UNIDADE 4 DITADURAS, REDEMOCRATIZAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
CAPÍTULO 10 DITADURAS NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
Em 1964, líderes militares, apoiados por setores civis, deram um golpe de Estado e assumiram o govêrno do Brasil. Dessa maneira, foi implantada uma ditadura civil-militar que durou 21 anos.
Durante boa parte desse período, a democracia foi interrompida; os direitos dos cidadãos, prejudicados; as oposições, perseguidas; e os meios de comunicação, censurados. Ainda assim, vários setores da população lutaram contra o autoritarismo. O processo ocorrido no Brasil teve semelhança com outras ditaduras impostas na América Latina.
responda oralmente
para começar
Você já ouviu ou utilizou as palavras “ditadura” e “democracia” em seu dia a dia? Em que situações? Comente.
Ditadura civil-militar no Brasil
Em 1º de abril de 1964, os militares derrubaram o presidente João gulár e permaneceram no poder até 1985. Nesse período de 21 anos (1964-1985), a Presidência da República foi ocupada por dois marechais e três generais. Seus govêrnos contaram com a participação de oficiais das fôrças armadas e com o apôio de grupos civis.
Durante a ditadura civil-militar brasileira, o govêrno decretou atos institucionais ( a is) que limitaram as liberdades democráticas dos cidadãos, restringiram os poderes Legislativo e Judiciário e extinguiram os partidos políticos existentes no país, instituindo apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que apoiava o govêrno, e o Movimento Democrático Brasileiro ( ême dê bê), de oposição.
Além disso, os cidadãos brasileiros perderam o direito de votar para presidente da república, governador de estado e prefeito de municípios declarados de segurança nacional. Os municípios de “segurança nacional” eram as capitais dos estados, as cidades de fronteiras e outros municípios considerados estratégicos pelo govêrno.
Contestações populares
Ao assumir o poder, o comando militar e seus aliados civis traçaram planos para o país. De início, abandonaram o nacionalismo reformista que marcou o govêrno gulár. Em seguida, adotaram um modêlo de desenvolvimento que buscava modernizar a economia (por meio de investimentos em grandes obras de infraestrutura), mas não tinha como prioridade reduzir as desigualdades sociais. Entre os beneficiados desse modêlo, estavam as grandes empresas, tanto públicas como privadas, nacionais ou estrangeiras.
Muitos brasileiros que se opunham ao govêrno foram perseguidos, expulsos do país ou torturados. Alguns foram mortos ou desapareceram. Segundo a Comissão Nacional da Verdade (estabelecida entre os anos de 2011 e 2014), durante a ditadura civil-militar cêrca de 50 mil pessoas tiveram sua cidadania violada no campo e nas cidades. Entre as vítimas dessas violações estão, por exemplo, os indígenas (ou povos originários) e os quilombolas, que defendiam o respeito às suas terras e culturas e, por isso, se opunham à construção de “grandes obras” em seus territórios.
A luta dessas comunidades foi tratada como obstáculo à segurança e ao desenvolvimento do país. Confira, por exemplo, o que aconteceu com a política indigenista.
Em 1967, o govêrno militar extinguiu o Serviço de Proteção ao Índio ( ésse pê ih) e criou a Fundação Nacional do Índio ( Funái). Diziam que o objetivo do novo órgão era proteger e prestar assistência aos povos originários. Contudo, na prática, a Funái foi militarizada e submeteu as comunidades aos interesses do projeto de desenvolvimento do govêrno, que incluía, por exemplo, a construção de estradas e hidrelétricas, a expansão de fazendas e a extração de minérios. Os povos que resistiram à invasão de seus territórios foram removidos, perseguidos e punidos duramente. A Comissão Nacional da Verdade calculou que ao menos 8.350 indígenas foram mortos devido às políticas implantadas pelo Estado brasileiro entre os anos de 1946 e 1988.
Primeiro govêrno militar (1964-1967)
O primeiro militar a ocupar a Presidência foi o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. Seu govêrno foi imediatamente reconhecido pelos Estados Unidos e apoiado por grandes empresários.
Esse govêrno tomou várias medidas, entre as quais destacamos:
- a elaboração de uma nova Constituição em 1967, fortalecendo a Presidência da República e enfraquecendo os poderes Legislativo e Judiciário;
- a criação da Lei de Segurança Nacional, que permitia enquadrar os opositores do govêrno como “inimigos da pátria”;
- o rompimento das relações diplomáticas com Cuba, único país socialista da América Latina;
- a revogação da lei que restringia a remessa de lucros das multinacionais ao exterior.
Nesse contexto, muitos trabalhadores perderam a estabilidade no emprêgo, sofreram com a intervenção nos sindicatos e tiveram perdas salariais. Ao final desse govêrno, os militares escolheram o marechal Artur da Costa e Silva como novo presidente.
a i cinco, repressão e resistência (1967-1969)
No govêrno de Artur da Costa e Silva, aumentaram as manifestações públicas contra a ditadura. Em 1968, ocorreu uma grande passeata contra o govêrno militar. Mais de cem mil pessoas saíram pelas ruas do Rio de Janeiro protestando contra a morte do estudante Edson Luís, assassinado pela polícia durante uma manifestação.
Naquele mesmo ano, o deputado Márcio Moreira Alves, do , fez um discurso responsabilizando o govêrno militar pela violência contra os estudantes. Reagindo às críticas, o govêrno decretou o Ato Institucional nº 5 ( a i cinco).Por meio desse decreto, o govêrno prendeu milhares de pessoas, instituiu a censura prévia, fechou o Congresso Nacional, cassou o mandato de centenas de políticos etcétera
Em 1969, Costa e Silva deixou a Presidência por razões de saúde. Uma junta militar, formada por ministros do exército, da marinha e da aeronáutica, governou o país entre agosto e outubro de 1969. Essa junta indicou o general Emílio Garrastazu Médici para o cargo de presidente e reabriu o Congresso sem a presença dos parlamentares cassadosglossário .
Os “anos de chumbo” (1969-1974)
O período do govêrno Médici é chamado de “anos de chumbo” da ditadura civil-militar. Nas escolas, nas fábricas, nos teatros, na imprensa, sentia-se o peso do autoritarismo.
Para disfarçar a ditadura, a propaganda oficial criava uma imagem de paz e prosperidade. Um dos lemas do govêrno era a frase: “Brasil: ame-o ou deixe-o”.
Confrontos violentos
Reagindo ao autoritarismo, alguns grupos de oposição iniciaram a luta armada contra o govêrno. Houve guerrilheiros que assaltaram bancos para financiar sua luta política e sequestraram diplomatas estrangeiros para trocá-los por companheiros presos, que muitas vezes haviam sido torturados. Nessa luta, morreram pessoas pró e contra o regime ditatorial.
O govêrno chamava esses opositores de “terroristas”. Entre os principais órgãos de repressão do Estado, estavam:
- o Serviço Nacional de Informações ( ésse êne i) – que vigiava as pessoas consideradas subversivas usando métodos como escutas telefônicas e violação de correspondência;
- o Departamento de Ordem Política e Social ( dópis) – que combatia os movimentos sociais de resistência à ditadura, prendendo e torturando opositores.
responda oralmente
para pensar
A censura à liberdade de expressão traz prejuízos à produção artística e cultural? Em grupo, debatam o tema por meio de argumentos.
dica FILME
Zuzu Angel (Brasil). Direção de Sérgio Rezende, 2006. 110 minutos
Zuzu Angel era uma estilista cujo filho, militante de oposição à ditadura, foi morto pelos militares. O filme mostra a luta de Zuzu para que o govêrno lhe entregasse o corpo de seu filho.
Outras Histórias
Artistas contra a repressão
Muitos intelectuais e artistas protestaram contra o autoritarismo dos governos militares. Um deles foi o cantor e compositor Geraldo Vandré.
Vandré compôs a canção Pra não dizer que não falei das flores, que ficou em segundo lugar no terceiro FestivalInternacional da Canção, realizado no Rio de Janeiro, em 1968. Posteriormente, essa canção foi considerada subversivaglossário pelos militares. Essa obra de Vandré tornou-se uma espécie de hino de contestação à ditadura civil-militar. A seguir, leia alguns versos da canção.
“Caminhando e cantando e seguindo a canção,
Somos todos iguais, braços dados ou não,
Nas escolas, nas ruas, campos, construções,
Caminhando e cantando e seguindo a canção.
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
reticências
Há soldados armados, amados ou não,
Quase todos perdidos de armas na mão,
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição:
De morrer pela pátria e viver sem razão.”
PRA NÃO dizer que não falei das flores (Caminhando). Intérprete: Geraldo Vandré. Compositor: Geraldo Vandré. In: PRA NÃO dizer que não falei das flores (Caminhando). abre colchete sem local/Fermata do Brasil, 1979. 1 compacto simples, lado A.
Responda no caderno
Atividades
- Selecione trechos da canção que, em sua interpretação, questionavam atos dos governos militares. Justifique sua resposta.
- Você conhece alguma canção que faça críticas à sociedade atual? Transcreva-a em seu caderno.
Painel
Humor de protesto
O Pasquim foi um jornal semanal de humor que criticava o autoritarismo. Lançado em 1969 no Rio de Janeiro, em reação ao a i cinco, o jornal reunia colaboradores como Ziraldo, Millôr Fernandes, Henfil, Jaguar, entre outros.
Os jornalistas de O Pasquim sofreram censura e perseguições da ditadura e chegaram a ser presos no final do ano de 1970. A censura prévia ao jornal terminou apenas em 1975.
Observe uma charge do cartunista Jaguar publicada em O Pasquim. Ela retrata uma família brasileira que festeja a Copa do Mundo de Futebol de 1970, quando o Brasil foi tricampeão. A charge ironiza as contradições sociais vividas no país.
De acôrdo com Jaguar, essa charge que ele fez utilizando versos de Carlos Drumôn de Andrade quase provocou a prisão do poeta. Para evitar que isso acontecesse, o cartunista teve de convencer o general da censura que ele havia publicado o desenho sem pedir autorização a Drumôn.
- O casal e seus seis filhos estão com roupas remendadas, descalços, com rostos magros e olheiras. As crianças – e até o cão – têm os ossos salientes, indicando fome.
- A vitória da seleção brasileira de futebol foi representada na bandeirinha do Brasil e no cartaz com os dizeres “Avante Seleção”. Essa vitória ocorreu quando o Brasil vivia os chamados “anos de chumbo” da ditadura civil-militar. Na época, a economia cresceu, mas os trabalhadores sofreram uma dura política de arrocho glossário salarial.
- No centro da imagem, um fragmento do poema José, de Carlos Drumôn de Andrade, escrito durante o govêrno de Getúlio Vargas. A citação do poema pode ser interpretada como um questionamento. Após a euforia, com o título de campeão do mundo, aqui estamos, miseráveis e famintos: “E agora, José?”.
O “milagre brasileiro”
Na primeira metade da década de 1970, houve um desenvolvimento econômico denominado “milagre brasileiro”. Esse desenvolvimento foi caracterizado por:
- crescimento do Produto Interno Bruto ( pê i bê) a taxas médias de 11% ao ano;
- inflação baixa;
- aumento da produção industrial e das exportações;
- expansão do crédito para as classes médias;
- aumento dos empréstimos internacionais.
Nesse período, também ocorreram investimentos nos transportes (expansão das rodovias), na produção de energia (construção de usinas hidrelétricas) e na área das comunicações. No entanto, para conter a inflação dos preços, o govêrno adotou uma política de arrocho salarial.
O “milagre” durou pouco, pois tinha como uma de suas bases um mercado externo favorável e os empréstimos internacionais. Essa situação mudou em razão do aumento do preço do petróleo a partir de 1973, que impactou fortemente a economia brasileira.
O chamado “primeiro choque do petróleo” ocorreu quando os países-membros da Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo ( opaépi) aumentaram o preço do petróleo. Em seis meses, o preço do barril em todo o mundo subiu de três dólares para . doze dólares
O resultado disso no Brasil foi o aumento da inflação e da dívida externa, dando início a uma crise econômica prolongada. Com os maus resultados na economia, diferentes setores da sociedade brasileira passaram a exigir a volta da democracia, incluindo empresários que anteriormente haviam apoiado a tomada do poder pelos militares.
Recuos e avanços sociais e políticos (1974-1979)
Médici foi sucedido por outro general, Ernesto Gaisel, que governou de 1974 a 1979. Gaisel fazia parte de um grupo de militares favorável à devolução progressiva do poder aos civis. Dizia-se disposto a promover uma “abertura democrática gradual, lenta e segura”.
Por isso, nesse período, houve um abrandamento das medidas autoritárias, como a diminuição da censura sobre os meios de comunicação. Além disso, em 1974, ocorreram eleições diretas para alguns cargos políticos como senadores e deputados.
Nessas eleições, os membros do ême dê bê, único partido de oposição, conseguiram uma vitória importante sobre a Arena, partido do govêrno. O resultado favorável à oposição assustou os militares mais intransigentes.
Alguns desses militares não tinham simpatia pela abertura democrática e continuavam agindo com violência. Exemplos disso foram a prisão e a morte do jornalista Vladimir Herzog (em 1975) e do operário Manuel Fiel Filho (em 1976) nas dependências do segundo exército, em São Paulo. Esses atos de violência escandalizaram boa parte da sociedade, levando Gaisel a afastar o comandante do segundo exército. No entanto, o processo de abertura foi freado.
Tropeços na abertura
Com a vitória expressiva do partido de oposição, a abertura democrática foi refreada, e algumas medidas políticas autoritárias, somadas a problemas econômicos, desgastaram ainda mais o regime. Em 1976, Gaisel decretou a Lei Falcão, que limitava a propaganda eleitoral dos candidatos no rádio e na televisão. Apenas o retrato dos candidatos podia aparecer na tela, acompanhado de um resumo de suas atividades e de uma música de fundo.
No ano seguinte, o govêrno decretou que um terço dos senadores seria escolhido pelo presidente da república. Esses políticos eram chamados pelos opositores de “senadores biônicosglossário ”, e sempre votavam a favor do . govêrno
Contrariando as expectativas de Gaisel, uma forte crise econômica obrigou o govêrno a contratar novos empréstimos no exterior. Pressionado pela sociedade, o govêrno cedeu e retomou a abertura política. Em outubro de 1978, foram revogados o a i cinco e os demais atos institucionais.
Nesse mesmo ano, foi criado o Movimento Negro Unificado ( ême êne u), que teve papel importante na luta pela democratização da sociedade brasileira. O ême êne u existe até hoje e defende a ampliação da cidadania da população negra, lutando pelo fim do racismo e pelo direito à diferença.
Pressões e reformas políticas (1979-1985)
Em 1979, o general João Baptista Figueiredo tornou-se presidente da república. Em seu govêrno, a redemocratização do país foi reivindicada por sindicatos de trabalhadores, empresários, associações de artistas e pela Igreja Católica, entre outros.
Os trabalhadores, por exemplo, renovaram sua organização e retomaram suas lutas contra o arrocho salarial e pela melhoria das condições de trabalho. Em 1979, milhões de trabalhadores realizaram greves em todo o Brasil. Entre elas, destacaram-se as greves dos operários de São Bernardo do Campo, em São Paulo, sob a liderança de Luiz Inácio da Silva, mais conhecido como Lula, que na época presidia o Sindicato dos Metalúrgicos daquela cidade.
A repressão policial, porém, continuava forte. No mesmo ano, em uma greve de metalúrgicos em São Paulo, o operário Santo Dias foi assassinado pela polícia militar de São Paulo.
Lei da Anistia e fim do bipartidarismo
A campanha pela redemocratização avançou com a anistia e o fim do bipartidarismo, isto é, o sistema de dois partidos (Arena e ême dê bê).
A anistia permitiu que brasileiros exilados no exterior pudessem regressar ao país e que pessoas com direitos políticos cassados reconquistassem sua cidadania. Por outro lado, essa medida absolveu os militares acusados de praticar torturas e cometer assassinatos. E não libertou os presos políticos enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Muitos tiveram de aguardar o fim de suas penas para sair da cadeia.
Com o fim do bipartidarismo, a Arena e o ême dê bê deixaram de existir e foram criados novos partidos políticos. Entre eles, podemos citar:
- pê dê ésse – Partido Democrático Social, no lugar da Arena;
- pê ême dê BÊ – Partido do Movimento Democrático Brasileiro, no lugar do ême dê bê;
- pê tê – Partido dos Trabalhadores;
- pê dê tê – Partido Democrático Trabalhista.
Em 1982, foram restabelecidas as eleições diretas para o cargo de governador de estado. As oposições, com fôrça renovada, passaram a exigir eleições diretas também para a Presidência da República. Esse movimento ficou conhecido como “Diretas Já!”.
Balanço social e econômico
Um rápido balanço dos governos militares revela as distorções do modêlo de desenvolvimento adotado entre 1964 e 1985. A economia foi modernizada e houve crescimento em alguns anos. Entretanto, esse modêlo concentrou a renda nas classes altas e médias. A maioria dos pobres permaneceu excluída da distribuição de riquezas.
As principais obras realizadas no período ocorreram principalmente nos setores de infraestrutura: comunicações, transportes e energia. Apesar das obras nesses setores, em várias regiões do país persistiam problemas sociais em áreas como educação, saúde e alimentação. Em certo momento, o próprio presidente Médici chegou a declarar que “a economia vai bem, mas o povo vai mal”.
A gestão econômica, liderada pelo ministro da Fazenda Delfim Netto, trouxe algum crescimento para o país, mas não melhorou a vida da maioria dos brasileiros. De acôrdo com o próprio ministro, era preciso “fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”. Contudo, o bolo cresceu, mas suas maiores fatias ficaram nas mãos de poucos.
Nesse período, os setores educacional e de saúde não receberam os investimentos necessários. A qualidade dos serviços públicos caiu juntamente com a remuneração dos professores e dos profissionais de saúde. Grande parte desses problemas persiste até os dias atuais.
responda oralmente
para pensar
Quais são os benefícios da vida democrática? Em grupo, reflitam sobre esse tema.
dica internet
Hemeroteca Digital Brasileira
Disponível em: https://oeds.link/V3fagE. Acesso em: 15 agosto 2022.
Página da Fundação Biblioteca Nacional, em que é possível visualizar charges, capas de revistas e páginas de jornais que circularam durante a ditadura civil-militar no Brasil.
Ditaduras na América Latina
Durante a Guerra Fria, boa parte da população dos países latino-americanos vivia sem acesso a moradia, saúde, educação, entre outros direitos humanos básicos. A miséria estimulava revóltas e protestos populares.
O impacto da Revolução Cubana na América Latina contribuiu para fortalecer os grupos que defendiam o socialismo. De outro lado, havia grupos que defendiam o modêlo capitalista de desenvolvimento, argumentando que ele valorizava a liberdade individual e o espírito empreendedor.
Temendo que o exemplo de Cuba fosse repetido em outros países, grupos capitalistas e conservadores latino-americanos apoiaram golpes militares, com o objetivo de defender seus privilégios e impedir o avanço do socialismo.
Assim, setores do alto comando das fôrças armadas, apoiados pela elite civil, implantaram ditaduras violentas. Em geral, esses golpes militares contaram com o apôio do govêrno dos Estados Unidos, que se empenhava em combater o socialismo na América.
Entre esses regimes ditatoriais, além do caso brasileiro, podemos destacar os casos chileno e argentino, que estudaremos a seguir.
Regimes políticos na América Latina (1960-1970)
Chile: golpe de 1973
Em 1973, com o apôio do govêrno e de empresários dos Estados Unidos, o general Augusto Pinochê (1915-2006) comandou um golpe militar no Chile que derrubou o govêrno socialista democraticamente eleito de Salvador Alênde (1908-1973). O momento crucial desse golpe foi o ataque ao Palácio La Moneda, séde oficial do govêrno, que teve como consequência a morte do presidente Alênde, que resistia às fôrças golpistas. O ataque começou com bombardeios aéreos à séde do govêrno e terminou com a ação de tanques e tropas do exército.
Política e economia na ditadura
O general Pinochê assumiu o poder e instaurou uma ditadura que durou 17 anos. Nesse período, o govêrno dissolveu partidos políticos, censurou a imprensa, prendeu, torturou e matou pessoas consideradas de oposição. Calcula-se que a ditadura foi responsável pela morte de aproximadamente 3,2 mil chilenos. Além disso, quase 40 mil pessoas foram vítimas de torturas e de prisões arbitrárias.
No plano econômico, o govêrno Pinochê adotou medidas como a privatização de empresas estatais, o córte de gastos sociais com saúde e educação e a redução de salários. Além disso, facilitou o ingresso de investimentos estrangeiros no país. Tais políticas foram, posteriormente, chamadas neoliberais.
Pinochê ocupou o poder até 1990, quando deixou a Presidência do país. No entanto, ele permaneceu no comando das fôrças armadas por mais oito anos. Depois, ocupou o cargo (que ele mesmo criou) de senador vitalício. Assim, usando artifícios de imunidade parlamentar, conseguiu livrar-se de centenas de processos judiciais que o acusavam de possuir contas secretas em bancos estrangeiros e ter cometido graves violações aos direitos humanos. Pinochê morreu aos 91 anos, em dezembro de 2006.
Argentina: golpe de 1976
Em 1973, o veterano político e militar argentino Ruán Domingo Perón (1895-1974), então com 78 anos, venceu as eleições presidenciais do país, tendo sua esposa Isabelita Perón como vice-presidente.
A Argentina estava mergulhada em uma grave crise econômica, com altas taxas de inflação e baixo poder aquisitivo dos trabalhadores. Com habilidade, Perón articulou um pacto social entre patrões e empregados, conseguindo controlar a inflação, valorizar os salários e desenvolver a economia. No entanto, em 1974, ele morreu e Isabelita, que assumiu em seu lugar, não conseguiu manter a estabilidade política e econômica do país em meio às rivalidades entre os grupos de extrema direita e de esquerda. Aproveitando-se dessas agitações, os militares destituíram a presidente por meio de um golpe de Estado em 1976.
Política e economia na ditadura
Uma junta militar tomou o poder, fechou o Congresso, censurou os meios de comunicação e proibiu as atividades dos sindicatos. Segundo alguns historiadores, o govêrno militar implantou um terrorismo de Estado, organizando uma violenta repressão policial para perseguir seus adversários. Calcula-se que, nos anos da ditadura (1976-1983), tenham sido mortos cêrca de 30 mil argentinos.
No plano econômico, os governos militares adotaram políticas para reduzir o tamanho do Estado: promoveram privatizações e abriram o país aos investimentos estrangeiros especulativos. Mas essas medidas não trouxeram bons resultados. A inflação permaneceu elevada, a indústria nacional se enfraqueceu, várias fábricas faliram e a dívida externa argentina cresceu assustadoramente. Tais políticas, de certo modo, repercutem no país até os dias de hoje.
Apesar do clima de terror imposto pelos órgãos de repressão do Estado, grupos de mães argentinas protestavam contra o desaparecimento de seus filhos em frente à Casa Rosada, o palácio do govêrno, situado na Praça de Maio, em Buenos Aires. Elas ficaram conhecidas como as Mães da Praça de Maio e encorajaram outros movimentos sociais a lutar contra a ditadura.
O fracasso econômico e a derrota militar perante os britânicos na Guerra das Malvinas (1982) favoreceram, no início da década de 1980, a luta pela volta da democracia. A ditadura militar teve fim em 1983, com a posse do presidente Raul Alfonsín (1927-2009), que, pouco tempo depois, ordenou a prisão dos antigos comandantes militares responsáveis pelos crimes bárbaros contra os direitos humanos.
Diferentes ditaduras, pontos em comum
Brasil, Chile e Argentina tiveram experiências ditatoriais entre as décadas de 1960 e 1980, com militares ocupando o poder por um longo período, com uma política repressiva contra as oposições e falta de participação da sociedade civil (por exemplo, com o impedimento de que as eleições ocorressem de fórma regular). A censura aos meios de comunicação, às expressões artísticas e à liberdade de expressão, assim como a repressão política e policial, também ocorreram nos três casos.
O tempo de duração dessas ditaduras variou: enquanto no Brasil durou 21 anos, no Chile foram 17 anos e, na Argentina, a experiência se prolongou por 7 anos.
Os efeitos de maior duração podem ser vistos no impacto das medidas econômicas. Confira no quadro a seguir quais foram os principais aspectos das políticas econômicas e sociais durante as ditaduras no Brasil, no Chile e na Argentina.
Brasil (1964-1985) |
Chile (1973-1990) |
Argentina (1976-1983) |
---|---|---|
Ampliação do tamanho e do poder de ação do Estado nas atividades produtivas. |
Diminuição do tamanho do Estado e do seu papel na economia do país. |
Reformulação do papel do Estado, abrindo espaço para políticas neoliberais. |
Investimento em setores de base da economia (indústrias que produziam bens usados em outras atividades industriais). |
Abertura da economia do país aos investimentos estrangeiros. |
Abertura da economia do país aos investimentos estrangeiros. |
Criação de empresas estatais para atuar em setores estratégicos. |
Privatização de empresas estatais. |
Manutenção das empresas estatais de setores estratégicos (petróleo e aviação, por exemplo). |
Manutenção da Previdência Social e do ensino superior em universidades públicas. |
Privatização da Previdência Social e incentivo às universidades particulares. |
Manutenção das universidades públicas e da Previdência (embora afetadas pelos altos índices de inflação e pelos baixos investimentos). |
Investimento em indústrias para diminuir importações. |
Exportação de bens primários (minérios e produtos da pesca, por exemplo). |
Fechamento de fábricas devido à crise financeira. |
Ditaduras e neoliberalismo
Nos anos 1970, alguns países com governos militares ditatoriais na América Latina atravessaram um período de relativa prosperidade econômica, impulsionada por fatores externos, como o aumento no preço das commoditiesglossário . Esses governos obtiveram créditos no exterior para financiar seu desenvolvimento, principalmente do Fundo Monetário Internacional (). Com isso, entre as décadas de 1970 e 1980, a dívida externa desses países aumentou muito. éfe ême í
No final dos anos 1980, a drástica queda no preço das commodities e a má administração pública contribuíram para que uma grave crise econômica se alastrasse pelo continente. Essa crise dificultou o pagamento das dívidas externas, enfraqueceu as ditaduras militares e levou à implantação de políticas neoliberais na região, que foram impostas por credores internacionais como condição de uma renegociação da dívida externa.
De modo geral, o neoliberalismo defende a redução do tamanho do Estado e a ampliação do livre mercado e da iniciativa privada. A “receita” neoliberal defende, por exemplo, a privatização de empresas estatais, o contrôle da inflação e dos gastos públicos e a desregulamentação da economia. Na maioria dos países da América Latina, a onda neoliberal ocorreu com a redemocratização, após o fim das ditaduras militares, com exceção do caso chileno. Políticas neoliberais foram implantadas, por exemplo:
- no Chile, já durante o govêrno militar de Augusto Pinochê (1973-1990), que inaugurou essas políticas na América Latina, proibindo manifestações sindicais e privatizando a Previdência Social e algumas empresas estatais;
- no México, pelo govêrno de Carlos Salinas de Gortari (1988-1994), que promoveu abertura econômica aos Estados Unidos, privatizações e estabilização monetária;
- na Argentina, pelo govêrno de Carlos Menem (1989-1999), que diminuiu tarifas comerciais, controlou a inflação, diminuiu o número de funcionários públicos para 1/3 do que existia e fixou o valor de 1 peso argentino a 1 dólar;
- no Peru, pelo govêrno de Alberto Fujimori (1990-2000), que privatizou minas e serviços públicos, controlou a inflação, realizou uma reforma tributária e reduziu os subsídios governamentais.
Alguns economistas apontam que essas políticas tornaram os países da América Latina mais competitivos no mercado globalizado. Porém, houve perdas sociais e trabalhistas, com aumento do desemprêgo, da pobreza e da concentração de renda. Além disso, esses países ficaram dependentes economicamente dos países desenvolvidos e dos bancos internacionais, nos quais contraíram dívidas imensas.
Oficina de história
Responda no caderno
Conferir e refletir
- Entre 1964 e 1985, várias fórmas de repressão foram usadas pelo govêrno para calar as oposições. Quais eram os métodos usados pelos órgãos de segurança a serviço da ditadura?
- Faça um quadro resumindo as principais características políticas e econômicas dos governos de Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Gaisel e Figueiredo.
Versão adaptada acessível
2. Elabore um texto, produza um áudio ou um quadro tátil resumindo as principais características políticas e econômicas dos governos de Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.
- Em grupo, interpretem a frase do ministro Delfim Netto: “Primeiro é preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”. Escrevam uma reflexão sobre essa frase.
- Observando os dados do quadro “Características gerais das políticas econômicas nas ditaduras latino-americanas”, na página 204, indique em que países ocorreram os processos que se seguem:
- privatização de empresas estatais;
- criação ou manutenção de empresas estatais de setores de base ou estratégicos;
- privatização da Previdência Social e da educação superior;
- abertura da economia a investimentos estrangeiros especulativos.
Interpretar texto e imagem
5. Observe a imagem a seguir e releia o texto deste capítulo sobre a ditadura no Chile. Em seguida, responda ao que se pede.
Como você interpreta essa atitude de Gabriel Boric? O que ela revela sobre o passado chileno?
6. Após o fim da ditadura, várias publicações denunciaram os crimes praticados pelos integrantes dos órgãos de segurança do govêrno. Nesse contexto, destaca-se o livro Brasil: nunca mais, organizado pelo cardeal dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino rênri sóbel e pelo pastor jaime uráit, cujo trabalho foi realizado clandestinamente entre os anos de 1979 e 1985. Leia, a seguir, um trecho extraído do prefácio desse livro.
“Diz o artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada pelo Brasil, que ‘ninguém será submetido a tortura ou castigo cruel, desumano ou degradante’.
Em 20 anos de regime militar, esse princípio foi ignorado pelas autoridades brasileiras. A pesquisa do projeto Brasil: nunca mais (1964-1979) mostrou quase uma centena de modos diferentes de
tortura mediante agressão física, pressão psicológica e utilização dos mais variados instrumentos, aplicados aos presos políticos brasileiros. reticências
Durante a ditadura militar, a tortura foi utilizada em pessoas de todas as idades, sexo ou situação física e psicológica. Assim, crianças foram sacrificadas diante dos pais, mulheres grávidas tiveram seus filhos abortados, esposas sofreram para incriminar seus maridos.
O emprêgo da tortura foi peça da engrenagem repressiva posta em movimento pelo regime militar que se implantou em 1964.”
ARNS, Dom Paulo Evaristo. Prefácio. In: BRASIL: nunca mais – Um relato para a história. Petrópolis: Vozes, 1985. página 34-39.
- O trecho foi escrito por dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016). Pesquise quem foi esse autor e seu papel entre os anos de 1964 e 1985.
- Identifique no texto o trecho extraído do artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que foi sistematicamente ignorado pelas autoridades brasileiras do período.
- O que demonstrou a pesquisa do projeto Brasil: nunca mais (1964-1979)?
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7. A peça de teatro Liberdade, liberdade, escrita por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, estreou em 21 de abril de 1965. Nela, um grupo de quatro atores interpretou cêrca de 56 personagens históricas de diferentes épocas e 30 canções ligadas ao tema “liberdade”. Leia, a seguir, um trecho dessa peça e, depois, faça o que se pede.
“Hoje, fui chamado a cantar a liberdade – e se há mais quem cante, cantaremos juntos. Às vezes, no fim de uma batalha, nem se sabe quem venceu; ou o vencedor parece derrotado.
reticências
A liberdade é viva; a liberdade vence; a liberdade vale.
Onde houver um raio de esperança haverá uma hipótese de luta.
reticências
Durmam a fim de recobrar fôrças para o amanhã; pois o amanhã virá. E brilhará claro e limpo sobre os bravos, os honestos, os de coração sereno, brilhará sobre todos os que sofrem por esta causa e, mais gloriosamente, sobre a campa dos heróis. Assim será nossa alvorada. reticências.”
FERNANDES, Millôr; RANGEL, Flávio. Liberdade, liberdade. São Paulo: Ele e Pê ême, 2006. página. 119-120.
- A peça de teatro, de 1965, faz referência implícita à ditadura. De que fórma podemos perceber essa referência?
- Ao longo da história brasileira, a palavra “liberdade” foi uma bandeira de luta de diferentes agentes históricos, como negros, indígenas, colonos explorados pela metrópole etcétera No Brasil de 1965, quais são os sentidos do nome da peça Liberdade, liberdade? Justifique sua resposta.
- Além do teatro, canções compostas durante as décadas de 1960 e 1970 denunciavam a ditadura civil-militar, apresentando letras de duplo sentido a fim de “driblar” a censura. Faça uma pesquisa sobre o tema. Se possível, escute as composições e, depois, discuta com os colegas os sentidos e as reflexões trazidas por elas.
Glossário
- Cassado
- : anulado, revogado. No contexto, refere-se aos parlamentares cujos mandatos foram anulados.
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- Subversivo
- : pessoa que se revolta contra a ordem estabelecida, no caso, a ditadura civil-militar.
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- Arrocho
- : aperto, compressão. “Arrocho salarial”, portanto, significa que os salários são congelados.
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- Senador biônico
- : o apelido era uma referência a um seriado de tê vê que fazia sucesso naquela época. O herói da série era um militar acidentado reconstituído em laboratório, ganhando superpoderes que o tornaram um “homem biônico”.
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- : matéria-prima mineral ou agropecuária como café, cobre, trigo, leite, petróleo, soja etcétera
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