UNIDADE sete  DEMOCRACIA E DITADURA NA AMÉRICA DO SUL

Fotografia. Vista em local aberto do Congresso Nacional em Brasília, Distrito Federal. Em primeiro plano, centenas de pessoas com os dois braços erguidos. Algumas portam cartazes coloridos no alto em tons de vermelho, amarelo e branco. Em segundo plano, à esquerda, prédio extenso e horizontal, com muitas colunas e portas e janelas de vidro. Sobre esse prédio uma grande estrutura em forma de concha com abertura virada na direção do céu. Sobre o primeiro pavimento e na cobertura do prédio, dezenas de pessoas com os dois braços erguidos. Na parte superior, céu azul-claro com poucas nuvens brancas.
Manifestação em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, pelas eleições diretas para presidente organizada por entidades de defesa dos direitos da mulher. Fotografia de 1984.

Você estudará nesta Unidade:

O governo de Jota Ka e a prosperidade econômica no Brasil

A crise política no início da década de 1960

A instalação da ditadura civil-militar no Brasil

As contestações e a resistência aos governos da ditadura civil-militar no Brasil

O processo de redemocratização do Brasil

As experiências ditatoriais em outros países da América do Sul

Fotografia. Vista noturna de local aberto. Em primeiro plano, uma pessoa gruda uma vela branca acesa sobre uma estrutura metálica, onde existem muitas outras velas acesas. Ao fundo, vê-se pessoas em uma área aberta, com árvores e luzes acesas.
Manifestantes acendem velas em Santiago, no Chile, em homenagem a Rafael e Eduardo Vergara Toledo, assassinados em março de 1985 pelos agentes da polícia chilena durante o regime ditatorial. Fotografia de 2021.
Fotografia. Dezenas de pessoas seguram faixas, cartazes e fotografias, ocupando todo o espaço da imagem. Na parte inferior, à frente, uma faixa preta de onde se lê o seguinte texto, escrito em espanhol: abertura de todos os arquivos, 1974 a 1983. Algumas poucas palavras podem ser identificadas nas demais faixas, como: desaparecidos, direitos humanos, advogados.
Manifestação, em Buenos Aires, na Argentina, de parentes de desaparecidos durante a ditadura argentina. Fotografia de 2021.

O período da história do Brasil que se estendeu de 1945 a 1964 caracterizou-se, por um lado, pela manutenção do regime democrático e, por outro, por um acalorado debate acerca dos projetos de desenvolvimento para o país.

Esse debate foi acompanhado de uma intensa radicalização ideológica que, no contexto da Guerra Fria, teve como desfecho a instalação de uma ditadura civil-militar, que suprimiu a democracia no país a partir de 1964. Foram 21 anos de ditadura, de perseguições, prisões e mortes dos opositores ao regime.

A difícil experiência de uma ditadura não foi vivida apenas pelos brasileiros. Nas décadas de 1960 e 1970, foram instalados regimes ditatoriais em diversos países da América do Sul.

O que você sabe sobre esses regimes e como eles acabaram? E sobre a censura, as mobilizações contra as ditaduras em todos esses países e a campanha “Diretas Já” no Brasil?

CAPÍTULO 15 BRASIL: DOS "ANOS DOURADOS" À DITADURA

Você sabe quem foi Jota Ka? Essa é a maneira pela qual muitas pessoas se referem a Juscelino cubishéqui, mineiro que ocupou a presidência da república entre janeiro de 1956 e janeiro de 1961.

O governo de Juscelino foi marcado por uma grande euforia em razão do crescimento econômico, resultado, em grande parte, dos incentivos ao desenvolvimento industrial e da construção de uma nova capital. O slogan usado em sua campanha presidencial resumia o objetivo de seu governo: fazer o Brasil progredir “cinquenta anos em cinco”.

Nesse mesmo período, o país obteve grandes conquistas no mundo do esporte: em 1958, a seleção brasileira de futebol se sagrou campeã mundial. No tênis feminino, Maria Esther Bueno foi reconhecida como a melhor do mundo em 1959.

Na música, o destaque foi o surgimento da bossa nova. Esse novo ritmo musical, derivado do samba e com forte influência do jazz, teve grande projeção internacional. Os compositores da bossa nova encantaram o mundo com músicas como “Chega de saudade” e “Garota de Ipanema”, que foram, e ainda são, regravadas por artistas de vários países.

De modo geral, a euforia e o clima de otimismo foram as marcas que caracterizaram o país em seus “anos dourados”.

Fotografia em preto e branco. Vista da cintura para cima de uma mulher cantando em frente a um microfone. Ela tem cabelos escuros curtos, com roupa clara, sem mangas. Ao fundo, vista parcial de um braço de um músico tocando um instrumento não identificado.
Cantora e compositora Alaíde Costa em apresentação na cidade do Rio de Janeiro, em março de 1963.
Fotografia em preto e branco. Em ambiente fechado, um homem e uma mulher, sentados, tocam violão e outro homem canta, também sentado, diante de um microfone. Na parte inferior direita, um casal sentado ao lado de uma mesa, visto de costas, observa o trio.
Carlos Lyra, Nara Leão e Vinicius de Moraes em apresentação na cidade do Rio de Janeiro, em março de 1963.

O desenvolvimentismo

Determinado a promover o desenvolvimento do país, Juscelino criou o Plano de Metas, um programa com trinta objetivos a serem alcançados ao longo dos cinco anos de governo. Várias facilidades foram criadas para estimular a entrada de investimentos estrangeiros, como: concessão de terrenos para a instalação de fábricas, redução de impostos e permissão para a remessa de lucros ao exterior.

Tais medidas estimularam a entrada de multinacionais, sobretudo no setor automobilístico, e facilitaram a criação de empresas nacionais, fabricantes de bens de consumo duráveis, como eletrodomésticos.

O desenvolvimento da indústria também exigiu grandes investimentos por parte do governo. Os recursos foram direcionados prioritariamente aos setores de energia, indústria de base, transportes, alimentação e educação. O governo construiu, por exemplo, as usinas hidrelétricas de Furnas e de Três Marias, em Minas Gerais, e ampliou o refino de petróleo. No setor de transportes, portos e ferrovias foram modernizados, mas privilegiou-se a construção de rodovias para receber os carros e caminhões produzidos no país.

A construção de Brasília

Ao assumir a presidência da república, Juscelino se comprometeu a concretizar uma ideia existente desde o século dezenove: levar a administração federal para uma nova capital, que seria construída na região central do Brasil. A construção da nova capital representava tanto a integração das diversas regiões do território brasileiro quanto a modernização em curso no país. Projetada pelo urbanista Lúcio Costa e pelo arquiteto Oscar Niemáier, a cidade recebeu o nome de Brasília e foi inaugurada em 21 de abril de 1960.

O trabalho e os sindicatos nos tempos de Jota Ka

Segundo a historiadora Ângela de Castro Gomes, Juscelino considerava que uma união sólida entre seu governo e os trabalhadores (seguindo, de modo geral, as linhas do trabalhismo getulista) poderiam sustentar sua eleição como presidente do Brasil. Além disso, João Goulart, o vice-presidente eleito com Juscelino, soube usar o trabalhismo de fórma bastante efetiva durante os anos de governo Jota Ka.

reticências é preciso entender a razão da importância política que João Goulart assumiu no governo Jota Ka. Foi ele que na condição de ex-ministro do Trabalho de Vargas e de líder maior do pê tê bê se encarregou dos contatos na área trabalhista e sindical. Pode-se dizer que Jango foi o principal contato e o grande negociador do governo com o conjunto das lideranças sindicais da época reticências.

A manutenção da “paz e da tranquilidade” dentro das regras democráticas foi assim uma conquista permanente do governo, para a qual as figuras de Juscelino e Jango muito contribuíram.

reticências houve sobretudo a atuação dos sindicalistas, que se utilizaram do momento de distensão política e da posição estratégica do vice-presidente para conseguir ganhos materiais e simbólicos para os trabalhadores. Nesse período, a presença dos sindicatos se afirmou no curso das negociações trabalhistas, com suas lideranças ganhando visibilidade e prestígio em função de uma conjuntura política e econômica favorável.

GOMES, Ângela de Castro. Conheça mais sobre Jango, o presidente que não quis a guerra. gê gê êne, Brasília, 29 março. 2014. Disponível em: https://oeds.link/vUi6Uc. Acesso em: 2 julho. 2022.

Desigualdades regionais

O projeto do governo de Jota Ka de integrar as diversas regiões do país, bem como o de modernizá-lo, não previa alterar as bases da desigualdade regional e social. Dessa fórma, o processo de crescimento econômico foi concentrado nas regiões Sudeste e Sul. Como consequência, as disparidades entre as regiões aumentaram.

Na região Nordeste, por exemplo, a indústria têxtil entrou em crise em razão da concorrência das empresas do Sudeste, cujos produtos eram mais baratos e transportados com maior facilidade ao mercado nordestino pela rodovia Rio-Bahia. A crise no setor têxtil provocou desemprego nas cidades, enquanto o campo sofria com a grande seca de 1958 e 1959.

O debate sobre a necessidade da implantação de políticas públicas que promovessem a superação das desigualdades regionais impulsionou a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (sudêne), no final de 1959. A sudêne tinha como objetivo viabilizar a industrialização do Nordeste, dotando a região de uma boa infraestrutura de energia e transportes. Mas as diferenças entre o Nordeste e o Sul-Sudeste não foram superadas. O número de empregos criado no setor industrial foi insuficiente para resolver os problemas estruturais da região, e as migrações para o Centro-Sul não cessaram.

As desigualdades sociais continuaram a existir

Em relação às desigualdades sociais, de fórma geral, a situação de carência das camadas mais pobres da população permaneceu inalterada. Faltavam escolas, o saneamento básico e o acesso à saúde eram precários, e o trabalhador rural continuava excluído da legislação trabalhista.

Contudo, os benefícios do crescimento acelerado eram usufruídos pelas classes média e alta. Os moderníssimos eletrodomésticos e produtos para a casa alteraram o cotidiano desses grupos sociais. Além disso, a ênfase na indústria automobilística criou uma “civilização do automóvel”, deixando-se de lado a ampliação dos meios de transporte coletivos para a grande massa.

Fotografia em preto e branco. Ao centro, em primeiro plano, uma mesa grande em tons escuros. A seu redor, algumas pessoas sentadas e um homem em pé segura uma vareta apontada na direção de um painel grande com o mapa do Brasil. Atrás dele, ao fundo, outros homens o observam com atenção. Na sala é possível identificar homens vestidos de terno e gravata e outros em traje militar.
Celso Furtado (em pé, no centro), em reunião da sudêne em Recife, Pernambuco, em 1963. O economista colaborou na criação da sudêne e chegou a exercer o cargo de superintendente no órgão.
Ícone. Sugestão de livro.

CASTRO, Ruy. A onda que se ergueu no mar: novíssimos mergulhos na bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. A obra traça um completo panorama a respeito da bossa nova no Brasil, com base em relatos, depoimentos e entrevistas realizadas com os artistas ligados ao movimento.

Ícone. Seção Documento.

Documento

Economia.

Os candangos

O sonho de muitos brasileiros de erguer a capital do país no Planalto Central não teria sido realizado sem o esforço dos operários que ficaram conhecidos como candangos. Eles saíram de diversas partes do Brasil, principalmente do Nordeste, para trabalhar na construção de Brasília. Ao concluírem a obra, muitos decidiram permanecer na nova capital. O depoimento a seguir é de Eronildes Guerra de Queiroz, um pernambucano que deixou sua cidade e mudou-se para Brasília no final dos anos 1950.

Aí eu vim num caminhão mais um primo meu. Aí disse que estava arrastando um dinheiro com rodo aqui. A notícia era essa: que tinha visto falar no jornal, no rádio, a notícia que a gente pegava de interior era quando a gente ia na cidadereticências A gente escutava as notícias: ouvindo falar isso e tal. E lá na cidadezinha tem um rádio, tem uma coisa, de pilha, de pilha não, de bateria. Não existia pilha nessa época. Se existia, ninguém sabia que existia. Muito atrasado, muito atrasado. Aí a gente pegava aquelas notícias lá, e eu fiquei doido pra vim pra Brasília pra ganhar dinheiro.

QUEIROZ, Eronildes Guerra de apud CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco. Narrativas de um candango em Brasília. Revista Brasileira de História, São Paulo, volume 24, número 47, 2004.

Fotografia em preto e branco. Vista elevada do alto de um prédio com extensa laje, sobre a qual homens e mulheres caminham. Em segundo plano, uma grande estrutura de concha com a abertura voltada para o céu. Ao lado dela, na vertical, edificação em duas torres. À esquerda da imagem, vê-se o chão, muito abaixo do nível em que está o fotógrafo. No alto, céu com nuvens.
Pessoas em visitação ao Palácio do Congresso Nacional, no dia da inauguração de Brasília. Fotografia de Thomaz Farzas, em 1960.
  1. Quem é Eronildes? Em que estado ele nasceu? Por que migrou para Brasília? Qual tipo de trabalho ele realizou na futura capital do Brasil?
  2. Que informações apresentadas por Eronildes caracterizam a vida de grande parte dos brasileiros nos anos 1950?
  3. Por que depoimentos como esse auxiliam no trabalho do historiador?

O breve governo de Jânio Quadros

Apesar do crescimento econômico e do clima de otimismo no Brasil, no governo de Jota Ka, os gastos para sustentar o crescimento foram enormes e resultaram no aumento da dívida externa e da inflação no país. Além disso, várias denúncias de corrupção recaíram sobre o governo, principalmente envolvendo a construção de Brasília.

Foi explorando essas dificuldades do governo de Jota Ka que Jânio Quadros foi eleito presidente da república. Durante sua campanha, Jânio se apresentou como um político que governava para o povo, sem compromissos partidários. Utilizando uma vassoura como símbolo de campanha, Jânio prometeu “varrer” a corrupção e acabar com a dívida externa.

Ao assumir o cargo, em janeiro de 1961, Jânio tomou medidas extremamente polêmicas no plano interno, como a proibição do uso de biquínis, do uso de maiôs cavados em desfiles de concursos de beleza, do uso de lança-perfume nos bailes de Carnaval e das brigas de galo.

No plano externo, visando demonstrar independência em relação aos Estados Unidos, Jânio condecorou Ernesto Tchê Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul, apoiou a luta pela independência das colônias portuguesas na África, restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e abriu relações comerciais com a China.

Até a eleição de Jânio, o Estado brasileiro subsidiava parte das despesas com a importação de trigo e de petróleo para favorecer o consumo interno. No entanto, com o intuito de controlar os gastos públicos, Jânio reduziu a participação do Estado nessas despesas. Resultado: logo no início de seu governo, o preço do pão e dos combustíveis aumentou 100%.

Fotografia em preto e branco. No interior de um salão, dois homens se cumprimentam com aperto de mão e sorriem na direção de um fotógrafo. Um deles está de terno escuro e óculos. O outro, veste calça e camisa escuras e uma faixa estendida à frente do corpo, sobre o ombro direito. Ao fundo, outros homens de terno escuro e gravata sorriem e observam a cena.
Jânio Quadros cumprimenta Ernesto Tchê Guevara, representante do governo de Cuba, em Brasília. Fotografia de 1961.
Fotografia em preto e branco. Grupo de mulheres vestidas com jaleco branco e chapéu estão perfiladas, uma ao lado da outra, à frente de um prédio antigo. Algumas seguram placa com imagem de um homem visto apenas do pescoço para cima, com cabelos e bigode escuros, camisa de gola branca e paletó.
Campanha eleitoral de Jânio Quadros, na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo, em março de 1960.

A renúncia de Jânio Quadros

As medidas adotadas por Jânio desagradaram militares e lideranças políticas que apoiavam seu governo. Isolado politicamente, o presidente renunciou a seu mandato em 25 de agosto, alegando que “fôrças ocultas” o impediam de governar. Acredita-se que, com isso, Jânio esperava mobilizar a população em defesa de seu governo. Porém, o Congresso Nacional aceitou o pedido de renúncia e a população não se manifestou.

Com a renúncia de Jânio, o vice-presidente João Goulart deveria assumir. Entretanto, Jango, como era conhecido, tinha ligação com movimentos de trabalhadores e era visto com desconfiança pelas elites conservadoras e pelos militares, que o identificavam com a “ameaça comunista”. Por isso, tentaram impedir sua posse.

Charge. Um homem se joga do alto de um prédio de seis andares. Ele olha para baixo com espanto. No chão, uma estrutura redonda, como uma rede de resgate, é abandonada ali por pessoas que correm para longe do prédio. No topo do prédio, na fachada, está escrito: Presidência.
APPE. A renúncia. 1961. Charge. Essa charge foi originalmente publicada na revista O Cruzeiro, de 7 de outubro de 1961.

Ler a charge

• De que maneira o artista representou a renúncia de Jânio à presidência da república?

A crise sucessória e a Campanha da Legalidade

No Rio Grande do Sul, o então governador Leonel Brizola iniciou uma campanha exigindo o cumprimento da Constituição e a posse de Jango. A chamada Campanha da Legalidade recebeu apoio de vários políticos e setores da sociedade.

Com o impasse, o Congresso votou uma proposta: Goulart assumiria a presidência, mas com poderes limitados. Instaurou-se no país um regime parlamentarista, no qual um primeiro-ministro seria o chefe de governo. O nome indicado foi o do mineiro Tancredo Neves. Assim, Jango assumiu a presidência da república. Uma consulta popular a ser realizada em 1965 definiria a permanência do parlamentarismo ou o retorno ao presidencialismo.

Fotografia em preto e branco. Em local aberto, em destaque em primeiro plano, dezenas de homens vistos um ao lado do outro. Alguns usam terno e gravata e, outros, roupa militar. No centro, um homem de terno e gravata sorri olhando na diagonal inferior. Ao fundo, construção grande na horizontal, com muitos vidros.
O vice-presidente João Goulart, entre um militar de farda e o primeiro-ministro Tancredo Neves, durante a solenidade da entrega da faixa presidencial, em frente ao Palácio do Planalto, Brasília, em 1961.

O governo de Jango

Graças à campanha movida pelo partido de Jango, o pê tê bê, e apoiada por sindicatos e movimentos populares, o plebiscito que definiria a permanência ou a revogação do parlamentarismo foi antecipado em dois anos. A votação ocorreu em 6 de janeiro de 1963, e a maioria dos eleitores decidiu pelo retorno ao presidencialismo.

Ao recuperar os poderes presidenciais, Jango manifestou sua intenção de promover reformas que tinham como objetivo modernizar o capitalismo brasileiro e garantir justiça social. As reformas de base, como ficaram conhecidas, previam a extensão do direito de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente, a ampliação do monopólio da Petrobras, a nacionalização de empresas farmacêuticas e prestadoras de serviços públicos, a limitação da remessa de lucros das empresas para o exterior, entre outras medidas.

A mobilização popular e as Ligas Camponesas

Os primeiros anos do governo de Jango coincidiram com o aumento da participação popular na vida política do país. Os trabalhadores reuniam-se em sindicatos para organizar greves e reivindicar melhores condições de trabalho; os estudantes formavam organizações estudantis, como a União Nacional dos Estudantes (Úni); e até militares de baixa patente, como soldados, cabos, sargentos e marinheiros, exigiam ser ouvidos por seus superiores.

No campo, também houve aumento da organização dos trabalhadores. Um dos movimentos de maior destaque foi o das Ligas Camponesas. Criado pelo advogado e político pernambucano Francisco Julião, esse movimento procurava defender os trabalhadores rurais de abusos praticados pelos donos de terras.

O papel das Ligas Camponesas

As Ligas Camponesas foram associações de trabalhadores rurais. Organizadas inicialmente no estado de Pernambuco, exerceram atividades em outros estados, como Paraíba, Rio de Janeiro e Goiás. Esse movimento teve atuação marcante no meio rural, no período que se estendeu de 1955 até a queda de João Goulart, em 1964.

É importante notar que as Ligas Camponesas representaram a principal base social de apoio às reformas estruturais de Jango, sobretudo a reforma agrária. Esta previa a desapropriação de terras improdutivas, mediante indenização dos proprietários, e sua distribuição aos trabalhadores rurais.

Fotografia em preto e branco. Em local aberto e ocupando quase toda a extensão da imagem, uma multidão de pessoas vestindo camisa clara e chapéu, portam espadas de madeira à mão, apontadas para cima. Em meio à multidão, dois grandes cartazes com caricaturas do rosto de dois homens. Ao fundo, vista parcial de prédios de um e dois pavimentos.
Manifestação de camponeses em 1970, em Recife.

A ditadura civil-militar

As reformas propostas por Jango buscavam diminuir as desigualdades na sociedade brasileira, mas foram vistas pelos setores conservadores como o primeiro passo para a adoção do comunismo no Brasil.

As críticas ao governo de Jango tinham origem também nas dificuldades que atingiam a economia brasileira. A inflação anual, por exemplo, cresceu de 26,3% em 1960 para 78,4% em 1963. O crescimento do Píbi, que tinha sido de 5,3% em 1962, caiu para 1,5% em 1963.

As dificuldades econômicas também fizeram crescer o número de greves, chegando a 172 em 1963, quase seis vezes mais do que em 1958. Os estudantes se mobilizavam defendendo uma aliança estudantil com os operários e os camponeses.

Ciente de que suas reformas não poderiam ser aprovadas no Congresso Nacional, Jango resolveu instituí-las por meio de decretos, anunciados em grandes comícios. Os dois primeiros, assinados em 13 de março de 1964, estatizavam as refinarias que ainda eram privadas e definiam as áreas sujeitas à desapropriação para fins de reforma agrária.

A resposta dos setores conservadores foi a organização da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, uma manifestação realizada no dia 19 de março de 1964, em São Paulo, que mobilizou milhares de pessoas favoráveis à deposição de Jango. A radicalização dos setores da esquerda e da direita era cada dia maior.

Na noite do dia 31 de março de 1964, tropas partiram de Minas Gerais com destino à cidade do Rio de Janeiro, onde estava o presidente. Desenhava-se assim o golpe de Estado que depôs o governo de Jango. No Rio, Jango não aceitou os desdobramentos desse processo e foi para Brasília e depois para Porto Alegre para tentar articular a resistência ao golpe de Estado que visava depor o seu governo. Mas não teve sucesso.

Na madrugada do dia 2 de abril, o Congresso Nacional declarou vaga a presidência da república, empossando o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, no lugar de Jango. Iniciava-se a ditadura civil-militar no Brasil.

Primeira página de jornal, em preto e branco. Na vertical, ocupando a maior parte da página, uma foto com centenas de pessoas se manifestando em rua em meio a cartazes. Na parte superior, a manchete do dia: O povo com Jango começa a reforma. Na parte superior, à esquerda, nome do jornal: Última hora.
Primeira página do jornal Última Hora mostrando a população nas ruas do Rio de Janeiro em março de 1964. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Fotografia em preto e branco. Vista elevada de rua larga, onde passam três tanques de guerra, em tons escuros e à direita, um veículo claro. Nas calçadas, à direita e à esquerda, algumas pessoas em pé observam o movimento na rua. Ao fundo, prédios com muitas janelas, vistos parcialmente.
Tanques do exército, na cidade do Rio de Janeiro, após o golpe, no dia 1º de abril de 1964.

A democracia acuada

Após a instalação da ditadura, os militares passaram a governar o país por meio de decretos, chamados Atos Institucionais. O primeiro deles, o a i um, foi editado em 9 de abril e permitiu ao governo cassar mandatos e suspender direitos políticos de diversas lideranças, como Juscelino cubishéqui e João Goulart. Os militares que faziam oposição foram expulsos das fôrças Armadas.

O a i um também determinou a realização de uma nova eleição para a presidência da república, mas de fórma indireta, ou seja, pelo Congresso Nacional, e não pelo povo. O marechal Humberto de Alencar Castello Branco, indicado pelos militares, foi então eleito.

Para conter os gastos do governo e reduzir a inflação, o novo governo cortou investimentos, elevou os impostos e congelou os aumentos de salário para os trabalhadores. A inflação baixou, mas a recessão provocou o fechamento de empresas, arrocho salarialglossário e desemprego. Na política externa, Castello Branco alinhou-se aos Estados Unidos e firmou novos acordos com o Fundo Monetário Internacional (éfe ême í), o que permitiu ao governo receber novos empréstimos.

Nas eleições para governador, em outubro de 1965, a oposição conquistou vitórias em cinco dos dez estados onde houve a disputa eleitoral. Em resposta, os militares restringiram ainda mais a democracia por meio do Ato Institucional nº 2, o a i dois. O novo ato estabeleceu que as eleições presidenciais continuariam sendo feitas de fórma indireta, reduziu as atribuições do Congresso Nacional e conferiu ao presidente o poder de baixar decretos sobre questões de segurança nacional. Além disso, extinguiu todos os partidos políticos e permitiu a criação de apenas dois: um de situação, a Aliança Renovadora Nacional (Arena); e um de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (ême dê bê).

Fotografia em preto e branco. Local fechado com muitos homens em pé, usando terno escuro. Ao centro, um homem baixo, de cabelos escuros, olhando para o peito, onde se vê a faixa presidencial. Perto dele, um homem à direita, de cabelos e terno escuros, toca a faixa com uma das mãos. Em segundo plano, outros homens em pé.
O marechal Humberto Castello Branco toma posse na presidência da república. Fotografia de abril de 1964. Ao ser empossado, Castello Branco assumiu as tarefas de reformar e desenvolver o capitalismo brasileiro e de conter a “ameaça comunista”, reorganizando o aparelho do Estado.
Ícone. Sugestão de vídeo.

O ANO em que meus pais saíram de férias. Direção: cáo âmbúrguer. Brasil, 2006. Duração: 110 minutos O filme aborda as perseguições políticas no período da ditadura no Brasil com base na história de um garoto que vê seus pais desaparecerem de fórma inesperada.

A “linha dura” chega ao poder

Indicado pelos militares, o general Arthur da Costa e Silva foi eleito presidente da república pelo Congresso Nacional em outubro de 1966 e empossado em março do ano seguinte. Na mesma data, começou a vigorar uma nova Constituição, a quinta da república, que incorporava as determinações dos Atos Institucionais.

O período do governo de Costa e Silva, da chamada “linha dura” do exército, ficou marcado pelo crescimento dos movimentos de oposição e pela repressão policial. O movimento estudantil, na clandestinidade, continuava atuando por melhores condições de ensino e contra a ditadura. Os estudantes secundaristasglossário também reivindicavam aumento do número de vagas nas universidades públicas.

Em junho de 1968, o movimento estudantil organizou uma grande manifestação contra o regime militar. O protesto, que ficou conhecido como a Passeata dos Cem Mil, contou com a participação de artistas, estudantes, padres, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira.

Após a Passeata dos Cem Mil, que havia sido organizada na cidade do Rio de Janeiro, muitos outros protestos estudantis se intensificaram em outros estados. No estado de Goiás, por exemplo, houve novos protestos e quatro estudantes chegaram a ficar feridos. Na cidade de São Paulo, cêrca de 300 estudantes foram detidos e presos durante protestos. As manifestações estudantis continuaram ocorrendo em diversas cidades brasileiras até dezembro de 1968: naquele mês, um novo ato institucional, ainda mais repressivo, seria promulgado pelo governo.

Protestos do movimento estudantil

Em março de 1968, durante um protesto no centro da cidade do Rio de Janeiro, o estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto foi morto pela polícia. Milhares de pessoas acompanharam seu enterro e compareceram à missa de sétimo dia. Essas homenagens ao estudante se transformaram em manifestações de repúdio à violência da ditadura.

Fotografia em preto e branco. Vista do alto em local aberto. Toda a extensão da fotografia é ocupada por uma multidão de pessoas. Ao fundo, à esquerda, uma faixa clara com texto escuro: ABAIXO À DITADURA. POVO NO PODER.
Passeata dos Cem Mil, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, em 26 de junho de 1968.
Ato Institucional nº 5

Em setembro de 1968, o deputado da oposição Márcio Moreira Alves proferiu um discurso na Câmara dos Deputados conclamando a população a boicotar os desfiles de 7 de setembro (feriado do Dia da Independência), além de chamar os quartéis de “covis de torturadores”. O ministro da Justiça pediu autorização ao Congresso para processar o deputado, mas não foi concedida.

Em dezembro, o governo militar, então, usou esse fato como pretexto para decretar o Ato Institucional nº 5, o a i cinco. O ato dava ao presidente o poder de fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares, intervir em estados e municípios e suspender direitos políticos de qualquer cidadão por dez anos. O Congresso ficou fechado até outubro do ano seguinte, e diversos políticos foram cassados. Além deles, ministros do Supremo Tribunal Federal, bem como diversos professores de universidades públicas, foram destituídos de seus cargos.

Como resposta à decretação do a i cinco, grupos de esquerda aderiram à luta armada como meio de derrubar a ditadura. Para combater os grupos de esquerda, o governo criou novos órgãos de repressão, como a Operação Bandeirante (Oban) e o Destacamento de Operações e Informação e Centro de Operações de Defesa Interna (dói códi). Esses órgãos se transformaram nos principais centros de tortura do regime militar.

Em agosto de 1969, Costa e Silva sofreu um derrame cerebral e foi afastado da presidência. Por meio do á í doze, uma junta militar assumiu o poder e declarou vaga a presidência da república. Em 30 de outubro de 1969, o general Emílio Garrastazu Médici foi eleito presidente pelo Congresso Nacional.

Capa de jornal, em preto e branco. Página com textos e fotografias ao centro. Na parte superior, está escrita a manchete do dia: GOVERNO BAIXA ATO INSTITUCIONAL E COLOCA CONGRESSO EM RECESSO POR TEMPO ILIMITADO.
Capa do Jornal do Brasil, de 14 de dezembro de 1968, com a manchete sobre a instauração do a i cinco.
Ícone. Sugestão de livro.

VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018. O livro narra a agitação política no Brasil em 1968, abordando especialmente a reação da sociedade civil à instalação do Ato Institucional nº 5.

Ícone. Sugestão de site.

MEMÓRIAS reveladas – Arquivo Nacional. Disponível em: https://oeds.link/DjMWEe. Acesso em: 11 março 2022. Site ligado ao Ministério da Justiça com textos, fotografias e vídeos a respeito do período da ditadura no Brasil.

O governo de Médici

A política econômica adotada pelo governo de Médici garantiu altos índices de crescimento ao país. Favorecido pelo bom momento da economia internacional, o governo conseguiu empréstimos no exterior a juros baixos e realizou investimentos na indústria, na agricultura, no setor energético e na construção civil. As usinas hidrelétricas de Itaipu e de Tucuruí, as usinas nucleares de Angra dos Reis e a Ponte Rio-Niterói foram construídas nesse período.

O resultado dessa política foi o chamado “milagre econômico brasileiro”. Entre 1968 e 1973, a economia brasileira cresceu, em média, 11,2% ao ano. Contudo, nem todos os brasileiros puderam desfrutar desse crescimento. A política de achatamento dos salários fez aumentar a concentração de renda e a desigualdade social no país. Além disso, com o aumento dos preços do petróleo, em 1973, os empréstimos diminuíram e os juros da dívida externa aumentaram. Do “milagre” passou-se à alta da inflação, à recessão e ao crescimento dos índices de desemprego.

O governo de Médici ficou marcado pelo aumento da repressão aos grupos que optaram pela luta armada para combater o regime. Muitos desses grupos cresceram com a adesão de jovens do movimento estudantil, que haviam perdido o direito de se organizar e se manifestar com a decretação do a i cinco.

A repressão a esses movimentos foi brutal. Até o final do governo de Médici, as organizações guerrilheiras tinham sido eliminadas, e seus militantes estavam mortos, presos, no exílio ou desaparecidos.

Charge. Três pessoas em volta de  uma mesa, sobre a qual há xícaras, um bule, uma jarra e alguns alimentos. À esquerda, uma mulher com cabelos escuros e blusa de mangas curtas, com jornal aberto nas mãos, diz: SÓ ESTE ANO JÁ ENTRARAM NO PAÍS TRÊS BILHÕES DE DÓLARES. O PAGAMENTO COMEÇA A SER FEITO DAQUI A DEZ ANOS. À direita, um homem sentado com camisa com gola, olhando para frente com as mãos sobre a cabeça do menino sentado ao seu lado, diz: TADINHO!
ZIRALDO. 20 anos de prontidão. Charge sobre a dívida externa durante o chamado “milagre econômico brasileiro”, produzida por Ziraldo em 24 de agosto de 1974.
Ícone. Sugestão de livro.

LEME, Caroline Gomes. Ditadura em imagem e som. São Paulo: editora Unésp, 2013. Este livro traz uma análise sobre diversos filmes que têm como tema a ditadura civil-militar no Brasil, produzidos entre os anos 1979 e 2009.

Ícone. Sugestão de vídeo.

HOJE. Direção: Tata Amaral. Brasil, 2011. Duração: 90 minutos No ano de 1998, uma mulher muda-se para um novo apartamento, comprado graças a uma indenização que ganhou do governo brasileiro em razão do assassinato de seu marido durante a ditadura no Brasil. A personagem, então, se vê envolta em memórias a respeito do período do regime militar brasileiro.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

  1. Escreva um pequeno texto explicando o contexto das desigualdades regionais e sociais do Brasil durante o governo de Jota Ka.
  2. Quais controvérsias e tensões com o Congresso Nacional marcaram o curto governo de Jânio Quadros? Quais motivos levaram o presidente a renunciar em 1961?
  3. Muitos historiadores definem o trabalhismo no Brasil, cujo principal símbolo é Getúlio Vargas, como uma doutrina que mistura nacionalismo, forte intervencionismo estatal e desenvolvimentismo distributivo (projeto de desenvolvimento econômico atrelado à distribuição de renda entre as classes sociais). Essa mesma linha historiográfica identifica em João Goulart não apenas uma continuação do trabalhismo de Vargas, mas um aprofundamento dele. Identifique nos projetos e ações do governo de Jango argumentos que reforçam essa visão.
  4. Leia o trecho da “Carta de alforria do camponês”, escrita por Francisco Julião, das Ligas Camponesas de Pernambuco, em fevereiro de 1961, e responda às questões.

Tu és com os teus irmãos quase todo o Brasil. És tu quem mata a nossa fome. E morre de fome. És tu quem nos veste. E vive de tanga. Dás o soldado para defender a Pátria. E a Pátria te esquece. Dás o capanga para o latifúndio. E o capanga te esmaga. reticências Muitos são os caminhos que te levarão à liberdade. Liberdade quer dizer terra. Quer dizer pão. Quer dizer casa. Quer dizer remédio. Quer dizer escola. Quer dizer paz. reticências

JULIÃO, Francisco. Carta de alforria do camponês. In: JULIÃO, Francisco. Que são as Ligas Camponesas? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. página 71-72.

  1. Explique o que eram as Ligas Camponesas.
  2. Segundo o texto, o que significa liberdade?
  1. Quais foram as medidas estabelecidas nos Atos Institucionais nº 2 e nº 5? O que essas medidas significaram para os brasileiros?
  2. Analise o gráfico com atenção.

Brasil: distribuição de renda total por grupo social

Gráfico de coluna. Brasil: distribuição de renda total por grupo social. 
Legenda: a cor azul representa os 10 por cento mais ricos, a cor amarela representa os 40 por cento intermediários, e a cor verde representa os 50 por cento mais pobres.
O eixo horizontal conta com a marcação dos anos, por décadas, de 1960 a 1990. O eixo vertical conta com a marcação das porcentagens de 0 a 100 por cento.
O gráfico mostra que, em 1960, os 50 por cento mais pobres possuíam 17,4 por cento da renda total, os 40 por cento intermediários possuíam 43 por cento da renda total, e os 10 por cento mais ricos, 39,6 por cento da renda total.
Em 1970, os 50 por cento mais pobres possuíam 14,9 por cento da renda total, os 40 por cento intermediários possuíam 38,4 por cento da renda total, e os 10 por cento mais ricos, 46,7 por cento da renda total.
Em 1980, os 50 por cento mais pobres possuíam 12,7 por cento da renda total, os 40 por cento intermediários possuíam 36,3 por cento da renda total, e os 10 por cento mais ricos, 51 por cento da renda total.
Em 1990, os 50 por cento mais pobres possuíam 11,4 por cento da renda total, os 40 por cento intermediários possuíam 39,9 por cento da renda total, e os 10 por cento mais ricos, 48,7 por cento da renda total.

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas históricas do Brasil: 1550 a 1988. segunda editora Rio de Janeiro: IBGE, 1990; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Anuário Estatístico do Brasil 1997. Rio de Janeiro: í bê gê É, 1998.

  1. O que ocorreu com a renda dos 10% mais ricos e dos 50% mais pobres entre 1960 e 1980?
  2. Cite uma medida tomada pelo governo militar que explique o acontecimento mostrado no gráfico.

CAPÍTULO 16 BRASIL: A RESISTÊNCIA À DITADURA E A REDEMOCRATIZAÇÃO

A estratégia da luta armada foi a fórma mais radical no combate ao regime militar, mas não foi a única nem a mais capaz de atrair a atenção e conquistar o apoio da sociedade brasileira. Entidades estudantis, operários e artistas também lutaram pela mesma causa, manifestando, com seus próprios métodos, o repúdio ao governo ditatorial e o anseio por democracia.

Assim que tomaram o poder, em 1964, os militares promoveram intervenções nos sindicatos, criaram leis para impedir a organização dos trabalhadores e procuraram atrair lideranças sindicais para o campo do governo. Por meio de acordos com esses líderes, a ditadura visava controlar o movimento sindical.

Em 1968, no entanto, metalúrgicos de Contagem, em Minas Gerais, e de Osasco, em São Paulo, mostraram que era possível abrir uma brecha no sistema. Em abril, operários de Contagem paralisaram o trabalho por uma semana, reivindicando melhores salários e liberdades civis e políticas. A repressão foi violenta: polícia e exército ocuparam as ruas, tomaram as fábricas e proibiram as manifestações operárias. Em julho, inspirados no exemplo dos operários mineiros, metalúrgicos de Osasco cruzaram os braços e ocuparam as instalações de três fábricas. A repressão foi ainda mais violenta, com a desocupação armada das fábricas e dezenas de prisões.

Fotografia em preto e branco. Local aberto, à noite. Em primeiro plano,  muitos homens caminham pela rua com as duas mãos sobre a cabeça, acompanhados de policiais armados. À direita, alguns homens de paletó escuro observam o movimento e fotografam as pessoas.
Ação policial em fábrica ocupada por operários grevistas em Osasco, São Paulo, em julho de 1968. Muitos operários foram presos nessa ação.

O movimento estudantil

Em abril de 1964, o prédio da União Nacional dos Estudantes (Úni), no Rio de Janeiro, foi incendiado. Nele funcionava o Centro Popular de Cultura (cê pê cê), do qual participavam artistas e estudantes que levavam o teatro, a música, o cinema e a literatura a escolas, universidades, fábricas, favelas e sindicatos. Muitas produções artísticas do cê pê cê tinham como tema a realidade social do país.

Com a implantação da ditadura, a Úni foi colocada na ilegalidade. Apesar disso, os estudantes continuaram se organizando na clandestinidade e realizando congressos anuais para eleger seus representantes, discutir os problemas da educação no país e definir fórmas de luta.

O último congresso clandestino da Úni aconteceu em 1968, no município de Ibiúna, no interior de São Paulo. Descobertos pela polícia, mais de 700 estudantes foram presos.

Depois disso, a repressão do governo militar ao movimento estudantil se intensificou. Muitos estudantes foram presos e mortos pela ditadura, e alguns tiveram de deixar o país.

Movimento estudantil: memória e história

O texto a seguir aborda a questão da importância da preservação das memórias do movimento estudantil no Brasil.

É necessário recuperar a história do movimento estudantil [e sua] participação na luta contra o regime militar. É necessário também apurar todas as mortes e desaparecimentos políticos que atingiram estudantes reticências.

Os estudantes organizados tiveram um papel político de luta fundamental contra a ditadura militar. Foram às ruas protestar, participar de passeatas, integraram movimentos de luta armada, distribuíram panfletos, [lutando] contra o sistema repressivo vigente naquele momento. A participação dos estudantes foi expressiva, sendo que eles constituem uma grande parte dos mortos ou desaparecidos políticos brasileiros. Segundo estudo feito pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, das quatrocentas e trinta e seis pessoas que constam no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos, elaborado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 125 eram estudantes.

reticências

Recomenda-se a criação de Memoriais (ou outro elemento simbólico análogo) em memória das vítimas da ditadura e em homenagem aos que a combateram nas universidades [e] nas instituições de ensino.

reticências

TOMO um: Parte dois: grupos sociais e movimentos perseguidos ou atingidos pela ditadura. Comissão da Verdade do Estado de São Paulo. São Paulo, [2015]. Disponível em: https://oeds.link/DzIVbv. Acesso em: 11 março 2022.

Ícone. Sugestão de vídeo.

REPARE bem. Direção: Maria de Medeiros. Brasil/França/Itália, 2012. Duração: 95 minutos O filme conta a história de três gerações de mulheres afetadas pela ditadura civil-militar no Brasil.

Multiculturalismo

Cantando a revolução

Muitos compositores e cantores fizeram de sua arte uma fórma de protesto contra a opressão e a violência da ditadura. As músicas de protesto abordavam problemas sociais, econômicos e políticos e expressavam o ideal de construir uma sociedade igualitária e democrática.

Um dos principais artistas do período foi o cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré. Em 1968, Vandré lançou o disco Canto geral, o quarto de sua carreira, considerado um dos discos mais contundentes de crítica à ditadura civil-militar, pois boa parte de suas letras trata do cotidiano do povo brasileiro, como a canção “Ventania”.

No mesmo ano, Vandré compôs a canção “Pra não dizer que não falei das flores” e a apresentou no terceiro Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro. A canção, que conquistou o segundo lugar, acabou se transformando em um hino de resistência à ditadura. Por causa disso, ela foi censurada pelo governo, e Vandré teve de deixar o país.

Outro artista que se destacou pelas canções de protesto foi Chico Buarque. Também ligado aos festivais das décadas de 1960 e 1970, suas composições ficaram marcadas por driblarem a censura prévia imposta pelo governo com o uso de letras de duplo sentido.

Driblando a censura

É interessante compreender os mecanismos que os artistas procuravam usar para “driblar” a censura. Um exemplo está em uma das canções mais conhecidas de Chico Buarque, intitulada “Apesar de você” e composta em 1970. A canção traz os seguintes versos: “Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia”.

Os versos, que aparentemente retratam uma briga de namorados, na verdade fazem referência ao presidente Médici. Inicialmente liberada pela censura, foi proibida quando o governo se deu conta de seu verdadeiro significado.

Fotografia em preto e branco. Sobre um palco, um homem canta em um microfone segurado em sua mão esquerda. Ele gesticula, estendendo o braço direito para trás. Ao fundo, à esquerda, homem visto parcialmente, toca flauta. À direita, outro homem visto parcialmente, de terno escuro, toca outro instrumento que não pode ser identificado.
O cantor Geraldo Vandré apresenta a música “Pra não dizer que não falei das flores” durante o terceiro Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, em 1968.
Fotografia em preto e branco. Um homem visto parcialmente, com a cabeça próxima a um microfone, canta, olhando ao longe. Ele tem cabelos escuros, olhos claros e lábios semi-abertos.
Chico Buarque produziu inúmeras canções de protesto em contraponto à ditadura civil-militar.
Multiculturalismo

O teatro

A cena teatral do período também produziu espetáculos que criticavam as injustiças sociais e exaltavam a luta contra a ditadura. Grupos teatrais, como o Teatro de Arena e o Teatro Oficina, realizaram montagens que defendiam a liberdade na política e nos costumes. As peças estimulavam o espectador a misturar-se aos atores e a participar da ação.

Em 1965, o Teatro de Arena apresentou Arena conta Zumbi, sobre a saga dos quilombolas no Brasil colonial em sua luta contra a escravidão. A peça, ao denunciar o nosso passado escravocrata, remetia à opressão social e política daquele momento, criticando, sutilmente, o regime militar. Os atores iniciavam a peça com a seguinte frase: “O elenco dedica a obra a todos os homens e mulheres que morreram e morrem na luta pela liberdade”.

Fotografia em preto e branco. Em um palco, um homem à esquerda em pé, com parte do tronco à mostra, mantém os dois  braços abertos. Ele tem cabelos escuros, corpo magro. Atrás dele é possível visualizar a cabeça de uma caveira branca apoiada sobre uma estrutura de ferro. À sua esquerda, cinco pessoas em pé, vestidas com longas capas, cantam fazendo gestos com as mãos.
Cena da peça Roda viva, escrita por Chico Buarque e dirigida por José Celso Martinez Corrêa. Apresentação no Rio de Janeiro, em janeiro de 1968. A obra se tornou um símbolo da resistência do teatro à repressão do regime militar.

Teatro de Arena e a proximidade com o público

O Teatro de Arena foi fundado em 1953, na cidade de São Paulo. O texto a seguir aborda aspectos de seu funcionamento e de sua história.

Em 1953, o Teatro de Arena vem com essa proposta em sua nomenclatura buscando engendrá-la à sua mediação comunicacional: coloca-se o público em um mesmo nível que os atores em volta de uma arena circular, o que dispensa cenários realistas, podendo ser criado pela luz e pelo trabalho dos atores. reticências

Dessa fórma, o diretor José Renato, um dos precursores do movimento dessa companhia, coloca: “reticências preocupamo-nos com um espetáculo mais puro. Com ausência de cenários e a proximidade do palco, toda atenção se concentra sobre a peça e o desempenho. Nos teatros comuns, uma rica montagem pode iludir o espectador”.

reticências

Em 1964 o teatro começou a sentir as consequências da alteração no rumo político do país. As encenações do Teatro Arena não são aceitas pelo novo regime. reticências O Arena esteve marcado por mudanças muito significativas para o teatro em nosso país, traçando assim, parte do perfil cultural-artístico brasileiro. reticências

MORAES, Ricardo. A descentralização do Arena e sua resistência. Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, úfiba, Salvador, 2010. Disponível em: https://oeds.link/Jlglsu. Acesso em: 12 março 2022.

Multiculturalismo

O Cinema Novo

Na década de 1950, um grupo de jovens cineastas iniciou um movimento que combatia o predomínio da produção industrial de filmes inspirados no cinema estadunidense. Esse movimento, que ficou conhecido como Cinema Novo, defendia a produção, a baixo custo, de filmes que abordassem criticamente os problemas sociais no Brasil, além de se preocupar em renovar a estética do cinema nacional.

Com uma linguagem cinematográfica inovadora, o Cinema Novo obteve reconhecimento de público e de crítica, e vários filmes do movimento foram premiados em festivais internacionais. Como os cineastas dessa nova estética atuavam à margem do circuito industrial do cinema, eles conseguiram, na medida do possível, furar o bloqueio da censura e da repressão.

Com poucos recursos técnicos e utilizando a miséria do povo como pano de fundo para suas histórias, os cineastas Glauber Rocha, com Deus e o Diabo na terra do Sol (1964), Nelson Pereira dos Santos, com a adaptação para o cinema do romance Vidas secas (1969), de Graciliano Ramos, e o moçambicano Ruy Guerra, com Os fuzis (1964), marcaram o ponto alto do movimento.

Partindo de uma redefinição do que seria a cultura popular e de uma associação entre os conceitos de popular e de identidade nacional, o Cinema Novo não se limitou a realizar filmes mas também a desenvolver uma literatura sobre cinema iniciando um processo de recuperação e interpretação do passado cinematográfico brasileiro. Em outras palavras, os cineastas do chamado Cinema Novo não apenas filmavam mas teorizavam sobre o cinema com ênfase no cinema latino-americano e brasileiro em particular.

reticências

Neste sentido, o resgate das práticas e representações populares tinha uma dupla função para o cinema: era imprescindível para que o cinema aqui produzido pudesse ser chamado de Cinema Nacional e atuava como fórma de recuperação de uma “memória popular” de resistência política à maciça entrada no país de produtos culturais estrangeiros e particularmente norte-americanos.

LINO, Sônia Cristina. Humberto Mauro e o Cinema Novo. Locus, Juiz de fóra, volume 6, número 1, 2000. página 119-120.

Cartaz. Imagem vertical. Ao centro, destaca-se uma fotografia em preto e branco do rosto de um homem de cabelos encaracolados até a nuca, com chapéu de cangaceiro, segurando à frente do corpo uma haste fina na vertical. O rosto e o chapéu são delimitados por um círculo com pontas amarelas e rosas, simulando o Sol. O fundo é marrom e, no alto do cartaz, está escrito o nome do filme e os nomes dos atores e diretores.
DUARTE, Rogério. Deus e o Diabo na terra do Sol. 1964. Cartaz de filme homônimo, dirigido por Glauber Rocha, 74 por 108 centímetros. Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro.
Fotografia em preto e branco. Um homem visto do pescoço para cima, lateralmente, com um objeto colocado diante do olho direito, por meio do qual ele observa algo. Seus cabelos são escuros e ele está vestido com camisa de mangas compridas e de gola.
Nelson Pereira dos Santos, um dos principais nomes do Cinema Novo. Fotografia de 1967.
Cidadania e Civismo.

Os movimentos negros e populares na ditadura

A luta dos afrodescendentes brasileiros contra a discriminação racial e por mais direitos sociais iniciou-se bem antes da ditadura, mas, durante esse período, os movimentos negros atuaram significativamente na resistência ao regime.

A ditadura reprimiu os movimentos negros, que se organizavam basicamente em duas frentes de luta: no campo cultural e no campo político. Valorizar a cultura afro-brasileira e combater o racismo eram os objetivos de grupos como o Bloco Ilê Aiyê, surgido na cidade de Salvador, na Bahia, e que continua até hoje bastante ativo. No campo político, vale ressaltar a ação dos operários por melhores condições de trabalho e a criação do Movimento Negro Unificado (ême êne u), no final da década de 1970, na cidade de São Paulo. Esse movimento aglutinou diversos grupos na luta pela igualdade étnico-racial no Brasil.

Nas áreas rurais, na década de 1970, muitas comunidades formadas por quilombolas e camponeses foram expulsas das terras onde viviam, em decorrência da construção de barragens, usinas e estradas e da exploração mineral e agropecuária. A ação desenvolvimentista do Estado brasileiro não ofereceu garantias a essas populações. Consequentemente, diversos movimentos sociais começaram a ser organizados no campo para lutar por direitos, pelo reconhecimento dos modos de vida e das terras tradicionalmente ocupadas por diferentes comunidades, como também contra as desigualdades e a violência que até hoje atingem populações que vivem em áreas rurais.

As mobilizações sociais e a conquista de direitos

As pressões e as mobilizações dos movimentos negros do fim da década de 1970 culminaram na incorporação de diversas reivindicações fundamentais para as comunidades negras na Constituição de 1988. No documento, a prática do racismo passou a ser considerada crime, e, além disso, comunidades tradicionais formadas por afrodescendentes passaram a ser reconhecidas como quilombolas, isto é, como remanescentes de quilombos e com direito à propriedade das terras que historicamente ocupam. Os movimentos sociais, com o tempo, conquistaram muitos direitos e colaboraram para diminuir, mesmo que parcialmente, muitas das desigualdades sociais que assolam o país até os nossos dias.

Apesar do avanço alcançado, muitas terras quilombolas ainda devem ser reconhecidas. Além disso, a questão do racismo estrutural deve ser discutida e problematizada em todos os espaços possíveis, o que demonstra o importante papel dos movimentos negros na atualidade.

Fotografia em preto e branco. Vista em local aberto, ambiente noturno. Multidão aglomerada na escadaria de uma igreja com entrada abobadada, cheia de vitrais. No alto da escadaria, muitas pessoas erguem faixas com textos de protesto: 'Contra a discriminação', 'Por igualdade racial', 'Consciência negra', 'Viva o dia nacional da Consciência Negra', entre outros. Em primeiro plano, muitas pessoas de costas observam aqueles que protestam na escadaria.
Manifestantes do Movimento Negro durante passeata por igualdade racial, em São Paulo, em 20 de novembro de 1979.
Cidadania e Civismo.

Os indígenas na ditadura

Você sabia que, além de estudantes, intelectuais, políticos, artistas e ativistas sindicais, os indígenas também foram alvo da repressão e da violência dos governos militares? Recentes investigações revelaram que ao menos 8.350 indígenas foram mortos, presos, torturados ou expulsos de seus territórios entre 1964 e 1985.

Em 1969, por exemplo, os militares fundaram, no estado de Minas Gerais, o Centro de Reeducação Indígena Krenak. Indígenas de diferentes etnias, como os Ashaninka, os Krenak, os Kaingang e os Guarani, foram enviados a esse local sob a alegação de abandonar sua área tribal, carregar arco e flecha, brigar e até mesmo promover atos descritos como vadiagem. Lá, eles eram forçados a realizar diversos trabalhos braçais, recebiam pouca alimentação, eram proibidos de se comunicar em sua língua e eram submetidos a torturas e espancamentos. Muitos nunca retornaram a suas comunidades e foram declarados desaparecidos.

Além disso, com o apoio dos militares, vários indígenas foram mortos e removidos de seus territórios. Os Waimiri Atroari, que habitavam uma área na divisa dos estados do Amazonas e de Roraima, por exemplo, foram massacrados e suas terras foram afetadas pela abertura de rodovias e pela construção da hidrelétrica de Balbina. O governo militar ainda financiou atividades agropecuárias e obras de infraestrutura no território desse povo. Outro exemplo são os acrãticatejê, no Pará, expulsos de suas terras por causa da construção da usina de Tucuruí, durante o governo de Médici.

Muitas lideranças indígenas e pessoas que apoiavam a sua causa foram investigadas, perseguidas e até mesmo assassinadas. Organismos como a União das Nações Indígenas e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foram acusados de promover atividades subversivas e comunistas.

Apesar da violência e da repressão, os movimentos indígenas resistiram e tiveram papel fundamental na definição do texto da Constituição de 1988, que reconheceu a organização social, os costumes, as línguas, as tradições e as crenças indígenas, além do direito desses povos às terras que tradicionalmente ocupam.

Fotografia. Local aberto, vista centralizada em três homens indígenas em pé, um ao lado do outro. O que está no meio usa um adorno de palha sobre a cabeça, com três grandes penas laranja no topo. Eles vestem uma roupa longa, com listras verticais em branco, vermelho, amarelo ou marrom. Ao fundo, algumas árvores.
Líderes indígenas da etnia Ashaninka reunidos na margem do rio Amônia, em Marechal Thaumaturgo, no Acre. Fotografia de 2021.
Fotografia. Em primeiro plano, três homens indígenas são vistos sentados e de costas, com cocares de penas sobre a cabeça. Eles observam, ao fundo e em posição inferior, o plenário da Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional, em Brasília. No plenário, centenas de pessoas sentadas ou em pé, próximas à Mesa Diretora da Presidência da Casa Legislativa.
Indígenas assistem à sessão da Assembleia Constituinte, em Brasília, que aprovou a Constituição de 1988.

O processo de abertura e o fim da ditadura

Em março de 1974, o general Ernesto Gaisel assumiu a presidência da república com a promessa de promover o retorno do país à democracia. De acordo com as palavras do próprio Gaisel, a abertura política deveria se dar de fórma “lenta, gradual e segura”. Era uma fórma de os militares deixarem o poder sem alterar a ordem vigente.

Apesar da promessa de abertura política, os militares da chamada “linha dura” não aceitavam a ideia do retorno à democracia. Os órgãos de repressão continuavam prendendo pessoas suspeitas de subversão, que eram torturadas e, em muitos casos, mortas após longas sessões de tortura.

Dois casos ganharam destaque. O primeiro deles foi o do chefe de jornalismo da tê vê Cultura de São Paulo, Vladimir Herzog. O jornalista foi encontrado morto em uma cela do dói códi, em São Paulo, em outubro de 1975. Em janeiro do ano seguinte, o metalúrgico Manuel Fiel Filho foi morto no mesmo local e nas mesmas condições. A versão oficial de suicídio por enforcamento de ambos não se sustentava.

O crescimento da oposição

A divulgação das denúncias de torturas e assassinatos de militantes políticos e os primeiros sinais de recessão econômica tiveram como efeito o crescimento do ême dê bê nas eleições legislativas de 1974 e nas eleições municipais de 1976.

Atemorizado com o crescimento da oposição, o governo recuou no processo de abertura. Em abril de 1977, os militares lançaram uma série de medidas que ficaram conhecidas como Pacote de Abril, e o Congresso ficou fechado por catorze dias, período em que o presidente governou por meio de decretos-leis. Entre esses decretos estavam a ampliação do mandato do presidente de cinco para seis anos e a determinação de que um terço dos senadores deveria ser eleito por meio do voto indireto.

Fotografia em preto e branco. Um homem visto do peito para cima, sentado, olhando para frente. Ele é calvo, com parcos cabelos escuros, camisa clara de gola e paletó escuro por cima. Ele tem sobrancelhas grossas e nariz fino.
O jornalista Vladimir Herzog, em fotografia de 1975. Instituto Vladimir Herzog, São Paulo. Segundo a tradição judaica, os suicidas devem ser enterrados separados dos demais, longe da área central do cemitério. No entanto, o rabino rênri sóbelse recusou a enterrar Herzog, que era judeu, como suicida.
Ícone. Sugestão de livro.

TELES, Edson (organizador). O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010. Este livro apresenta ensaios que analisam o legado deixado pela ditadura na política, na estrutura jurídica, na cultura e em outras áreas da vida dos brasileiros.

Novas mobilizações

No final da década de 1970, as mobilizações de estudantes e de trabalhadores retornaram ao cenário nacional.

O centro dessa nova fase do movimento sindical foi a região do á bê cê paulista, importante parque da indústria automobilística e berço do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Em 1979, os metalúrgicos do á bê cê paulista entraram em greve por melhorias salariais e contra a ditadura, realizando a primeira greve geral de uma categoria depois da instalação do regime ditatorial em 1964.

O período também foi marcado pelo renascimento do movimento estudantil, com mobilizações principalmente nas universidades do estado de São Paulo. Os estudantes reivindicavam a democratização das universidades e o fim da ditadura.

Em março de 1979, o general João Baptista de Oliveira Figueiredo assumiu a presidência prometendo continuar o processo de abertura política.

Os novos partidos

Em novembro de 1979, uma nova lei eleitoral permitiu a organização de vários partidos políticos. A Arena tornou-se o Partido Democrático Social (pê dê ésse), e o ême dê bê passou a se chamar Partido do Movimento Democrático Brasileiro (pê ême dê BÊ). Formaram-se também o Partido Trabalhista Brasileiro (pê tê bê), que agrupava antigas lideranças ligadas ao trabalhismo de João Goulart e Getúlio Vargas; o Partido dos Trabalhadores (pê tê), criado por novas lideranças sindicais, especialmente da Grande São Paulo e da região do Grande á bê cê; o Partido Democrático Trabalhista (pê dê tê), criado a partir de uma dissidência do trabalhismo, e cuja figura principal era Leonel Brizola; e o Partido Popular (pê pê), de orientação moderada, mais tarde incorporado ao pê ême dê BÊ.

Lei da Anistia

Por todo o Brasil cresciam os movimentos pela redemocratização. Pressionado, o presidente promulgou, em agosto do mesmo ano, a Lei da Anistia, que libertou todos os presos políticos do país e permitiu a volta dos exilados. A lei também anistiou os agentes do Estado que praticaram crimes de tortura e assassinato no exercício da função.

Atualmente, vários perseguidos políticos, familiares de vítimas da ditadura, grupos de defesa dos direitos humanos e entidades da sociedade civil pedem a revisão da Lei da Anistia. O argumento é que a extensão da anistia aos crimes praticados pelo Estado fere uma série de acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário. Segundo eles, o crime de tortura constitui crime contra a humanidade, sendo, portanto, imprescritível.

Fotografia em preto e branco. Vista elevada em diagonal em local aberto. Por toda a extensão da fotografia, centenas de pessoas estão aglomeradas e são vistas de costas. Mais ao fundo, um muro delimita o espaço. Há pessoas sentadas sobre o muro. Do outro lado do muro, algumas casas podem ser vistas parcialmente.
Assembleia de metalúrgicos do á bê cê, em 1979, no estádio de Vila Euclides, São Paulo.
O fim da ditadura

Em fevereiro de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira, do pê ême dê BÊ, apresentou ao Congresso uma emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas para presidente. Inúmeras manifestações populares foram organizadas no país pela aprovação da emenda, campanha que logo recebeu o nome de Diretas Já. Ao todo, a campanha contou com 32 comícios, ocorridos entre março de 1983 e abril de 1984, e realizados em cidades por todo o Brasil.

A emenda, porém, foi derrotada na Câmara Federal e o próximo presidente da república seria escolhido, mais uma vez, pelo Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985.

Os candidatos inscritos para disputar as eleições foram Paulo Maluf, político do pê dê ésse apoiado pelos militares, e Tancredo Neves, governador de Minas Gerais pelo pê ême dê BÊ. Apoiado por dissidentes do pê dê ésse e por partidos da oposição ao regime militar, Tancredo foi eleito presidente, mas não assumiu o governo. Na véspera da posse, em março, o presidente eleito adoeceu e foi internado. Em abril foi anunciada a notícia do seu falecimento. Em seu lugar assumiu o vice-presidente eleito, José Sarney.

O restabelecimento da ordem democrática

Sarney assumiu a presidência tomando medidas para conter o aumento dos preços e retomar a ordem democrática no país. As principais medidas foram a convocação de uma Assembleia Constituinte e a execução de um plano econômico para controlar a inflação, o Plano Cruzado. Esse plano previa o congelamento dos preços e dos aluguéis e reajustes automáticos dos salários sempre que a inflação atingisse 20%.

O congelamento dos preços promoveu a elevação do poder de compra dos salários, o que gerou um grande aumento do consumo. Com os preços congelados, industriais e comerciantes começaram a boicotar o plano. Tais medidas provocaram o retorno da inflação, que chegou a 85% ao mês.

Constituição de 1988

A Assembleia Nacional Constituinte foi encarregada de elaborar uma nova Constituição. Aprovado em 5 de outubro de 1988, o novo texto constitucional reconheceu as liberdades individuais negadas aos cidadãos brasileiros durante a ditadura civil-militar, como a liberdade de expressão e de organização política.

A Constituição também criou normas de proteção ambiental e reconheceu direitos dos povos indígenas e das comunidades quilombolas. Os crimes de tortura e de racismo passaram a ser inafiançáveis e imprescritíveis.

Fotografia. Visão de cima pra baixo, em diagonal, de local aberto. Milhares de pessoas ocupam o espaço de ruas, viaduto e no vale do Anhangabaú, no centro da cidade de São Paulo. Ao longe, ilegíveis, podem ser identificados cartazes e faixas. Podem ser vistos, parcialmente, prédios e outras construções. No alto, céu nublado em cinza.
Milhares de pessoas se reúnem no Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo, na campanha das Diretas Já. Fotografia de abril de 1984.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

1. Durante a ditadura, futebol e política estavam associados: o governo militar procurava mostrar o sucesso da seleção brasileira como mais uma conquista de um Brasil vitorioso e próspero. Observe a charge a seguir e responda às questões.

Charge. Imagem em duas cenas. Na primeira cena, um homem e duas crianças estão sentados sobre bancos e caixotes de madeira, em torno de uma mesa improvisada, também de madeira. O homem calça chinelos e as crianças estão descalças. Eles seguram garfos e têm pratos vazios diante de si. Uma mulher, calçando chinelos, se aproxima com uma bandeja coberta por uma tampa em formato oval.
Na segunda cena, a mulher retira a tampa que cobria a bandeja, agora sobre a mesa. Todos olham com espanto, pois no lugar de comida, há uma estátua na bandeja. A estátua é a Taça Jules Rimê, que a seleção brasileira de futebol conquistou após a vitória na Copa do Mundo de 1970.
ZIRALDO. Copa do Mundo de 1970. Charge. Essa charge foi publicada no livro 20 anos de prontidão, de 1984. página 51.

• Qual é a visão do chargista em relação ao período? Você acha que esse tipo de expressão artística pode ser considerado uma fórma de resistência à ditadura? Justifique.

2. Leia o trecho a seguir sobre ações empreendidas pelos militares no período da ditadura.

Os militares tinham um projeto de desenvolvimento em grande escala reticências que pretendia realizar a integração completa do território nacional. Isso incluía um ambicioso programa de colonização que implicava no deslocamento de quase um milhão de pessoas com o objetivo de ocupar estrategicamente a região amazônica, não deixar despovoado nenhum espaço do território nacional e tamponar a área de fronteiras. Para seu azar, as populações indígenas estavam posicionadas entre os militares e a realização do maior projeto estratégico de ocupação do território brasileiro. Pagaram um preço altíssimo em dor e quase foram exterminados por isso.

istárlin, Heloisa. Ditadura militar e populações Indígenas. Brasil Doc. Belo Horizonte, [2001]. Disponível em: https://oeds.link/nbMbhA. Acesso em: 12 março 2022.

  1. Identifique no texto os objetivos dos militares na ocupação da região amazônica.
  2. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade divulgou documentos que comprovam as violações dos direitos humanos dos povos indígenas pelo Estado durante o período ditatorial. Na sua opinião, ao darmos visibilidade para fatos ocorridos no passado, podemos contribuir para que alguns acontecimentos não se repitam no futuro?

3. Leia o texto a seguir para responder às questões. Faça esta atividade em dupla.

A resistência democrática no Brasil teve fôrça suficiente para convocar uma Assembleia Constituinte e aprovar uma Constituição adequada ao fim da ditadura. reticências

A primeira das características novas da Constituinte foi a convocação dos movimentos populares a levar suas propostas, ao longo de todo um ano, antes do funcionamento propriamente dito da Assembleia Constituinte. Foi um dos momentos mais bonitos da redemocratização brasileira. A nova Carta foi, segundo as palavras [de] Ulysses Guimarães, a Constituição Cidadã, porque afirmava direitos, cassados pela ditadura. Foi o último impulso da luta democrática brasileira.

SADER, Emir. A Constituição cidadã. Carta Maior, São Paulo, 5 outubro 2013.

De acordo com o texto, a Constituição foi feita de modo democrático? Ela expressou o anseio de quais grupos sociais?

CAPÍTULO 17 DITADURAS NA AMÉRICA DO SUL

Na década de 1950, grande parte dos países da América Latina era governada por políticos nacionalistas que tinham apoio massivo dos trabalhadores. Muitos estudiosos caracterizam esses líderes como populistas, identificando neles algumas práticas comuns, como a implantação de políticas em prol dos trabalhadores. Essas políticas dirigidas aos trabalhadores, contudo, acabavam por não oferecer uma alternativa de transformação social que realmente melhorasse as estruturas vigentes, marcadas por desigualdades sociais. Mesmo assim, as ações dos governos populistas incomodavam as elites, que viam nelas influências de ideias socialistas.

O contexto internacional era marcado pela Guerra Fria, e as ideias socialistas avançavam em alguns países. A China adotou o comunismo em 1949, e Cuba, em 1961. Em diversos outros países multiplicavam-se os grupos guerrilheiros de esquerda. Muitos jovens aderiam à luta armada para combater as desigualdades sociais atribuídas ao sistema capitalista.

Os Estados Unidos temiam o avanço dos ideais comunistas e contribuíram para derrubar os governos populistas latino-americanos e implantar ditaduras civil-militares em diferentes países do continente. Nos anos 1960 e 1970, ditaduras semelhantes à do Brasil se instalaram por quase toda a América Latina.

Fotografia. Duas pessoas vistas de costas agachadas diante de um cartaz com fotografias de rostos de pessoas. Logo abaixo de cada rosto estão escritos os nomes das pessoas. No chão e ao lado do cartaz, muitas velas acesas.
Pessoas acendem velas no Estádio Nacional, em homenagem aos desaparecidos ou mortos na ditadura chilena, no 48º aniversário do golpe, em 2021. O Estádio Nacional, em Santiago, no Chile, foi um centro de tortura durante a ditadura.

Regimes militares e Guerra Fria

Alinhados com os Estados Unidos, os regimes ditatoriais implantados nos anos 1960 e 1970 na América Latina estabeleceram uma política de perseguição às lideranças de esquerda, vistas como inimigas internas da nação. Aplicava-se a doutrina da segurança nacional, pela qual cabia às fôrças Armadas pôr fim à “anarquia” populista e conter “a expansão do comunismo”, garantindo, assim, a segurança e o desenvolvimento do país.

Nessa guerra contra o comunismo foram usadas diferentes armas. A propaganda ideológica, por exemplo, espalhou o medo do “perigo vermelho” por meio do cinema, da televisão, do rádio e da imprensa.

Os Estados Unidos usaram várias estratégias, desde manipulação de informações, boicotes econômicos, pressões diplomáticas e acordos secretos com a oposição local até fornecimento de grandes quantidades de armas para as fôrças Armadas para desestabilizar os governos que contrariavam os seus interesses políticos e econômicos no continente.

Além disso, as fôrças Armadas da América Latina eram treinadas por organizações estadunidenses, como a Escola das Américas, onde militares argentinos, chilenos, brasileiros e bolivianos, entre outros, aprenderam táticas antiguerrilha, de interrogatórios e tortura de presos políticos.

Após a instalação das ditaduras, a perseguição política, a anulação dos direitos civis, a tortura e o assassinato de opositores se tornaram comuns na vida da população dos diversos países do continente. De modo geral, as ditaduras na América do Sul foram extremamente autoritárias e violentas.

Cartaz. Imagem na vertical, com ilustração de pessoas na parte inferior, que lutam umas contra as outras, perto de chamas em laranja e vermelho. As chamas queimam a bandeira dos Estados Unidos. Na parte superior, sobre um fundo formado por uma luz em amarelo, está escrito em inglês a frase: esse é o futuro. Na parte inferior do cartaz, outro texto em inglês afirma: América sob o comunismo.
Propaganda estadunidense anticomunismo, da década de 1920.
Fotografia em preto e branco. Rua larga vista em sua extensão. Em primeiro plano, do lado direito, dezenas de soldados apontam suas armas para um grupo de civis que se aglomera na calçada, mais à esquerda. Em segundo plano, soldados correm atrás de pessoas, que fogem pela mesma rua. Ao fundo e na parte mais elevada da rua, uma multidão corre na direção contrária à dos soldados. Dos lados direito e esquerdo da rua, muitos prédios.
Soldados bolivianos abrem fogo contra estudantes e trabalhadores que protestavam contra o golpe militar. Fotografia de 1979.

Sob a ditadura

Apesar das particularidades de cada país, as ditaduras na América Latina tinham em comum a centralização do poder, o emprego da censura aos meios de comunicação e às manifestações artísticas, as práticas de tortura e repressão aos opositores. Além disso, em todos os países, as ditaduras contaram com o apoio das elites econômicas e adotaram uma política de favorecimento a elas, marginalizando ainda mais as camadas populares com o aumento do desemprego e o arrocho salarial. Vamos conhecer, a seguir, alguns casos.

Paraguai

No início da década de 1950, o general Alfredo Strósner tomou o poder no governo do Paraguai. A ditadura de Strósner foi a mais longa da América do Sul. Durou de 1954 a 1989. Nesse período, o general foi eleito sucessivamente em eleições fraudulentas, nas quais era candidato único. Seu governo desrespeitou constantemente os direitos humanos, executando prisões extrajudiciais, tortura e assassinato de presos políticos. Como as demais ditaduras da América do Sul, a de Strósner teve apoio dos Estados Unidos por meio de empréstimos e do envio de agentes treinados em táticas militares e paramilitares de combate e repressão aos movimentos de esquerda.

Durante a ditadura de Strósner, o Paraguai vivenciou um crescimento econômico: tanto o setor industrial como o setor de agropecuária se fortaleceram por meio dos investimentos estrangeiros (vindos, especialmente, dos Estados Unidos). Esse crescimento econômico, porém, beneficiou as elites e não alcançou a maioria da população paraguaia. Na verdade, a concentração de riquezas nas mãos de poucos grupos da elite aumentou, juntamente com a desigualdade social. Ao longo do período da ditadura no Paraguai, estudos indicam que somente 1% da população detinha 80% de toda a riqueza nacional. Historiadores consideram que o “crescimento econômico” atenuava, em parte, a miséria em que a maior parte da sociedade vivia.

Fotografia em preto e branco. Em primeiro plano, dois generais dentro de um carro visto da metade para cima, de capota levantada. Em segundo plano, alguns homens em pé com terno escuro observam o veículo. Ao fundo, à direita, pessoas usando fardas da guarda da monarquia espanhola, com o brasão da família real em destaque.
Alfredo Strósner (à esquerda) e o general Francisco Franco, ditador espanhol, em cerimônia em Madri, Espanha, 1973.
Uruguai

No Uruguai, a ditadura foi precedida por um cenário de intensa polarização política. De um lado, governos civis autoritários e, de outro, o grupo guerrilheiro de esquerda Tupamaros.

O Movimento de Liberação Nacional Tupamaros foi um movimento político de esquerda uruguaio que atuou como guerrilha urbana durante os anos 1960 e início dos anos 1970. Esse movimento surgiu impulsionado pela crise econômica pela qual o país passava e pela crescente insatisfação popular. Desde 1989, os Tupamaros integraram-se à coalizão política Frente Ampla, da qual faziam parte muitos representantes do Movimento de Participação Popular.

Em 1965, para reprimir as ações dos guerrilheiros, a polícia e o serviço secreto uruguaio passaram a ser treinados por membros da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (cía). Entre 1968 e 1972, governos civis autoritários decretaram estado de sítio no país, suspenderam vários direitos dos cidadãos e intensificaram o combate aos Tupamaros.

Então, em 1973, os militares impuseram uma ditadura que perdurou até 1985. Nesse período, os direitos civis foram frequentemente desrespeitados, os partidos políticos foram proibidos, os sindicatos, considerados ilegais e foram implantadas a censura e a perseguição de opositores.

Na área econômica, o Plano Nacional de Desenvolvimento de 1973-1977, formulado em 1972, foi posto em prática. A economia do Uruguai cresceu, o Produto Interno Bruto (Píbi) aumentou e o comércio exterior foi reestruturado. A política econômica orientava-se pelas exportações não tradicionais e pela entrada de investimentos estrangeiros no país.

Contudo, os benefícios da política econômica eram destinados aos grupos da elite, que passaram a concentrar cada vez mais a riqueza em suas mãos. O valor dos salários dos trabalhadores caiu muito e a má distribuição de renda provocou a exclusão econômica e social dos trabalhadores e das camadas mais pobres da sociedade, ao mesmo tempo que garantiu o enriquecimento de empresários e de membros da elite.

Fotografia em preto e branco. Em local fechado, dezenas de homens estão sentados, um do lado do outro, em ambiente apertado com cortinas fechadas. Em sua maioria, estão cabisbaixos, e parecem esperar por algo.
Membros do Tupamaros, em ocasião da libertação dos presos políticos. Fotografia de 1985.
Chile

Em 1970, Salvador alênde foi eleito presidente do Chile. Instalou um governo de unidade popular e passou a implantar um programa anti-imperialista e antioligárquico na construção da “via chilena para o socialismo”.

Em 1973, a instalação de um regime ditatorial interrompeu esse projeto. Em 11 de setembro, a séde do governo foi bombardeada e o presidente Salvador alênde morreu. O general Augusto Pinochet assumiu o poder e, durante quinze anos, impediu a livre manifestação da sociedade chilena e reprimiu a organização popular e os sindicatos, mantendo seu mandato por meio de reformas constitucionais.

Um grupo militar participante da chamada Caravana da Morte sequestrou e assassinou opositores da ditadura. Estima-se que aproximadamente 3 mil pessoas tenham sido mortas e mais de 30 mil torturadas pelo regime chileno.

Reformas econômicas e aprofundamento das desigualdades sociais

O governo ditatorial de Pinochet implantou uma reforma econômica que seguia claramente os princípios neoliberais, com a privatização de companhias estatais, a entrada de capitais estrangeiros no país, a abertura à importação, a diminuição drástica dos gastos com o Estado, a substituição do ensino público pelos créditos estudantis, a privatização do sistema de seguridade social e a redução dos benefícios sociais. Essa reforma econômica foi influenciada por um grupo de economistas chilenos que, após terem estudado em uma universidade de Chicago, nos Estados Unidos, ficaram conhecidos como “Chicago Boys”.

No entanto, essas mudanças na economia agravaram a desigualdade social no Chile, aprofundando a má distribuição de renda e piorando a situação de pobreza da maior parte da população. Além disso, diminuíram o poder aquisitivo dos trabalhadores. Vale lembrar que reformas econômicas como as do Chile, que seguiam princípios neoliberais, foram implementadas em outros países da América Latina no mesmo período. A Argentina, que também passou por um período ditatorial a partir de 1976, é um desses casos.

A ditadura no Chile teve duração relativamente longa: dezesseis anos. Finalmente, em 1990, um novo governo foi eleito democraticamente no país.

Capa de revista. Imagem vertical, com margens em azul e texto na parte superior em vermelho com o nome da revista: CAUCE. Ao centro, grande quadrado de fundo branco, sem imagem. Na parte inferior, texto em branco e partes em preto.
Capa da Cauce, revista semanal chilena, em 1984. A censura à imprensa nos tempos da ditadura fazia com que os opositores ao regime produzissem protestos criativos. Ao se referir aos 11 anos de Pinochet no poder, a revista se recusou a colocar uma fotografia dele na capa, deixando-a em branco.
Argentina

Em 1976, foi instalado um regime ditatorial na Argentina com o objetivo de destruir a oposição e os movimentos de esquerda e de alinhar o governo argentino à política conservadora de outras ditaduras do continente.

A ditadura argentina (1976-1983) foi uma das mais violentas da história latino-americana. Os militares criaram 340 campos de concentração, onde torturaram e mataram cêrca de 30 mil pessoas. Aproximadamente 9 mil argentinos foram presos e nunca mais localizados. Muitos desses presos foram lançados vivos de aviões que sobrevoavam o Rio da Prata nos chamados “voos da morte”. cêrca de 500 bebês, filhos de prisioneiras assassinadas pelo regime ditatorial, foram sequestrados e entregues a outras famílias, muitas delas de militares.

Economia argentina

A maior parte dos historiadores concorda que, a partir de 1976, a Argentina passou por um processo chamado “desindustrialização”, em que a produção industrial perdeu fôrça. Ao mesmo tempo, os governos militares trataram de implantar medidas que já se aproximavam do neoliberalismo. A abertura dos mercados a investimentos estrangeiros, a terceirização e o desmantelamento da legislação trabalhista foram, pouco a pouco, enfraquecendo economicamente a Argentina.

Resistência

O movimento de resistência à ditadura argentina mais conhecido e duradouro começou a atuar em 1977. As Mães da Praça de Maio, como passaram a ser chamadas, exigiam informações sobre seus filhos mortos ou desaparecidos e denunciavam as torturas e prisões realizadas pelo regime ditatorial. As manifestações das mães, na Praça de Maio em Buenos Aires, em frente à séde presidencial, são realizadas até os dias de hoje.

Alguns grupos de esquerda optaram pela luta armada, como os Montoneros, que defendiam a guerrilha urbana como estratégia para derrubar a ditadura. Membros da Igreja católica também se destacaram na resistência. Foi o caso das freiras francesas Alice Domon e leoní duquê, que participavam do Movimento Ecumênico pelos Direitos Humanos e desapareceram durante a ditadura argentina.

Fotografia. Local aberto, pessoas se aglomeram em volta de duas mulheres que desenham sobre um pano branco estendido sobre o chão. No desenho, vê-se uma mulher abraçando uma senhora e uma criança. Ela tem cabelos escuros e blusa de mangas compridas em verde-claro. A senhora tem cabelos grisalhos, lenço branco sobre a cabeça, blusa de mangas compridas em azul-claro. À esquerda do desenho está escrito em espanhol: Nunca Mais. Ao fundo, pessoas em pé e outras sentadas observando. Em segundo plano, construções vistas parcialmente.
Manifestação em Buenos Aires, durante o Dia da Lembrança, homenageia os mortos e os desaparecidos políticos da ditadura argentina, em 24 de março de 2021.
Ícone. Ilustração de três pessoas e dois balões de fala indicando a seção Em debate.

Em debate

A herança das ditaduras na América do Sul

O texto a seguir apresenta uma comparação entre os regimes ditatoriais no Brasil, na Argentina, no Chile e no Uruguai em relação ao julgamento dos responsáveis por crimes contra a humanidade. Após a leitura, faça as atividades propostas.

De todos os países latino-americanos que passaram pela experiência de uma ditadura militar nas últimas décadas, o Brasil se destaca no direito internacional por sua situação catastrófica.

Enquanto Argentina, Chile e Uruguai passaram, cada um à sua maneira, por processos profundos de julgamento dos responsáveis por crimes contra a humanidade perpetrados por funcionários de Estado, o Brasil brilha por nunca ter colocado um torturador no banco dos réus. Enquanto vários países fizeram revisões de suas leis e instituições, o Brasil conseguiu preservar algumas das mais brutais heranças jurídico-institucionais da ditadura militar.

SAFATLE, Vladimir. Como perpetuar uma ditadura. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, número 103, abril 2014. página 36.

  1. De acordo com o texto, por que a situação do Brasil é catastrófica no que diz respeito ao direito internacional?
  2. Faça uma pesquisa para descobrir o que é um crime contra a humanidade.
  3. Em 2006, a justiça argentina revogou o indulto concedido aos civis e militares acusados de violação aos direitos humanos durante a ditadura no país. Essa decisão possibilitou julgar e condenar à prisão perpétua vinte agentes do Estado, entre civis e militares, por crimes de sequestro, tortura e assassinato. Qual é a sua posição a respeito dessa medida?
Fotografia. Vista parcial de varandas de um prédio. À esquerda, um lenço branco em formato triangular sobre balcão preto onde está escrito em espanhol: Nunca mais. À esquerda, vista parcial de folhas verdes de árvores e outros prédios.
Lenço branco com os dizeres "Nunca mais" no Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça, em Buenos Aires, Argentina. Fotografia de 2020.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

  1. Reúna-se com um colega. Com base nos conhecimentos de vocês e nas informações deste Capítulo, escrevam um texto sobre a relação entre as ditaduras na América do Sul e o contexto internacional da Guerra Fria.
  2. Observe a fotografia.
Fotografia. Em local aberto, em primeiro plano, uma escultura grande do rosto de uma mulher, de sobrancelhas grandes, lábios grossos e nariz pequeno. O rosto está repousado no solo, levemente inclinado para a esquerda. Em segundo plano, um contorno arredondado marrom, árvores com folhas verdes e construções acinzentadas. Ao fundo, céu azul-claro e nuvens brancas.
Monumento em homenagem às vitimas da ditadura no Chile. Cemitério em Santiago, Chile. Fotografia de 2013.

• Com base em seus conhecimentos e nas informações deste Capítulo, explique a importância de monumentos como esse.

  1. Retome as informações sobre as ditaduras no Chile e na Argentina e aponte as formas de resistência da sociedade civil.
  2. Cite duas características comuns aos governos ditatoriais latino-americanos. Em seguida, identifique uma das principais reivindicações das sociedades chilena e argentina em relação às heranças dos governos militares nos respectivos países.
  3. Retome as informações sobre as ditaduras no Paraguai, no Uruguai, no Chile e na Argentina. Escreva um parágrafo comparando brevemente as reformas econômicas empreendidas naqueles governos e os impactos que elas tiveram na população desses países.
  4. Leia o texto a seguir e, depois, responda ao que se pede.

A experiência neoliberal chilena conduzida durante o regime de exceção de Pinochet logrou certos êxitos, dentre os quais se destaca o contrôle inflacionário, a diversificação da pauta de exportação e a abertura comercial.

Porém, a crença dos Chicago Boys na capacidade reguladora das fôrças de mercado impediu-os de perceber as limitações do modelo adotado e levou-os a cometer muitos erros que provocaram a concentração de renda e a intensificação da pobreza. A crise de 1982, que simbolizou o esgotamento do neoliberalismo chileno, mostrou essas limitações e tem muitos paralelos com a crise norte-americana de 2008. Este acontecimento na economia dos Estados Unidos foi o resultado da ausência de supervisão do sistema financeiro, o que originou uma onda de consumo insustentável e especulações, proporcionando, assim, condições para a formação de uma bolha. Tal como no Chile em 1982.

DE LIRA, Francisco Roberto Fuentes Tavares. Do socialismo ao neoliberalismo: o Chile dos anos 1970. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, volume 3, número 6, agosto 2010. página 7-8.

  1. Segundo o texto, que aspectos positivos puderam ser observados na experiência neoliberal chilena durante a ditadura naquele país?
  2. Que erros os chamados Chicago Boys cometeram na economia chilena e quais foram os impactos da política neoliberal implementada por eles para a economia e para a população do Chile?
Ícone. Ilustração do globo terrestre circundado por uma linha amarela, simulando a trajetória da Lua em torno do planeta, indicando a seção Ser no mundo.

Ser no mundo

Economia.

A ditadura civil-militar no Brasil e os povos do campo

A maior parte dos conflitos no campo na atualidade, cujos relatos chegam até nós por meio dos noticiários, tem raízes antigas. A luta das populações do campo pela posse das terras onde vivem e os conflitos entre grandes latifundiários e pequenos camponeses se iniciaram há décadas, e muitos continuam sem solução.

Durante a ditadura civil-militar, houve ações que procuraram restringir os direitos sociais dos camponeses, e mesmo expulsá-los de suas terras, evidenciando um tipo de violência que tem consequências ainda nos dias de hoje.

Para saber mais sobre isso, leia o texto a seguir, que fala sobre casos específicos de conflitos e violência no campo no estado do Acre.

Trecho 1

O Estado [do Acre] foi palco de uma intensa luta contra o desmatamento e a apropriação de terras por grileiros e especuladores, em especial nos anos 70. Os seringueiros faziam correntes humanas na frente de homens e máquinas impedindo de derrubar as árvores, freando o desmatamento descontrolado daquele período. Estes movimentos de resistência ficaram conhecidos como empates.

Os desígnios da “modernização conservadora” no pós-1970 resultaram, por um lado, na expropriação do campesinato e de populações indígenas, [e, por outro] em enormes conflitos sociais em torno da disputa pela terra.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA DO ACRE. Dos seringais de ontem às fazendas de hoje. In: COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Atlas de conflitos na Amazônia. Goiânia: cê pê tê, 2017. página 33.

Estudos indicam que a maior parte dos camponeses no Brasil sempre procurou se organizar para garantir direitos básicos, como educação, saúde, segurança, previdência social, moradia digna etcétera Esses trabalhadores sempre tentaram, também, garantir a posse das terras que ocupam há muito tempo e proteger o meio ambiente, que representa seu sustento e seus modos de vida.

Fotografia. Vista de ambiente fechado, construção com chão e paredes de madeira. Ao fundo, uma lousa grande, de formato quadrado em verde e contornos em marrom. No local, várias pessoas sentadas e algumas em pé, a maioria homens, de cabelos escuros. Algumas estendem a mão direita para o alto com o dedo indicador em riste, em sinal de votação. À esquerda e à direita, pessoas sentadas em bancos e sobre janelas.
Assembleia de seringueiros. Seringal da Cachoeira, Xapuri, Acre. Fotografia de 1994.

Quais seriam as causas dos mais diversos tipos de violência contra essas populações? O texto a seguir nos oferece algumas pistas.

Trecho 2

Atividades predatórias como a pecuária extensiva de córte e a exploração madeireira triplicaram em apenas uma década. reticências As florestas destruídas dão lugar à pecuária. A destruição e os danos ambientais são gigantescos, com a expropriação das populações sem critério algum. Como resultado se registra também a concentração fundiária e o agravamento da pobreza.

Ibid. página 34.

Muitos foram os camponeses e trabalhadores rurais que procuraram garantir os direitos das populações do campo e divulgar a importância da preservação ambiental. Chico Mendes foi um deles. Trabalhador do campo, seringueiro, sindicalista e ambientalista, lutou por melhores condições de vida e de trabalho para os camponeses e pela preservação das florestas. Hoje, sua história de vida é símbolo para aqueles que buscam a paz nas relações entre os diferentes grupos que ocupam áreas rurais.

No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade.

MENDES, Chico apud LEGADO Chico Mendes, o líder seringueiro que deu vida pela luta contra a devastação ambiental. Observatório Justiça e Conservação. Curitiba, 11 maio 2021. Disponível em: https://oeds.link/LyQSyw. Acesso em: 6 junho 2022.

Fotografia em preto e branco. À frente, um homem visto dos joelhos para cima segura um pedaço de madeira seca nas mãos. Ele observa a madeira com atenção e aponta para ela com o dedo indicador da mão esquerda. Com a boca semi-aberta, parece falar algo a seu respeito. No entorno, muitas árvores cortadas e troncos queimados. Ao fundo, região de floresta. No alto, céu claro.
Chico Mendes em Xapuri, Acre. Fotografia de 1988.
  1. Segundo o trecho 1, na década de 1970, que tipos de conflito no campo eram vivenciados pelos camponeses no Acre?
  2. A “modernização conservadora”, citada no trecho 1, refere-se a uma série de medidas que levaram ao crescimento econômico do Brasil durante a ditadura. Retome as informações sobre o “milagre econômico”. Explique por que a modernização conservadora resultou “na expropriação do campesinato e de populações indígenas e em enormes conflitos sociais em torno da disputa pela terra”.
  3. Há uma frase no trecho 2 que explicita um dos tipos de violência sofridos pelas populações do campo na atualidade. Identifique-a e explique suas causas, com base em informações do próprio texto.

Glossário

Arrocho salarial
Contenção de aumento do salário dos trabalhadores para reduzir os custos de produção, ampliando, assim, a margem de lucro dos empregadores, além de ser um mecanismo usado para frear o consumo e impedir o aumento dos preços.
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Secundarista
Estudante do antigo segundo grau, atual Ensino Médio.
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