UNIDADE 4 EXPANSÃO COLONIAL NO BRASIL

CAPÍTULO 10 ESCRAVIDÃO, COMÉRCIO E RESISTÊNCIA

Calcula-se que 11 milhões de africanos escravizados foram trazidos para a América entre os séculos dezesseis e dezenove. Desse total, cêrca de 4 milhões chegaram ao Brasil.

Atualmente, cêrca de 56% da população brasileira se autodeclara preta ou parda. Isso significa que mais da metade da população brasileira atual é composta de descendentes de africanos, que trabalharam e criaram importantes raízes culturais no país.

Ícone. Balão de fala indicando atividade oral.

responda oralmente

para começar

Você já ouviu falar de escritores como Machado de Assis, Lima Barreto, Carolina de Jesus e Conceição Evaristo? E dos compositores musicais Pixinguinha, Cartola, Gilberto Gil e Paulinho da Viola? Reflita e debata com os colegas sobre a importância dos afrodescendentes para a cultura brasileira.

Fotografia. Sob um céu azul com nuvens, diante de um campo, um morro e árvores ao fundo, destaque para cinco estátuas, lado a lado, representando diferentes pessoas. À esquerda, um homem com um colar dourado sobre o pescoço, uma tornozeleira dourada, o peito nu e uma longa tira de tecido vermelho atada à cintura. Ele segura uma lança e um escudo de fundo amarelo gravado com o nome 'Zumbi'. À direita dele, uma mulher com os cabelos cobertos por um chapéu branco sem abas, uma gargantilha dourada no pescoço, uma blusa tomara que caia branca e uma saia longa estampada nas cores verde, vermelho e amarelo. À direita dela, um homem de cabelos brancos, crespos e curtos, barba branca sobre o rosto, vestido com uma blusa vermelha e uma calça branca. Ele segura uma lança com uma das mãos e, na outra, um escudo amarelo gravado com o nome 'Ganga Zumba'. À esquerda dele, uma mulher com uma tiara amarela, azul e vermelha sobre a cabeça, uma gargantilha dourada no pescoço, uma túnica longa vermelha e uma saia longa azul. À direita dela, uma mulher com uma tiara dourada sobre a cabeça, uma pintura em forma de ípsilon invertido na cor dourada sobre o rosto, uma gargantilha e diversos colares dourados sobre o peito, aros dourados enfeitando a parte superior de seus braços, tornozeleiras douradas. Usa um vestido tomara que caia com a parte superior vermelha e a inferior azul, com estampas. Há um cinto dourado atado em sua cintura. Ela segura uma lança. Todos estão descalços.
Estátuas de integrantes do Quilombo dos Palmares, no município de União dos Palmares, Alagoas. Fotografia de 2022. Da esquerda para a direita, estão Zumbi dos Palmares, Dandara, Ganga Zumba, Acotinere e Aqualtune. Acotirene foi uma das primeiras mulheres a habitar o quilombo e, como conselheira dos palmarinos, exerceu grande influência sobre eles.
Fotografia. Em uma sala de cirurgia, destaque, no centro da imagem para um homem vestindo um avental de cirurgião de manga longa na cor cinza, uma touca de proteção branca sobre seus cabelos, uma máscara cobrindo seu nariz e sua boca e luvas cirúrgicas brancas em suas mãos.  Ele está com a cabeça levemente inclinada para baixo. À frente dele, vista parcialmente, uma mulher também paramentada com roupa cirúrgica cinza, touca, máscara, luvas e um óculos de proteção com uma pequena lanterna sobre seu rosto,  a lanterna emana um feixe de luz, voltado para baixo. Ela tem um braço flexionado, e segura um instrumento em formato de caneta com uma das mãos. No fundo da sala, vista parcialmente, uma mulher com uniforme cirúrgico azul, os cabelos sob uma touca branca e uma máscara de proteção branca sobre o rosto.
Médicos realizam cirurgia em hospital na cidade de São Paulo, São Paulo. Fotografia de 2020. Dados do Ministério do Trabalho de 2018 mostravam que a maioria dos brasileiros negros ocupava cargos de baixa qualificação, com poucas exceções. Essa desigualdade social é uma consequência direta dos tempos de escravidão no país.
Serigrafia. Sobre um fundo de madeira, em preto, quatro instrumentos de tortura. No canto esquerdo, uma haste horizontal com dois arcos lado a lado, logo abaixo, dois círculos com quatro pontas afiadas cada um, no alto, à direita, uma máscara de flandres, com hastes metálicas formando um semicírculo terminado em uma máscara de metal, que cobriria a parte frontal do rosto e, logo abaixo, uma faixa com três hastes laterais contendo anzóis duplos metálicos curvos. No canto esquerdo inferior, o texto: 'Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós, das lutas na tempestade dá que ouçamos tua voz. Nós nem cremos cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre país... Hoje o rubro lampejo da aurora acha irmãos, não tiranos hostis'.
Liberdade! Liberdade!, serigrafia de Jaime Lauriano, 2018. A obra faz alusão a um desenho do livro O tirano penitencial ou o comerciante de escravos reformado, de tômas bránagãm, que mostra instrumentos usados no tempo da escravidão. O artista reproduziu o desenho e aplicou trechos do Hino da Proclamação da República do Brasil, em tom crítico e irônico.

Conceitos de escravidão

A escravidão é uma prática antiga e cruel. Sua principal característica é o domínio que uma pessoa (senhor) exerce sobre outra pessoa (escravizado). As fórmas desse domínio variaram ao longo da história, mas podemos dizer que, em muitas situações:

  • o escravizado não tinha liberdade de decidir sobre seu próprio destino. Não era livre, por exemplo, para escolher e organizar a rotina de seu trabalho;
  • o escravizado devia obedecer às ordens de um senhor, principalmente nas relações de trabalho. A desobediência era punida com castigos físicos e até com a morte;
  • o escravizado era considerado um bem que podia ser comprado ou vendido.

Calcula-se que cêrca de 40% da população da Península Itálica era formada por escravizados no auge do Império Romano (século dois). De modo geral, eram escravizadas pessoas aprisionadas em guerras ou que praticavam crimes graves. Não pagar dívidas foi, durante certo tempo, um motivo para a escravização do devedor, sendo também escravizados seus filhos até que a dívida fosse paga.

A situação dos escravizados na Antiguidade era diversificada. Eles trabalhavam em oficinas, mercados, portos e minas, mas também podiam exercer atividades intelectuais, nas funções de secretário ou professor.

Durante a Idade Média, a escravidão continuou existindo, mas deixou de ser a principal fórma de exploração do trabalho. A dominação adquiriu a fórma de servidão, na qual o servo trabalhava na terra para o seu próprio sustento e para manter o senhor feudal, que, em troca, o protegia. O servo podia ser proprietário de alguns instrumentos de trabalho e não podia ser vendido.

A partir do século quinze, época da expansão colonial europeia, foi estabelecida a escravidão moderna. Essa fórma de escravidão tornou-se muito lucrativa para os Estados europeus que controlavam o fluxo de escravizados da África para a América. Milhões de homens e mulheres africanos foram arrancados de seus lares, de seu continente e separados de seus povos, de suas línguas e de suas culturas. Quando comparada à escravidão antiga e à servidão medieval, a escravidão moderna distingue-se por tratar o africano cativo como “peça” ou semoventeglossário , procurando extinguir sua condição humana.

Fotografia. Cinco dados de metal, contendo pontos entalhados em cada uma de suas faces.  Um dado na cor preta, dois dourados e dois acobreados.
Dados de jogar encontrados por arqueólogos durante a escavação do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, em 2011. O local foi um dos portos que receberam a maior quantidade de pessoas escravizadas em todo o mundo.
Fotografia. Caixa metálica vista de cima, parcialmente destampada, expondo pequenas miçangas circulares amontoadas.
Caixa de metal contendo miçangas encontrada na escavação do Cais do Valongo, quando foram iniciadas as obras de revitalização da área portuária da cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, em 2011.

Escravidão na África

No continente africano, havia uma fórma de escravidão que não tinha relação com a cor da pele. Homens e mulheres podiam ser escravizados ao serem derrotados e capturados em guerras ou punidos por crimes e dívidas não pagas. Se um escravizado tivesse filhos, seus descendentes também se tornavam escravizados. Por isso, a escravidão em várias partes da África atingia a linhagem ou a família dessas pessoas.

Em grande parte do continente, os cativos cumpriam ordens de seus senhores e dependiam deles para obter alimento, vestimenta e moradia. Os escravizados trabalhavam na agricultura, no artesanato, na mineração, no comércio etcétera Havia algum comércio de pessoas escravizadas, mas essa não era a atividade predominante.

A escravidão comercial ou mercantil foi desenvolvida no final do século quinze, quando os europeus conquistaram partes do litoral africano. Guerras, dívidas e punições continuaram a ser motivos de escravização, mas um número cada vez maior de escravizados passou a ser vendido para comerciantes europeus. A escravidão de linhagem diminuiu e a escravidão comercial cresceu, envolvendo interesses de grupos escravistas na Europa, na África e na América.

À medida que o comércio atlântico de escravizados crescia, os europeus faziam acordos com soberanos africanos. Esses soberanos aceitavam trocar escravizados por armas, aguardente, tabaco, tecidos e búzios (espécie de concha usada como moeda). As armas de fogo foram introduzidas na África pelos europeus e contribuíram para que as guerras no continente ficassem ainda mais violentas e destrutivas.

Gravura. Sobre um fundo branco de papel amarelado, um grupo de pessoas nuas entre chamas e fumaça. À frente, duas caídas no chão, uma à direita e outra à esquerda. À direita, em pé, uma mulher com um bebê nos braços em posição de corrida. Ao lado dela, à direita, uma criança com dois braços levantados para o alto. À esquerda, ajoelhado no chão, ao lado da pessoa caída à esquerda, um homem aperta amarras nos punhos da pessoa, que está com o rosto sobre o solo. Atrás deles, dois homens em pé, segurando lanças. Em segundo plano, duas casas com telhados de palha e coqueiros entre colunas de fumaça.
Ilustração de uíliãn rênri uôrzinton representando a captura de pessoas na África, 1809. Guerreiros buscavam aprisionar pessoas no interior do continente para negociar sua venda com soberanos locais e comerciantes europeus.

Tornar-se escravizado

O comércio de africanos escravizados ocorrido no Oceano Atlântico foi chamado tráfico negreiro. De modo geral, o tráfico negreiro envolveu a captura de africanos, seu deslocamento em viagens nos navios negreiros e venda nos portos da América.

Captura

As pessoas eram capturadas em guerras ou emboscadas em várias regiões do continente africano. Feitas prisioneiras, elas eram levadas para portos litorâneos. Se fosse necessário, percorriam mais de 400 quilômetros a pé. Estima-se que mais de 10% dessas pessoas morriam no caminho em direção à costa africana.

Principais rotas do tráfico transatlântico (séculos dezesseis-dezenove)

Mapa. Principais rotas do tráfico transatlântico. Séculos dezesseis a dezenove. Mapa representando, em destaque, parte da América do Sul e a África. Algumas regiões estão destacadas em cores distintas. Há setas sobre o Oceano Atlântico indicando rotas. Em amarelo, 'Povos bantos', compreendendo, na África, um grande território, de oeste a leste do continente, desde o norte da Linha do Equador até o sul do continente, estendendo-se, no oeste da África, do Golfo da Guiné até o Golfo de Benguela, e no leste do continente, ao sul da região dos Grandes Lagos até o Canal de Moçambique e o sul do continente, com destaque para Congo, Angola e Moçambique, e as cidades de São Paulo de Luanda, no oeste do continente, e Moçambique, no leste do continente. E na América do Sul, compreendendo dois territórios, do litoral ao interior, um, desde o norte, com destaque para a cidade de Belém, passando pela Baía de São Marcos (com destaque para a cidade de São Luís) até parte do nordeste do continente, com destaque para a cidade de Recife; e outro no sudeste da América do Sul, da região que hoje corresponde ao sul da Bahia até o sul do estado de São Paulo, passando por Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em verde, 'Povos da África Ocidental', compreendendo, na África, no oeste do continente, passando pela Costa da Mina, o Golfo da Guiné estendendo-se até o centro do continente, na região subsaariana, com destaque para a Guiné e a cidade de Lagos. E na América do Sul, do litoral ao interior, desde o norte da região da Baía de Todos os Santos, com destaque para a cidade de Salvador, até o sul da região que hoje corresponde ao estado da Bahia. Uma seta roxa indica 'Rota de Guiné', partindo da Guiné, na África Ocidental, até Belém e São Luís na América. Uma seta verde indica 'Rota da Mina', partindo de Lagos, na região da Costa da Mina, no Golfo da Guiné, no Oeste da África, dividindo-se, no Oceano Atlântico, em rotas até Belém, São Luís, Recife, Salvador e Rio de Janeiro na América. Uma seta laranja indica 'Rota de Angola', partindo de São Paulo de Luanda, no Oeste da África, dividindo-se, no Oceano Atlântico, em rotas até Recife, Salvador e Rio de Janeiro na América. Uma seta vermelha indica 'Rota de Moçambique', partindo de Moçambique, no Leste da África, saindo do Canal de Moçambique, no Oceano Índico, dividindo-se no Oceano Atlântico, em rotas até o Rio de Janeiro, Salvador e Recife, na América. No canto inferior direito, rosa dos ventos e a escala de 0 a 1.560 quilômetros.
Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel M. de et al. Atlas histórico escolar. oitava edição Rio de Janeiro: fei , 1986. página 36-37.

No litoral, as pessoas aprisionadas eram colocadas em barracões precários e com pouca ventilação. Podiam ficar dias ou meses amontoadas nesses barracões, esperando haver número suficiente de pessoas para encher um navio.

Antes de serem embarcados, homens e mulheres eram marcados com ferro em brasa no peito ou nas costas. Essa marca servia para identificar o traficante ao qual o cativo pertencia, já que um mesmo navio podia carregar escravizados de diversos proprietários. Algumas das marcas eram dos reis europeus, que cobravam impostos pelo comércio de escravizados.

Os barracões precisavam ser abastecidos de alimentos e eram vigiados constantemente. Nessa etapa da escravização, havia a participação de comerciantes locais e de traficantes europeus ou traficantes que vinham do continente americano.

Navios negreiros

A travessia do Oceano Atlântico era demorada. Os navios que saíam de Angola levavam, em média, 35 dias até Pernambuco, 40 dias até a Bahia e 50 dias até o Rio de Janeiro.

Crianças, mulheres e homens ficavam presos nos porões dos navios, em um espaço apertado e muito quente. Durante a viagem, eram frequentes os castigos físicos, as doenças, a falta de água e de comida.

Calcula-se que entre 5 e 25 de cada 100 africanos embarcados morriam nessas viagens. Não é por acaso que os navios negreiros ficaram conhecidos como tumbeiros ou túmulos flutuantes.

Gravura. Sobre um fundo de papel amarelado, plantas de uma embarcação à vela em diferentes planos. Na parte superior,  vista de lado, com um corte, indicando os cômodos em seu interior, dentro do casco, sobre as águas. Na proa, há dois andares, o primeiro ocupado por canhões voltados para fora por aberturas no casco, o segundo, por barris. No centro da embarcação, há dois andares. No primeiro, que é muito estreito e baixo, há pessoas sentadas em fila, umas atrás das outras. No andar de baixo, o mais amplo, há cordas e barris. Na popa, no castelo, acima da linha do convés, a inscrição, originalmente em inglês, 'Cabine'. Logo abaixo do convés, um andar com canhões voltados para fora por aberturas no casco; abaixo, um cômodo pequeno com barris de madeira. No convés, a parte inferior dos mastros (três mastros  no convés e o quarto, o gurupés, na proa do navio, voltado para frente e para fora), feixes de cordas e um canhão. Na parte inferior da gravura, visto de cima, uma seção destacada, desde o gurupés, na proa, até a parte posterior do terceiro mastro, incluindo o canhão, há a indicação da medida horizontal, em inglês, 'quarenta pés'. Verticalmente, a indicação em inglês, 'Por doze'. À esquerda do canhão, há uma pequena abertura gradeada no formato quadrado. Na segunda seção destacada, em torno do quarto mastro, não incluindo a cabine de popa, a indicação da medida, em inglês, 'doze pés'.  Há uma pequena abertura gradeada no formato quadrado à direita do quarto mastro. Na gravura, à esquerda, dispostos verticalmente entre tábuas, um grupo de homens sentados em fila em um espaço muito baixo, com as cabeças encostando no teto. Abaixo o texto com as medidas, originalmente em inglês: 'três pés e três polegadas de altura'. (O equivalente a cerca de 1 metro de altura).
Ilustração de navio negreiro publicada no livro Notícias do Brasil em 1828 e 1829, de Róbert Uálxi, 1830. Observe a imagem na lateral esquerda, que mostra como as pessoas escravizadas viajavam na embarcação.

Os africanos capturados se revoltaram em diversos momentos da escravização, desde a captura até a permanência nos barracões. Mas as revoltas nos navios eram as mais temidas pelos traficantes e tripulantes. Para os africanos, era a última chance de resistir antes de fazer uma viagem provavelmente sem volta. Essas revoltas, mesmo quando não eram bem-sucedidas, podiam provocar grandes estragos no navio.

Fotografia. Sob um céu azul sem nuvens diante do mar, um arco na cor vermelha com as bordas brancas, sustentando por duas colunas de cada lado. Na parte superior do arco, em formato retangular, há inscrições com duas fileiras de figuras humanas douradas, uma à direita outra à esquerda, elas estão amarradas umas às outras em fila, em direção à uma embarcação à vela sobre as águas, representada no centro da parte superior do monumento. Nas colunas, em relevo dourado, figuras humanas, homens e mulheres, de dois em dois, com as mãos para trás. Ao lado das colunas, em ambos os lados, esculturas metálicas em formato cônico, com pernas e braços humanos. Atrás do monumento, a praia.
Porta do não retorno, monumento localizado em Uidá (ou Ajudá, em português), Benin. Fotografia de 2019. A obra homenageia milhões de pessoas escravizadas que foram enviadas da África à América.

Mercado de escravizados

O tráfico de pessoas escravizadas movimentou diversos portos na América, entre eles: Rio de Janeiro, Salvador e Recife, no Brasil; Cartagena, em Nova Granada (atual Colômbia); Nova Orleans, nos Estados Unidos; e Havana, em Cuba.

Nas áreas portuárias, o grande fluxo de pessoas e o movimento de mercadorias levaram a transformações. Por exemplo, foram construídos armazéns, lojas de alimentos e estaleiros (locais para construção e conserto de navios).

Fotografia. Vista aérea de um campo escavado cercado de vias asfaltadas e edifícios. O campo, no centro da imagem, possui corredores escavados, pedras grandes e quadrangulares, pavimentos de pedra cercados de grama e, ao fundo, um obelisco. Atrás, uma praça, com árvores e construções baixas. Em segundo plano, um morro coberto de vegetação e o céu parcialmente nublado.
Sítio arqueológico do Cais do Valongo, no centro da cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Fotografia de 2020. Em funcionamento desde o final do século dezoito, esse porto recebeu ao menos 900 mil africanos escravizados.

Os traficantes pagavam os tributos para entrar com sua “carga” de pessoas no Brasil. Os africanos aprisionados eram registrados e levados para os mercados, onde eram vendidos. Em razão das péssimas condições de viagem, várias pessoas ficavam desnutridas, enfraquecidas e doentes (com vermes, escorbuto, oftalmiaglossário etcétera Muitos africanos morriam nesses portos em decorrência das doenças contagiosas que dali se espalhavam pelo interior do continente, como varíola e sarampo.

Nos mercados, os escravizados eram organizados por sexo, idade e origem. Os proprietários e traficantes negociavam as condições e os preços de venda. Para negociar valores mais elevados, os vendedores mandavam alimentar os escravizados, limpá-los e passar óleo em seus corpos. Depois de vendidos, eles eram levados por seus novos senhores para o trabalho forçado em fazendas, residências, comércios ou minas.

Gravura. Em uma área coberta por telhas, com paredes claras nas laterais e uma entrada frontal com três arcos que revelam uma paisagem marítima, há um grande grupo de homens, mulheres e crianças, a maior parte deles, pessoas negras, que estão  em pé, sentadas ou deitadas no chão. O grupo está dividido em grupos menores, em um deles, à frente, em primeiro plano, seis mulheres, dois homens e uma criança estão dispostos sobre o chão em esteiras de palha ao redor de um recipiente arredondado sobre uma fogueira. À direita, há duas pessoas deitadas em esteiras de palha, e, ao fundo, duas pessoas em pé e uma sentada em uma cadeira, diante de um homem branco vestido com casaco vermelho, sentado em frente à uma mesa com uma toalha azul e uma caixa de madeira, ao lado de outro homem branco, de casaco verde com um manto bege e chapéu, em pé. Acima da porta, um arco central, há gravada na parede uma figura de uma mulher com um bebê no colo rodeada por feixes de luz.  À esquerda, sentada próxima à entrada em arco, há uma mulher negra com vestido branco e lenço amarelo cobrindo os cabelos. Ela segura uma cesta de frutas com laranjas em suas mãos. Em frente à ela, há um grupo de três homens vestindo tangas coloridas e chapéus de palha. Um deles estende uma das mãos À esquerda, há um grupo de seis homens negros, de peito nu com tecidos coloridos atados à cintura sentados sobre esteiras de palha sobre o chão. Dois jovens estão sobre um banco de tábuas, junto à parede, e fazem um desenho representando uma embarcação na parede. Há outras figuras na parede: três figuras humanas: dois perfis de homens com adereços como chapéus altos sobre as cabeças e um homem com os dois braços levantados para o alto. Há outros três homens próximos à parede esquerda, em pé, observando. À frente desse grupo, há um homem branco, visto de lado, em pé, usando chapéu claro alto, casaco longo azul, colete marrom, calças e meias compridas até os joelhos roxas. Ele tem uma mão atrás das costas, outra no bolso das calças. Em segundo plano, vista pelos arcos, uma praia. Sobre as águas verdes, uma embarcação à vela e, à direita, uma igreja rodeada por vegetação alta com palmeiras.
Mercado de escravos, gravura do artista alemão iôrram mórritis ruguendás, 1835. Segundo pesquisadores, essa representação retrata os negros no mercado com rostos tranquilos e corpos saudáveis, o que não condizia com a dura realidade que eles enfrentavam.

Autobiografia de um escravizado

marrômá gárdo baquáqua nasceu por volta de 1820 e escreveu uma autobiografia na qual conta sua história como cativo na África e no Brasil e como liberto nos Estados Unidos, para onde conseguiu fugir da escravidão. Trata-se de um importante e raro documento escrito a respeito do tráfico negreiro transatlântico e a vida dos escravizados.

Gravura em preto e branco. Retrato de um homem visto de frente, com cabelos crespos e curtos, vestindo uma manta de tecido cobrindo seu peito parcialmente.
Retrato de marrômá gárdo baquáqua, 1854.

Na África Ocidental, baquáqua foi capturado e levado até a Vila de Grafe, no atual Benin. Lá ficou preso em uma espécie de jaula, sendo vigiado o tempo todo, marcado com ferro quente e castigado várias vezes. Foi em Grafe que baquáqua viu um homem branco pela primeira vez. Muitos africanos pensavam que os brancos eram canibais que preferiam a carne dos negros, e isso lhes causava terror. O pavor aumentava quando viam o navio negreiro. baquáqua achava que todos os negros seriam massacrados naquele navio.

Os maus-tratos continuavam na travessia do Atlântico. Espancados e mal alimentados, os africanos presos no porão podiam até se rebelar, mas pagavam um preço alto quando a rebeldia fracassava.

baquáqua chegou ao Brasil em 1845. Foi levado para uma fazenda perto do litoral de Pernambuco, onde ficou satisfeito por estar vivo. Ele escreveu: “Pouco me importava, então, de ser escravo: havia me safado do navio e era apenas nisso que eu pensava reticências (LARA, Silvia H. Biografia de marrômá gárdo baquáqua – Apresentação. Revista Brasileira de História, volume 8, número 16, página 273, 1988).

Fotografia. Capa de livro retratando o rosto de um homem com o olhar fixo à frente, vestindo um tecido fino sobre seu peito, e correntes metálicas ao redor de seu pescoço. No alto, o nome do autor, 'Mahommah G. Baquaqua'. No centro, contém o título e caracteres brancos: 'Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua. Um nativo de Zoogoo, no interior da África'.
Capa do livro autobiográfico de marrômá gárdo baquáqua, em edição de 2017.

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para pensar

Reflita sobre a trajetória de uma pessoa escravizada e traficada da África para o Brasil. Em seguida, organizem-se em grupo para escrever um pequeno texto narrando sua história de luta pela liberdade.

Sujeitos e impactos

O tráfico transatlântico envolveu diversos sujeitos históricos na África, na América e na Europa. Os escravizados eram capturados no interior ou no litoral da África, levados para os portos, embarcados em navios negreiros e transportados até a América, onde eram vendidos. Esse processo, no qual atuavam comerciantes, políticos, governos e grandes proprietários de terra, teve forte impacto na vida das sociedades americanas e africanas.

Origem dos escravizados

As pessoas trazidas para o Brasil pelos traficantes vinham de diferentes regiões da África e pertenciam a diversos povos. Esses povos costumam ser divididos em dois grandes grupos:

  • os da África Ocidental – iorubás, jêjes, hauçás etcétera Muitos eram conhecidos como “minas”, mas essa é uma categoria que inclui várias regiões, línguas e costumes diferentes. Geralmente, eles vinham de regiões que hoje correspondem ao Benin, à Nigéria e à Guiné e eram levados para a Bahia, entre outras regiões do Brasil;
  • os bantos – formados por angolas, benguelas, moçambiques etcétera Geralmente, eles vinham de Angola, Congo e Moçambique e eram levados principalmente para Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

No século dezesseis, a maioria dos africanos havia sido embarcada nos portos de Bissau, Cacheu, São Jorge da Mina e Ajudá, na África Ocidental. A partir do século dezessete, os portos de Luanda, Benguela e Cabinda, na África Central Atlântica (Congo e Angola), ganharam enorme importância. Estima-se que, no século dezoito, 70% dos africanos trazidos para o Brasil vinham dessa última região.

No Brasil, muitas vezes a origem de um escravizado era indicada pelo nome do porto ou região onde tinha embarcado na África e não pelo povo ao qual ele pertencia. Assim, por exemplo, escravizados de diferentes povos embarcados no porto de Cabinda eram classificados como “cabindas”.

Gravura. Sobre um fundo de papel amarelado, o busto de diferentes homens, lado a lado, vistos de frente, perfil ou de costas. Há cinco homens, na parte superior e quatro homens na parte inferior. Eles possuem penteados, cortes de cabelo e adereços variados, utilizam colares, brincos e adornos diferentes. Alguns possuem pinturas ou escarificações em seus rostos. No alto, à esquerda, sob o número 1, um homem visto de perfil, com cabelos pretos, crespos, curtos, raspados do lado, com um topete alto na frente da cabeça. Ele usa cavanhaque e tem três arranhões em uma das bochechas. À direita dele, sob o número  2,  um homem visto de frente, com cabelos pretos, curtos e crespos, vestindo uma camisa azul aberta. Ele tem um desenho arredondado emoldurando desde a parte inferior de seus olhos até sua testa, e uma linha vertical da testa até os lábios superiores. À direita dele, sob o número  3, um homem visto de frente com cabelos pretos, crespos e curtos usando alargadores nas orelhas e um colar de contas com uma cruz. À direita dele, sob o número  4, um homem visto de frente com um chapéu  em forma de  triângulo, vermelho com bordas brancas, sobre a cabeça. Usando alargador em uma orelha, ele tem uma pintura em forma de ramos sobre a testa e uma estrela na bochecha. Veste uma camisa azul aberta. À direita dele, sob o número  5, um homem visto de costas, com os cabelos raspados na parte posterior da cabeça, com o cabelo formando desenhos geométricos. Na linha inferior, à esquerda, sob o número 6, um homem visto de costas, com os cabelos pretos, crespos e curtos,  raspado na parte posterior da cabeça, formando um desenho sobre a cabeça. À direita dele, sob o número  7,  um homem visto de frente, com o cabelo raspado ao redor da cabeça, há apenas uma faixa frontal de cabelos, com cachos pretos e curtos emoldurando seu rosto. Ele tem um desenho sobre a testa, usa um colar e uma camisa amarela. À direita dele, sob o número  8, um homem visto de perfil, com o cabelo raspado ao redor da cabeça, há apenas duas faixas de cabelo não raspadas, uma frontal, com cachos pretos curtos emoldurando seu rosto, e outra na parte posterior da cabeça. Ele tem um ramo verde com uma flor branca transpassado na orelha, usa um colar de contas com uma cruz e veste uma camisa rosa. À direita dele, sob o número  8, um homem visto de costas. Ele tem o cabelo raspado na nuca e na parte de trás da cabeça. Há uma faixa horizontal de cabelo preto, curto e crespo no centro da cabeça, o cabelo no topo da cabeça está raspado e ele tem um topete alto na frente da cabeça.
Diferentes nações africanas escravizadas no Brasil em gravura de Jãn Batiste Dêbret, 1834-1839. O artista representou pessoas de origem monjolo, mina, moçambique, benguela e cavala.

Agentes do tráfico

Fotografia. Em uma sala de exibição em um museu, com paredes e teto azul-escuros e iluminação baixa feita por luminárias presas em dois trilhos no teto, no centro, a estrutura do casco de um navio, feita de madeira. No centro da imagem, há uma viga central de madeira disposta verticalmente, que é atravessada perpendicularmente por dezenas de peças curvas também de madeira, formando o esqueleto do casco da embarcação. Há dois banners, um de cada lado de uma porta, com reproduções de retratos de dois homens e, nas paredes laterais, reproduções de gravuras do período escravista, correntes e algemas.
Instalação Navio negreiro, que apresenta a estrutura da embarcação, em exposição no Museu Afro Brasil, em São Paulo, São Paulo. Fotografia de 2018. A iluminação fraca da sala tem o objetivo de estimular a sensação de como seria estar no escuro do porão de um navio negreiro.

Comerciantes portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses e franceses, com o apoio de seus governos, negociaram escravizados trazidos da África. As Igrejas cristãs não se opuseram à escravidão africana.

Os portugueses foram os pioneiros e principais comerciantes de escravizados africanos. Esse comércio ganhou tanta importância que no século dezessete chegou a dar lucros tão altos para a Coroa portuguesa quanto o próprio negócio do açúcar. Aqui, os africanos trabalharam em várias atividades econômicas, como na produção de açúcar, arroz, tabaco, algodão, café, extração de ouro, criação de animais, serviços domésticos e transportes.

Depois dos portugueses, os traficantes ingleses foram responsáveis pela venda do maior número de escravizados na América, e levaram essas pessoas para suas colônias na América do Norte e nas ilhas do Caribe. Nessas áreas, do século dezessete ao século dezenove, os africanos escravizados e seus descendentes trabalharam em plantações de algodão, arroz, tabaco e cana-de-açúcar.

Holandeses e franceses também participaram do tráfico, levando escravizados para Pernambuco (durante a invasão holandesa no século dezessete), Guianas (atuais Suriname e Guiana Francesa), Caribe e América do Norte. Para levar os escravizados até esses territórios, eles ocuparam partes do litoral africano e organizaram companhias de comércio.

Impactos no continente africano

Por causa do tráfico negreiro, milhões de pessoas foram escravizadas e forçadas a deixar a África. Em razão desse comércio, das sêcas, da fome e das epidemias, a população africana praticamente não aumentou entre o século dezesseis e o final do século dezenove. Ela só voltaria a crescer depois de 1900.

Além do impacto sobre a população, o tráfico negreiro também trouxe consequências para a economia africana. A agricultura, por exemplo, não era estimulada pelos invasores europeus e pouco se desenvolveu. Afinal, os produtos agrícolas plantados no continente africano concorreriam com a produção da América, e os europeus queriam evitar isso. Para eles, a função da África era fornecer mão de obra para suas colônias na América.

Impactos no Brasil

É quase impossível saber com exatidão quantos africanos escravizados foram trazidos para a América entre os séculos dezesseis e dezenove. Para o Brasil, calcula-se que tenham sido cêrca de 4 milhões de pessoas entre 1531 e 1855, o que corresponde aproximadamente a 40% de todos os africanos traficados para o continente americano. Observe o quadro.

Estimativas de desembarque de africanos escravizados no Brasil (1531-1855)

Período

Número de escravizados

1531-1600

50.000

1601-1700

560.000

1701-1800

1.680.100

1801-1855

1.739.200

Total

4.029.300

Fonte: cláin, réberti. Tráfico de escravos. In: Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Janeiro: í bê gê É, 1987. página 60.

Analisando o quadro, percebemos que o número de escravizados aumentava a cada século.

  • No século dezesseis, o número foi menor se comparado com os seguintes, pois as atividades econômicas eram reduzidas e grande parte dos trabalhadores era proveniente dos povos originários da América.
  • No século dezessete, o tráfico de africanos escravizados aumentou, após a retomada da produção do açúcar e das capitanias que estavam nas mãos dos holandeses.
  • No século dezoito, a agricultura e a descoberta de ouro em Minas Gerais triplicaram a procura por mão de obra escravizada.
  • No século dezenove, o tráfico ocorreu durante menos tempo, porém foi mais intenso do que nos séculos anteriores. O comércio de africanos escravizados pelo Oceano Atlântico foi legalmente extinto no Brasil em 1831 e em 1850, mas continuou de fórma ilegal até aproximadamente 1855. Nessa época, os escravizados trabalhavam principalmente nas lavouras de café, que se expandiam por Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Nas outras províncias, o trabalho dos escravizados continuou em diferentes atividades econômicas, mas passou a diminuir.

Ao serem trazidos para o Brasil, os africanos trouxeram também seus conhecimentos, expressões artísticas, valores e tradições. A presença africana está em diversos campos da cultura brasileira, como na religiosidade, nas celebrações, na língua, na arte e na gastronomia.

PAINEL

Baianas do acarajé

A culinária é um dos aspectos da cultura mais valorizados no mundo contemporâneo. Ela desempenha papel fundamental na construção de identidades nacionais e regionais. A criação de receitas envolve amplo conhecimento de ingredientes, utensílios e modos de preparo.

A culinária não satisfaz apenas as necessidades de nutrição, ela também é um componente indispensável em festas, rituais e outras fórmas de convivência.

Na época colonial, os africanos e as africanas trouxeram diversos conhecimentos para o Brasil. Entre eles, o modo de fazer acarajé. As mulheres (escravizadas ou libertas) faziam bolinhos de acarajé para vendê-los nas ruas ou para oferecê-los aos orixás nos eventos relacionados ao candomblé. No candomblé, o acarajé é uma comida sagrada.

O acarajé é um bolinho feito de feijão-fradinho temperado e frito no azeite de dendê. Depois, ele é cortado e recheado com camarão, caruru, vatapá e pimenta. A palavra acarajé”, em idioma iorubá, significa “comer fogo”.

Quando vendiam esses quitutes, as mulheres escravizadas eram obrigadas a dar a maior parte do lucro para seus senhores. Mesmo assim, muitas delas conseguiram juntar dinheiro para comprar sua alforria e também conquistar a liberdade de seus filhos. Além disso, o comércio de alimentos promoveu a convivência entre os escravizados urbanos e estimulou fórmas de organização entre eles.

Fotografia em sépia. Retrato de uma mulher, vista de corpo inteiro, com o corpo voltado para a direita, segurando sobre sua cabeça, com os braços flexionados e as mãos nas laterais, uma bandeja de madeira sobre a qual há  alimentos e um cesto com frutas. Ela tem os cabelos cobertos por um turbante de tecido branco, veste uma blusa de mangas curtas e de cor clara, uma saia longa clara com pregas e um babado na barra e tem um pano listrado amarrado sobre sua cintura. A mulher usa pulseiras no braço direito e brincos nas orelhas. Ela olha de forma fixa e determinada para a câmera. Há três arranhões profundos em sua bochecha direita.
Escrava de ganho vendedora, fotografia de Christiano Junior, 1864-1865. A venda de comida por mulheres escravizadas e libertas teve início na época colonial e prosseguiu pelo século dezenove.

Atualmente, as baianas que vendem acarajé são referências em várias cidades do país, sobretudo em Salvador, na Bahia. Desde 2005, a tradição preservada por essas mulheres é considerada patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o ifân Assim, houve o reconhecimento oficial do grande valor que os saberes africanos têm no processo de formação da sociedade brasileira.

Fotografia. Vista a partir da parte posterior do balcão de uma tenda de comida de rua. Sobre o balcão, há uma bandeja metálica com acarajés, e quatro panelas metálicas altas, uma com camarão seco, outra com vatapá, a seguinte já quase vazia e a quarta também com vatapá. De um lado do balcão, vista de costas e parcialmente, à esquerda, uma mulher vestindo uma blusa branca de mangas curtas, com os cabelos cobertos por um tecido colorido amarrado em torno de sua cabeça, segura, em uma das mãos com folhas de papel, um bolinho de acarajé aberto. Com a outra mão, ela segura uma colher amarela. À direita, há outra mulher vista de costas e parcialmente, com uma blusa branca de mangas curtas amarelas e estampadas. Do outro lado do balcão há quatro mulheres vistas parcialmente, uma delas segurando um prato metálico com alimentos em direção ao balcão.
Vendedora prepara acarajés em Salvador, Bahia. Fotografia de 2022.
Fotografia. Destaque para mãos de uma mulher, cobertas por luvas plásticas, segurando, ao redor de folhas de papel, um bolinho de acarajé frito, aberto, recheado com camarões, vatapá e tomates picados.  No fundo desfocado, o detalhe da blusa vestida pela mulher, uma blusa estampada com arcos azuis, brancos e lilás,
Acarajé pronto para consumo, em Santa Cruz Cabrália, Bahia. Fotografia de 2019.

Cotidiano dos escravizados

Aos africanos que sobreviviam à viagem pelo Oceano Atlântico era imposta uma vida muito difícil. Após se recuperarem da travessia, eles eram vendidos em leilões realizados no porto onde ocorrera seu desembarque na América. Pouco tempo depois, já estavam trabalhando para seus novos donos.

O aprendizado da língua portuguesa

Aprender a língua dos brancos não era fácil. No Brasil, os escravizados podiam ser mais ou menos valorizados de acordo com a experiência de vida na colônia. Na visão dos senhores, os escravizados que não conheciam a língua portuguesa e o trabalho na colônia eram menos valorizados, por isso eram chamados de boçais. Já os que entendiam a língua e haviam aprendido a rotina do trabalho eram mais valorizados, sendo chamados de ladinos.

O jesuíta Antonil chegou ao Brasil em 1681. Durante sua permanência no país, ele observou que os senhores faziam essas distinções entre os escravizados, e escreveu em seu livro Cultura e opulência do Brasil, publicado em 1711:

“Uns chegam ao Brasil muito rudes e muito fechados e assim continuam por toda a vida. Outros, em poucos anos saem ladinos e espertos, assim para aprenderem a doutrina cristã, como para buscarem modo de passar a vida [...]. Os que nasceram no Brasil, ou se criaram desde pequenos em casa dos brancos, afeiçoando-se a seus senhores, dão boa conta de si; e levando bom cativeiro, qualquer deles vale por quatro boçais.”

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. terceira edição Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: êduspi, 1997. página 89.

Capa de livro. Sobre um fundo de papel amarelado, em preto, o título: 'Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas'. O trecho 'do Brasil' tem caracteres muito maiores que o restante. Abaixo, há texto ilegível na reprodução, seguido pelo título do autor, 'de André João Antonil'. Na metade inferior da capa, dentro de um retângulo, a ilustração de um brasão com um vaso com uma planta, no centro, ramos nas laterais e faixas superiores com as palavras em latim:  'Semper', 'Honore' e 'Meo'. Logo abaixo do brasão, o texto: 'Lisboa. Na Oficina Real deslandesiana. Com as licenças necessárias. Ano de 1711'.
Página de rosto do livro Cultura e opulência do Brasil, do jesuíta italiano André João Antonil, publicado em Lisboa em 1711.

Trabalho na cidade e no campo

Além da agricultura e da mineração, os escravizados faziam serviços domésticos, artesanato ou outros trabalhos nas cidades como escravos de ganho. Dessa fórma, eles realizavam tarefas temporárias em troca de pagamento, mas tudo ou quase tudo que recebiam ficava para seus senhores.

Muitos escravizados preferiam viver nas cidades, pois ali tinham mais chances de circular pelas ruas e ganhar algum dinheiro. Podiam juntar as economias e, às vezes, conseguiam comprar sua liberdade. Vender um escravizado urbano para uma fazenda no interior era uma fórma de castigo usada pelos senhores.

Os escravizados que trabalhavam no campo e na mineração eram fiscalizados por feitores. A jornada de trabalho durava cêrca de 15 horas por dia. Quando desobedeciam às ordens, sofriam castigos que geralmente eram aplicados em público para intimidar os outros escravizados e evitar insubordinações. Era o chamado castigo exemplar.

O excesso de trabalho, a má alimentação, as péssimas condições de higiene e os castigos físicos deterioravam a saúde dos cativos. Principalmente nas minas e nas lavouras, vários escravizados morriam depois de cinco ou dez anos de trabalho. Já os escravizados domésticos ou de ganho podiam ter roupas e alimentação melhores, contribuindo para que vivessem por mais tempo.

Gravura. Em uma rua larga de terra, diante de uma casa com paredes brancas e janelas azuis em forma de arco, com uma porta central alta em formato de arco também azul, há um grupo de pessoas em fila no centro da gravura. São nove pessoas em fila indiana, com o corpo voltado para a esquerda, todas negras, magras, descalças, com cabelos curtos; sete homens alguns deles mais jovens, uma mulher e uma criança. Exceto pela criança, vestida com uma túnica curta branca, todos estão com o peito nu e uma faixa de tecido branco ao redor da cintura. A criança está próxima da mulher, que a segura pelos ombros. A primeira pessoa da fila, à esquerda, é vista de lado. Está com as mãos unidas à frente de seu corpo e a cabeça reclinada para baixo. À frente da fila, à esquerda, há um homem negro, também descalço, com um chapéu preto de abas sobre a cabeça, vestido com uma camisa e uma calça ambas brancas, segurando um chicote embaixo de um braço e uma mão segurando a aba do chapéu. Mais à esquerda, à frente dele, há um homem visto de lado, com o corpo voltado para a direita. Ele é branco, veste um fraque azul escuro e calças brancas. Tem um chapéu preto de abas laterais sobre a cabeça, calça sapatos pretos e está com uma das mãos apoiadas sobre uma bengala de madeira. No canto direito da gravura, há dois homens vistos de frente, em primeiro plano. Eles estão caminhando lado a lado. Ambos são negros, tem cabelos curtos, estão descalços. Um, à esquerda, veste um longo colete azul aberto sobre o peito nu e calças curtas na cor branca.  Leva um grande cesto de palha em suas costas e segura um instrumento com as mãos. O instrumentos é composto por um arco de madeira, que ele segura em uma mão, e uma longa hasta terminada em um círculo, também de madeira, que ele segura com a outra mão. À direita, o outro homem veste um colete azul longo aberto sobre uma camisa branca e calças curtas na cor branca. Ele tem um tecido branco sobre a cabeça, protegendo-a, pois sobre sua cabeça está apoiado um grande cesto de palha contendo folhas verdes. Com suas mãos, ele segura um instrumento musical, uma espécie de kalimba redonda, com longas hastes curvas de metal fixadas na lateral.
Escravos doentes, gravura de rênri chãmberlêin publicada no livro Paisagens e costumes do Rio de Janeiro, 1822.

fórmas de resistência

Em muitos casos, os escravizados lutaram abertamente contra a escravidão. Em outros, negociaram com seus senhores, tentando reduzir a crueldade do cativeiro.

Conflitos

Os africanos escravizados e seus descendentes questionaram a escravização de várias fórmas. As fugas individuais e coletivas eram frequentes. Os escravizados fugidos eram auxiliados por redes e pessoas que os apoiavam, ou procuravam a proteção de negros livres ou libertos que viviam nas cidades, onde poderiam se passar por pessoas livres. Muitos formavam comunidades, aliando-se a outros grupos da sociedade colonial. Essas comunidades eram chamadas quilombos.

Os escravizados que fugiam eram perseguidos. Cartazes afixados nas portas das igrejas e anúncios nos jornais no século dezenove ofereciam recompensas a quem os prendesse e os devolvesse aos senhores escravistas.

Apesar de todo contrôle, os escravizados criaram diferentes fórmas de resistência. Por exemplo, organizavam rebeliões e sabotavam a produção, quebrando ferramentas ou incendiando as plantações. Na produção do açúcar, a sabotagem dos escravizados era uma ameaça constante: fagulhas lançadas nos canaviais provocavam incêndios, e pedras jogadas na moenda do engenho podiam quebrar as máquinas e arruinar a safra.

Cartaz. Sobre um fundo de papel amarelado um anúncio com texto em caracteres na cor preta e uma ilustração na metade superior. No alto, o texto: 'Crioulo fugido.' Abaixo, no centro, uma ilustração representando um homem em pé, visto de lado, vestindo uma camisa clara e uma calça escura. Em um de seus ombros, está apoiada uma haste de madeira com um tecido amarrado na ponta, formando um saco. Atrás dele, uma árvore entortada pelo vento, inclinada para a direita. Na lateral esquerda da ilustração, o texto: '50 mil réis'; e na lateral direita, 'de alvíssaras', com a grafia corrente na época. Logo abaixo da ilustração, o texto: 'Anda fugido, desde o dia 18 de outubro de 1854, o escravo crioulo de nome Fortunato [o nome está escrito em caracteres maiores em uma linha], de 20 e tantos anos de idade, com falta de dentes da frente, com pouca ou nenhuma barba, baixo, reforçado, e picado de bexigas que teve há poucos anos, é muito pachola, mal encarado, fala apressado e com a boca cheia olhando para o chão; costuma às vezes andar calçado intitulando-se  forro, e dizendo chamar-se Fortunato Lopes da Silva. Sabe cozinhar, trabalhar de encadernador, e entende de plantações da roça, donde é natural. Quem o prender, entregar à prisão, e avisar na corte, ao seu senhor Eduardo Laemmert, Rua da Quitanda, número 77, receberá 50 mil réis de gratificação'. Na parte inferior, abaixo de uma linha contínua, o texto: 'Rio de Janeiro, Tipografia Universal de Laemmert, Rua dos Inválidos, 61 B.'
Anúncio publicado no Rio de Janeiro, em 1854, oferecendo recompensa para quem denunciasse um escravizado foragido cujo nome era Fortunato. O termo “crioulo” era utilizado para designar os negros escravizados nascidos na América portuguesa, mas hoje é uma palavra com significado pejorativo, pois remonta à escravidão.

Negociações

As negociações entre senhores e escravizados faziam parte do cotidiano da escravidão e funcionavam como estratégia de sobrevivência, já que os escravizados não recebiam pagamento nem tinham descanso como os trabalhadores livres.

Muitos escravizados obedeciam a seus senhores para conseguir alimentos, roupas, um pedaço de terra; para viver em senzalas separadas onde podiam morar somente com suas famílias; para ter a oportunidade de expressar sua cultura (como falar seu idioma e realizar festas) e o direito de comprar a liberdade, quando juntavam o dinheiro necessário para isso.

Fotografia em preto e branco. Diante de uma parede, em uma rua de terra, um grupo de homens e mulheres, lado a lado, em pé, formando um semicírculo. No centro, frente a frente, também em pé, um homem, à direita, e uma mulher, à esquerda. Formando o semicírculo, há oito homens, majoritariamente à esquerda, e quatro mulheres, à direita. Os homens vestem camisas brancas de mangas longas, calças compridas brancas, e tecidos longos, estampados, amarrados ao redor da cintura. Estão descalços e usam chapéu sem abas listrados enfeitados com penas. Quatro deles, à esquerda, seguram tambores entre as pernas e estão com as costas curvadas, com as palmas das mãos sobre os tambores. As mulheres, à direita, trajam vestidos longos, brancos, com saias armadas, fitas sobre a cintura ou sobre o peito. Usam chapéus sem abas com bordados com pedrarias. O chapéu de uma delas, tem plumas brancas. Algumas usam brincos. Estão com as mãos unidas na frente do corpo. No centro, à esquerda, diante de uma mulher, um homem visto de lado, voltado para a direita, vestido com uma camisa branca de mangas longas, calça comprida branca e um tecido longo, estampado com listras verticais amarrado ao redor da cintura. Está descalço e usa um chapéu sem abas bordado enfeitado com penas e um manto escuro sobre seus ombros. No centro, à direita, diante do homem,  uma mulher vista de lado, voltada para a esquerda, trajando um vestido longo, branco, com saia armada, uma fita cruzando o peito na lateral do corpo. Ela usa um chapéu sem abas, alto, com bordados com pedrarias e plumas brancas.
Congada no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, fotografia de Arsênio da Silva, 1860. A congada consistia na coroação de uma rainha e de um rei negros membros de uma irmandade. A celebração tinha danças, batuques e desfiles organizados pelos africanos e seus descendentes. O rei e a rainha negros tinham grande importância social e eram considerados líderes na comunidade.
Fotografia. Interior de uma construção feita de madeira de taipa de pilão,  retangular, com solo de terra batida. Nas paredes, a estrutura feita de feixes de madeira entrelaçados e barro está exposta. No alto, sustentado por vigas de madeira que cortam a imagem horizontalmente, a estrutura em madeira de um telhado de duas águas e, no alto das paredes, nas laterais, aberturas horizontais com grades.
Interior de senzala da fazenda Santa Clara, considerada uma das maiores do século dezenove, em Santa Rita de Jacutinga, Minas Gerais. Fotografia de 2014. Geralmente, nas senzalas não havia divisões internas e diferentes famílias e pessoas solteiras dormiam juntas no chão. Era comum esses locais serem de terra batida, úmidos e com pouca ventilação.

Quilombos

A formação de quilombos foi uma fórma de luta dos escravizados comum em vários períodos e regiões do continente americano. Desde o século dezessete até o final da escravidão, no século dezenove, muitos africanos e seus descendentes se refugiaram em quilombos, construindo histórias de conquista da liberdade.

Embora as populações quilombolas fossem compostas principalmente de africanos e seus descendentes, havia também indígenas ameaçados pelo avanço da conquista portuguesa, brancos pobres, aventureiros e vendedores.

A vida social e econômica dos quilombos envolvia diversas atividades: agricultura, caça, coleta, mineração, produção artesanal e comércio. Seus integrantes sustentavam-se por meio de alianças com escravizados de ganho, libertos, pequenos proprietários e homens livres, principalmente comerciantes.

Gravura. Planta representando uma área cercada de árvores vista de cima. O terreno ao redor é representado em marrom escuro com pequenas árvores de copa verde desenhadas. A área central, em formato arredondado, está representada em marrom claro e tem algumas árvores mais esparsas. Há pequenos círculos destacados pela letra D em toda a parte superior da área em marrom claro. Na parte inferior, no centro, há dois grupos compostos por três fileiras de retângulos marrons e pequenos representando construções, destacadas pelas letras: Z, B, N, H. Logo abaixo, pequenos retângulos marrons e verdes entre árvores representam áreas de cultivo, destacadas pela letra F. Abaixo, há uma estrada com uma bifurcação à esquerda. A estrada é destacada pela letra I e pela letra E; entre as linhas da bifurcação da estrada, há três fileiras de retângulos marrons e pequenos agrupados, que estão destacados pela letra X. Em torno dessa área, há riscos curtos sobre o fundo marrom claro e a letra V.
Planta do quilombo Buraco do Tatu, que se formou em 1744 nas proximidades de Salvador, Bahia. Provavelmente, essa planta, de 1764, foi feita por autoridades interessadas em reprimir essas comunidades.
Ícone. Livro aberto indicando o boxe Dica. Livro

dica livro

DINIZ, André. Quilombo Orum Aiê. Rio de Janeiro: Galera Record, 2010.

História em quadrinhos que conta as experiências de um grupo que consegue fugir do cativeiro e sai em busca do Quilombo Orum Aiê.

Palmares

Palmares foi o maior quilombo da América e também o que resistiu por mais tempo. Formado pela reunião de nove povoados, recebeu o nome de Palmares por estar localizado em uma região com muitas palmeiras, na Serra da Barriga, no atual estado de Alagoas.

Várias expedições militares foram organizadas para destruir Palmares. Quase todas fracassaram, e o quilombo conseguiu resistir por 65 anos, de 1629 a 1694.

Segundo documentos da época, calcula-se que Palmares chegou a ter 20 mil habitantes. Os quilombolas de Palmares pescavam e criavam gado. Faziam peças de cerâmica, madeira e metal. Também cultivavam milho, feijão, cana-de-açúcar, mandioca e frutas. Quando produziam mais do que precisavam, vendiam o excedente.

Zumbi dos Palmares

Zumbi foi um dos líderes do Quilombo dos Palmares. Ele comandou a resistência dos quilombolas contra os ataques do governo.

Em 1691, a Coroa portuguesa, o governo colonial e os senhores de engenho contrataram o paulista Domingos Jorge Velho (1641-1705) e seus homens para atacar o quilombo. Liderados por Zumbi, os quilombolas conseguiram derrotar as fôrças de Jorge Velho.

Em 1694, Domingos Jorge Velho atacou novamente o quilombo. Dessa vez, o governo enviou cêrca de 6 mil homens bem armados. Os quilombolas, que não tinham armas nem munições suficientes, resistiram por cêrca de um mês. Ao final, Palmares foi destruído e sua população, massacrada.

Após os conflitos em Palmares, foi criado o cargo militar de capitão do mato, um funcionário que prendia e devolvia os escravizados fugidos aos seus senhores. Além disso, algumas leis foram mudadas para permitir maior repressão aos escravizados. No século dezoito, qualquer reunião de cinco negros poderia ser entendida como quilombo.

A experiência de Palmares valorizou a figura de Zumbi como símbolo da luta dos negros contra a opressão. O movimento negro brasileiro pressionou os órgãos governamentais e, desde 1978, o dia 20 de novembro (supostamente a data em que Zumbi morreu) tornou-se o Dia da Consciência Negra, um dia de luta e reflexão contra o racismo.

Fotografia. Sob um céu nublado, em uma praça, no centro da imagem, um monumento de formato de pirâmide, na cor branca. O topo é reto e abriga uma escultura de metal representando o rosto de um homem usando um capacete com uma pequena lança no topo. Diante do monumento, vistas de costas,  sete mulheres vestindo majoritariamente trajes e sapatos brancos, com blusas com renda e saias ou calças brancas. Uma usa uma blusa azul. Outra, um vestido verde. Todas elas tem faixas de tecidos nos cabelos ou usam turbantes na cor branca sobre a cabeça. Elas colocam flores, palmas brancas e amarelas, sobre a base do monumento. Há hastes com flores em toda a base do monumento e uma mulher segura um ramalhete de flores amarelas em suas mãos.
Monumento em homenagem a Zumbi dos Palmares, no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Fotografia de 2020. Como não se conhecem detalhes de sua fisionomia, o escultor inspirou-se em máscaras africanas do Benin.
Ícone. Balão de fala indicando atividade oral.

responda oralmente

para pensar

O Dia da Consciência Negra é celebrado em seu município? Se sua resposta for afirmativa, de que maneira ocorre a celebração?

Terras quilombolas

Atualmente, existem no Brasil várias comunidades quilombolas em todo o país. São mais de setecentas comunidades, reunindo cêrca de duas milhões de pessoas que descendem dos antigos quilombolas.

Os movimentos sociais negros têm conquistado vários direitos para os afro-brasileiros. Entre suas conquistas está o direito às terras dos antigos quilombos, que vêm sendo demarcadas e registradas legalmente.

Porém, essas comunidades precisam de mais do que terras legalizadas. Elas necessitam de uma série de condições para o exercício da cidadania, como escolas, postos de saúde, geração de empregos, garantia dos direitos etcétera

De acordo com o Censo Escolar de 2004, naquele ano havia trezentas e sessenta e quatro escolas em comunidades quilombolas no país. O Censo Escolar de 2009 mostrou o crescimento desses estabelecimentos, passando a existir mil seiscentas e noventa e seis escolas quilombolas no Brasil, a maior parte nos estados de Maranhão, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e Pará. Já em 2020, havia cerca de duas mil quinhentas e vinte e três escolas em áreas remanescentes de quilombos no país.

Ícone. Ponto seguido de dois arcos inclinados à direita indicando o boxe Dica. Internet.

dica internet

Quilombolas no Brasil

Disponível em: https://oeds.link/Qm1gRr. Acesso em: 15 fevereiro 2022.

Site da Comissão Pró-Índio de São Paulo que traz informações, fotos e notícias sobre as comunidades quilombolas brasileiras nos dias de hoje.

Fotografia. Sob um céu azul, vista lateral da fachada de uma construção com telhado de duas águas, coberto de palha seca, uma grande entrada frontal retangular em madeira e paredes laterais brancas. À frente, um campo gramado.
Entrada de escola da comunidade quilombola de Muquém, no município de União dos Palmares, Alagoas. Fotografia de 2017. A comunidade é reconhecida como grupo de remanescentes do Quilombo dos Palmares.

OUTRAS HISTÓRIAS

Aqualtune, uma líder quilombola

Leia a seguir o texto sobre a princesa congolesa Aqualtune.

“Reza a tradição que Aqualtune era uma princesa africana, filha do importante rei do Congo. Participando de combates em uma das guerras entre os diversos reinos africanos, ela liderava um exército de 10 mil guerreiros, mas foi derrotada numa batalha e aprisionada. Transformada em escrava, foi vendida e trazida ao Brasil reticências.

[Ela] foi vendida, grávida, para um engenho de açúcar na região de Porto Calvo, no sul das terras pernambucanas. Chegando ao engenho, ouviu histórias da resistência negra à escravidão e da estratégia usada por eles de se embrenharem no mato para fugir dos senhores. Um dos focos dessa resistência no Nordeste era o Quilombo dos Palmares, não muito distante de Porto Calvo, onde um grupamento de centenas de escravos vivia livre. Aqualtune, nos últimos meses de gravidez, organizou sua fuga e de outros escravos do engenho, partindo em busca do quilombo. reticências Aqualtune, sendo princesa, teve reconhecida sua ascendência e recebeu o governo de uma das aldeias, onde cada mocambo organizava-se de acordo com suas próprias regras. A tradição afirma que o famoso líder negro Ganga Zumba seria da família de Aqualtune e uma filha dela teria gerado Zumbi, lendário herói da resistência do povo negro à escravidão.

A guerra comandada pelos paulistas para destruir o quilombo de Palmares é uma das páginas mais dolorosas da história do Brasil. Em 1677, a aldeia de Aqualtune, que já estava idosa, foi queimada pelas expedições coloniais. Não se sabe a data da morte de Aqualtune, mas os quilombolas permaneceram lutando até serem derrotados, em novembro de 1695, pela bandeira do paulista Domingos Jorge Velho.”

chumáer, chúma; BRASIL, Érico Vital (organizador). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge zarrár 2000. página 84.

Capa de livro.  Sobre um fundo cinza com detalhes brancos, no alto, o título, em caracteres pretos: 'Aqualtune e as histórias da África'. Abaixo, o nome da autora, Ana Cristina Massa. À esquerda, uma grande silhueta representando o perfil de uma mulher, vista de lado, usando um turbante colorido e estampado, nas cores laranja, azul claro, verde, rosa e outras, e vestindo uma túnica estampada com diferentes cores; as bordas, sobre um fundo vermelho, com pimentas em marrom e amarelo; o corpo em um fundo verde, amarelo e azul com linhas azuis formando losangos preenchidos de vermelho e o desenho de lábios amarelos no centro. Há a silhueta de lança à frente da mulher.
Capa do livro Aqualtune e as histórias da África, de Ana Cristina Massa, em edição de 2012. A obra narra as aventuras da menina Aqualtune, que vai passar as férias em uma fazenda longe da cidade e, com os amigos, desvenda uma lenda africana.

Responda no caderno

Atividade

Quem são as mulheres negras que participaram da resistência à escravidão no Brasil? Em grupo, pesquisem a biografia de algumas dessas mulheres e compartilhem o resultado com os outros grupos, de preferência postando a informação em redes sociais com a supervisão do professor.

OFICINA DE HISTÓRIA

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Conferir e refletir

1. Leia o texto da historiadora Marina de Mello e Souza e responda às questões.

“Além de serem afastadas das aldeias nas quais cresceram, e que eram o centro de seu universo, muito poucas vezes conseguiram se manter próximas de conhecidos ou familiares, mesmo quando todos eram capturados juntos. reticências

E a cada etapa da travessia do mundo da liberdade para o da escravidão, da África para o Brasil, era mais provável a pessoa se ver sozinha diante do desconhecido, tendo de aprender quase tudo de novo.

No entanto, nada disso era capaz de apagar o que ela havia sido até então. Mesmo se capturada quando criança, ela traria dentro de si todo o conhecimento e a sensibilidade que sua família e vizinhos haviam até então lhe transmitido pela educação e pelo exemplo da vida cotidiana.”

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006. página 84 e 85.

De acordo com o texto, além da liberdade, o que os escravizados perdiam ao serem traficados para o Brasil? E o que eles conseguiam preservar?


integrar com Geografia

2. Atualmente no Brasil existem várias comunidades remanescentes de quilombos.

Remanescentes de quilombos no Brasil (2017)

Mapa. Remanescente de quilombos no Brasil. 2017. Mapa representando o território do Brasil, dividido em estados. Os estados estão pintados na cor rosa, exceto o Acre e Roraima, na cor branca. O Distrito federal também está na cor branca. Circunferências de diferentes diâmetros indicam 'Número de comunidades quilombolas'. Menos de 20: Amazonas, Rondônia, Espírito Santo. De 21 a 50: Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul,  Rio de Janeiro, Goiás, Tocantins, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. De 51 a 100: Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Pará e Amapá. De 101 a 300: Minas Gerais e Bahia. Mais de 300: Maranhão. Locais com dados nãos disponíveis ou inexistentes comunidades quilombolas estão indicados na cor branca: Acre, Roraima e Distrito Federal. No canto inferior direito, rosa dos ventos e a escala de 0 a 500 quilômetros.
Fonte: MONITORAMENTO Terras Quilombolas. Comissão Pró-Índio de São Paulo, 2017. Disponível em: https://oeds.link/En5H6t. Acesso em: 22 fevereiro 2022.
  1. O que era um quilombo? Observe o mapa: existem comunidades remanescentes de quilombos no estado em que você vive? Você conhece alguma delas?
  2. Escolha uma dessas comunidades e pesquise quantas pessoas vivem nela e em que condições.

Interpretar texto e imagem

3. Nos dias atuais, chama a atenção que a crueldade dos castigos aplicados aos escravizados era tratada como um “fato natural”. Leia o trecho do texto escrito por um padre jesuíta dando conselhos aos senhores de escravizados nos primeiros anos do século dezoito.

“Para trazer bem domados e disciplinados os escravos é necessário que o senhor lhes não falte com o castigo, quando eles reticências fazem por onde o merecem. reticências

Logo merecendo o escravo o castigo, não deve deixar de lho dar o senhor; porque não só não é crueldade castigar os servos, quando merecem por seus delitos ser castigados, mas antes é uma das sete obras de misericórdia [compaixão], que manda castigar aos que erram.”

BENCI, Jorge. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos. São Paulo: Grijalbo, 1977. página 125 e 127.

  1. Que argumentos são usados para justificar os castigos sofridos pelos escravizados?
  2. O documento reflete a visão dos senhores de engenho ou dos escravizados? Justifique sua resposta.

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4. Observe as imagens e suas legendas. Elas são representações de alguns aspectos da vida dos escravizados no Brasil. A seguir, faça as atividades.

Pintura. Sobre um fundo de papel amarelado, um homem em pé, visto de lado, com o corpo voltado para a esquerda. Sobre a cabeça dele está apoiado um jarro amarelado, volumoso, e cobrindo todo seu rosto há uma máscara metálica, com pequenos furos na região dos olhos e da boca. A máscara está presa por uma amarra de metal fixada atrás de sua cabeça. Ele tem o peito nu, veste uma calça com rasgos e um tecido azul amarrado com uma fita vermelha em volta da cintura e está descalço.
Máscara que se usa nos negros que têm o hábito de comer terra, aquarela deJãn Batiste Dêbret, século dezenove.
Gravura.  Em um porto com embarcações à vela ao fundo, diante do pedestal de uma pilastra, feito de pedra na cor branca, há quatro homens, dois sentados e um em pé. Um dos homens está sentado sobre o chão, à direita, e o outro sentado sobre um bloco de pedras no pedestal, à esquerda. Ambos vestem calças curtas com listras verticais; estão com os pés descalços. O homem à esquerda tem cabelos curtos, pretos, usa uma camisa quadriculada, azul e branca, aberta, revelando um colar dourado com um medalhão e um colar de contas prateado com uma cruz. Ele está com a barba coberta de espuma branca e é barbeado por um homem em pé, à esquerda. O outro homem, à direita, sentado no chão, visto de costas, tem cabelos curtos, crespos e pretos; com as costas nuas, sua camisa, na cor branca, está amarrada à sua cintura com uma faixa vermelha. Ele tem uma pequena bolsa amarela a tiracolo, com a alça branca cruzando suas costas e está com as costas curvadas. Um homem à frente dele corta seu cabelo. Os homens em pé vestem casacos curtos azuis e usam chapéus altos com abas laterais. Um, à esquerda, usa uma calça branca rasgada, está descalço e segura uma bacia diante do rosto do homem sentado sobre o bloco de pedra, tocando o rosto dele com a outra mão. O outro, à direita, usa um colete amarelo, está descalço, e tem uma pena longa e vermelha enfeitando seu chapéu. Ele segura uma tesoura em uma das mãos e, na outra, uma porção do cabelo do homem sentado no chão.
Barbeiros ambulantes, gravura de Jãn Batiste Dêbret, século dezenove.
Gravura. Em um cômodo com estantes ao fundo repletas de pares de sapatos expostos e com pares de sapatos fixados em arcos no teto do cômodo, no centro da gravura, sentado diante de um pequeno balcão de centro cor de rosa e bordas azuis, há um homem branco de cabelos escuros, curtos e lisos. Vestido com uma camisa branca de mangas curtas, um colete marrom, uma calça azul, meias brancas e usando tamancos pretos, ele tem um dos braços elevados para o alto e segura uma palmatória de madeira, pronta para um golpe. Ao redor dele, há três homens: um à esquerda, dois à direita. O homem à esquerda, é visto de costas e está ajoelhado sobre o chão. É um homem negro, de cabelos curtos, crespos e pretos, vestido com uma calça azul listrada e uma camisa branca de mangas curtas. Ele tem uma tira de tecido listrado vermelho e branco atado em sua cintura com um nó. Esse homem está com  uma das mãos estendidas à frente de seu corpo, com a palma virada para o alto. À direita, sentados sobre banquinhos de madeira, há dois homens negros, de cabelos curtos, crespos e pretos, vestidos com blusas brancas de mangas curtas, calças de cores claras e aventais. Eles estão trabalhando sobre diferentes materiais. Um, à esquerda, tem a cabeça baixa e segura um martelo em uma de suas mãos em direção à uma placa sobre seu colo. O outro, à direita, tem a cabeça inclinada, olha para a esquerda de soslaio, e corta uma estaca de madeira com um fio, enrolado em suas mãos. Ao fundo, à esquerda, diante de uma porta aberta, uma mulher negra de cabelos curtos, crespos e pretos amarrados com um lenço vermelho e usando um vestido azul está em pé, amamentando um bebê em seu colo.
Sapataria, gravura de Jãn Batiste Dêbret, século dezenove.
  1. O que as imagens indicam a respeito das condições de trabalho que os africanos escravizados enfrentaram no Brasil?
  2. Atualmente no Brasil ainda existem fórmas de trabalho análogas à escravidão, inclusive trabalho infantil. Pesquise sobre essa realidade e discuta com os colegas como é possível acabar com essas fórmas de trabalho.

Glossário

Semovente
: que se move por conta própria.
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Oftalmia
: inflamação nos olhos causada pela falta de higiene e de luz solar. As pessoas escravizadas, em geral, tinham pouca ou nenhuma exposição ao sol durante as viagens nos navios negreiros.
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