CAPÍTULO 7 Intervenções no mundo

Fotografia. Em primeiro plano, à direita, uma mulher caminha pelo centro de uma cidade, usando um vestido vermelho com uma cauda muito longa. A cauda, saindo do vestido, estende-se como uma trilha longa vermelha, sobre a calçada. Adultos e crianças seguram o tecido vermelho. Ao fundo, mesas com cadeiras e prédios.
RED Weight [Peso vermelho, em tradução livre]. Concepção e execução: Áine pílips. Cracóvia, Polônia, 2013.

1. Você já experimentou vivenciar alguma situação cotidiana de uma maneira diferente?

Para isso, é preciso fazer o esforço de dar um primeiro passo e quebrar a rotina. Alguns artistas que você vai conhecer neste capítulo fizeram de atos simples, como vestir uma roupa diferente, um meio de transformação da realidade.

Em sua performance chamada Red Weight [Peso vermelho], a artista irlandesa Áine pílips (1965-) caminhou pela região central da Cracóvia, uma cidade da Polônia, vestindo uma saia composta de 600 peças de roupas vermelhas já usadas por outras pessoas. Imagine o peso dessa saia! Observe na imagem da abertura do capítulo que algumas pessoas que passavam por lá entraram na brincadeira e ajudaram Áine a carregar a imensa cauda.

  1. Se estivesse presente nessa performance, você participaria de algum modo ou só observaria?
  2. O que a cor vermelha representa para você?
  3. Na sua opinião, por que a artista atribuiu esse nome à sua performance?

Neste capítulo, você também vai ler e refletir sobre performances, e inclusive realizar algumas. Essa modalidade artística explora experiências de convívio, de como nos mostramos aos outros e de como os outros nos veem.

Clique no play e acompanhe as informações do vídeo.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Você pretende manifestar algo com seu modo de se vestir? O que, exatamente?
  2. Observe ao seu redor. Como as pessoas estão vestidas e como se comportam? O que isso pode revelar a respeito delas?

SOBREVOO

Intervenções no cotidiano

Fotografia em preto e branco. No centro da imagem, um homem grisalho e de óculos usa uma blusa bufante, saia e sandálias. Ao redor, diversos homens usando terno. Eles estão caminhando em uma rua. Nas laterais, prédios.
O artista Flávio de Carvalho caminhando pelas ruas de São Paulo São Paulo. Fotografia de 1956.

Faça no caderno.

1. Observe a pessoa que está no centro da imagem. Repare na expressão dos que estão ao seu redor. O que parecem achar da situação?

A fotografia foi feita em 1956, quando Flávio de Carvalho (1899-1973) tinha 57 anos, e reproduz uma de suas criações artísticas, que ele chamou de Experiência nº 3.

O artista quis propor um jeito de pensar diferente do vigente na sociedade e realizou uma experiência: criou e vestiu um traje masculino que considerava adequado ao clima tropical brasileiro e foi passear no centro da cidade de São Paulo São Paulo. Flávio misturou elementos do teatro e das artes visuais para refletir sobre a relação com o público e com o espaço da cidade.

Para ele, o traje ideal para o homem brasileiro seria uma saia curta de pregas, blusa de mangas bufantes, meia-calça e sandália de couro. Essa roupa foi chamada de New look [Novo visual], traje tropical ou traje de verão.

  1. Como seria caminhar na rua vestido dessa fórma hoje em dia?
  2. O traje criado pelo artista para a obra Experiência nº 3 seria adequado para o clima da sua região? O que você acrescentaria ou suprimiria? Quais roupas você sugeriria de acordo com as necessidades do lugar onde você mora?

Em 1931, ao realizar a obra Experiência nº 2, o artista foi andar no meio de uma procissão de Corpus Christi usando um chapéu (o que, para os padrões morais da época, era considerado desrespeitoso), e ainda caminhou no sentido contrário ao da multidão. Pessoas que testemunharam o evento consideraram provocadora a maneira de o artista se vestir e se portar e o perseguiram, gritando ameaças. Depois de resolvido o conflito em uma delegacia, Flávio reconheceu para os jornais da cidade que seu objetivo com essa performance (que, naquele tempo, não foi chamada assim) era justamente provocar um efeito teatral e dramático, buscando dialogar com as propostas radicais das ­glossário vanguardas históricas europeiasglossário , nas quais ele se inspirava.

Foco na História

Téspis: o primeiro ator de teatro

Você sabia que a arte do teatro nasceu porque alguém, assim como Flávio de Carvalho, que rompeu com as convenções em suas Experiências, começou a pensar diferente do restante da sociedade?

Na Grécia antiga, havia muitas celebrações coletivas em homenagem aos deuses. As dionisíacas, rituais de culto ao deus Dionísio (responsável pela fertilidade da terra e da vida), reuniam pessoas que cantavam, bebiam, rezavam e festejavam em procissões que duravam dias. Entretanto, aproximadamente no ano 534 antes de Cristo, um homem chamado Téspis resolveu se diferenciar dos demais.

Téspis recolheu esterco de animais e espalhou em seu rosto e corpo, escandalizando o grupo que cantava junto. Ele parou de recitar o poema que todos entoavam e começou a declamar um texto novo, fazendo oposição ao coro. Por esse motivo, Téspis é considerado o primeiro ator da história do teatro ocidental.

Parangolés

Fotografia. Imagem colorida, formato paisagem. Um grupo de pessoas realiza uma performance artística de dança em um espaço fechado. Todas usam Parangolés coloridos, espécie de capa de pano presa ao corpo. Em primeiro plano, à frente do grupo, um homem usa Parangolés nas cores verde e azul. Ele está com o braço direito levantado e segurando o tecido azul, que se prende em volta do pescoço. Presa ao corpo, a capa verde. Do lado direito da imagem, uma mulher de roupas pretas está usando um Parangolé  vermelho em volta da cintura e ao redor do pescoço. Ela está com os braços estendidos para trás, segurando, com a mão esquerda, parte do tecido. Do lado esquerdo da imagem, duas pessoas caminham lado a lado. A da esquerda usa Parangolé vermelho  esticado no braço direito. A da direita usa capa verde presa ao corpo e um pedaço de tecido vermelho na cabeça e no pescoço. Atrás delas, outras pessoas usam Parangolés coloridos. Em segundo plano, do lado direito da imagem, pessoas assistem à performance.
PARANGOLÉS. Concepção: Hélio Oiticica, 1965. Performance realizada no evento The Long Weekend, Tate Modern, Londres, Inglaterra, 2007.

4. Você já assistiu a um desfile de Carnaval ou participou de algum? Qual foi a sensação que experimentou?

A experiência do artista carioca Hélio Oiticica (1937-1980) em uma escola de samba foi tão impactante que toda sua produção artística a partir de então foi influenciada por ela. Os Parangolés são criações desenvolvidas por ele na década de 1960, em meio à comunidade da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, na cidade do Rio de Janeiro Rio de Janeiro. As peças, feitas de tecidos e outros materiais com diferentes texturas, tamanhos e cores, podem ser capas, estandartes ou bandeiras e convidam o público a carregá-las ou vesti-las, tornando-se, assim, a própria obra de arte.

O movimento, a cor, o ritmo e a liberdade, próprios da festa do Carnaval, estão presentes na obra, mas o Parangolé não é uma fantasia que o público usa para fingir ser outra pessoa; pelo contrário: para o artista, público e Parangolé, juntos, são a obra.

5. Observe as imagens desta página e da anterior. Em sua opinião, o que muda quando o público deixa de ser apenas espectador e passa a fazer parte integral da obra?

Fotografia. Imagem colorida, formato retrato. Um homem está usando um Parangolé amarelo e laranja preso ao corpo. Ele está com os braços abertos e com um sorriso largo no rosto. Ao fundo, uma parede na cor laranja desbotada.
PARANGOLÉ pê quatro capa 1. Concepção: Hélio Oiticica, 1964. Objeto performático de plástico e tecido, dimensões variadas. Intérprete: Nildo, da escola de samba Mangueira. Projeto Hélio Oiticica. Rio de Janeiro Rio de Janeiro.
Fotografia. Imagem colorida, formato paisagem. Cabideiro com Parangolés de diversas cores pendurados. Ao fundo, parede com fotografias de pessoas com Parangolés.
OITICICA, Hélio. Parangolés. [entre 1965-1979]. Museu de Arte Moderna, Frankfurt, Alemanha, 2013.

6. Agora observe a imagem da obra Parangolés exposta em um museu. Sem a presença do público, os trajes continuam sendo Parangolés?

Em silêncio

Fotografia. Imagem colorida, formato retrato. Uma mulher está sentada na varanda de um imóvel no segundo andar. Ela usa roupa branca e está cortando uma folha branca de papel com uma tesoura. Abaixo dela, descem fios brancos, que caem até o chão.
CUT Papers. Concepção e execução: sátchico Abe. A Foundation Liverpool, Inglaterra, 2017.

7. Observe a fotografia. Olhan­do-a rapidamente, qual é a sua primeira impressão? Agora, reparando com atenção em todos os detalhes, o que parece estar acontecendo nessa cena?

A artista japonesa sátchico Abe (1975-) passa horas cortando tiras finas de papel durante as suas performances, e o que marca a passagem do tempo é o som amplificado das lâminas da tesoura em ação. Observe o cenário: tudo faz parte da obra, sobretudo o papel que vai se acumulando ao longo do desenvolvimento das performances.

8. Você já passou tempo em silêncio realizando uma atividade manual repetitiva? Como se sentiu? Existe algum tipo de atividade que você faz quando deseja se concentrar ou se acalmar?

Conversa nas ruas

Fotografia. Imagem colorida, formato paisagem. Uma mulher com cabelos curtos está usando camiseta laranja de manga curta sobreposta à uma camiseta branca de manga longa e calça jeans. Ela está ao ar livre, sentada em uma cadeira e segurando um cartaz branco com o texto: CONVERSO SOBRE QUALQUER ASSUNTO. À sua frente, uma cadeira vazia, voltada para a ela. Ao redor, pessoas andando. Ao fundo, um prédio e árvores.
CONVERSO sobre qualquer assunto. Série “Ações cariocas”. Concepção e execução: Eleonora Fabião, Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 2008.

9. De onde pode nascer uma performance? Observe a fotografia. Você já assistiu a uma cena semelhante nas ruas de sua cidade?

A atriz e performer Eleonora Fabião (1968-) responderia que uma performance nasce do nosso incômodo em relação a algo. Em 2008, ela estava tão incomodada por ver as pessoas de sua cidade fechadas em suas casas e espaços de trabalho, sem se comunicar entre si e sentindo-se inseguras, que resolveu criar uma maneira de se colocar à disposição para todos aqueles que quisessem conversar com ela.

Imagine a situação: nas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Eleonora colocava duas cadeiras de sua casa uma de frente para a outra, descalçava os sapatos, sentava-se e escrevia em um cartaz a frase: “Converso sobre qualquer assunto”. E, então, pessoas que passavam na rua aproximavam-se e conversavam com ela.

10. Você se sentiria convidado a conversar com a artista? Qual seria a sua reação diante de um convite semelhante?

Essa foi uma das primeiras performances que Eleonora realizou na cidade onde vive. A artista diz que pessoas de todo tipo começaram a sentar-se nas cadeiras, e algumas delas permaneciam lá, conversando com ela por mais de uma hora. Segundo a artista, dialogar sobre assuntos diferentes com pessoas desconhecidas possibilitava que ela refletisse sobre as próprias ideias.

Para experimentar

Recriando o convite para conversar

  1. Faça uma lista de assuntos sobre os quais você tem vontade de conversar hoje.
  2. Escreva em uma cartolina ou folha grande de papel: Converso sobre (coloque o assunto).
  3. Com o auxílio do professor, leve cadeiras para o pátio e experimente conversar com colegas, professores ou funcionários da escola.
  4. De volta à sala de aula, compartilhe com os colegas e com o professor as experiências vivenciadas nessa ação.
Ilustração. Quatro cadeiras verdes em meio círculo. Sobre elas, diversos balões de diálogos coloridos.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Como cada um dos artistas apresentados neste capítulo questionou a rotina dos espaços e da sociedade?
  2. Qual dos trabalhos mais lhe interessou e por quê?

Foco em...

Hélio Oiticica

Fotografia. Imagem colorida, formato paisagem. Placas de madeira, em formatos retangulares e quadrados, pintadas em tons de laranja, amarelo e marrom, suspensas por fios de náilon, em diversas disposições. Do lado esquerdo da imagem, entre algumas placas, um homem usando blusa azul e calça escura. Ele está  com o rosto parcialmente coberto e com as mãos nos bolsos.
OITICICA, Hélio. Grande núcleo. 1960. Placas de madeira penduradas no teto por fios de náilon. Em exposição em “Brazil Projects, PS1”, no The Institute For Art and Urban Resources, Nova York, Estados Unidos, 1998.

Faça no caderno.

1. Observe a imagem. Quais são os elementos que compõem essa obra? Quantas cores podem ser vistas nela?

Hélio Oiticica foi transformando seu percurso criativo ao longo dos anos. No início de sua carreira, ele fazia pinturas nas quais explorava intensamente as fórmas geométricas e as cores, assim como outros artistas que, como ele, integravam um grupo chamado Frente. Posteriormente, ele sentiu a necessidade de deixar que sua arte saltasse da parede para estar mais próxima do público. Nessa época, ele fazia parte de um importante movimento artístico brasileiro, o Neoconcretismoglossário . Na imagem, pode-se ver um exemplo de um trabalho de Oiticica em que as fórmas geométricas aparecem fóra do quadro, como se estivessem saindo dele e se integrando ao espaço.

Oiticica continuou a explorar diferentes maneiras de provocar sensações corporais para deixar mais viva a experiência do público com suas criações. Lembre-se dos Parangolés. Quando o público veste essa obra e movimenta os tecidos, é como se as cores ganhassem vida.

Faça no caderno.

Fotografia. Imagem colorida, formato paisagem. Sobre um círculo bege, no centro, uma instalação retangular colorida, com uma porta aberta. Entrando na instalação, uma mulher com cabelos longos e lisos, usando blusa rosa e calça preta. Do lado direito da imagem, outra  instalação retangular, com paredes de tecidos coloridos. Ao fundo, duas mulheres observam um viveiro com galhos e aves. Elas estão de costas. Ao redor do círculo, no chão, alguns vasos de folhagens. Um caminho sinuoso, composto de areia e pedras, passa pelo meio do círculo.
OITICICA, Hélio. Tropicália. 1966-1967. Instalação composta de dois Penetráveis PN2 A pureza é mito e PN3 Imagético. Plantas, areia, araras, poemas-objetos, capas de Parangolé e um aparelho de televisão. Em exposição no Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, Estados Unidos, 2016.

2. Observe a imagem. Você reconhece elementos característicos do Brasil nessa obra? O que há de tropical nela? Observe como o ambiente é construído. Você já viu ambientes que se assemelham a essa obra?

Imagine um ambiente inteiramente colorido, onde você só consegue ver as cores, ou um corredor por onde você possa caminhar descalço, sentindo texturas diferentes no chão onde pisa: areia, terra, pedras etcétera Ou, ainda, uma obra de arte em que qualquer um pode mergulhar em uma piscina. Esses são exemplos dos ambientes sensoriais que Oiticica explorou. Ou seja, o público que entra nesses ambientes pode experimentar, sentir a obra e interagir com ela.

Em um de seus trabalhos mais emblemáticos, chamado Tropicália, o artista procurou integrar os sentidos: o público adentra espaços com chão de areia, água e pedras e, ao final, depara-se com um aparelho de TV ligado. Plantas e Penetráveis também compõem o projeto.

Hélio Oiticica foi um artista fundamental para a arte brasileira. Além do que vimos neste capítulo, ele desenvolveu muitas outras ações e obras que se tornaram referências para artistas do mundo todo. Além de escultor, pintor e artista performático, era escritor e um pensador das artes. Oiticica não tinha medo de experimentar e inovar e não se contentava com uma fórma de arte em que o público fosse apenas um observador passivo.

Para pesquisar

Elementos do meu entorno

Se você fosse construir uma obra como a Tropicália, quais elementos usaria? Faça uma pesquisa atentando-se para o que está presente em sua vida. O roteiro de perguntas a seguir pode auxiliar na sua pesquisa.

Por dois dias, anote em seu diário de bordo as respostas a estas questões.

  1. Há elementos que você encontra em sua casa, na casa de amigos, na escola e nas ruas que você considera símbolos da região onde vive?
  2. Como é a construção das casas em seu bairro?
  3. Em que tipo de piso você caminha diariamente?
  4. Em uma aula posterior, com as anotações em mãos, converse com os colegas e com o professor sobre as seguintes questões.
    1. Há elementos comuns entre as suas anotações e as dos seus colegas?
    2. As informações obtidas pela turma assemelham-se ao que pode ser visto na obra Tropicália? Se sim, quais delas?

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. O que mais chamou a sua atenção nas obras de Hélio Oiticica?
  2. Você se sentiria convidado a vestir os Parangolés e caminhar pelos ambientes propostos pelo artista? Por quê?

Foco em...

Flávio de Carvalho

Fotografia em preto e branco. No centro, um homem usando uma máscara de alumínio. Ele está com as mãos e a cabeça voltados para cima. Ao redor dele, cinco pessoas, também usando máscaras de alumínio, andam em círculo. Atrás, uma pessoa segura um instrumento na mão direita. Correntes e estruturas metálicas compõem o cenário.
O BAILADO do deus morto. Direção: Flávio de Carvalho. Clube dos Artistas Modernos (CAM), São Paulo São Paulo, 1933.

Como você já viu no Sobrevoo, o artista Flávio de Carvalho causou indignação com sua Experiência nº 3 em 1956, mas, bem antes dela, em 1933, ele havia criado uma nova maneira de pensar e fazer teatro, que ficou conhecida como Teatro da Experiência.

Ele propunha que a plateia participasse da cena durante a peça. Naquela época, essa participação do público não era algo comum.

Faça no caderno.

1. Como você se sentiria nessa situação? Você já assistiu a uma peça de teatro em que o público foi convidado a participar?

O Teatro da Experiência era um espaço de experimentação em que os artistas podiam testar livremente suas criações. Flávio de Carvalho desenvolveu uma proposta que dava mais importância ao processo artístico do que ao resultado da obra em si.

Qual seria a diferença entre processo e resultado? Geralmente, espera-se que o resultado seja a apresentação de um produto final acabado e que possa agradar o público a que se destina. O processo de criação, por sua vez, admite erros, falhas, experimentações, tentativas, brincadeiras e uma leveza maior do que a que se espera do resultado.

A peça escrita por Flávio de Carvalho para o Teatro da Experiência foi chamada de O bailado do deus morto. Observe uma cena desse espetáculo na página anterior.

A montagem era cantada, falada, dançada, tinha muitas músicas e todos os ins­trumentos tocados eram da cultura afro-brasileira. Além disso, todos os atores convidados por Flávio eram negros e usavam máscaras de alumínio e camisolas brancas, também criadas pelo autor, em um período em que raras vezes se viam artistas negros no teatro.

Após a terceira apresentação, a peça foi proibida pela polícia por tratar de questões polêmicas para os padrões morais da época. Impedido de fazer teatro, Flávio seguiu criando em outras áreas artísticas. Até hoje seus ideais sobre o teatro continuam inspirando muitos artistas.

Pintura. Retrato de um homem segurando um pincel na mão esquerda. O quadro explora a utilização de muitas cores, sem grande preocupação com as linhas e as formas para a representação da figura. As cores usadas no homem e no fundo da tela se mesclam.
CARVALHO, Flávio de. Autorretrato. 1965. Óleo sobre tela, 90 centímetros por 67 centímetros. Museu de Arte Moderna, São Paulo São Paulo.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Em suas aulas de Arte, o que você considera mais valorizado: o seu processo criativo ou o produto de sua criação? O que você pensa sobre isso?
  2. Lembre-se de algo que você já criou (um desenho, uma roupa, um poema, uma história, uma música etcétera). Como foi o processo de criação? De que modo ele se relacionou com o resultado final?

Foco no conhecimento

Performance e programa

Como você viu ao longo deste capítulo, as performances podem ser realizadas para manifestar um ponto de vista, para abordar algum incômodo pessoal ou social ou pela possibilidade de transformar o cotidiano e sair da rotina do dia a dia.

Veja a seguir alguns pontos que podem transformar uma ação sobre o mundo em uma performance.

  1. Antes de tudo, é preciso ter uma inquietação e uma vontade de modificar a fórma de ver e de fazer algo.
  2. A performance propõe uma transformação enquanto acontece, seja na atmosfera da cidade, em relação a uma situação, nos espectadores, seja no próprio corpo que performa.
  3. Muitas performances têm o corpo como foco e instigam a pensar na maneira como lidamos com nosso corpo e com o dos outros.
  4. A performance integra arte e vida. Diferentemente do ator, o performer não brinca de ser outra pessoa nem constrói um personagem. Ele cria um campo de jogo para experimentar a partir do próprio corpo e da própria experiência.
  5. Performances podem ser organizadas segundo um programa performativo, que é uma descrição breve de todos os passos que compõem a ação.
  6. Uma performance pode ser realizada pelo próprio performer que a criou ou por outras pessoas, baseada nas instruções do programa performativo.
  7. O público pode ser apenas espectador ou participar ativamente da ação.
  8. Muitos artistas transformam os seus programas performativos de acordo com as experiências que têm com o público. Uma performance pode estar sempre em movimento e em constante recriação.

Observe a imagem do desenho feito por Flávio de Carvalho no planejamento para a Experiência nº 3. Repare em todas as indicações e justificativas para a confecção da roupa. Com esse registro, ainda que a roupa deixasse de existir por algum motivo, a performance poderia ser realizada no futuro. Além do desenho da roupa, Flávio de Carvalho planejou sua performance com antecedência: ele convidou pessoas para o evento e pensou até no efeito que queria causar na mídia, divulgando a ação para jornalistas.

Fotografia. Cartão postal com desenho de um homem usando blusa feminina, saia e meia-calça do tipo arrastão. Ao redor, textos e marcações sobre a roupa: Na parte superior, o texto: NEW LOOK | VERÃO - 2 PEÇAS, DE FLÁVIO DE CARVALHO. Na sequência: Tecido malha aberta, lavagem própria, todas as noites em 3m. Seca em 3h. Há setas nas mangas, na gola da blusa, na parte inferior da blusa e da saia, com a palavra: ar. Na parte da frente da blusa, sobre um risco, o texto: Pregas, conservar formas. Na saia, há uma seta na parte da frente, sobre uma linha, com o texto: Pregas soltas, facilitar movimentos. O que incomoda no calor é a transpiração que não se evapora por falta de velocidade no ar e que se empasta no tecido. Só a necessidade defensiva e a perspicácia podem descongelar a rotina e introduzir um novo modelo-prestígio. Há uma seta sobre a meia-calça, com o texto: Meias de malha, esconder varizes. Abaixo, o texto: Sensação de calor varia com a velocidade do ar. Funciona como uma bomba e válvulas para bombear ar. 3 movimentos... braços... renova ar. Estilo adequado a gordos e magros. Cores vivas substituem desejos, agressão, tendem a evitar guerras. Endereço: FAZ. CAPUAVA VALINHOS E DE SÃO PAULO.
CARVALHO, Flávio de. Cartão-postal de divulgação do New look. 1956. Desenho. Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio – Cedae/Unicamp, Campinas São Paulo.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Como a performance poderia estar presente em sua vida?
  2. Você considera que quando entramos em um jogo ou em uma brincadeira corporal também estamos performando? Por quê?
  3. Que semelhanças poderia haver entre performances, brincadeiras e jogos corporais?

Processos de criação

Vamos criar uma performance a partir das regras de um jogo ou brincadeira?

1. Reúna-se com os colegas em um grupo de oito integrantes.

Faça no caderno.

  1. Façam uma lista detalhada das regras de um jogo ou brincadeira corporal que todos conheçam e apresentem aos colegas e ao professor.
  2. Após a apresentação, elaborem as regras de um novo jogo ou brincadeira, que será a performance do grupo.
  3. Reflitam sobre as motivações e inquietações do grupo para a criação dessa performance.
  4. Organizem as etapas: como a performance começa? Como se desenvolve? Qual é o papel de cada membro do grupo? Como a performance termina?
  5. Quando todos tiverem um conjunto de regras, ou seja, um programa performativo, será o momento de performar.
  6. Organizem as experimentações no espaço da escola com o professor.
  7. Descrevam o programa da performance em uma cartolina para fixar no espaço onde a ação será realizada.
  8. Estejam atentos às reações do público.
  9. Registrem as performances dos colegas e compartilhem com a turma posteriormente.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Como foi para você e para o seu grupo experimentar as regras propostas? Algo se transformou na maneira como vocês lidam com as atividades cotidianas?
  2. Como o público reagiu à sua performance?
  3. Passada a primeira experiência, vocês alterariam algo do programa da performance, caso fossem realizá-la novamente?

Organizando as ideias

Quadro com recortes de quatro fotografias. À esquerda, fotografia de uma mulher vestida de  vermelho da cabeça aos pés: gorro, vestido de manga longa, meia-calça, sandálias, brincos e batom. Ao lado, fotografia em preto e branco de um homem usando blusa feminina, saia e sandálias. Na sequência, fotografia de uma mulher usando um Parangolé na cor vermelha ao redor do corpo. À direita, fotografia de uma mulher sentada na varanda de um imóvel no segundo andar. Ela usa roupa branca e está cortando uma folha branca de papel com uma tesoura. Abaixo dela, descem fios brancos, que caem até o chão.

Neste capítulo, você conheceu diversos artistas e obras que dialogam com a modalidade artística da performance. Além disso, experimentou criar e refletiu a respeito das diversas possibilidades de o nosso “eu” ver o mundo ao redor e interagir com ele.

Para concluir, reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

Faça no caderno.

  1. Observando as imagens das performances apresentadas ao longo deste capítulo, que relações você faz entre elas? O que essas performances têm em comum? O que cada uma delas tem de específico? Como você percebe a presença do público?
  2. Que relações você estabelece entre as linguagens das artes visuais, da dança, da música e do teatro e a performance?
  3. Quais descobertas você fez ao longo deste capítulo? O que você gostaria de continuar aprofundando?

Glossário

Vanguardas históricas europeias
Propostas e/ou tendências artísticas que surgiram em diferentes países europeus com o objetivo principal de pensar a arte segundo a liberdade de expressão e de criação. Os principais movimentos das vanguardas foram: Cubismo, Futurismo, Dadaísmo, Expressionismo, Construtivismo e Surrealismo. Eles apareceram nas três primeiras décadas do século vinte e buscavam romper com as convenções artísticas dominantes.
Voltar para o texto
Neoconcretismo
Movimento artístico que despontou no Rio de Janeiro e questionava o amplo uso da racionalidade e das tecnologias na construção de obras de arte, prática comum entre os artistas concretos paulistas. Em 1959, foi publicado o manifesto Neoconcreto, que defendia uma produção artística baseada na intuição do artista, na emoção e na subjetividade. Os artistas neoconcretos tinham liberdade de criação e experimentavam diferentes linguagens e técnicas artísticas. Eles aproximaram o público da arte propondo obras interativas. Esse movimento é considerado um marco para a história da arte no Brasil, sendo apontado por alguns pesquisadores como o início da arte contemporânea brasileira.
Voltar para o texto