitério, estão enterradas algumas das vítimas do conflito.
O cangaço

Além do messianismo, outra fórma de expressão das tensões sociais no campo, especialmente no Sertão nordestino, foi o cangaço. Esse é o nome dado à ação de bandos armados que, entre os anos de 1870 e 1940, percorriam o Sertão nordestino promovendo assaltos e atacando fazendas e estabelecimentos comerciais. Despertavam medo e exerciam fascínio sobre os camponeses, que se sentiam, de certa fórma, vingados por eles dos desmandos dos grandes proprietários de terras.

O mais conhecido dos cangaceiros foi Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, nascido em Serra Talhada, no estado de Pernambuco. Depois de ingressar no cangaço, Lampião formou seu próprio bando e o liderou por quase vinte anos.

Em 1938, o bando de Lampião foi localizado pela polícia na fazenda Angicos, no sertão do estado de Sergipe. Lampião, sua companheira, Maria Bonita, e mais nove cangaceiros foram mortos e decapitados pela polícia.

O tema do cangaço tem sido objeto de muitas interpretações. Para a socióloga Maria Isaura de Queiroz, o cangaço representava a ação de sertanejos conscientes de sua condição miserável e dispostos a modificá-la. Já o historiador Eric róbisbáum considerava o cangaço um movimento de rebeldia, mas não necessariamente de transformação social.

Fotografia em preto e branco. Em primeiro plano, preenchendo os limites horizontais da imagem, dez pessoas com roupa de cangaceiro, feita em couro, com cartucheiras contendo balas dispostas sobre o peito, chapéus em meia-lua contendo a estrela de Salomão e espingardas apoiadas no chão. Apenas uma mulher usa um traje militar mais claro, vestido e chapéu. Ao fundo e no alto, vegetação com galhos finos e folhas pequenas.
Lampião e seus companheiros. Da esquerda para a direita: Vila Nova, cangaceiro desconhecido, Luís Pedro, Amoroso, Lampião, Cacheado, Maria Bonita, Juriti, cangaceiro desconhecido e Quinta-Feira. Fotografia de Benjamin Abrahão, 1936.
Ícone. Sugestão de vídeo.

FEMININO cangaço. Direção: Lucas Viana; Manoel Neto. Brasil. Duração: 75 minutos. O documentário aborda a vida das mulheres cangaceiras, que romperam com diversas barreiras de sua época.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

  1. A queda da Monarquia e o estabelecimento da República no Brasil resultaram de um conjunto de transformações. Sobre isso, responda:
    1. Por que os militares estavam insatisfeitos com o governo imperial?
    2. Que motivos geraram o afastamento entre a Igreja católica e a Monarquia, fato que ficou conhecido como Questão Religiosa?
    3. Os cafeicultores do Oeste Paulista defendiam a implantação da República e do federalismo no país. De que fórma eles seriam beneficiados com tais mudanças?
    4. Com a abolição da escravidão, em 1888, muitos fazendeiros de café do Vale do Paraíba, tradicionalmente aliados do imperador, passaram a apoiar o movimento republicano. Por quê?
  2. As expressões a seguir são usadas para definir as características do sistema de poder da Primeira República. Explique o significado de cada uma delas.
    1. República Oligárquica
    2. Política dos Governadores
    3. Política do café com leite
    4. Coronelismo
  3. Leia o trecho a seguir, de um livro do historiador José Murilo de Carvalho.

O povo assistiu bestializado à proclamação da República, segundo Aristides Lobo.

reticências

O povo sabia que o formal não era sério. Não havia caminhos de participação, a República não era para valer. Nessa perspectiva o bestializado era quem levasse a política a sério, era o que se prestasse à manipulação. reticências Quem apenas assistia, como fazia o povo do Rio por ocasião das grandes transformações realizadas a sua revelia, estava longe de ser bestializado. Era bilontraglossário .

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 4. EditoraSão Paulo: Companhia das Letras, 2019. página 140.

  1. O autor do texto afirma que “a república não era para valer”. Explique o que ele quer dizer com isso.
  2. Por que o autor considera “bilontra” quem não levava a sério a política?
  3. O autor do texto e o jornalista Aristides Lobo têm a mesma opinião sobre a postura da população da cidade do Rio de Janeiro frente às transformações que ocorriam naquela época? Explique.
  1. Faça um texto comparando os movimentos de Canudos e do Contestado. Indique o local e a época de cada movimento, as motivações, os líderes, os grupos envolvidos e o desfecho de cada um deles.
  2. Sob orientação do professor, reúna-se com um colega. Observem com atenção a charge a seguir e leiam a legenda. Depois, respondam às questões no caderno.
Charge. Vista parcial de local aberto, com morros e árvores ao fundo. Em primeiro plano, três personagens. À esquerda, uma mulher de cabelos curtos pretos, de vestido até os joelhos e gorro amarelo sobre a cabeça. Com a mão direita, ela aponta na direção de um vaso redondo colocado sobre uma base quadrada, à sua frente. À direita, também próximo ao vaso, um homem visto de lado, com óculos de grau, chapéu e casaca cinza. Em suas costas, está escrita a palavra Político. À direita deste homem e puxado por ele por um cabresto, há um outro homem com cabeça de jumento, paletó e calça amarela. No braço deste segundo homem está escrita a palavra Eleitor.
STORNI, Alfredo. As próximas eleiçõesreticências “de cabresto”. 1927. Charge publicada na revista Careta, em 19 de fevereiro de 1927. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
  1. Que aspecto da política brasileira do início do século vinte o artista procurou representar na charge?
  2. Escrevam um texto para identificar e explicar a crítica que o artista da charge pretendeu fazer ao eleitor e aos políticos daquele período.

CAPÍTULO 2 INDUSTRIALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Ao longo do século dezenove, a produção de café gerou muito lucro. A partir da década de 1880, muitos cafeicultores passaram a aplicar capital em outros setores, alguns deles em parceria com o Estado e com investidores estrangeiros, como os de ferrovias, portos, companhias de navegação, estradas e produção de energia elétrica. Dessa fórma, foi desenvolvida a infraestrutura para o escoamento do café. Com as ferrovias no Brasil, a circulação de pessoas em diversas cidades do interior aumentou, assim como seu comércio e serviços, enquanto novas cidades começaram a surgir em torno das linhas de trem.

A necessidade de crédito para financiar os serviços de transporte, distribuição e venda do produto no exterior estimulou ainda a expansão de bancos e de casas de exportação nas cidades das regiões produtoras. Por outro lado, o capital gerado pela economia cafeeira possibilitou o investimento na atividade industrial. Não por acaso, as principais regiões produtoras de café, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, também lideraram a expansão industrial.

Fotografia em preto e branco. Ocupando a maior parte da fotografia, um grande navio com mastros, atracado. Homens com grandes sacos nas costas sobem no navio por uma escada. Os homens usam blusa e calça clara. À direita, perto da embarcação, dois homens caminham para à direita. À esquerda, em primeiro plano, outros dois homens olham para frente. No alto, céu claro.
Embarque de café no porto de Santos. Fotografia de márc ferrês, cêrca de 1902. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

Os imigrantes

As cidades cresciam e as atividades urbanas demandavam mão de obra: operários para trabalhar nas fábricas; profissionais para trabalhar na construção civil; no comércio e na prestação de serviços. Muitas pessoas se deslocaram para os centros urbanos em busca de novas oportunidades. Grande parte delas era imigrante.

Entre 1887 e 1930, cêrca de 3,8 milhões de estrangeiros se estabeleceram no Brasil. Em sua maioria, eram italianos, espanhóis, alemães, portugueses, sírios, libaneses e japoneses. Alguns deles, principalmente alemães e italianos, se instalaram no Sul do Brasil, onde se dedicaram ao cultivo de pequenas lavouras e à criação de animais.

A maioria dos imigrantes dirigiu-se às regiões cafeeiras dos atuais estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas, descontentes com a condição de pobreza e exploração nas lavouras, muitos seguiram para as cidades, onde tentaram se estabelecer trabalhando no comércio ou nas indústrias que surgiam.

Imigrantes nas cidades

Alguns imigrantes se deslocaram de seu país de origem para as cidades brasileiras em crescimento na condição de empresários, comerciantes e profissionais liberais. Geralmente trabalhavam como técnicos e administradores de empresas ou investiam capital em negócios.

No estado de São Paulo, por exemplo, no ano de 1920, quase 65% das empresas pertenciam a estrangeiros.

Fotografia em preto e branco. Vista parcial de local aberto. Em primeiro plano, parte superior de embarcação, com dezenas de homens em pé, agrupados à esquerda e ao fundo, na ponta do convés. Todos observam algo à esquerda da embarcação, e que não aparece na fotografia. Em segundo plano, à esquerda, região portuária, com embarcações liberando fumaça pela chaminé e alguns morros. À direita, o mar. No alto, céu claro.
Navio com imigrantes atracando no porto de Santos, no final do século dezenove. Fundação Energia e Saneamento, São Paulo.

As reformas urbanas

Nos primeiros anos da República, a urbanização nas cidades próximas aos grandes centros econômicos cafeeiros na região Sudeste acelerou-se. Mas não aconteceu acompanhada de um planejamento público de uso e ocupação do solo, articulado com os sistemas de transporte e saneamento.

O crescimento desordenado de algumas cidades brasileiras contribuiu para que a população ocupasse moradias com condições precárias de higiene e conforto e que facilitavam a proliferação de epidemias. Em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, que se configuravam como grandes centros urbanos, a população pobre passou a morar em cortiços nas áreas centrais, que chegavam a abrigar muitas famílias em uma mesma construção.

No Rio de Janeiro, no início do século vinte, as chamadas reformas urbanas foram iniciadas pela prefeitura da cidade, com o apoio do governo federal, para promover a renovação e a modernização da cidade, servindo como modelo para o restante do país. Casas e cortiços foram demolidos para a abertura de avenidas, o calçamento foi reformado, jardins e praças foram construídos. As reformas resultaram na expulsão da população pobre que morava no centro ou nas redondezas.

São Paulo, onde os recursos gerados pela economia cafeeira possibilitaram o investimento na reurbanização da cidade, foi dividida em bairros nobres, na parte alta, e em bairros operários, longe das áreas centrais, próximos à várzea dos rios, às fábricas e às linhas de trem.

Esse modelo de reurbanização foi, em geral, o seguido pelas demais capitais brasileiras da época. Ele expulsa as camadas populares dos centros das cidades, afastando-as para áreas cada vez mais distantes e periféricas, onde os serviços públicos praticamente não existem.

Fotografia em preto em branco. Vista elevada e parcial de local aberto. Em primeiro plano, uma avenida larga, com duas fileiras de árvores que delimitam os espaços entre as faixas e a calçada. Nela passam alguns carros, um bonde e poucas pessoas. À esquerda, há um cruzamento com outra avenida, que delimita toda a parte esquerda da fotografia. Em segundo plano, há prédios de dois e três pavimentos com janelas e toldos nas portas de entrada. Em terceiro plano, muitas construções e um morro à direita da imagem. Ao fundo, morros. No alto, céu claro.
Vista da avenida Affonso Pena, em Belo Horizonte, em Minas Gerais. Fotografia de cêrca de 1910-1930. Inaugurada em 1897, a cidade foi construída com forte influência das reformas urbanísticas promovidas nas principais cidades europeias. Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte.
Ícone. Ilustração de um círculo de quatro cores, montado como um quebra-cabeça, sobre uma mão, indicando a seção Integrar conhecimentos.

Integrar conhecimentos

História e Geografia

As reformas urbanas no Rio de Janeiro e em Salvador

Entre 1902 e 1906, a cidade do Rio de Janeiro passou por seguidas reformas na gestão do prefeito Pereira Passos, para reestruturar sua aparência nos moldes da urbanização europeia e acabar com surtos de doenças como a febre amarela. Como os investimentos públicos se restringiram às regiões central e portuária, a oferta de serviços básicos – como saneamento, iluminação e transportes – tornou-se desigual, criando áreas diferenciadas pela cidade.

Antes das reformas, as regiões central e urbana, áreas com melhor oferta de emprego nas fábricas, no porto e no comércio urbano, eram o destino preferencial das populações rurais e estrangeiras que chegavam à cidade. Com a substituição dos antigos cortiços por novas moradias e a abertura de avenidas modernas, o preço dos terrenos e dos aluguéis no centro subiu, o que expulsou a população mais pobre para os morros ou para o longínquo subúrbio.

No subúrbio, a ocupação acompanhou as linhas férreas. As ferrovias compensavam a grande distância até o centro, percorridas diariamente até os locais de trabalho. A outra opção era morar nos morros próximos ao centro. Nesses locais, os moradores ficavam livres do aluguel. As favelas, que existiam desde fins do século dezenove, cresceram após as reformas em virtude do aumento do custo de vida no centro da cidade e das medidas elitistas da prefeitura.

Entre 1890 e 1920, a população da cidade mais que dobrou. O fator decisivo para essa mudança foi a chegada de migrantes nacionais e estrangeiros à cidade. Observe no gráfico a seguir como essa população acabou distribuída de fórma desigual pela cidade.

Gráfico de barras. 
Legenda: a cor verde representa o subúrbio, a cor amarela representa a região urbana e a cor vermelha o centro. 
O eixo horizontal conta com a marcação dos anos de 1890, 1906 e 1920. O eixo vertical conta com o número de habitantes correspondentes a cada ano e para cada região da cidade do Rio de Janeiro. 
O gráfico mostra que em 1890 havia 92.906 pessoas no Subúrbio, 305.562 pessoas na Região urbana e 124.183 pessoas no Centro. Em 1906, havia 183.402 pessoas no Subúrbio, 508.168 pessoas na Região urbana e 119.873 no Centro. Em 1920, havia 356.776 pessoas no Subúrbio, 701.904 pessoas na Região urbana e 99.193 no Centro.
O gráfico mostra que, ao longo dos anos indicados, a população do Subúrbio e da Região urbana cresceu, enquanto a população do Centro diminuiu. As barras verde e amarela crescem ao longo do tempo, enquanto a vermelha diminui.
Fotografia em preto e branco. Vista parcial de área urbana. Ao centro, rua larga com calçada à esquerda e à direita. Na calçada à esquerda, há postes de iluminação e jardim. Ao fundo, à direita, um prédio com três pavimentos e telhado trapezoidal atrás de uma árvore. Ao fundo, à esquerda, há destaque para uma edificação larga com três pavimentos e uma abóbada sobre a qual há uma estátua de ave com longas asas abertas. Na entrada desse edifício, há uma escada e uma série de colunas erguidas do chão ao teto e muitas janelas na vertical. No segundo andar, há um amplo balcão. Ao fundo, na extensão da rua, outras construções. No alto, céu claro.
Teatro Municipal na cidade do Rio de Janeiro. Fotografia de Marc Ferrês, cêrca de 1910. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

Salvador foi a primeira capital do Brasil, permanecendo nessa condição até 1763, quando o Rio de Janeiro se tornou a nova capital. Em Salvador, as reformas urbanas promovidas pelo prefeito José Joaquim Seabra, entre 1912 e 1916, também causaram grande impacto na vida da população pobre e trabalhadora que ocupava a região central.

O modelo de urbanização inspirado no estilo monumental em moda na Europa procurava romper com o passado colonial escravista, conferindo à cidade um novo ar, “moderno” e “civilizado”. O projeto de urbanização foi acompanhado do ideal de higienização e de contrôle de doenças e epidemias que se tornaram uma preocupação dos poderes públicos no início do século vinte.

As antigas casas e cortiços que abrigavam inúmeras famílias em condições precárias de higiene e conforto, focos de doenças e epidemias, precisariam, segundo essa visão, ser derrubadas para dar lugar a largas avenidas, prédios modernos, ruas projetadas que permitissem a circulação de meios de transporte e a instalação de comércio. A população pobre, composta fundamentalmente de negros e ex-escravizados, por sua vez, precisaria ser afastada da região central para que esta se tornasse vitrine da cidade moderna e higiênica.

Fotografia em preto e branco. Vista parcial de local aberto. Ao centro, rua larga vista em sua extensão. Ao longo da rua, existem trilhos de bonde e postes de eletrificação. Delimitando as laterais da rua, à esquerda e à direita, calçadas e prédios de dois a três pavimentos, com muitas janelas. Poucas pessoas passam na rua. Ao fundo e no alto, céu claro.
Rua da Cidade Baixa, em Salvador, na Bahia. Fotografia de Pedro Gonsalves da Silva, entre 1912 e 1914. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
  1. Analise o gráfico relacionado ao processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro. Identifique as principais transformações na configuração urbana que ocorreram entre 1890 e 1920.
  2. Por que as populações pobres que viviam no centro das cidades do Rio de Janeiro e de Salvador, no início do século vinte, eram vistas como empecilhos para a concretização dos projetos de modernização e urbanização promovidos nesse período?
  3. Atualmente, no município onde você mora, que providências a prefeitura toma para melhorar a qualidade de vida nos bairros? Todos os moradores são beneficiados? Você concorda com essas providências? Se você fosse prefeito, que decisões tomaria? Justifique.
Cidadania e Civismo.

A luta pela cidadania

Nas primeiras décadas do período republicano no Brasil, a participação política dos cidadãos comuns era bastante restrita. A maioria da população, por ser analfabeta, não votava, poucos conseguiam fazer valer os seus direitos e o poder político se concentrava nas mãos de uma pequena elite.

Dessa fórma, eclodiram nesse período várias manifestações contra as arbitrariedades existentes na sociedade e lutas pela cidadania. Algumas revoltas ocorridas entre 1904 e 1910 podem ser consideradas símbolos dos protestos populares contra a opressão do Estado e das elites.

A Revolta da Vacina

A política de remodelamento e modernização da capital federal era acompanhada de campanhas de higienização e erradicação de doenças como febre amarela, varíola e peste bubônica.

Em 1903, o médico sanitarista Oswaldo Cruz, diretor-geral de Saúde Pública, criou brigadas sanitárias para eliminar o mosquito transmissor da febre amarela. No ano seguinte, foi aprovada a lei que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola.

Contudo, a população não recebeu orientações sobre o assunto, e muitos não se conformavam com a obrigatoriedade da vacina. Assim, explodiu uma rebelião popular, que ficou conhecida como Revolta da Vacina.

Durante vários dias, a população enfrentou nas ruas as fôrças policiais e as tropas do Exército e da Marinha. Em 16 de novembro de 1904, a lei da vacinação obrigatória foi revogada, e o movimento refluiu até desaparecer completamente. A revolta deixou um saldo de trinta mortos e quase mil presos, dos quais 461 foram deportados para o estado do Acre.

Caricatura. Homem de cabelos pretos agrisalhados, bigode preto, vestido com paletó preto e gravata vermelha. Segura um chapéu e uma coroa de folhas de louro na mão direita. Na mão esquerda, ele traz uma grande seringa apoiada ao solo, que faz as vezes de uma muleta. Próximo ao seu pé direito há um rato. O fundo da imagem é amarelo. Na lateral da caricatura, em letras pequenas, está escrito O Dr. Oswaldo e a Seringa.
Caricatura de Oswaldo Cruz, de Bambino, década de 1910. Coleção particular.

Ler a charge

• Essa imagem é uma crítica ou um elogio ao trabalho de Oswaldo Cruz? Justifique sua resposta com elementos da imagem.

Ícone. Sugestão de site.

REVOLTA da Vacina. Disponível em: https://oeds.link/EE3qt2. Acesso em: 28 fevereiro 2022. Site ligado ao Ministério da Saúde. Apresenta diversas informações sobre a Revolta da Vacina.

Clique no play e acompanhe a reprodução do Áudio.

Transcrição do áudio

[LOCUTOR]: A Revolta da Chibata

 

[LOCUTORA]:

Na noite de 22 de novembro de 1910, um grupo de mais de mil marinheiros rendeu os próprios comandantes em dois navios de guerra que estavam ancorados na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Dava-se início à Revolta da Chibata, um protesto dos marinheiros contra as más condições em que viviam nas embarcações e, principalmente, contra os castigos físicos a que eram submetidos com regularidade.

 

As punições traziam à memória dos agredidos cenas que remetiam aos horrores da escravidão, e eles sabiam que aquela herança da Marinha portuguesa não era correta, até porque alguns haviam convivido por um tempo com marinheiros ingleses, grupo bastante organizado que condenava a prática dos castigos da chibata.

 

O principal nome da liderança dos rebeldes foi João Cândido, que ficou conhecido como Almirante Negro. “Almirante” é a patente de quem comanda a Marinha, e o apelido remete à moral que o líder tinha entre os marujos. Durante o movimento, ele conduziu o encouraçado Minas Gerais, o maior navio de guerra brasileiro.

 

A revolta durou cinco dias, até que o governo aceitasse as reivindicações dos rebeldes. Porém, dois dias depois, o acordo foi traído, eles acabaram presos e muitos foram expulsos da Marinha.

 

A seguir, ouviremos um trecho do depoimento de João Cândido concedido ao Museu da Imagem e do Som, o MIS, de São Paulo, em 1968.

 

[VINHETA]

 

[MIS]:

Se o senhor era tratado bem, se o senhor tinha uma condição de liderança, o que lhe levou a estruturar aquela revolta de 1910?

 

[JOÃO CÂNDIDO]:

É porque eu era marinheiro que tinha gozado de uma certa regalia com os oficiais, e a marujada me obedecia muito porque eu sempre a voz exercia uma função de mando. Eu exercia uma função de um oficial, uma função de mando, e os demais marinheiros sempre queriam estar junto a mim e essas coisas. E havia oficiais mesmo que tinham contato direto comigo. Havia oficiais sérios mesmo que queriam saber, oficiais que até pediam instrução. E daí...

 

[MIS]:

O senhor era benquisto, portanto, pelos oficiais?

 

[JOÃO CÂNDIDO]:

Pelos oficiais, por alguns. Pelos oficiais e pela marujada. E os oficiais por mim. Daí fui nascendo, fui crescendo, fui crescendo, fui crescendo, fui crescendo, até que o milho deu a espiga – deu a espiga desejada. Os marinheiros gozavam: João Cândido para aqui, João Cândido para ali, essas coisas. O senhor vai encontrar talvez aí nalgum desses livros manifestações aqui no Largo do... do Paço. Uma velha que pedia esmolas e ninguém tinha dinheiro. E eu tinha 5 mil réis no bolso e larguei na mão da velha na ocasião em que vinha chegando o meu comandante, Alexandrino de Alencar. Era o comandante do Riachuelo. Então aquilo para mim e para os demais marinheiros, aquilo foi um alento. Mandou formar a tripulação ele mesmo, fizeram um grande elogio e outras coisas. Aquilo pra mim foi um alento. Fui indo, fui tomando... era da Marinha, andando pelo mundo, tendo contato com outros povos. Muito viajado, por todos os países da Europa...

 

[MIS]:

E essa espiga de milho, quando é que nasceu o primeiro grãozinho? O que levou a produzir a espiga de milho?

 

[JOÃO CÂNDIDO]:

O primeiro grãozinho foi que... foi na organização dos comitês já com o título de comitês revolucionários.

 

[MIS]:

Quem organizou?

 

[JOÃO CÂNDIDO]:

E a intenção era aquela. Era, logo que tivéssemos o elemento essencial para impormos às autoridades, a revolta teria que vir.

 

[MIS]:

Mas quem organizou esses comitês?

 

[JOÃO CÂNDIDO]:

Os marinheiros. Eu era, eu era um dos chefes. Os marinheiros da época.

 

[MIS]:

Quais eram os outros chefes?

 

[JOÃO CÂNDIDO]:

Os outros, por exemplo, Dias Martins. Dias Martins que comandou mais tarde o cruzador Bahia, Gregório do Nascimento, que mais tarde comandou o encouraçado de São Paulo, André Avelino que comandou o encouraçado Deodoro. Todos esses marinheiros, eles congregaram os marinheiros dos navios em que eles serviam de outras repartições.

 

[MIS]:

Mas essa ideia de congregar marinheiros nesses comitês nasceu de onde e por quê?

 

[JOÃO CÂNDIDO]:

Dos próprios marinheiros.

 

[MIS]:

Pelo processo de chibata?

 

[JOÃO CÂNDIDO]:

Para combater os maus tratos e as más alimentações da Marinha. Para acabar definitivamente com a chibata na Marinha. O causo era este. Nós que vínhamos da Europa, em contato com outras marinhas, não podíamos mais admitir que na Marinha do Brasil ainda o homem tirasse a camisa para ser chibateado por outro homem.

 

[VINHETA]

A Revolta da Chibata

Em 1910, uma revolta de marinheiros, em sua maioria negros, marcou o início da República, exigindo o fim dos castigos físicos que eram aplicados pelos oficiais na Marinha brasileira.

Nas fôrças Armadas, principalmente na Marinha, os cargos oficiais eram ocupados por membros das camadas mais ricas da sociedade. A maioria dos marinheiros, por sua vez, era composta de negros e de famílias pobres. Para os oficiais, a disciplina só podia ser mantida com a mesma violência praticada no período escravista, apesar de a escravidão ter sido abolida há 22 anos, em 1888.

Liderada pelo marinheiro João Cândido, filho de um ex-escravizado, que ficou então conhecido como Almirante Negro, a revolta contra os castigos se iniciou no encouraçado Minas Gerais e se espalhou por outros navios de guerra. Inicialmente, o presidente Hermes da Fonseca cedeu às exigências dos marinheiros, prometendo anistiar os amotinados. Contudo, após a rendição, o governo prendeu e expulsou vários marinheiros da corporação.

A carta dos marinheiros

Durante o movimento, os líderes da Revolta da Chibata enviaram ao presidente Hermes da Fonseca uma carta, em que faziam suas reivindicações. Leia um trecho a seguir.

reticências retirar os oficiais incompetentes e indignos de servir a Nação Brasileira. Reformar o Código Imoral e Vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bologlossário , e outros castigos semelhantes; aumentar o soldoglossário reticências, educar os marinheiros que não têm competência para vestir a orgulhosa farda reticências.

MARTINS, Francisco Dias. Carta redigida durante a Revolta da Chibata. gepetéc. Rio de Janeiro, [2003]. Disponível em: https://oeds.link/Fzkr7V Acesso em: 22 março 2022.

Fotografia em preto e branco. Vista parcial em local aberto. Ocupando toda a extensão horizontal da imagem, dezenas de homens negros, trajados com roupa de marinheiro, seguram vasilhas e panelas vazias. Ao solo, no convés do navio, há algumas vasilhas junto aos pés dos marinheiros. Um deles segura um cartaz com os dizeres Viva a Liberdade. Ao fundo, à esquerda, na parte mais alta do navio, outros marinheiros observam a cena.
Marujos que participaram da Revolta da Chibata, a bordo de um navio no Rio de Janeiro. Fotografia de 1910.
A organização dos movimentos negros no pós-abolição

A fase que se iniciou após a abolição da escravidão e a consolidação do regime republicano foi bastante difícil para a população pobre e principalmente para os negros. O projeto popular e democrático que havia sido pensado por ativistas negros na luta pelo fim do regime escravista foi sufocado pelas elites conservadoras. Os grupos abolicionistas mais comprometidos com as questões que envolviam a cidadania da população negra propunham mudanças radicais, como reforma agrária, reforma eleitoral, acesso à educação e à saúde pública, emprego e salários dignos, entre outros direitos que permitiriam a inserção igualitária dos ex-escravizados na sociedade. No entanto, os interesses e privilégios das elites foram preservados, sem mudanças que ameaçassem a propriedade ou o poder político e econômico desses grupos.

Em diversas regiões do país foram organizadas associações de pessoas negras que buscavam fazer frente às práticas racistas e às desigualdades sociais. Esses núcleos contribuíram para as experiências de organização e luta da população negra e a difusão de ideias de pensadores negros que buscavam alternativas para a construção de uma sociedade menos desigual. Nesse período, foram fundados diversos jornais independentes que compunham a chamada imprensa negra e que tiveram papel importante no desenvolvimento das lutas por democracia, igualdade econômica e social e participação da população afro-brasileira na vida política do país.

A imprensa negra contribuiu ainda no processo de consolidação dos movimentos negros contemporâneos e na construção de identidades das comunidades afrodescendentes.

Primeira página de jornal, em preto e branco. Na parte superior, em letras garrafais está escrito o nome do periódico: A Liberdade. Logo abaixo, no cabeçalho, o local e data de publicação: São Paulo, 14 de Julho de 1919. Trata-se do primeiro número do jornal. Na parte inferior, há três colunas na vertical com textos. À esquerda, está um artigo com o titulo A Liberdade e, à direita, um poema com título Alma morta.
Primeira página do periódico da imprensa negra A liberdade, de 14 de julho de 1919. O jornal circulou na cidade de São Paulo entre 1919 e 1920 e trazia em seu subtítulo: “Órgão dedicado à classe de cor, crítico, literário e noticioso”. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
Ícone. Sugestão de livro.

PETTA, Nicolina Luiza de. A fábrica e a cidade até 1930. São Paulo: Atual, 2009. A vida urbana no Brasil do começo do século vinte e o cotidiano dos operários nas fábricas são os temas abordados neste livro.

Ícone. Ilustração de três pessoas e dois balões de fala indicando a seção Em debate.

Em debate

Multiculturalismo

A inserção dos ex-escravizados na sociedade brasileira após a abolição

É consenso entre os historiadores que o Estado brasileiro não se responsabilizou pelo destino dos ex-escravizados após a abolição. Contudo, as estratégias dos ex-escravizados para obterem meios de ganhar a vida é motivo de debate. Até o início da década de 2000, a maior parte dos pesquisadores do tema acreditava que a quase totalidade dessas pessoas teria migrado para as cidades.

Leia o artigo a seguir e depois discuta com um colega as questões propostas. Registre as suas conclusões no caderno.

Mas havia os que migraram imediatamente para as cidades e mesmo para outras fazendas. reticências [Podia ser] uma nova fazenda ou sítio, nos quais os indivíduos construíam suas casas de pau a pique, e vinculavam-se ao proprietário ou arrendatário da terra por um contrato, cujo pagamento convertia-se em gêneros alimentícios ou em moeda reticências.

As famílias que permaneceram [onde eram escravizadas antes da abolição] vincularam-se ao trabalho mediante contratos baseados no costume reticências. Nesses sistemas, eles tocavam o gado, abriam roçados, plantavam as sementes, colhiam os frutos e cuidavam das dependências da fazenda, mesmo que para isso ganhassem, nos casos de extrema exploração, somente um litro de banha pela tarefa executada reticências. Aqueles que tinham o direito a pequenas lavouras plantavam para complementar a alimentação familiar e, em certas condições, poderiam até melhorar a qualidade de vida e ascender socialmente. reticências

Como podemos ver, a complexidade dos destinos dos libertos mostra um lado enriquecedor da História quando comparada àquela, já bastante criticada reticências, que defende que os negros migraram em massa para as cidades, moravam nas favelas, as mulheres prostituíam-se e os homens tornavam-se marginais. Algumas coletâneas, por exemplo, reúnem outras fórmas de investigar os libertos e seus descendentes no pós-abolição, revelando as experiências de trabalho urbano desses homens, mulheres e crianças nas áreas mais diversas, como a indústria, o trabalho doméstico, os esportes, a música, o teatro, a imprensa, a escola, as fôrças Armadas, a construção de ferrovias e as profissões liberais.

NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. “Sou escravo de oficiais da Marinha”: a grande revolta da marujada negra por direitos no período pós-abolição (Rio de Janeiro, 1880-1910). Revista Brasileira de História, São Paulo, volume 36, número 72, agosto 2016. Disponível em: https://oeds.link/7LSQyR. Acesso em: 25 abril 2022.

  1. Além da migração para as cidades, que outras soluções para ganhar a vida os ex-escravizados encontraram?
  2. Quais eram as condições de trabalho dos libertos que permaneceram nas fazendas após a abolição da escravidão?
  3. Que visão sobre a inserção dos ex-escravizados nas atividades urbanas é criticada pelo autor do texto?

Trabalhadores e trabalhadoras se organizam

A expansão urbana e do setor industrial resultou no crescimento do operariado no país. Em 1880, o Brasil possuía 54 mil trabalhadores nas indústrias. Em 1920, esse número havia ultrapassado a marca de 200 mil operários.

As condições de trabalho dos operários na nascente indústria brasileira eram péssimas. As jornadas de trabalho variavam entre 14 e 16 horas diárias, não havia cobertura médica nem indenização por acidente dos trabalhadores nas fábricas. Além disso, não havia direito a férias remuneradas, salário mínimo, licença-maternidade e proibição ao trabalho infantil.

Os melhores salários eram pagos aos trabalhadores mais qualificados. No setor metalúrgico, por exemplo, fundidores, caldeireiros e mecânicos eram mais bem pagos. As mulheres e as crianças, por sua vez, trabalhavam principalmente no setor têxtil. Em 1920, a participação das mulheres nas indústrias de tecidos chegava a 58% do total de empregados no setor.

Grande parte dos operários das indústrias brasileiras era imigrante, com predomínio de italianos, espanhóis e portugueses. Foi por intermédio desses estrangeiros que as ideias socialistas, comunistas e anarquistas se difundiram no ambiente fabril e nos bairros operários.

Nas primeiras duas décadas do século vinte, a influência anarquista foi predominante no meio operário brasileiro. Uma de suas principais correntes era o anarcossindicalismo, que propunha o engajamento dos militantes nos sindicatos, vistos como instrumentos de luta por melhores condições de trabalho e de organização dos trabalhadores para a construção de uma revolução social.

Fotografia em preto e branco. Vista parcial de um vasto salão com máquinas de tear e tanques de lavar tecido, com grandes janelas gradeadas ao fundo. Em primeiro plano, quatro mulheres trabalham, sendo que duas operam uma máquina de tear, a outra as observa trabalhando e, uma outra, está sentada e costura um objeto à mão. Em segundo plano, alguns homens e mulheres em pé trabalham.
Operárias da Tecelagem Mariângela, das Indústrias Reunidas F. Matarazzo, na cidade de São Paulo. Fotografia da década de 1920. As fábricas têxteis empregavam um grande número de crianças e mulheres, as quais recebiam salários mais baixos que os dos homens adultos que desempenhavam a mesma função.
A greve geral de 1917

Os métodos de luta dos anarquistas eram o boicote, a sabotagem e, sobretudo, a greve, vista como estratégia fundamental na conquista de direitos.

Em julho de 1917, uma greve geral paralisou por três dias a cidade de São Paulo. Atividades industriais, comerciais, dos setores de serviços e de transportes foram interrompidas. A fim de agrupar as várias categorias em greve e intermediar as negociações com empresários e o governo, anarquistas, apoiados por socialistas, formaram o Comitê de Defesa Proletária. Dentre os militantes que se destacaram na coordenação do movimento, cabe ressaltar a presença de mulheres anarquistas do Centro Feminino de Jovens Idealistas, em especial de Rosa Musitano e Maria Angelina Soares, que era secretária da Liga Operária da Mooca.

Com a ajuda de uma Comissão de Imprensa, um acordo foi assinado entre grevistas, empresários e representantes do governo. Entre as conquistas dos trabalhadores, constavam aumento de 20% sobre os salários, o direito de associação dos operários e a não demissão de grevistas. Depois de cessada a greve, contudo, o acordo não foi cumprido por grande parte dos industriais, e nos meses seguintes líderes anarquistas foram presos e deportados.

Fotografia em preto e branco. Vista parcial de uma rua em declive, cercada de prédios baixos, de até três pavimentos. Em destaque, uma multidão caminha e ocupa toda a extensão da rua. Duas pessoas carregam duas bandeiras pretas. Em primeiro plano, nota-se que a maioria é formada de homens, mas há poucos adolescentes e algumas crianças. No canto esquerdo da imagem, sobre uma plataforma, duas crianças e alguns homens observam o movimento da rua.
Passeata de operários em greve, descendo a Ladeira do Carmo a caminho do bairro do Brás, em São Paulo. Fotografia publicada na revista A Cigarra, em 26 de julho de 1917. Arquivo Público do Estado de São Paulo, São Paulo.

Greves em 1907 e 1912

Em São Paulo, nos anos de 1907 e 1912, sob influência anarquista, várias categorias deflagraram greves por aumento salarial e pela implantação da jornada de trabalho de oito horas diárias. Em 1907, alguns trabalhadores da construção civil, de gráficas e de indústrias de sapatos conquistaram essa jornada. Em 1912, os operários da fábrica de calçados Clark conseguiram reduzir sua jornada diária para oito horas e meia.

Ícone. Sugestão de livro.

GATTAI, Zelia. Anarquistas, graças a Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Este livro conta a trajetória de uma família de imigrantes italianos e anarquistas e sua adaptação no Brasil do começo do século vinte.

O Modernismo

O período entre o final do século dezenove e início do século vinte foi caracterizado por uma grande efervescência cultural na Europa. A ideia de que se vivia em uma época nova, marcada pelos avanços tecnológicos, despertava debates.

Alguns artistas brasileiros entraram em contato com essas discussões. De suas reflexões e produções artísticas surgiu o movimento conhecido como Modernismo, que rompeu com valores e padrões estéticos.

O movimento deve ser compreendido no contexto em que surgiu. A nova elite brasileira que ascendeu com a riqueza gerada pelo café e pelas indústrias desejava conquistar também a hegemonia no campo das ideias e da cultura. Opondo-se à antiga elite do país, que valorizava exclusivamente a cultura europeia tradicional, a nova elite passou a estimular a produção dos artistas modernistas.

Uma nova identidade cultural

O ambiente cultural, literário e artístico efervescente do início do século vinte e a Primeira Guerra Mundial colaboraram para que se produzisse uma “desilusão em relação à Europa” e uma valorização das raízes locais.

Foi nesse contexto, no início da década de 1920, que o Modernismo surgiu no Brasil. Os artistas e intelectuais que participaram desse movimento, principalmente paulistanos, queriam criar uma nova cultura nacional, conectada com as grandes transformações da civilização industrial.

A Semana de 1922

O movimento modernista atingiu o seu ápice com a Semana de Arte Moderna de 1922, realizada no Theatro Municipal de São Paulo. O evento reuniu artistas como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Mário de Andrade, osváld de Andrade, vitor brêchêrê e Heitor Villa-Lobos.

A Semana de 1922 foi programada para comemorar o primeiro centenário da independência do Brasil. Mas, na realidade, a intenção dos artistas era proclamar a segunda independência, dessa vez cultural e moderna. Eles propunham a ruptura com o tradicionalismo e a visão colonialista, por meio da apropriação de diversas influências culturais e da valorização da cultura popular.

Capa de catálogo. Na parte superior, há uma ilustração em preto e branco sobre papel amarelado representando uma estátua de corpo feminino nu, com cabeça para baixo, sobre uma plataforma quadrada onde se lê as iniciais D C. Ao fundo, partes em preto e branco de formas diversas, sendo que algumas delas lembram folhas, e outras lembram corpos de pessoas. Os traços e as formas não pretendem apresentar as figuras com realismo; trata-se da arte modernista, que distorce as formas para obter impactos diversos sobre o observador. Na parte inferior da capa do catálogo está escrito, em vermelho e preto: SEMANA DE ARTE MODERNA – CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO. SÃO PAULO 1922.
Capa produzida pelo pintor Di Cavalcanti para o catálogo da exposição da Semana de Arte Moderna de 1922. Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, São Paulo. As inovações artísticas apresentadas não agradaram ao público; apesar disso, a arte moderna foi consagrada como uma das mais importantes manifestações culturais do período.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

  1. Qual é a relação entre a urbanização e a industrialização no Brasil?
  2. Como as reformas urbanas nas capitais brasileiras impactaram a vida da população pobre no início do século vinte?
  3. Leia a seguir um trecho de artigo publicado em 1927 no jornal Clarim d’Alvorada, que circulou na cidade de São Paulo e constituiu a imprensa negra do início do século vinte.

Trabalhemos para que vejamos alto a nossa classe. Unamo-nos, esforcemo-nos, estudemos, para o melhorio da raça negra. Ela necessita de um hospital para o amparo dos nossos patrícios inválidos, necessitamos de Jornais, como já temos o Clarim d’Alvorada, pequeno na verdade, no entanto, essa pequenez toma vulto de gigante, pois grande, soberbo, é o ideal pelo qual ele se bate. reticências A União, – si unirmos, dentro de poucos anos seremos outros, teremos tudo quanto almejamos, como sejam, Hospitais, Jornais, Caixas beneficentes, etcétera etcétera

Portanto, unamo-nos, a classe nos chama, corremos a ela e ergamo-la dos escombros. Com um pequenino esforço de cada, poderemos tão facilmente levar avante o nosso ideal e mantermos uma posição mais elevada em nosso meio social. reticências

LUIS de Souza. Treze de maio. Clarim d’Alvorada, São Paulo, página 13, 13 maio 1927. Disponível em: https://oeds.link/Uw0WmE. Acesso em: 23 março 2022.

  1. O que o autor do artigo propõe à comunidade negra?
  2. Segundo o texto, quais eram os ideais almejados pela população negra na época em que o artigo foi escrito?
  3. Explique a importância da imprensa negra na organização dos movimentos de luta pela transformação da sociedade e de oposição às práticas racistas na Primeira República.

4. Leia o texto a seguir e responda às questões.

A escalada sufocante do custo de vida, convergindo com a ampliação dos investimentos industriais e a interrupção do fluxo migratório, reforçou a capacidade de organização, reivindicação e negociação dos operários, levando empresários e autoridades a recorrerem mais aberta e completamente à violência policial como recurso fundamental de contenção. A equação explosiva que assim se armou irrompeu num conflito urbano da mais extrema gravidade em julho de 1917, quando a polícia matou um operário grevista ao reprimir uma manifestação de têxteis por melhores salários. A passagem do cortejo fúnebre pela cidade arrebatou multidões operárias, desencadeando uma greve geral reticências.

SEVITCHENCO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. página 142.

  1. Por que empresários e autoridades recorreram à violência policial em 1917 para conter o movimento operário?
  2. Que acontecimento levou operários às ruas e provocou a greve geral de 1917?

5. O pintor carioca Di Cavalcanti é considerado um dos maiores representantes do Modernismo brasileiro. Observe uma de suas telas e responda ao que se pede.

Pintura. Três personagens foram representados nessa pintura, sendo duas mulheres e um homem. Ele está na parte inferior esquerda da pintura, veste calça e paletó azuis, uma camisa de gola branca e sapatos claros. Está voltado para a frente e sentado, e toca um instrumento de corda, assemelhado à viola, ao violão e ao cavaquinho. A parte direita de seu corpo não aparece na pintura. Ele observa a mulher ao centro, voltando o rosto e os olhos para cima e para a direita da pintura, onde ela está. Essa mulher ao centro e no alto da pintura está sentada, tem o cabelo preto preso em coque, e veste uma camiseta rosa de manga curta, uma saia verde claro até os joelhos e uma meia fina da mesma cor. Ela apoia o queixo sobre a mão direita, de maneira que seu rosto está voltado para cima; o cotovelo esquerdo está sobre o joelho esquerdo e a mão esquerda repousa sobre seu joelho direito; sobre o punho esquerdo, está o seu cotovelo direito. A terceira figura é uma mulher que está de costas para o observador, e olha para a esquerda. Ela tem cabelos negros aparentemente soltos, que chegam até a nuca. Ela usa uma camiseta branca, sem gola, o que deixa seus ombros à mostra; está sentada, e, por isso, não é possível identificar se ela usa uma calça, bermuda, ou uma saia vermelho claro. A parte direita de seu corpo não aparece na pintura. Sua mão direita está sobre a cabeça e, com a esquerda, ela leva à boca um objeto pequeno e amarelo, semelhante a um cachimbo ou a um apito. Atrás dessas pessoas, há formas cilíndricas da cor de madeira. No centro da pintura, atrás da cabeça da mulher de camiseta rosa, essas formas cilíndricas dão lugar à cor preta. As figuras estão distribuídas em triângulo na pintura; são robustas e rechonchudas; traços mais retilíneos foram reservados pelo pintor para os narizes, bocas, bancos ou plataformas sobre os quais as figuras estão sentadas, e para as formas cilíndricas ao fundo. Todos são negros, e não há preocupação com o realismo na representação. A ideia de movimento de uma da roda de samba é obtida pelo posicionamento dos membros do corpo (como a mão sobre a cabeça da mulher de costas, ou o olhar e as mãos do homem que toca o instrumento de corda).
DI CAVALCANTI, Emiliano. Roda de samba. 1929. Óleo sobre madeira, 64 por 49 centímetros. Coleção particular.

Compare o tema e o estilo de sua pintura com os do quadro Proclamação da República, de Benedito Calixto, apresentado anteriormente. Que diferenças você percebe?

Ícone. Ilustração do globo terrestre circundado por uma linha amarela, simulando a trajetória da Lua em torno do planeta, indicando a seção Ser no mundo.

Ser no mundo

Multiculturalismo

Samba e identidade

Em 1916, Ernesto dos Santos, conhecido como Donga, entregou no Departamento de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional, na cidade do Rio de Janeiro, um pedido para registrar oficialmente o primeiro samba que seria gravado, intitulado “Pelo telefone”.

A palavra “samba” tem origem na expressão africana “semba” (umbigada), usada para se referir a uma dança de roda. Assim, o samba urbano, praticado pelas comunidades negras baianas que viviam na cidade do Rio de Janeiro, entre o final do século dezenove e o começo do vinte, tinha suas raízes no samba de roda praticado na Bahia desde o século dezessete e acima de tudo na cultura africana.

Era especialmente na chamada “Pequena África”, da cidade do Rio de Janeiro, na casa de mulheres afrodescendentes, muitas delas baianas, conhecidas como “tias”, que a primeira geração de sambistas urbanos se reunia para compor, tocar e festejar. Muitas das pessoas que frequentavam essas rodas de samba haviam migrado de diversas cidades da Bahia para o Rio de Janeiro, procurando novas oportunidades de trabalho. A “Pequena África” compreendia a região entre o cais do porto e os seguintes bairros: Saúde, Estácio, Santo Cristo, Gamboa e Cidade Nova.

Fotografia em preto e branco. Nove homens em duas fileiras seguram instrumentos musicais. Quatro deles são negros e cinco são brancos. Todos estão vestidos com camisa de gola branca, de gravata, terno, calça e sapatos escuros. Na fileira da frente, há cinco homens sentados, quatro deles com um violão entre as pernas e um outro, à esquerda, com um cavaquinho sobre o joelho esquerdo. Na ponta da direita, um círculo vermelho destaca Donga, que olha levemente à direita. Na fileira do fundo, os outros quatro homens estão em pé. Ao centro, um deles segura uma flauta transversal e o outro, um reco-reco.
Na imagem, Donga (no detalhe) com os integrantes do conjunto Os Oito Batutas, do qual também fazia parte o compositor e instrumentista Pixinguinha. Fotografia de cêrca de 1922. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

O surgimento do samba moderno, radiofônico e fonográfico, isto é, integrado à indústria cultural representada pela rádio e pelo disco, se dá no início do século vinte, no cenário pós-abolição. Nesse momento, os afrodescendentes procuravam ampliar seus direitos, sua participação no mercado de trabalho, na vida pública, artística, cultural e política do país. Será que o samba constituiu uma fórma importante de afirmação da identidade da população afro-brasileira? Leia o trecho a seguir e reflita um pouco mais sobre o assunto.

A maior das figuras dessa época é sem dúvida a Tia Ciata, essa baiana de Salvador que fez de sua casa o ponto de resistência fundamental do que Heitor dos Prazeres [sambista, compositor e pintor] chamava de “a pequena África”reticências.

reticências

Ciata chegou ao Rio em 1876, já feita no candomblé e mãe de uma criança. Em sua casa, “se mesclavam o baile, o sarau, a roda de samba e o candomblé”. Por ela, diz Maria Clementina Pereira da Cunha [historiadora], “circulavam todas as esferas da sociedade, do esnobe literato ao policial ou ao partideiro capoeirista da Saúde”. Por que tanta e variada gente ia lá? Responde Edigar de Alencar [jornalista e cronista]: “Como disse certa vez Almirante [cantor, sambista, radialista e pesquisador] ao microfone, a casa era um laboratório de ritmos manipulados por macumbeiros, pais de santo, boêmios e gente curiosa que ali acorria para assistir às cerimônias religiosas e às festas de sons que representavam”.

MOURA, Roberto. No princípio, era a roda: um estudo sobre samba, partido-alto e outros pagodes. Rio de Janeiro: Rocco, 2004. página 58, 60.

Fotografia em preto e branco. Retrato do busto de uma mulher, com olhar levemente direcionado para à esquerda do fotógrafo. Ela é negra, tem cabelos escuros e crespos penteados para trás, formando dois coques laterais. Traz um brinco na orelha esquerda, e um colar no pescoço. Ela usa um tecido no braço esquerdo com listras horizontais e traja um vestido branco rendado de mangas curtas.
Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata, símbolo da resistência cultural africana no Brasil. Acervo da Organização dos Remanescentes da Tia Ciata (ó érre tê cê), Rio de Janeiro.
  1. Considerando as informações do texto, você diria que a socialização que ocorria em torno da casa da Tia Ciata e da “Pequena África” foi positiva para os descendentes de africanos no período logo após a abolição da escravidão? Por quê?
  2. Em sua opinião, o samba cumpre atualmente algum papel na construção da identidade dos afrodescendentes brasileiros? Existem outras manifestações hoje no Brasil que podem ser relacionadas à identidade e à cultura negra?
  3. Reúna-se em grupo com os colegas. Vocês irão organizar um material de divulgação de uma manifestação cultural que contribuiu ou contribui para a construção da identidade negra no Brasil. Vocês devem pesquisar informações sobre a manifestação cultural que considerarem mais interessante e escolher um meio para divulgar as descobertas que fizeram. Pode ser a produção de um programa de rádio em podcast, de audiovisual, de cartaz, de performance, de artigo impresso e ou ou digital, entre outras fórmas.

Glossário

Maçonaria
Associação filosófica e política com práticas secretas que era vista com desconfiança pela Igreja católica por ter entre seus princípios a tolerância religiosa.
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Federalismo
Sistema de governo em que províncias ou estados de um país têm autonomia administrativa, embora sujeitos às leis gerais da federação.
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Líderes messiânicos
Pessoas que se veem e são vistas como enviadas de Deus para salvar a humanidade.
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Expugnado
Conquistado.
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Bilontra
Que ou quem age com esperteza.
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Bolo
Tipo de castigo que consistia em bater na mão com uma palmatória.
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Soldo
Remuneração recebida pelos marinheiros.
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