UNIDADE 4 EXPANSÃO COLONIAL NO BRASIL
CAPÍTULO 10 ESCRAVIDÃO, COMÉRCIO E RESISTÊNCIA
Calcula-se que 11 milhões de africanos escravizados foram trazidos para a América entre os séculos dezesseis e . dezenove Desse total, cêrca de 4 milhões chegaram ao Brasil.
Atualmente, cêrca de 56% da população brasileira se autodeclara preta ou parda. Isso significa que mais da metade da população brasileira atual é composta de descendentes de africanos, que trabalharam e criaram importantes raízes culturais no país.
responda oralmente
para começar
Você já ouviu falar de escritores como Machado de Assis, Lima Barreto, Carolina de Jesus e Conceição Evaristo? E dos compositores musicais Pixinguinha, Cartola, Gilberto Gil e Paulinho da Viola? Reflita e debata com os colegas sobre a importância dos afrodescendentes para a cultura brasileira.
Conceitos de escravidão
A escravidão é uma prática antiga e cruel. Sua principal característica é o domínio que uma pessoa (senhor) exerce sobre outra pessoa (escravizado). As fórmas desse domínio variaram ao longo da história, mas podemos dizer que, em muitas situações:
- o escravizado não tinha liberdade de decidir sobre seu próprio destino. Não era livre, por exemplo, para escolher e organizar a rotina de seu trabalho;
- o escravizado devia obedecer às ordens de um senhor, principalmente nas relações de trabalho. A desobediência era punida com castigos físicos e até com a morte;
- o escravizado era considerado um bem que podia ser comprado ou vendido.
Calcula-se que cêrca de 40% da população da Península Itálica era formada por escravizados no auge do Império Romano (século ). dois De modo geral, eram escravizadas pessoas aprisionadas em guerras ou que praticavam crimes graves. Não pagar dívidas foi, durante certo tempo, um motivo para a escravização do devedor, sendo também escravizados seus filhos até que a dívida fosse paga.
A situação dos escravizados na Antiguidade era diversificada. Eles trabalhavam em oficinas, mercados, portos e minas, mas também podiam exercer atividades intelectuais, nas funções de secretário ou professor.
Durante a Idade Média, a escravidão continuou existindo, mas deixou de ser a principal fórma de exploração do trabalho. A dominação adquiriu a fórma de servidão, na qual o servo trabalhava na terra para o seu próprio sustento e para manter o senhor feudal, que, em troca, o protegia. O servo podia ser proprietário de alguns instrumentos de trabalho e não podia ser vendido.
A partir do século , quinze época da expansão colonial europeia, foi estabelecida a escravidão moderna. Essa fórma de escravidão tornou-se muito lucrativa para os Estados europeus que controlavam o fluxo de escravizados da África para a América. Milhões de homens e mulheres africanos foram arrancados de seus lares, de seu continente e separados de seus povos, de suas línguas e de suas culturas. Quando comparada à escravidão antiga e à servidão medieval, a escravidão moderna distingue-se por tratar o africano cativo como “peça” ou semoventeglossário , procurando extinguir sua condição humana.
Escravidão na África
No continente africano, havia uma fórma de escravidão que não tinha relação com a cor da pele. Homens e mulheres podiam ser escravizados ao serem derrotados e capturados em guerras ou punidos por crimes e dívidas não pagas. Se um escravizado tivesse filhos, seus descendentes também se tornavam escravizados. Por isso, a escravidão em várias partes da África atingia a linhagem ou a família dessas pessoas.
Em grande parte do continente, os cativos cumpriam ordens de seus senhores e dependiam deles para obter alimento, vestimenta e moradia. Os escravizados trabalhavam na agricultura, no artesanato, na mineração, no comércio etcétera Havia algum comércio de pessoas escravizadas, mas essa não era a atividade predominante.
A escravidão comercial ou mercantil foi desenvolvida no final do século , quinze quando os europeus conquistaram partes do litoral africano. Guerras, dívidas e punições continuaram a ser motivos de escravização, mas um número cada vez maior de escravizados passou a ser vendido para comerciantes europeus. A escravidão de linhagem diminuiu e a escravidão comercial cresceu, envolvendo interesses de grupos escravistas na Europa, na África e na América.
À medida que o comércio atlântico de escravizados crescia, os europeus faziam acordos com soberanos africanos. Esses soberanos aceitavam trocar escravizados por armas, aguardente, tabaco, tecidos e búzios (espécie de concha usada como moeda). As armas de fogo foram introduzidas na África pelos europeus e contribuíram para que as guerras no continente ficassem ainda mais violentas e destrutivas.
Tornar-se escravizado
O comércio de africanos escravizados ocorrido no Oceano Atlântico foi chamado tráfico negreiro. De modo geral, o tráfico negreiro envolveu a captura de africanos, seu deslocamento em viagens nos navios negreiros e venda nos portos da América.
Captura
As pessoas eram capturadas em guerras ou emboscadas em várias regiões do continente africano. Feitas prisioneiras, elas eram levadas para portos litorâneos. Se fosse necessário, percorriam mais de 400 quilômetros a pé. Estima-se que mais de 10% dessas pessoas morriam no caminho em direção à costa africana.
Principais rotas do tráfico transatlântico (séculos dezesseis-) dezenove
No litoral, as pessoas aprisionadas eram colocadas em barracões precários e com pouca ventilação. Podiam ficar dias ou meses amontoadas nesses barracões, esperando haver número suficiente de pessoas para encher um navio.
Antes de serem embarcados, homens e mulheres eram marcados com ferro em brasa no peito ou nas costas. Essa marca servia para identificar o traficante ao qual o cativo pertencia, já que um mesmo navio podia carregar escravizados de diversos proprietários. Algumas das marcas eram dos reis europeus, que cobravam impostos pelo comércio de escravizados.
Os barracões precisavam ser abastecidos de alimentos e eram vigiados constantemente. Nessa etapa da escravização, havia a participação de comerciantes locais e de traficantes europeus ou traficantes que vinham do continente americano.
Navios negreiros
A travessia do Oceano Atlântico era demorada. Os navios que saíam de Angola levavam, em média, 35 dias até Pernambuco, 40 dias até a Bahia e 50 dias até o Rio de Janeiro.
Crianças, mulheres e homens ficavam presos nos porões dos navios, em um espaço apertado e muito quente. Durante a viagem, eram frequentes os castigos físicos, as doenças, a falta de água e de comida.
Calcula-se que entre 5 e 25 de cada 100 africanos embarcados morriam nessas viagens. Não é por acaso que os navios negreiros ficaram conhecidos como tumbeiros ou túmulos flutuantes.
Os africanos capturados se revoltaram em diversos momentos da escravização, desde a captura até a permanência nos barracões. Mas as revoltas nos navios eram as mais temidas pelos traficantes e tripulantes. Para os africanos, era a última chance de resistir antes de fazer uma viagem provavelmente sem volta. Essas revoltas, mesmo quando não eram bem-sucedidas, podiam provocar grandes estragos no navio.
Mercado de escravizados
O tráfico de pessoas escravizadas movimentou diversos portos na América, entre eles: Rio de Janeiro, Salvador e Recife, no Brasil; Cartagena, em Nova Granada (atual Colômbia); Nova Orleans, nos Estados Unidos; e Havana, em Cuba.
Nas áreas portuárias, o grande fluxo de pessoas e o movimento de mercadorias levaram a transformações. Por exemplo, foram construídos armazéns, lojas de alimentos e estaleiros (locais para construção e conserto de navios).
Os traficantes pagavam os tributos para entrar com sua “carga” de pessoas no Brasil. Os africanos aprisionados eram registrados e levados para os mercados, onde eram vendidos. Em razão das péssimas condições de viagem, várias pessoas ficavam desnutridas, enfraquecidas e doentes (com vermes, escorbuto, oftalmiaglossário etcétera Muitos africanos morriam nesses portos em decorrência das doenças contagiosas que dali se espalhavam pelo interior do continente, como varíola e sarampo.
Nos mercados, os escravizados eram organizados por sexo, idade e origem. Os proprietários e traficantes negociavam as condições e os preços de venda. Para negociar valores mais elevados, os vendedores mandavam alimentar os escravizados, limpá-los e passar óleo em seus corpos. Depois de vendidos, eles eram levados por seus novos senhores para o trabalho forçado em fazendas, residências, comércios ou minas.
Autobiografia de um escravizado
marrômá gárdo baquáqua nasceu por volta de 1820 e escreveu uma autobiografia na qual conta sua história como cativo na África e no Brasil e como liberto nos Estados Unidos, para onde conseguiu fugir da escravidão. Trata-se de um importante e raro documento escrito a respeito do tráfico negreiro transatlântico e a vida dos escravizados.
Na África Ocidental, baquáqua foi capturado e levado até a Vila de Grafe, no atual Benin. Lá ficou preso em uma espécie de jaula, sendo vigiado o tempo todo, marcado com ferro quente e castigado várias vezes. Foi em Grafe que baquáqua viu um homem branco pela primeira vez. Muitos africanos pensavam que os brancos eram canibais que preferiam a carne dos negros, e isso lhes causava terror. O pavor aumentava quando viam o navio negreiro. baquáqua achava que todos os negros seriam massacrados naquele navio.
Os maus-tratos continuavam na travessia do Atlântico. Espancados e mal alimentados, os africanos presos no porão podiam até se rebelar, mas pagavam um preço alto quando a rebeldia fracassava.
baquáqua chegou ao Brasil em 1845. Foi levado para uma fazenda perto do litoral de Pernambuco, onde ficou satisfeito por estar vivo. Ele escreveu: “Pouco me importava, então, de ser escravo: havia me safado do navio e era apenas nisso que eu pensava reticências” (LARA, Silvia H. Biografia de marrômá gárdo baquáqua – Apresentação. Revista Brasileira de História, volume 8, número 16, página 273, 1988).
responda NO CADERNO
para pensar
Reflita sobre a trajetória de uma pessoa escravizada e traficada da África para o Brasil. Em seguida, organizem-se em grupo para escrever um pequeno texto narrando sua história de luta pela liberdade.
Sujeitos e impactos
O tráfico transatlântico envolveu diversos sujeitos históricos na África, na América e na Europa. Os escravizados eram capturados no interior ou no litoral da África, levados para os portos, embarcados em navios negreiros e transportados até a América, onde eram vendidos. Esse processo, no qual atuavam comerciantes, políticos, governos e grandes proprietários de terra, teve forte impacto na vida das sociedades americanas e africanas.
Origem dos escravizados
As pessoas trazidas para o Brasil pelos traficantes vinham de diferentes regiões da África e pertenciam a diversos povos. Esses povos costumam ser divididos em dois grandes grupos:
- os da África Ocidental – iorubás, jêjes, hauçás etcétera Muitos eram conhecidos como “minas”, mas essa é uma categoria que inclui várias regiões, línguas e costumes diferentes. Geralmente, eles vinham de regiões que hoje correspondem ao Benin, à Nigéria e à Guiné e eram levados para a Bahia, entre outras regiões do Brasil;
- os bantos – formados por angolas, benguelas, moçambiques etcétera Geralmente, eles vinham de Angola, Congo e Moçambique e eram levados principalmente para Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
No século , dezesseis a maioria dos africanos havia sido embarcada nos portos de Bissau, Cacheu, São Jorge da Mina e Ajudá, na África Ocidental. A partir do século , dezessete os portos de Luanda, Benguela e Cabinda, na África Central Atlântica (Congo e Angola), ganharam enorme importância. Estima-se que, no século , dezoito 70% dos africanos trazidos para o Brasil vinham dessa última região.
No Brasil, muitas vezes a origem de um escravizado era indicada pelo nome do porto ou região onde tinha embarcado na África e não pelo povo ao qual ele pertencia. Assim, por exemplo, escravizados de diferentes povos embarcados no porto de Cabinda eram classificados como “cabindas”.
Agentes do tráfico
Comerciantes portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses e franceses, com o apoio de seus governos, negociaram escravizados trazidos da África. As Igrejas cristãs não se opuseram à escravidão africana.
Os portugueses foram os pioneiros e principais comerciantes de escravizados africanos. Esse comércio ganhou tanta importância que no século dezessete chegou a dar lucros tão altos para a Coroa portuguesa quanto o próprio negócio do açúcar. Aqui, os africanos trabalharam em várias atividades econômicas, como na produção de açúcar, arroz, tabaco, algodão, café, extração de ouro, criação de animais, serviços domésticos e transportes.
Depois dos portugueses, os traficantes ingleses foram responsáveis pela venda do maior número de escravizados na América, e levaram essas pessoas para suas colônias na América do Norte e nas ilhas do Caribe. Nessas áreas, do século dezessete ao século , dezenove os africanos escravizados e seus descendentes trabalharam em plantações de algodão, arroz, tabaco e cana-de-açúcar.
Holandeses e franceses também participaram do tráfico, levando escravizados para Pernambuco (durante a invasão holandesa no século ), dezessete Guianas (atuais Suriname e Guiana Francesa), Caribe e América do Norte. Para levar os escravizados até esses territórios, eles ocuparam partes do litoral africano e organizaram companhias de comércio.
Impactos no continente africano
Por causa do tráfico negreiro, milhões de pessoas foram escravizadas e forçadas a deixar a África. Em razão desse comércio, das , sêcas da fome e das epidemias, a população africana praticamente não aumentou entre o século dezesseis e o final do século . dezenove Ela só voltaria a crescer depois de 1900.
Além do impacto sobre a população, o tráfico negreiro também trouxe consequências para a economia africana. A agricultura, por exemplo, não era estimulada pelos invasores europeus e pouco se desenvolveu. Afinal, os produtos agrícolas plantados no continente africano concorreriam com a produção da América, e os europeus queriam evitar isso. Para eles, a função da África era fornecer mão de obra para suas colônias na América.
Impactos no Brasil
É quase impossível saber com exatidão quantos africanos escravizados foram trazidos para a América entre os séculos dezesseis e . dezenove Para o Brasil, calcula-se que tenham sido cêrca de 4 milhões de pessoas entre 1531 e 1855, o que corresponde aproximadamente a 40% de todos os africanos traficados para o continente americano. Observe o quadro.
Período |
Número de escravizados |
---|---|
1531-1600 |
50.000 |
1601-1700 |
560.000 |
1701-1800 |
1.680.100 |
1801-1855 |
1.739.200 |
Total |
4.029.300 |
Fonte: . Tráfico de escravos. In: cláin, réberti Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Janeiro: , 1987. í bê gê É página 60.
Analisando o quadro, percebemos que o número de escravizados aumentava a cada século.
- No século dezesseis, o número foi menor se comparado com os seguintes, pois as atividades econômicas eram reduzidas e grande parte dos trabalhadores era proveniente dos povos originários da América.
- No século dezessete, o tráfico de africanos escravizados aumentou, após a retomada da produção do açúcar e das capitanias que estavam nas mãos dos holandeses.
- No século dezoito, a agricultura e a descoberta de ouro em Minas Gerais triplicaram a procura por mão de obra escravizada.
- No século dezenove, o tráfico ocorreu durante menos tempo, porém foi mais intenso do que nos séculos anteriores. O comércio de africanos escravizados pelo Oceano Atlântico foi legalmente extinto no Brasil em 1831 e em 1850, mas continuou de fórma ilegal até aproximadamente 1855. Nessa época, os escravizados trabalhavam principalmente nas lavouras de café, que se expandiam por Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Nas outras províncias, o trabalho dos escravizados continuou em diferentes atividades econômicas, mas passou a diminuir.
Ao serem trazidos para o Brasil, os africanos trouxeram também seus conhecimentos, expressões artísticas, valores e tradições. A presença africana está em diversos campos da cultura brasileira, como na religiosidade, nas celebrações, na língua, na arte e na gastronomia.
PAINEL
Baianas do acarajé
A culinária é um dos aspectos da cultura mais valorizados no mundo contemporâneo. Ela desempenha papel fundamental na construção de identidades nacionais e regionais. A criação de receitas envolve amplo conhecimento de ingredientes, utensílios e modos de preparo.
A culinária não satisfaz apenas as necessidades de nutrição, ela também é um componente indispensável em festas, rituais e outras fórmas de convivência.
Na época colonial, os africanos e as africanas trouxeram diversos conhecimentos para o Brasil. Entre eles, o modo de fazer acarajé. As mulheres (escravizadas ou libertas) faziam bolinhos de acarajé para vendê-los nas ruas ou para oferecê-los aos orixás nos eventos relacionados ao candomblé. No candomblé, o acarajé é uma comida sagrada.
O acarajé é um bolinho feito de feijão-fradinho temperado e frito no azeite de dendê. Depois, ele é cortado e recheado com camarão, caruru, vatapá e pimenta. A palavra “acarajé”, em idioma iorubá, significa “comer fogo”.
Quando vendiam esses quitutes, as mulheres escravizadas eram obrigadas a dar a maior parte do lucro para seus senhores. Mesmo assim, muitas delas conseguiram juntar dinheiro para comprar sua alforria e também conquistar a liberdade de seus filhos. Além disso, o comércio de alimentos promoveu a convivência entre os escravizados urbanos e estimulou fórmas de organização entre eles.
Atualmente, as baianas que vendem acarajé são referências em várias cidades do país, sobretudo em Salvador, na Bahia. Desde 2005, a tradição preservada por essas mulheres é considerada patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o ifân Assim, houve o reconhecimento oficial do grande valor que os saberes africanos têm no processo de formação da sociedade brasileira.
Cotidiano dos escravizados
Aos africanos que sobreviviam à viagem pelo Oceano Atlântico era imposta uma vida muito difícil. Após se recuperarem da travessia, eles eram vendidos em leilões realizados no porto onde ocorrera seu desembarque na América. Pouco tempo depois, já estavam trabalhando para seus novos donos.
O aprendizado da língua portuguesa
Aprender a língua dos brancos não era fácil. No Brasil, os escravizados podiam ser mais ou menos valorizados de acordo com a experiência de vida na colônia. Na visão dos senhores, os escravizados que não conheciam a língua portuguesa e o trabalho na colônia eram menos valorizados, por isso eram chamados de boçais. Já os que entendiam a língua e haviam aprendido a rotina do trabalho eram mais valorizados, sendo chamados de ladinos.
O jesuíta Antonil chegou ao Brasil em 1681. Durante sua permanência no país, ele observou que os senhores faziam essas distinções entre os escravizados, e escreveu em seu livro Cultura e opulência do Brasil, publicado em 1711:
“Uns chegam ao Brasil muito rudes e muito fechados e assim continuam por toda a vida. Outros, em poucos anos saem ladinos e espertos, assim para aprenderem a doutrina cristã, como para buscarem modo de passar a vida [...]. Os que nasceram no Brasil, ou se criaram desde pequenos em casa dos brancos, afeiçoando-se a seus senhores, dão boa conta de si; e levando bom cativeiro, qualquer deles vale por quatro boçais.”
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. terceira edição Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: , êduspi 1997. página 89.
Trabalho na cidade e no campo
Além da agricultura e da mineração, os escravizados faziam serviços domésticos, artesanato ou outros trabalhos nas cidades como escravos de ganho. Dessa , fórma eles realizavam tarefas temporárias em troca de pagamento, mas tudo ou quase tudo que recebiam ficava para seus senhores.
Muitos escravizados preferiam viver nas cidades, pois ali tinham mais chances de circular pelas ruas e ganhar algum dinheiro. Podiam juntar as economias e, às vezes, conseguiam comprar sua liberdade. Vender um escravizado urbano para uma fazenda no interior era uma fórma de castigo usada pelos senhores.
Os escravizados que trabalhavam no campo e na mineração eram fiscalizados por feitores. A jornada de trabalho durava cêrca de 15 horas por dia. Quando desobedeciam às ordens, sofriam castigos que geralmente eram aplicados em público para intimidar os outros escravizados e evitar insubordinações. Era o chamado castigo exemplar.
O excesso de trabalho, a má alimentação, as péssimas condições de higiene e os castigos físicos deterioravam a saúde dos cativos. Principalmente nas minas e nas lavouras, vários escravizados morriam depois de cinco ou dez anos de trabalho. Já os escravizados domésticos ou de ganho podiam ter roupas e alimentação melhores, contribuindo para que vivessem por mais tempo.
fórmas de resistência
Em muitos casos, os escravizados lutaram abertamente contra a escravidão. Em outros, negociaram com seus senhores, tentando reduzir a crueldade do cativeiro.
Conflitos
Os africanos escravizados e seus descendentes questionaram a escravização de várias . fórmas As fugas individuais e coletivas eram frequentes. Os escravizados fugidos eram auxiliados por redes e pessoas que os apoiavam, ou procuravam a proteção de negros livres ou libertos que viviam nas cidades, onde poderiam se passar por pessoas livres. Muitos formavam comunidades, aliando-se a outros grupos da sociedade colonial. Essas comunidades eram chamadas quilombos.
Os escravizados que fugiam eram perseguidos. Cartazes afixados nas portas das igrejas e anúncios nos jornais no século dezenove ofereciam recompensas a quem os prendesse e os devolvesse aos senhores escravistas.
Apesar de todo , contrôle os escravizados criaram diferentes fórmas de resistência. Por exemplo, organizavam rebeliões e sabotavam a produção, quebrando ferramentas ou incendiando as plantações. Na produção do açúcar, a sabotagem dos escravizados era uma ameaça constante: fagulhas lançadas nos canaviais provocavam incêndios, e pedras jogadas na moenda do engenho podiam quebrar as máquinas e arruinar a safra.
Negociações
As negociações entre senhores e escravizados faziam parte do cotidiano da escravidão e funcionavam como estratégia de sobrevivência, já que os escravizados não recebiam pagamento nem tinham descanso como os trabalhadores livres.
Muitos escravizados obedeciam a seus senhores para conseguir alimentos, roupas, um pedaço de terra; para viver em senzalas separadas onde podiam morar somente com suas famílias; para ter a oportunidade de expressar sua cultura (como falar seu idioma e realizar festas) e o direito de comprar a liberdade, quando juntavam o dinheiro necessário para isso.
Quilombos
A formação de quilombos foi uma fórma de luta dos escravizados comum em vários períodos e regiões do continente americano. Desde o século dezessete até o final da escravidão, no século , dezenove muitos africanos e seus descendentes se refugiaram em quilombos, construindo histórias de conquista da liberdade.
Embora as populações quilombolas fossem compostas principalmente de africanos e seus descendentes, havia também indígenas ameaçados pelo avanço da conquista portuguesa, brancos pobres, aventureiros e vendedores.
A vida social e econômica dos quilombos envolvia diversas atividades: agricultura, caça, coleta, mineração, produção artesanal e comércio. Seus integrantes sustentavam-se por meio de alianças com escravizados de ganho, libertos, pequenos proprietários e homens livres, principalmente comerciantes.
dica livro
DINIZ, André. Quilombo Orum Aiê. Rio de Janeiro: Galera Record, 2010.
História em quadrinhos que conta as experiências de um grupo que consegue fugir do cativeiro e sai em busca do Quilombo Orum Aiê.
Palmares
Palmares foi o maior quilombo da América e também o que resistiu por mais tempo. Formado pela reunião de nove povoados, recebeu o nome de Palmares por estar localizado em uma região com muitas palmeiras, na Serra da Barriga, no atual estado de Alagoas.
Várias expedições militares foram organizadas para destruir Palmares. Quase todas fracassaram, e o quilombo conseguiu resistir por 65 anos, de 1629 a 1694.
Segundo documentos da época, calcula-se que Palmares chegou a ter 20 mil habitantes. Os quilombolas de Palmares pescavam e criavam gado. Faziam peças de cerâmica, madeira e metal. Também cultivavam milho, feijão, cana-de-açúcar, mandioca e frutas. Quando produziam mais do que precisavam, vendiam o excedente.
Zumbi dos Palmares
Zumbi foi um dos líderes do Quilombo dos Palmares. Ele comandou a resistência dos quilombolas contra os ataques do governo.
Em 1691, a Coroa portuguesa, o governo colonial e os senhores de engenho contrataram o paulista Domingos Jorge Velho (1641-1705) e seus homens para atacar o quilombo. Liderados por Zumbi, os quilombolas conseguiram derrotar as fôrças de Jorge Velho.
Em 1694, Domingos Jorge Velho atacou novamente o quilombo. Dessa vez, o governo enviou cêrca de 6 mil homens bem armados. Os quilombolas, que não tinham armas nem munições suficientes, resistiram por cêrca de um mês. Ao final, Palmares foi destruído e sua população, massacrada.
Após os conflitos em Palmares, foi criado o cargo militar de capitão do mato, um funcionário que prendia e devolvia os escravizados fugidos aos seus senhores. Além disso, algumas leis foram mudadas para permitir maior repressão aos escravizados. No século , dezoito qualquer reunião de cinco negros poderia ser entendida como quilombo.
A experiência de Palmares valorizou a figura de Zumbi como símbolo da luta dos negros contra a opressão. O movimento negro brasileiro pressionou os órgãos governamentais e, desde 1978, o dia 20 de novembro (supostamente a data em que Zumbi morreu) tornou-se o Dia da Consciência Negra, um dia de luta e reflexão contra o racismo.
responda oralmente
para pensar
O Dia da Consciência Negra é celebrado em seu município? Se sua resposta for afirmativa, de que maneira ocorre a celebração?
Terras quilombolas
Atualmente, existem no Brasil várias comunidades quilombolas em todo o país. São mais de setecentas comunidades, reunindo cêrca de duas milhões de pessoas que descendem dos antigos quilombolas.
Os movimentos sociais negros têm conquistado vários direitos para os afro-brasileiros. Entre suas conquistas está o direito às terras dos antigos quilombos, que vêm sendo demarcadas e registradas legalmente.
Porém, essas comunidades precisam de mais do que terras legalizadas. Elas necessitam de uma série de condições para o exercício da cidadania, como escolas, postos de saúde, geração de empregos, garantia dos direitos etcétera
De acordo com o Censo Escolar de 2004, naquele ano havia trezentas e sessenta e quatro escolas em comunidades quilombolas no país. O Censo Escolar de 2009 mostrou o crescimento desses estabelecimentos, passando a existir mil seiscentas e noventa e seis escolas quilombolas no Brasil, a maior parte nos estados de Maranhão, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e Pará. Já em 2020, havia cerca de duas mil quinhentas e vinte e três escolas em áreas remanescentes de quilombos no país.
dica internet
Quilombolas no Brasil
Disponível em: https://oeds.link/Qm1gRr. Acesso em: 15 fevereiro 2022.
Site da Comissão Pró-Índio de São Paulo que traz informações, fotos e notícias sobre as comunidades quilombolas brasileiras nos dias de hoje.
OUTRAS HISTÓRIAS
Aqualtune, uma líder quilombola
Leia a seguir o texto sobre a princesa congolesa Aqualtune.
“Reza a tradição que Aqualtune era uma princesa africana, filha do importante rei do Congo. Participando de combates em uma das guerras entre os diversos reinos africanos, ela liderava um exército de 10 mil guerreiros, mas foi derrotada numa batalha e aprisionada. Transformada em escrava, foi vendida e trazida ao Brasil . reticências
[Ela] foi vendida, grávida, para um engenho de açúcar na região de Porto Calvo, no sul das terras pernambucanas. Chegando ao engenho, ouviu histórias da resistência negra à escravidão e da estratégia usada por eles de se embrenharem no mato para fugir dos senhores. Um dos focos dessa resistência no Nordeste era o Quilombo dos Palmares, não muito distante de Porto Calvo, onde um grupamento de centenas de escravos vivia livre. Aqualtune, nos últimos meses de gravidez, organizou sua fuga e de outros escravos do engenho, partindo em busca do quilombo. reticências Aqualtune, sendo princesa, teve reconhecida sua ascendência e recebeu o governo de uma das aldeias, onde cada mocambo organizava-se de acordo com suas próprias regras. A tradição afirma que o famoso líder negro Ganga Zumba seria da família de Aqualtune e uma filha dela teria gerado Zumbi, lendário herói da resistência do povo negro à escravidão.
A guerra comandada pelos paulistas para destruir o quilombo de Palmares é uma das páginas mais dolorosas da história do Brasil. Em 1677, a aldeia de Aqualtune, que já estava idosa, foi queimada pelas expedições coloniais. Não se sabe a data da morte de Aqualtune, mas os quilombolas permaneceram lutando até serem derrotados, em novembro de 1695, pela bandeira do paulista Domingos Jorge Velho.”
; chumáer, chúma BRASIL, Érico Vital (). organizador Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge zarrár 2000. página 84.
Responda no caderno
Atividade
Quem são as mulheres negras que participaram da resistência à escravidão no Brasil? Em grupo, pesquisem a biografia de algumas dessas mulheres e compartilhem o resultado com os outros grupos, de preferência postando a informação em redes sociais com a supervisão do professor.
OFICINA DE HISTÓRIA
Responda no caderno
Conferir e refletir
1. Leia o texto da historiadora Marina de Mello e Souza e responda às questões.
“Além de serem afastadas das aldeias nas quais cresceram, e que eram o centro de seu universo, muito poucas vezes conseguiram se manter próximas de conhecidos ou familiares, mesmo quando todos eram capturados juntos. reticências
E a cada etapa da travessia do mundo da liberdade para o da escravidão, da África para o Brasil, era mais provável a pessoa se ver sozinha diante do desconhecido, tendo de aprender quase tudo de novo.
No entanto, nada disso era capaz de apagar o que ela havia sido até então. Mesmo se capturada quando criança, ela traria dentro de si todo o conhecimento e a sensibilidade que sua família e vizinhos haviam até então lhe transmitido pela educação e pelo exemplo da vida cotidiana.”
SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006. página 84 e 85.
De acordo com o texto, além da liberdade, o que os escravizados perdiam ao serem traficados para o Brasil? E o que eles conseguiam preservar?
integrar com Geografia
2. Atualmente no Brasil existem várias comunidades remanescentes de quilombos.
Remanescentes de quilombos no Brasil (2017)
- O que era um quilombo? Observe o mapa: existem comunidades remanescentes de quilombos no estado em que você vive? Você conhece alguma delas?
- Escolha uma dessas comunidades e pesquise quantas pessoas vivem nela e em que condições.
Interpretar texto e imagem
3. Nos dias atuais, chama a atenção que a crueldade dos castigos aplicados aos escravizados era tratada como um “fato natural”. Leia o trecho do texto escrito por um padre jesuíta dando conselhos aos senhores de escravizados nos primeiros anos do século . dezoito
“Para trazer bem domados e disciplinados os escravos é necessário que o senhor lhes não falte com o castigo, quando eles reticências fazem por onde o merecem. reticências
Logo merecendo o escravo o castigo, não deve deixar de lho dar o senhor; porque não só não é crueldade castigar os servos, quando merecem por seus delitos ser castigados, mas antes é uma das sete obras de misericórdia [compaixão], que manda castigar aos que erram.”
BENCI, Jorge. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos. São Paulo: Grijalbo, 1977. página 125 e 127.
- Que argumentos são usados para justificar os castigos sofridos pelos escravizados?
- O documento reflete a visão dos senhores de engenho ou dos escravizados? Justifique sua resposta.
integrar com arte
4. Observe as imagens e suas legendas. Elas são representações de alguns aspectos da vida dos escravizados no Brasil. A seguir, faça as atividades.
- O que as imagens indicam a respeito das condições de trabalho que os africanos escravizados enfrentaram no Brasil?
- Atualmente no Brasil ainda existem fórmas de trabalho análogas à escravidão, inclusive trabalho infantil. Pesquise sobre essa realidade e discuta com os colegas como é possível acabar com essas fórmas de trabalho.
Glossário
- Semovente
- : que se move por conta própria.
- Voltar para o texto
- Oftalmia
- : inflamação nos olhos causada pela falta de higiene e de luz solar. As pessoas escravizadas, em geral, tinham pouca ou nenhuma exposição ao sol durante as viagens nos navios negreiros.
- Voltar para o texto