CAPÍTULO 1 O lugar da arte

Fotografia em preto e branco. Uma praia com diversas pessoas sentadas de costas em cadeiras de praia, com uma onda quebrando em suas pernas. Alguns metros à frente delas, um homem usando terno escuro está em pé sobre o último degrau de uma escada parcialmente submersa. Ele tem os braços semiflexionados erguidos e as mãos espalmadas, e está voltado para a linha do horizonte, como se discursasse para uma plateia inexistente diante dele.
PANORAMIC Sea Happening [Concerto marítimo panorâmico, em tradução livre]. Direção: Tadêus Cántor. Láse, Polônia, 1967.

No primeiro livro desta coleção, você refletiu sobre como a arte está mais próxima de sua vida do que imaginava. Conheceu obras e artistas que criaram e criam arte ao seu redor e, nas criações artísticas que desenvolveu com a turma, descobriu que a arte também está presente dentro de você.

Começaremos a trajetória deste novo ano com as perguntas: Qual é o lugar da arte? Quais são os espaços onde a arte geralmente acontece e onde ela pode acontecer? Como a arte interfere nas paisagens do mundo e como é influenciada por esses espaços?

1. Observe a imagem do happening do artista Tadêus Cántor (1915-1990), da abertura do capítulo. Você diria que se trata de um espetáculo de música, de dança ou de teatro? Quais elementos das linguagens artísticas você identifica na cena?

Versão adaptada acessível

1. Retome a imagem do Répinin do artista Tadeusz Kantor (1915-1990), da abertura do capítulo. Você diria que se trata de um espetáculo de música, de dança ou de teatro? Quais elementos das linguagens artísticas você identifica na cena?

2. Como a ação do artista em relação ao mar pode mudar a maneira como pensamos e vivenciamos esse espaço? De que fórma uma paisagem pode se tornar um local para a arte?

Neste capítulo, convidamos você a realizar um passeio por diversos lugares nos quais a arte também se manifesta. Transitaremos pelos centros de grandes cidades e também por suas periferias, assim como pelas regiões interioranas de alguns países, e veremos, inclusive, como a arte pode estar presente em locais inusitados, como a superfície de rios e até mesmo no fundo do mar.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Você já foi a algum espaço artístico convencional, como um teatro, um museu, uma casa de shows, um sambódromo, um centro cultural etcétera? Como foi a experiência?
  2. Quais foram os lugares mais inusitados em que você presenciou ou realizou alguma manifestação artística?

SOBREVOO

Arte e espaços

Fotografia. Dois vagões ferroviários de carga estão com um dos lados suspenso, presos entre si por cabos de aço, formando uma letra  “V”. Atrás deles há uma linha férrea com alguns vagões de carga estacionados.
Intervenção urbana criada por José Resende que integrou o projeto Arte/Cidade – Zona Leste, em São Paulo São Paulo, em 2002, com vagões de trem inclinados para o alto.

Em nossa rotina, é comum passarmos pelos mesmos lugares duas ou mais vezes por dia, vários dias por semana, e vermos as mesmas fachadas, os mesmos cruzamentos, as mesmas árvores e até cruzarmos com as mesmas pessoas.

Faça no caderno.

1. Qual é o trajeto que você costuma percorrer com mais frequência? Você percebe alterações na paisagem que vê cotidianamente? Quais?

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1. Qual é o trajeto que você percorre com mais frequência? Você percebe alterações nos lugares que percorre  cotidianamente? Quais?

Imagine que você passa todos os dias por uma importante avenida que acompanha uma linha férrea em uma grande cidade e, certo dia, você repara que essa paisagem está como na imagem da página anterior. Esse foi um trabalho executado em 2002 pelo artista contemporâneo José Resende (1945-) para um evento focado em intervenções urbanasglossário .

José Resende é escultor e trabalha com materiais como couro, feltro, gesso, vidro, madeira, granito, borracha e, especialmente, metal. Ele também é conhecido por suas obras de dimensões monumentais, incluindo as que são feitas para os espaços convencionais de arte.

  1. Como você acha que as pessoas, de modo geral, se relacionam com a paisagem pela qual transitam cotidianamente? Será que todos os que passavam pela avenida perceberam a presença dessa grande intervenção artística na linha férrea?
  2. Quais são as suas sensações ao observar a imagem dessa intervenção urbana? É possível imaginar o impacto que essa obra teve sobre as pessoas que passavam por ali?
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 3. Retome a imagem dessa intervenção urbana. Que sensações ela provoca em você? É possível imaginar o impacto que essa obra teve sobre as pessoas que passavam por ali?

Quem passou e reparou no lugar onde a intervenção estava instalada provavelmente ficou intrigado e curioso a respeito do que poderia ter acontecido com aqueles vagões de trem. Muitas pessoas que notaram a presença da obra não tinham nenhuma outra informação além do que os seus olhos viam. A obra fazia parte de uma mostra chamada Arte/Cidade – Zona Leste, que teve sua quarta edição realizada na cidade de São Paulo em 2002. Com diversas propostas de intervenção em espaços públicos da megalópole, o evento queria provocar os cidadãos, estimulando a reflexão e chamando a atenção para questões próprias do ambiente urbano.

  1. Que provocações você percebe nessa obra? O que mudaria se ela estivesse exposta em um local mais convencional, como uma galeria ou um museu?
  2. O que há de escultural nessa intervenção artística?

O palco é o rio

Nosso olhar fica tão acostumado com o que vemos todo dia que às vezes é preciso, por exemplo, que trens sejam suspen­sos para que possamos prestar atenção às paisagens coti­dianas. No entanto, há lugares a que nosso olhar não presta atenção porque não costumam estar abertos à visitação e que só conseguimos ver mais de perto quando se tornam palco de algum evento. Esse é o caso do espetáculo bê érre três, do grupo Teatro da Vertigem, que convidou os espectadores a subir em um barco para assistir a uma peça sobre as águas e às margens do rio Tietê, conhecido por ser muito poluído.

Fotografia. Dois atores estão em pé dentro de um barco a motor sobre as águas de um rio, nas quais há o reflexo do barco e dos homens, sob uma iluminação amarelada. Uma esteira de espuma sobre a água atrás do barco indica que ele está se movimentando para a frente. À esquerda, um homem de macacão vermelho usa um chapéu e um avental marrons. À direita há um homem calvo, usando um casaco bege e calças verdes. Ele segura um objeto com a mão direita e controla o motor do barco com a mão esquerda. Eles estão de frente um para o outro.
bê érre três. Dramaturgia: Bernardo Carvalho. Interpretação: grupo Teatro da Vertigem. São Paulo São Paulo, 2005. Atores dentro de um barco no rio Tietê durante ensaio do espetáculo.

6. Você já assistiu a alguma peça de teatro ao ar livre assim como a peça bê érre três?

Os integrantes desse grupo traçaram uma história que compunha um diálogo entre três “Brasis” diferentes: o bairro periférico paulistano Brasilândia; Brasília, a capital federal do país; e a cidade periférica Brasileia, localizada no sul do estado do Acre.

7. Quais relações você imagina que poderia haver entre esses três locais do Brasil?

Segundo o dramaturgoglossário do espetáculo, Bernardo Carvalho (1960-), a proposta da montagem era criar um trajeto que iria da paisagem central à paisagem periférica, voltando para o centro e encerrando-se na periferia novamente. A peça conta a história de três gerações de uma mesma família entre o fim dos anos 1950, isto é, desde a construção da capital Brasília, até a década de 1990, momento em que essa família se desagrega, dividindo-se entre o bairro de Brasilândia e o município de Brasileia.

Nas apresentações em São Paulo São Paulo, todo o espetáculo acontecia no rio Tietê. Os espectadores tinham a possibilidade de assistir às cenas sentados em um barco de três andares, das margens do rio ou em outros barcos que cruzavam as águas. Alguns atores eram vistos muito de perto, como no caso de uma atriz que ficava o tempo todo no mesmo barco que os espectadores, e outros muito de longe, como nas cenas que aconteciam em outros barcos e em construções ao redor do rio. As quatro décadas que a história percorre eram demarcadas por projeções feitas nas margens e nas águas do rio.

A proposta do grupo torna a própria cidade o palco do seu teatro.

Fotografia. Quatro pessoas com trajes cênicos estão em pé dentro de um pequeno barco sobre as águas turvas de um rio. Atrás dele há uma embarcação maior azul, com diversas pessoas em pé em um convés elevado, formando uma pequena plateia, e observam o primeiro barco. À frente da embarcação azul aparecem seus tripulantes: dois homens de trajes azuis estão em pé em torno da cabine, e outros dois estão em pé na popa. A cena é noturna e é iluminada por um facho de luz projetado sobre os barcos.
bê érre três. Dramaturgia: Bernardo Carvalho. Interpretação: grupo Teatro da Vertigem. São Paulo São Paulo, 2005. Alguns trechos eram encenados dentro de um barco, enquanto o público acompanhava a peça em outra embarcação.

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Coreografia para a cidade

Artistas da dança também buscam se relacionar com as paisagens de suas cidades para se aproximar das pessoas que as habitam e provocar outros modos de olhar e perceber os lugares.

Fotografia em preto e branco. Um grupo de bailarinos com os braços estendidos para cima em uma pose. Ao fundo, um monumento. Ao redor, as pessoas de uma plateia. A cena é noturna, iluminada por algumas lâmpadas da via pública.
Ao pé do caboclo. Direção: Lia Robatto. Salvador Bahia , 1977. Intérpretes ocupando o Monumento aos heróis do Dois de Julho, durante apresentação do espetáculo.

8. Se uma peça de dança ou teatro envolvesse um monumento de sua cidade, quais histórias poderiam ser contadas? Que situações poderiam se tornar danças? Como seriam essas danças?

Na década de 1970, a bailarina, coreógrafa e professora de dança Lia Robatto (1940-) renovou a cena da dança no Brasil ao desenvolver seus trabalhos em ambientes diferentes do palco tradicional. Em 1977, seu espetáculo Ao pé do caboclo surpreendeu as pessoas que passavam pelos arredores do Largo do Campo Grande, em Salvador Bahia .

A artista organizou dois cortejos que saíram de lugares diferentes e, ao som da Banda dos Fuzileiros Navais, percorreram as ruas próximas ao Largo até chegarem ao Monumento aos Heróis do Dois de Julhoglossário .

Cada intérprete elaborou seus movimentos e personagem com base na sua identificação individual com o Cabocloglossário e outras figuras históricas do Dois de Julho. A partir disso, Lia Robatto organizou a coreografia. O espetáculo foi um modo de promover uma reflexão sobre um fato histórico e, também, de se relacionar com a arquitetura de um lugar que não foi originalmente concebido com esse propósito, mas onde uma manifestação artística como a dança pode acontecer.

Arte em migração

Dançar ou atuar em espaços não convencionais amplia nosso modo de entender e nos relacionar com o lugar onde uma obra de arte é instalada. A paisagem e a arquitetura podem ser geradoras de obras de arte e podem ser parte da razão de elas existirem.

Em relação ao lugar onde a arte acontece, vale ressaltar que algumas manifestações artísticas nascem em um determinado local e, com o tempo, alcançam públicos de outras regiões. Um exemplo disso é a trajetória das bandas de Pífano ou pifeglossário  do Nordeste brasileiro.

Ilustração. Desenho de um pífano, uma pequena flauta cinza com detalhes amarelos e vermelhos nas extremidades e no centro. Ela tem sete furos, um maior próximo à uma das extremidades e outros seis menores no corpo do instrumento.

9. Você conhece alguma dessas bandas? E as músicas tocadas por elas?

Fotografia. Grupo musical com seis instrumentistas, todos com chapéu de couro de abas largas dobradas para cima, decorados com estampas e com tiras pendentes em ambos os lados. Usam calça escura e camisa colorida e estão se apresentando em um palco decorado com cactos e tapetes na cor bege. Da esquerda para a direita: caixa, tambor, pífano, pandeiro e zabumba. O tocador de pífano usa óculos escuros. No fundo, um tecido escuro com luz vermelha projetada delimita o espaço.
Banda de Pífanos de Caruaru durante apresentação em São Paulo São Paulo, em 2021.

As bandas de pífanos surgiram no Sertão nordestino na década de 1920, quando tocavam em procissões, feiras, batizados, enterros e festas das cidades. Suas criações musicais estão intimamente relacionadas a essa região. Os instrumentos geralmente utilizados pelos integrantes das bandas são a pequena flauta chamada de pífano ou pife, que é tocada pelo artista no centro da fotografia; a caixa ou o tarol, do lado esquerdo do pife; a zabumba, que está na extrema direita; e os pratos de metal. Da década de 1970 em diante, essas bandas se tornaram conhecidas nacionalmente. Veja um pouco mais da história de uma delas na seção a seguir.

Foco na História

Banda de Pífanos de Caruaru

Por volta de 1924, no povoado de ôlho d’Água do Chicão Alagoas , como era chamado na época, o agricultor Manoel Clarindo Biano percebeu que seus filhos Benedito e Sebastião, assim como outras crianças da região, brincavam com caules de plantas da vegetação local, como pé de jerimum, de mamoeiro e de carrapateira, soprando-os e fazendo sons, como se fossem apitos.

Ele e sua esposa, Maria Pastora da Conceição, estimularam as brincadeiras musicais das crianças, que mais tarde passaram a tocar pifes encomendados pelo pai. Com o tempo, isso resultou na formação do grupo Zabumba de Seu Manoel, no qual os meninos tocavam pífanos, seu Manoel, a zabumba, e um outro parente, os pratos. Eles tocavam de ouvido e, muitas vezes, os elementos do ambiente no qual viviam eram a inspiração. Nas palavras de Sebastião Biano:

“Para fazer as músicas naquela época, eu fazia assim, através de canto de pássaro, carreira de um animal, que dava aquele compasso, certo, aí eu esperava a música. Briga de animal também. Tem os carneiros, quando briga por causa de ovelha, eu fiz essa música, inspirei ela... Briga do cachorro com a onça, foi o cachorro acuando a onça reticências”.

BIANO, Sebastião. In: VELHA, Cristina E. Significações sociais, culturais e simbólicas na trajetória da Banda de Pífanos de Caruaru e a problemática histórica do estudo da cultura de tradição oral no Brasil (1924-2006). 2008. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo São Paulo, 2008.

Assim como muitas famílias que saíam das regiões sertanejas mais atingidas pela seca em busca de terras mais férteis, a família Biano também pegou a estrada rumo a Juazeiro do Norte Ceará . Nessa peregrinação, eles se apresentaram em municípios rurais, onde se dedicavam também à agricultura, para sua subsistência. Na década de 1950, fixaram-se em Caruaru Pernambuco, e o contexto urbano passou a fazer parte de seu reper­tório. Eles tocavam em lojas, recepções municipais, bares e restaurantes, e adotaram um novo nome: Banda de Pífanos de Caruaru. Nessa época, os meios de comunicação passaram a difundir suas músicas, e, na década de 1960, uma delas, a “Pipoca moderna”, foi gravada por músicos renomados. Diversos compositores brasileiros de música instrumental foram influenciados pela banda, o que levou essa arte do âmbito local para o âmbito nacional.

Fotografia. Retrato de Sebastião Biano, homem idoso de cabelos brancos, de óculos de armação retangular. Ele veste uma camisa colorida e usa um chapéu triangular, preso na altura da testa por uma tira com uma faixa vermelha e decorado com figuras vermelhas nas abas levantadas. Ele está de pé em frente a uma cadeira e sorri, segurando um pífano com a mão direita estendida para a frente. Na parede ao fundo há diversas imagens emolduradas: um diploma, algumas pinturas, fotografias e recortes de jornal. Sobre um móvel, ao lado do homem, há uma imagem de santo emoldurada por uma figura colorida em forma de quermesse e por bandeirinhas coloridas de Festa Junina.
Sebastião Biano segurando pífano em fotografia tirada em São Paulo São Paulo, 2021.

Teatro-tapete

Fotografia. Palco com cinco atores. Três homens de trajes escuros estão sentados; um deles tem um tecido estampado pendurado em um dos ombros, com as mãos nos joelhos; o outro está com as pernas semiflexionadas afastadas, com um dos braços estendido para baixo e o outro semiflexionado e apoiado em uma das pernas; o terceiro, à esquerda da imagem, está sobre uma almofada laranja, com as pernas cruzadas. À frente deles há um homem em pé usando um manto marrom de franjas douradas estampadas, cobrindo todo o corpo, com um dos braços semiflexionado para a frente, com a mão espalmada. Ele está de frente para uma pessoa com o corpo totalmente coberto por um manto vermelho, preso no alto da cabeça, parcialmente coberta. Um tecido vermelho cobre toda a superfície do palco e, sobre ele, diversos tapetes. Ao fundo, parede vermelha.
HAMLET. Adaptação e direção: píter . Dramaturgia: William Xêiquispíer. Paris, 2000. Atores encenam sobre um tapete no Théâtre des Bouffes du Nord, em Paris (França).

10. Observe a imagem. Qual seria a sua proposta para uma apresentação teatral realizada apenas com um tapete em cena?

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10. Considere a imagem. Qual seria a sua proposta para uma apresentação teatral realizada apenas com um tapete em cena?

Assim como qualquer espaço pode se tornar um local de manifestação musical, o mesmo acontece com a arte teatral. É o que propõem o encenadorglossário teatral inglês Píter Bruk (1925-2022) e atores de diversas nacionalidades do Centro Internacional de Pesquisa Teatral.

No início da década de 1970, os artistas que faziam parte desse centro de pesquisa decidiram viajar e improvisar espetáculos gratuitos para espectadores que nada soubessem sobre eles ou suas peças. A intenção era realizar ações teatrais em espaços diferentes do palco de um edifício teatral, ao qual a maior parte deles estava acostumada.

Para viajar e se apresentar em lugares distintos, o palco precisava ser facilmente transportável. Então, ao chegar a um povoado ou a um vilarejo, os artistas reuniam os espectadores em um espaço público e estendiam um tapete, sobre o qual apresentavam as suas cenas. A essas improvisações eles deram o nome de carpet shows, isto é, espetáculos do tapete.

Após essas experiências, o tapete passou a ser um elemento estrutural do trabalho de píter . Segundo ele, por ser um objeto móvel, o tapete permite que o espaço assuma a fórma de qualquer paisagem ou local e, ainda, consegue envolver a imaginação do espectador.

Arte no ambiente natural

Fotografia. Paisagem natural com águas de um lago, faixa de floresta e uma cadeia montanhosa, com iluminação semelhante à do alvorecer. Sobre as águas tranquilas, com pequenas ondulações, uma faixa reflete o brilho do Sol. Sobre ela há alguns barcos; dois deles estão de perfil; um em cada lado, com a proa voltada para o centro do lago. Neles há várias pessoas sentadas em fila; no barco à esquerda, acima das pessoas, há uma grande figura cenográfica na forma de um lobo cinzento, e no barco à direita, há uma grande figura cenográfica na forma de um crustáceo avermelhado com três grandes chifres. Entre eles, de frente, há outros barcos, nos quais há pessoas em pé fantasiadas, uma em cada barco, com trajes alados em diversas cores: amarelo, vermelho, branco e azul, algumas com faixas pretas nas asas. Ao centro, também de frente, há um barco com uma pessoa em pé, fantasiada com um traje dourado, com uma estrela dourada de várias pontas dentro dele.
THE PRINCESS of the Stars [A princesa das estrelas, em tradução livre]. Concepção: Múri Chêifer. Lago Two Jack, Banff, Canadá, 1985.

11. Observe a imagem. Entre os elementos presentes na cena, o que você considera artístico?

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11. Considere a cena descrita. Entre os elementos nela presentes, o que você considera artístico?

O compositor canadense Múri Chêifer (1933-2021), criador de A princesa das estrelas (1985), convida-nos a perceber que uma obra de arte pode estar integrada ao lugar em que acontece. Em muitos de seus trabalhos, ele destaca a importância da escuta e dos sons em geral para os seres vivos e aponta a necessidade de desenvolver mais cuidado, harmonia e equilíbrio com o ambiente sonoro, que tem ficado cada vez mais poluído.

A apresentação registrada na imagem faz parte de um ciclo de doze eventos artísticos chamado Patriaglossário , que começou a ser elaborado em 1966. Um desses eventos é o episódio A princesa das estrelas, realizado em um grande lago cercado por mata. O público se dispunha às margens do lago e os atores, os bailarinos e os cenários eram vistos em diversas canoas, como a do Inimigo de Três Chifres, retratada na imagem da página seguinte. Enquanto isso, os músicos – cantores, percussionistas e sopristas (que tocam instrumentos de sopro) – tocavam do interior da floresta, de modo que a música se misturava com os sons da mata. Como o evento se iniciava pouco antes de o Sol nascer, integravam-se também à música inicial os cantos matinais dos pássaros que habitam a região.

Essa obra artística está fortemente integrada à paisagem natural e à acústicaglossário do ambiente, que, nesse caso, é muito importante para a execução e a percepção dos acontecimentos sonoro-musicais.

Os acontecimentos naturais, como o nascer do Sol, a chuva, a neblina etcétera, são incorporados à obra e tornam-se parte dela, atuando como referência para a execução cênica. Como as condições ambientais nem sempre são previsíveis e podem variar de uma apresentação para outra, os profissionais envolvidos devem estar prontos para adaptar os elementos cênicos, o que torna cada apresentação única. A acústica também pode variar: por exemplo, com chuva, os sons e as condições de escuta serão diferentes daqueles de um dia de sol. Assim, os acontecimentos ambientais são tratados como parte da obra artística, com especial destaque à paisagem sonora.

Fotografia. Águas tranquilas de um lago, com leves ondulações e reflexos da cena que se desenrola na superfície. No centro da imagem há um barco de perfil, com a proa voltada para a esquerda. Dentro dele há várias pessoas sentadas em fila, e sobre elas, na proa, há uma grande figura cenográfica na forma de um crustáceo avermelhado com três grandes chifres. Na popa do barco há uma figura cenográfica representando a cauda pontiaguda do crustáceo. Ao fundo há uma névoa espessa, através da qual aparece uma faixa de floresta densa às margens do lago.
O Inimigo de Três Chifres, um dos personagens de A princesa das estrelas. Ele foi construído por participantes de uma oficina na Haliburton School of The Arts, em Ontário (Canadá), em 1997.

12. Se houvesse uma apresentação que envolvesse diferentes linguagens artísticas na sua região, onde ela poderia ser realizada? Que elementos e acontecimentos naturais poderiam ser incorporados a ela?

Ícone. Tema contemporâneo transversal: Ciência e Tecnologia.

Até o momento, vimos obras artísticas em trilhos de trem, em um rio poluído, ao redor de um monumento, em um lago e em uma floresta. São exemplos diversos de como os artistas buscam desafios não apenas para expor as obras, mas também para tornar o ambiente um elemento da composição.

O mar como espaço da arte

Fotografia. Diversas esculturas de pessoas dispostas em um leito arenoso no fundo do mar, de águas azuladas e transparentes, compondo uma multidão.
deCaires. The Silent Evolution [A evolução silenciosa, em tradução livre]. 2009. Esculturas em cimento. Museu Subaquático de Arte, Cancún, México. Fotografia de 2010.

13. Observe a imagem. Onde é comum encontrar esculturas? Você já tinha visto esculturas semelhantes a essas?

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13. Onde é comum encontrar esculturas? Você já tinha tido conhecimento de esculturas semelhantes a essas?

As suas respostas a essas perguntas seriam diferentes se você soubesse que as esculturas que fazem parte dessa obra estão no fundo do mar? Isto é, em um lugar onde, normalmente, não há esculturas nem pessoas?

Essa imagem é mais um exemplo de como a arte pode acontecer em ambientes inusitados. Ela mostra o primeiro Museu Subaquático de Arte (), que fica na Ilha das Mulheres, em Cancún, no México, e foi inaugurado em 2009. Um dos autores do projeto desse museu foi o artista britânico Diêisan dequéris Têilor (1974-), que, além de escultor, é mergulhador, fotógrafo subaquático e ativista ambiental.

O Musa foi concebido com uma finalidade específica: a região onde se encontra recebe um número muito alto de turistas que querem visitar os recifes de corais, e a instalação do museu surgiu para oferecer um roteiro de visitação alternativo e, com isso, tentar diminuir o fluxo de visitantes nos corais, o que poderia danificar o ecossistema local.

O fato de as esculturas estarem fixadas no fundo do oceano provoca um resultado visual que se transforma com o passar do tempo, pois elas foram construídas de fórma a possibilitar que sejam colonizadas pela fauna e pela flora marinhas que transitam por elas.

Fotografia a. Escultura do busto de um homem calvo, de olhos fechados, disposta em um leito arenoso no fundo do mar, de águas azuladas e transparentes, com algumas plantas aquáticas ao redor. Na superfície da escultura há diversos pequenos crustáceos marinhos avermelhados.
a) deCaires. Man on Fire [Homem pegando fogo, em tradução livre]. 2009. Escultura em cimento. Museu Subaquático de Arte, Cancún, México. Fotografia de 2017.
Fotografia b. Esculturas de diversas pessoas, dispostas em um leito arenoso no fundo do mar, de águas azuladas e transparentes. Na superfície das esculturas há diversos pequenos crustáceos marinhos avermelhados.
b) deCaires. The Silent Evolution [A evolução silenciosa, em tradução livre]. 2009. Esculturas em cimento (detalhe). Museu Subaquático de Arte, Cancún, México. Fotografia de 2018.

14. Em sua opinião, além das esculturas, o que mais pode ser observado ou vivenciado em uma visita ao museu subaquático que possa se equiparar a uma visita a um espaço de arte convencional?

Ícone. Tema contemporâneo transversal: Meio ambiente.

Faça no caderno.

Para pesquisar

Ações humanas e o impacto no ambiente

O Musa resultou de uma ação planejada do ser humano no fundo do mar, que pode ter impactos positivos ou negativos nesse ambiente. Faça uma lista de quais poderiam ser esses impactos, considerando resultados a curto, médio e longo prazo. Junte-se aos colegas e, com a ajuda do professor, construam uma lista coletiva no quadro, anotando as respostas individuais. Por fim, conversem sobre possíveis soluções que possam diminuir os impactos negativos e aumentar os positivos.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. O que mudaria nas obras apresentadas neste capítulo caso elas fossem exibidas em espaços convencionais de arte, como teatros, casas de show ou galerias de arte?
  2. Em que locais não convencionais da cidade ou do entorno você instalaria suas obras artísticas se tivesse oportunidade? Por quê?
  3. Você, de alguma maneira, altera a paisagem onde está inserido? Como e por quê?

Processos de criação

Apresentamos a você duas propostas que vão acompanhá-lo ao longo de todo este ano. A primeira é individual e a segunda envolve toda a turma.

1. Diário de bordo

Que tal criar um diário de bordo?

Nele, você poderá organizar suas ideias, escrever suas reflexões e seus pensamentos, registrar suas pesquisas, realizar suas criações artísticas e tudo o mais que considerar oportuno para expandir seu aprendizado.

O diário é pessoal e não se configura como um instrumento de avaliação. Entretanto, deve ser utilizado constantemente por você.

Ele também pode ser compartilhado com os colegas e com o professor para que a turma possa expandir o aprendizado de modo coletivo. Esteja sempre com seu diário à mão nas aulas de Arte.

Ilustração. Uma agenda azul esverdeada com espiral, fechada por um elástico preto, sob o qual há um lápis de escrever, na cor laranja. No topo da capa à esquerda há uma fotografia em preto e branco com a paisagem de uma praia, presa por um clipe, e abaixo à direita há uma nota adesiva amarela com alguns rabiscos. Na parte interna da agenda, aparecem extremidades de papel rasgado, preso entre as folhas, e a ponta de uma fita marrom marcadora da página.

2. Acervo digital

Com o auxílio do professor, que tal construir uma plataforma digital coletiva?

Dessa fórma, a turma poderá dispor de um espaço virtual para compartilhar imagens, vídeos, gravações em áudio e outros materiais de registro das atividades desenvolvidas ao longo do ano.

Como o assunto deste ano é a arte no mundo, em suas paisagens e espaços, a criação dessa plataforma pode ser alimentada também por imagens produzidas por meio de um exercício de observação das paisagens por onde cada integrante da turma vive e transita cotidianamente.

O responsável por organizar as imagens e por controlar o acesso a essa plataforma é o professor. Portanto, procure sempre manter um diálogo vivo com ele para que a plataforma siga crescendo e se expandindo.

Organizando as ideias

Fotografias. Painel formado por  quatro recortes verticais de imagens, nas quais não aparece a cena completa. Da esquerda para a direita: em preto e branco, dois homens de costas na praia, um deles está de pé, usando terno, no último degrau de uma escada, dentro do mar, com os braços para cima; o outro está sentado em uma cadeira de praia, na área de rebentação. Homem idoso de óculos, chapéu triangular com detalhes vermelhos e camisa colorida, segurando um pífano. Dois barcos em um lago com pessoas usando fantasias aladas. E esculturas de pessoas no fundo do mar, formando uma multidão.

Neste capítulo, você conheceu artistas e obras para quem e para as quais o lugar onde se apresentam se torna o tema ou o motivo de sua produção.

Para concluir, converse com os colegas e com o professor sobre suas reflexões a respeito das obras que conheceu e compartilhe suas respostas para as seguintes questões.

Faça no caderno.

  1. Revise alguns exemplos do Sobrevoo. Quais relações você pode estabelecer entre os espaços e as obras apresentadas?
  2. Com base no percurso traçado por você ao longo deste capítulo, qual seria sua resposta agora à pergunta feita no início: Qual é o lugar da arte?
  3. Quais descobertas você fez ao longo deste capítulo? O que você gostaria de continuar aprofundando?

Glossário

Intervenção urbana
Ação artística realizada em espaços de convívio social, principalmente espaços públicos. O objetivo de uma intervenção urbana é estimular novas maneiras de perceber as relações sociais e a vida em comum no espaço urbano.
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Dramaturgo
Autor de peças de teatro ou o profissional responsável pela organização do texto de um espetáculo, a partir de improvisos e propostas realizadas anteriormente durante os ensaios.
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Dois de Julho
Comemoração cívica com grande participação popular que relembra anualmente a independência do estado da Bahia, ocorrida em 2 de julho de 1823. A data marca a derrota dos representantes do governo português, que, mesmo após a independência oficial do Brasil, em 1822, continuavam a dominar algumas regiões.
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Caboclo
Nas comemorações do Dois de Julho, é a figura do índígena, que representa a força da participação popular na vitória republicana nas lutas pela consolidação da república no Brasil.
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Pífano ou pife
Flauta pequena feita geralmente com duas espécies de bambu, a taquara e a taboca. Possui sete furos, um para soprar e seis para a manipulação dos dedos e emissão das notas. Pode ter de 30 a 50 centímetros. O tamanho do instrumento tem relação com a altura das notas produzidas: o som dos menores é mais agudo e o som dos maiores é mais grave.
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Encenador
Responsável pela organização dos elementos da cena (texto, atores, jogo teatral, cenários, luz, figurino etcétera), com o fim de garantir unidade e coerência a um espetáculo teatral.
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Patria
Ciclo, proposto por Múri Chêifer, de doze grandes produções que reúnem inúmeras linguagens artísticas, envolvendo músicos, diretores e atores de teatro, dançarinos, cenógrafos, entre outros profissionais. Os episódios foram concebidos para serem realizados em diferentes ambientes: um lago, uma feira ao ar livre, uma mina de carvão abandonada, um teatro, um museu, entre outros. Eles contam a trajetória do personagem Lobo, auxiliado pela Princesa das estrelas, em uma jornada de desenvolvimento espiritual, na qual passam por várias vidas.
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Acústica
Qualidade de um ambiente quanto à propagação dos sons. Designa também o campo da Física, ciência que estuda as ondas sonoras e sua interação com os diferentes materiais e espaços. Você já reparou que há locais em que os sons se propagam de fórma mais “seca”, breve, e outros em que há mais reverberação e até mesmo eco? Por exemplo, dentro de uma casa vazia, se você bater palmas ou cantar, vai perceber que o som é diferente de um espaço cheio de móveis ou pessoas. Ou dentro de um banheiro fechado, onde as paredes estão mais próximas e são azulejadas, o som também soará de modo diferente do que é escutado em uma sala ampla ou em um quintal aberto.
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