CAPÍTULO 3 Como a música interage com a paisagem?

Fotografia. Obra de arte formada por um tanque redondo de fundo azul cheio de água, com outra estrutura redonda branca ao redor, na qual há diversas pessoas de boné vermelho. Essa estrutura branca apresenta uma borda não muito alta, com três aberturas e uma rampa circular, que termina abruptamente em uma linha reta. Flutuando na água há dezenas de potes brancos. O tanque está colocado em um local amplo, sobre um piso cinza.
Vista de cima da instalação clinamen v2, de Céleste Boursier-Mougenot.
Fotografia. Diversos potes brancos vazios, de tamanhos diferentes, flutuam na superfície da água límpida que preenche um tanque de fundo azul e que reflete a imagem dos potes.
BOURSIER-MOUGENOT, Céleste. clinamen v2. 2017. Instalação com porcelana, bomba-d’água, aquecedor de água e água, dimensões variadas, exposta na Bienal de Arte Contemporânea de Lyon, em Lyon, França.

1. Observe a instalação que aparece nas fotografias de abertura do capítulo e imagine os sons que os objetos podem fazer. Como são esses sons?

Versão adaptada acessível

1. Volte à instalação que aparece nas fotografias de abertura do capítulo e imagine os sons que os objetos podem fazer. Como são esses sons?

No capítulo anterior, você viu como artistas visuais se relacionam com diferentes paisagens. Continuando nosso percurso, começamos aqui olhando para uma obra do músico e artista visual francês Celést Bursiê Mugenô (1961-), com a qual ele interfere sonoramente no espaço.

Nessa instalação, vasilhas de porcelana escolhidas por suas qualidades sonoras boiam em uma piscina circular equipada com uma bomba interna que gera uma leve correnteza e um sistema de aquecimento da água que melhora a repercussão do som das vasilhas. As vasilhas vão se movendo na água e batendo umas nas outras, produzindo diferentes sons, que vão compondo, de modo aleatório e imprevisível, a música que preenche o ambiente.

2. O que determina o ritmo da música produzida na obra? Quais elementos naturais e quais artificiais contribuem para a interação da música com o ambiente nessa instalação?

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Além do que viu nesta abertura de capítulo, quais outras interações entre música e paisagens você consegue imaginar?
  2. Relembre, com seus colegas, como são os sons dos ambientes em que vivem. Vocês são apenas ouvintes ou interagem com esses sons? De que maneira?

SOBREVOO

Música e paisagens: interações

Neste Sobrevoo, você conhecerá mais possibilidades de atividades musicais por meio das quais diferentes artistas interagem com o ambiente ao seu redor: produzindo instrumentos musicais e esculturas sonoras mediante o uso criativo de materiais, representando paisagens musicalmente ou interagindo com elementos da natureza. Essas maneiras diversas de interagir com as paisagens podem estar associadas aos mais variados tipos de música, como você poderá constatar nos exemplos desta seção.

Começaremos explorando a possibilidade de utilizar e moldar materiais do ambiente para inventar sonoridades e, assim, interferir na paisagem sonoraglossário . Você já pensou na música como uma possibilidade de manipular e moldar sons?

O instrumento das fotografias desta página foi criado por Anton Walter Ismeták (1913-1984), violoncelista, escultor e compositor suíço que morou no Brasil durante os últimos trinta anos de sua vida, boa parte deles no estado da Bahia. Ele se dedicou a moldar materiais e sons e fabricou mais de cem instrumentos musicais.

Fotografias. A esquerda: Vista frontal de instrumento musical de cordas, composto de três caixas de ressonância abauladas, uma presa em cada extremidade do braço, sobre o qual são esticadas três cordas, e a terceira localizada atrás do braço. A caixa de ressonância da superior é a maior, a que fica na base é menor e a traseira, menor ainda. Todas são feitas de cabaças. Os elementos da peça estão pintados na mesma cor marrom, que apresenta brilho de verniz. O instrumento está apoiado sobre um tripé. Pendurado na parede, ao fundo, há um arco semelhante ao de violino.
A direita: Fotografia. Vista lateral do instrumento de cordas já descrito. A caixa de ressonância superior é aberta na parte de trás e, logo abaixo da caixa de ressonância menor, traseira, há dois pequenos sinos pendurados. A parte posterior do braço é abaulada, assim como a caixa de ressonância da base, que é inteiriça.
Vina, instrumento criado por Walter Smetak, em diferentes ângulos: de frente e de lado. 1969. Altura: 1,40 m. 

Faça no caderno.

  1. Você conhece algum dos materiais que o ar­tista usou para montar esse instrumento? Já tinha visto algum deles em outros instrumentos musicais?
  2. Como você imagina que esse instrumento seja tocado?

Na verdade, ele oferece várias possibilidades sonoras: uma delas é tocar suas cordas com o arco, semelhante ao modo como se toca um violino, ou ainda em pizzicatoglossário . Simultaneamente, pode-se também tocar os dois sininhos localizados na parte de trás com um anel de metal.

O nome do instrumento é vina e se assemelha ao instrumento indiano da imagem a seguir, que, em português, também se chama vina. Essa semelhança não é mera coincidência, uma vez que Ismeták se inspirava em concepções místicas de diferentes culturas, entre elas a indiana, para elaborar suas criações.

A vina indiana é um instrumento antigo e, no passado, era muito popular na Índia. Um dos mitos mais antigos daquela região conta que ela era o instrumento tocado por Sarasvatí, uma deusa associada à aprendizagem, à música e às artes de modo geral. A partir dele, desenvolveram-se outros instrumentos que são mais populares atualmente na Índia, alguns deles bastante conhecidos internacionalmente, como o sitár.

Fotografia. Vina, instrumento de corda, com um uma caixa de ressonância abaulada e superfície lateral ondulada. Tem um braço sobre o qual estão esticadas sete cordas, presas em um cavalete fixado na base do instrumento. Na outra extremidade, as cordas estão presas em sete tarraxas (cravelhas) redondas, usadas para afiná-las. A extremidade do braço é recurvada, com um adorno em forma de cabeça de animal semelhante a um dragão dourado. Na parte inferior do braço do instrumento há uma outra caixa de ressonância menor, em forma de pera achatada, com a superfície decorada com linhas vermelhas e amarelas sobre fundo verde e com imagens, ao redor da parte mais larga, de figuras humanas com auréolas douradas. O instrumento está deitado sobre as duas caixas de ressonância, e apoiado em um piso que parece coberto por um tapete de cor amarelada.
Este instrumento indiano é chamado vina. Comprimento: 1,20 m. Fotografia de 2014.

Para experimentar

Fabricando um instrumento

Você já fabricou um instrumento musical? Alguns são muito simples, como o chocalho, que pode ser feito apenas colocando-se grãos de feijão, milho ou arroz em um potinho vazio de iogurte e tampando-o ou colando dois desses potinhos cheios de grãos. Nesses casos, não é necessário seguir explicação nenhuma, não é mesmo?

O instrumento que vamos fazer aqui usa água para variar seus sons. Ele pode ser chamado de flauta-d'água.

Você vai precisar dos seguintes materiais:

  • um pedaço de tubo de pê vê cê com aproximadamente 20 centímetros de comprimento
  • um balão inflável
  • fita-crepe
  • água
Ilustração. Um tubo fino marrom com uma bexiga verde vazia nele, fixada em uma das extremidades por uma fita crepe bege que se desprende do rolo.
Ilustração. A mão esquerda de uma pessoa segura um tubo fino com a bexiga fixada em uma das extremidades, com a outra extremidade aberta colocada junto da boca de uma torneira aberta, enchendo a bexiga de água.
Ilustração. Rosto de uma pessoa que sopra a extremidade aberta de um tubo marrom.
Ilustração. Dois adolescentes tocando instrumentos feitos de tubo com uma bexiga fixada na extremidade de baixo. Uma menina de cabelo cacheado castanho usando camiseta e tiara amarelas, e ao lado dela um menino de cabelo liso castanho usando camiseta azul. Eles seguram o tubo com a mão direita, soprando a abertura na parte superior, e puxam a ponta da bexiga para baixo com a mão esquerda, esticando-a.

Foco na História

Fabricação de instrumentos e ancestralidade

Desde a Pré-História os seres humanos utilizam materiais provenientes da natureza para criar instrumentos musicais. Pesquisas científicas registram instrumentos fabricados há mais de 10 mil anos. Os mais antigos encontrados são flautas feitas de ossos de animais, como a da imagem a seguir.

Fotografia. Uma flauta com três furos espaçados e alinhados. O instrumento tem cor semelhante às de um galho de árvore seco, com manchas esbranquiçadas e formato irregular, indicando que é feita de um material natural.
Flauta óssea de aproximadamente 42 mil anos encontrada no sítio arqueológico de Geissenklösterle, Alemanha. Comprimento: 12,6 cm. Fotografia de 2009.

Também já foram encontrados tambores de argila, nos quais, pode-se deduzir, se prendiam peles de animais, possivelmente semelhantes aos da fotografia.

Fotografia. Dois instrumentos musicais. Item A: Tambor alto e estreito, em formato cilíndrico. Nas duas extremidades está afixada uma pele esbranquiçada de animal, com cordas estreitas semelhantes a fibras vegetais. Item B: Tambor baixo, largo e arredondado. Em uma das extremidades há uma pele marrom de animal, afixada ao instrumento por diversas cordas estreitas semelhantes a fibras vegetais, que estão entrançadas na outra extremidade aberta.
Tambores de argila feitos em uma oficina de arqueologia experimental, em Portugal, em 2010, a partir de modelos pré-históricos. Alturas: 24 centímetros (A) e 16 centímetros (B) . Diâmetros: 18 centímetros (A) e 26,5 centímetros (B).

Datando de períodos de 3 a 4 mil anos atrás, os primeiros instrumentos feitos de chifres de animais ou de metal foram encontrados em escavações realizadas no norte do continente europeu. Alguns instrumentos antigos aos poucos foram deixando de ser usados; outros, por estarem vinculados a práticas culturais fortemente relacionadas com a ancestralidade, ou por terem sonoridades específicas, dificilmente substituíveis por outros instrumentos ou materiais, são utilizados até hoje.

Entre os instrumentos que continuam sendo amplamente usados estão os tambores construídos a partir da escavação de um tronco de árvore. Eles são originários de regiões da África e da China. Um exemplo é o dúngu, oriundo do território onde hoje fica a República de Angola, na África. Mede pouco mais de 1 metro e é utilizado em diferentes contextos, desde cerimônias religiosas a atividades lúdicas, impulsionando o ritmo das músicas que fazem parte desses eventos. No Brasil, tambores com esse tipo de fabricação também estão presentes em práticas musicais. Podemos citar, por exemplo, o tambor curimbó, que em sua fabricação tradicional tem igualmente como base um tronco escavado, como os da fotografia. Ele é um dos instrumentos usados para tocar o Carimbó, manifestação cultural do estado do Pará que envolve dança e música.

Fotografia. Dois tambores curimbó. Eles estão lado a lado e identificados pelas letras a e b. Item A: Tambor cilíndrico com superfície lateral marrom.  O instrumento está sobre um estrado retangular feito de caules cortados semelhantes a taquara, apoiado sobre um terreno com vegetação rala. Item B: Tambor cilíndrico com superfície lateral azul. O instrumento está sobre um estrado retangular feito de caules cortados semelhantes a taquara, apoiado sobre um terreno com vegetação rala. Os tambores das fotografias a' e 'b' estão lado a lado, dispostos paralelamente.
Tambores curimbó do Carimbó de Maiandeua da vila de Fortalezinha, arquipélago de Maiandeua, Maracanã Pará. Alturas: 90 centímetros (A) e 85 centímetros (B). Diâmetros: 42 centímetros (A) e 40 cm (B). Fotografia de 2015.

Representando elementos da paisagem

Fotografia em preto e branco. Vista lateral de uma orquestra e seu regente. Em primeiro plano, à direita da imagem, homem de óculos, cabelos grisalhos, usando paletó escuro e camisa branca, com a cabeça levemente erguida, segura com a mão direita uma batuta inclinada para baixo, enquanto a outra mão entreaberta está erguida à frente. Em plano mais baixo, diante dele, sentados, estão os músicos da orquestra, cada qual com seu instrumento.
Villa-Lobos regendo uma orquestra em Paris, França. Fotografia da década de 1950.

Outro modo de relacionar-se musicalmente com uma paisagem é produzindo uma música inspirada em algum lugar, algum tipo de ambiente ou fenômeno da natureza. Você conhece alguma música parecida? Vejamos dois exemplos: uma música instrumental e uma canção.

O primeiro exemplo é uma composição instrumental do maestro e compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Ele buscou novas sonoridades em suas músicas feitas para orquestra. Nessa busca, fez adaptações em instrumentos musicais já existentes e, também, composições inspiradas em paisagens sonoras brasileiras.

O trenzinho do caipira” é a quarta parte da composição Bachiana brasileira nº 2, que compõe a série de nove composições intitulada Bachianas brasileiras, uma das obras mais conhecidas do artista. Nela, os sons e ritmos da orquestra estão organizados de modo a remeter aos sons de um trem se locomovendo pelo interior do Brasil. Entre esses sons, os instrumentos de percussão representam e enfatizam os ruídos e o movimento de uma locomotiva de trem; outros, de sopro, remetem a seus apitos, enquanto a Melodia e harmoniaglossário , envolventes, nos levam junto nesse passeio musical.

Para experimentar

Passeio de trem

  1. Busque na internet duas versões diferentes da música “O trenzinho do caipira”. Escute-as com atenção.
  2. Após a escuta, converse a respeito do que ouviu com os colegas e com o professor e responda às questões a seguir.
    1. Que descrições você consegue fazer dessa música e dos sons que fazem parte de sua composição?
    2. Que diferenças você identificou entre as gravações que ouviu?
  3. Na sequência, experimente simular com toda a turma um passeio de trem sonoro. Utilizem o que tiverem disponível (sons corporais, objetos, instrumentos musicais etcétera). Que paisagens serão vistas pela janela desse trem? Como podemos representá-las sonoramente?
Versão adaptada acessível

3. Na sequência, experimente simular com toda a turma um passeio de trem sonoro.

Utilizem o que tiverem disponível (sons corporais, objetos, instrumentos musicais etc.).

Que paisagens surgem na janela desse trem? Como podemos representá-las sonoramente?

3. Leia agora a letra da canção “A volta da asa-branca”. Após a leitura, compartilhe suas impressões com os colegas e com o professor.

A volta da asa-branca

Já faz três noites

Que pro norte relampeia

A asa-branca

Ouvindo o ronco do trovão

Já bateu asas

E voltou pro meu sertão

Ai, ai eu vou me embora

Vou cuidar da prantação

A seca fez eu desertar da minha terra

Mas felizmente Deus agora se alembrou

De mandar chuva

Pra esse sertão sofredor

Sertão das muié séria

Dos homes trabaiador

Rios correndo

As cachoeira tão zoando

Terra moiada

Mato verde, que riqueza

E a asa-branca

À tarde canta, que beleza

Ai, ai, o povo alegre

Mais alegre a natureza

Sentindo a chuva

Eu me arrescordo de Rosinha

A linda flor do meu sertão pernambucano

E se a safra não atrapaiá meus pranos

Que que há, ô seu vigário

Vou casar no fim do ano

A volta da asa-branca. Intérprete: Luiz Gonzaga. Compositores: Zé Dantas e Luiz Gonzaga. In: 50 anos de chão. Intérprete: Luiz Gonzaga. [S. l.]: érre cê á/Beemegê, 1996. 3 Cê dês. cedê 1, faixa 13.

  1. A que região do Brasil a letra da canção “A volta da asa-branca” se refere?
  2. A letra cita características físicas da paisagem, de fenômenos da natureza, de uma ave comum nessa região na época de chuvas e também do canto desse pássaro. Várias delas fazem referência a aspectos sonoros do ambiente. Você consegue identificar essas citações? Comente com os colegas.

Essa canção nasceu de uma parceria entre Zé Dantas (1921-1962), médico e letrista da cidade de Carnaíba Pernambuco, e Luiz Gonzaga (1912-1989), músico nascido na cidade de Exu, no Sertão pernambucano, e considerado um dos grandes mestres da música popular brasileira.

Em sua trajetória artística, Luiz Gonzaga transitou entre as paisagens do Nordeste e do Sudeste do Brasil e foi um dos pioneiros na disseminação da música nordestina pelas outras regiões do país.

Fotografia em preto e branco. Homem vestindo camisa clara de mangas curtas, usando chapéu com abas levantadas decoradas e com fitas nas extremidades, preso por uma tira estreita em volta da cabeça, na altura da testa, e por outra tira que passa pelo pescoço, na altura do queixo. Ele canta em um microfone, enquanto segura uma sanfona; com a mão direita toca o teclado, que cobre todo o seu peito, e com a esquerda toca diversos botões pretos alinhados paralelamente em muitas filas, que estão em outra extremidade, fixada no braço pelo pulso por uma tira branca.
O músico Luiz Gonzaga, conhecido como Gonzagão, cantando e tocando sanfona em um show na década de 1980.

Faça no caderno.

Para pesquisar

Gênero musical baião

Entre os elementos culturais de origens nordestinas que Luiz Gonzaga popularizou, está o gênero musical glossário conhecido como baião.

Faça uma pesquisa em livros e na internet sobre esse gênero musical e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Onde ele surgiu?
  2. Quais são os instrumentos musicais mais utilizados para tocá-lo?
  3. Como é o ritmo básico do baião?
  4. Que músicas são exemplos desse gênero?

6. Escute demonstrações de padrões rítmicos de baião com triângulo e zabumba.

Clique no play e acompanhe a reprodução do Áudio.

Cantos indígenas

7. Você já ouviu alguma música indígena? Se não, como imagina que ela seja?

As músicas indígenas também permitem ampliar nossa visão sobre as possibilidades de relação da arte com as paisagens. Os diversos povos indígenas, em geral, desenvolveram um modo de vida integrado com os ambientes das regiões em que habitam, usando o que necessitam para viver e interagindo respeitosamente com a natureza. Tudo isso se reflete também nas músicas que eles produzem.

Você vai conhecer um exemplo de música dos indígenas Tikmu’un, também chamados de Maxacalí. Eles vivem hoje em pequenas terras indígenas localizadas no nordeste do estado de Minas Gerais, próximo da divisa com o estado da Bahia, em uma população de cêrca de 2 076 indivíduos (informação de 2014). Os Maxacalí possuem um vasto repertório de cantos relacionados a muitas das espécies de animais e outros elementos presentes na região, que podemos considerar um importantíssimo registro, uma fonte de conhecimento a partir da qual cada nova geração pode aprender.

8. Observe esta imagem. Que animais, paisagens ou objetos você identifica nela?

Ilustração. Três grupos de figuras em diversas cores; o primeiro e o segundo grupos têm quatro colunas e oito linhas; o terceiro tem três colunas e oito linhas.
Todas as figuras têm palavras escritas acima delas, correspondendo à palavra na língua de um povo indígena, escrita com letras semelhantes às do alfabeto da língua portuguesa, acrescentadas por diversos sinais e símbolos. As 88 figuras representam, na maioria, animais e plantas, alguns fenômenos e elementos da natureza (Sol, Lua, chuva, cachoeira), e até objetos não indígenas (casa de alvenaria e helicóptero). Há somente duas figuras humanas.
Ilustração de Zé Antoninho Maxakali em que são retratadas várias espécies de animais e outros elementos com seu nome na língua maxakali. In: Tuní, Rosângela pê ponto êti áli. Cantos e histórias do gavião-espírito. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.

A tabela anterior foi elaborada por Zé Antoninho Maxakali, durante um trabalho coordenado pela Etnomusicólogo(a)glossário Rosângela Tuní, e mostra elementos do ambiente presentes nos cantos maxakali registrados e traduzidos nesse trabalho.

Veja a tradução de um desses cantos.

Chapéu vermelho

hãi hãi hãi

rabo marrom e chapéu vermelho

rabo marrom e chapéu vermelho


hou ai ou i ai

hou ai ooou


hoí hoí hoí

hoí hoí hoí

hoí hoí hoí


di di di di di di di di di di

di di di di di di di di di

di di di di di di di di di

di di di di di di di di di di


hoí hoí hoí

Ilustração. Paisagem natural; à esquerda, árvore; à direita, uma planta com várias folhas verdes. Ao fundo, montanhas; acima, céu e Sol. Sobrepostas à paisagem, dos lados e à frente, voam borboletas de asas vermelhas.

Tuní, Rosângela pê ponto organização. Cantos dos povos Morcego e Hemex-espíritos. Belo Horizonte: Fale/ú éfe ême gê: Literaterras, 2013. página 83.

9. Ouça o canto “Chapéu vermelho”. Após a escuta, compartilhe as suas impressões com os colegas e com o professor.

Clique no play e acompanhe a reprodução do Áudio.

Note que há trechos sem tradução: trata-se de sons que fazem parte da música e, em alguns casos, se referem a algum aspecto sonoro relacionado a um animal. Há inclusive músicas compostas inteiramente com sílabas desse tipo; por exemplo, uma que se refere ao mangangá, um tipo de besouro, que é quase inteira entoada com a sílaba guêm, enfaticamente repetida, o que remete ao som produzido por esse inseto.

10. Você consegue identificar a que animal está se referindo a letra desse canto? E a que se refere a parte composta dos sons “di di di di direticências”?

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Das diversas possibilidades de relação entre música e paisagens apresentadas neste Sobrevoo, qual você achou mais interessante? Por quê?
  2. Em que lugar de sua cidade ou região você poderia conhecer mais sobre algum dos tipos de atividade musical apresentados neste Sobrevoo?

Foco emreticências

Cantos indígenas e conhecimento

Fotografia. Homens indígenas com o torso nu, com pinturas corporais em tons de preto, vermelho e bege com formas geométricas. Alguns deles usam adereços na cabeça. Ao fundo há vegetação.
Indígenas da etnia Maxakali na aldeia Jaqueira com pintura corporal, durante a 21ª festa Aragwaksá em Porto Seguro (BA). Fotografia de 2019.

Conhecer um pouco mais sobre os saberes indígenas, seus mitos, rituais e modos de compreender o mundo e os seres que nele habitam permite entender que seus cantos são muito mais do que pode parecer à primeira leitura ou escuta.

A maioria dos cantos tikmu’un faz parte de rituais e, além de constituir uma espécie de registro de aspectos do ambiente no qual esse povo vive há muito tempo, também faz referência a mitos, a animais que vivem nas proximidades de suas aldeias, aos não indígenas, a povos-espíritosglossário e a objetos de ambientes urbanos. Com isso, sua produção musical envolve a contínua elaboração que fazem dos ambientes onde vivem e pelos quais transitam, em uma constante produção de conhecimento.

Os mitos e cantos podem ser considerados um dos meios de preservar e transmitir esses conhecimentos. A tradução mostrada como exemplo no Sobrevoo e a que apresentaremos a seguir fazem parte do repertório de cantos atribuídos a um dos 12 povos-espíritos cantores com os quais os Tikmu’un convivem. Trata-se do povo-espírito chamado de Xunĩm, que pode ser traduzido como “morcego-espírito”. Ou seja, quem fala sobre os outros animais nesses cantos-rituais é o morcego-espírito.

Zabelê

diodioi diodioi

ô ô ô ô ô ô

ô ô ô ô

ê ô ê ô ê ô

ô ê ôi ô ê ôi ô ê oi ô ê oi e ôi


vou-me embora, vou-me embora

vou-me embora com saudade

quando chegar, quando chegar

vou deitar com saudade


ô ô ô ê ô

ô ô ô ô ô

ô ô ô ê ô


guê guê guê guê guê

a cauda do peixe pequeno fez

guê guê guê guê


ô a ô ô a ô

ô ô ô ô ô a ô


minha imagem no ôlho

minha imagem no ôlho ouvindo

sobrinhas

olhem apenas ouvindo


zabelê no vale para & canta

zabelê na colina para & canta

zabelê no cume da colina para & canta

zabelê na encosta da colina para & canta

zabelê na outra costa da colina para & canta

zabelê na quebrada para & canta

zabelê na caída da quebrada para & canta

zabelê no outro lado do rio para & canta

zabelê na ilha do meio do rio para & canta

zabelê no cupinzeiro para & canta

zabelê em cima do cipó para & canta

zabelê ao lado da árvore para e canta


zabelê na árvore de fruto perfumado para & canta

zabelê com sêde desce à nascente & canta

zabelê ao mato volta & vai cantar

zabelê metido no mato vai cantar, vai cantar


ô ô ô ê ô ê ô

ê ô ô ô ê ô ê ô

Tuní, Rosângela pê ponto (Organização.). Cantos dos povos Morecegos e Reméx-espíritos. Belo Horizonte: Fale/ú éfe ême gê: Literaterras, 2013. página 65.

Faça no caderno.

  1. No canto Zabelê, Xunĩm (morcego-espírito) fala sobre esse animal, uma ave que habita as matas de Minas Gerais e do Nordeste do Brasil. Lendo a letra, o que você percebe sobre o comportamento dessa ave e sobre o ambiente onde ela vive?
  2. Que sons de animais estão representados nesse canto?

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Que diferenças e semelhanças você nota entre os cantos indígenas aqui apresentados e outras músicas que você conhece?
  2. O conteúdo estudado nesta seção mudou de alguma maneira seu modo de ver as músicas indígenas? Por quê? O que esse tipo de música pode nos ensinar sobre a relação com o ambiente?

Foco no conhecimento

Timbre e densidade

Na área musical, há conceitos que classificam as qualidades do som e que podem ajudar a descrever diferentes paisagens sonoras. Dois deles são: timbre e densidade.

Você consegue diferenciar o som produzido ao percutir em um objeto de metal do som de um objeto de madeira? E o som de um piano do som de um violão?

A qualidade de cada som que permite fazer essas diferenciações está associada ao material do qual o instrumento é feito e ao modo de tocá-lo. Isso é o que chamamos de timbre. Esse termo não foi usado diretamente em partes anteriores deste capítulo, mas tratamos de timbre em vários momentos, ao falar dos diferentes materiais usados para fabricar um instrumento, ou das inovações de Villa-Lobos nas sonoridades das composições para orquestra, ou ainda ao falar de sons produzidos por diferentes animais que os Maxakali reconhecem e representam em seus cantos. Observe também que um mesmo instrumento pode sofrer variações de timbre, dependendo da técnica que for usada para tocá-lo, como é o caso dos instrumentos de corda, que podem ser tocados com a técnica de pizicátu ou com arco, alterando, assim, o timbre do som que produzem.

O termo densidade, comumente usado para se referir a qualidades de materiais líquidos, sólidos ou gasosos, também pode ser usado no contexto musical, para falar da quantidade de sons que soam ao mesmo tempo. Quanto mais sons simultâneos, maior a densidade sonora.

1. Ouça sons de diferentes instrumentos de madeira e de metal.

Clique no play e acompanhe a reprodução do Áudio.

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Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

1. Levando em consideração a explicação anterior, deduza: o que é mais denso sonoramente, o som produzido por um pássaro ou o som de um enxame de abelhas? O som de um instrumentista fazendo um solo ou de uma orquestra inteira tocando em conjunto? Justifique suas respostas.

Processos de criação

Agora, que tal representar uma paisagem sonora?

  1. Reúna-se com seus colegas em um grupo de quatro integrantes.
  2. Escolham um ambiente conhecido ou imaginado por vocês para ser recriado musicalmente e elaborem uma lista de sons que existem nele, atentando-se para os timbres e as densidades sonoras.
  3. Na sequência, cada grupo pesquisará e escolherá os procedimentos, que podem variar, para recriar ou representar os sons e o ambiente. Veja algumas sugestões:
    1. Utilizar instrumentos musicais; percussão corporal; sons de diferentes objetos, presentes na escola ou que vocês levem para a aula.
    2. Construir instrumentos para reproduzir sons imaginados.
    3. Compor uma letra de música descrevendo o ambiente.
    4. Utilizar músicas que já existam e que vocês considerem ter relação com esse ambiente.
    5. Outros procedimentos inventados por vocês.
  4. Feitas as escolhas e invenções, os grupos apresentarão para a turma o seu ambiente, sem dizer qual é, e verão se a turma consegue reconhecê-lo.
  5. Após as apresentações dos grupos, compartilhem suas impressões sobre a atividade com os colegas e com o professor.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. O que levou o grupo a escolher esse ambiente para recriar?
  2. Como foi recriá-lo sonoramente? Ele ficou parecido com o que você imaginava ou houve surpresas?
  3. Algo nessa atividade foi desafiador para você? O que aprendeu com ela?

Organizando as ideias

Fotografias. Painel formado por quatro faixas de imagens, nas quais não aparece a cena completa. Da esquerda para a direita: tanque de fundo azul cheio de água com tigelas brancas flutuando; perte de um instrumento musical com uma caixa de ressonância em forma de pera achatada; homem tocando sanfona e cantando em um microfone; e indígenas dançando em roda ao por do Sol.

Neste capítulo, você pôde perceber que a interação entre a música e os ambientes pode acontecer de muitas maneiras, seja alterando diretamente a paisagem sonora, representando elementos do ambiente musicalmente, seja criando instrumentos musicais. Também viu que isso pode ser feito em diferentes estilos musicais, com canções e músicas ins­trumentais; em diferentes culturas, como as músicas indígenas; ou unindo diferentes linguagens artísticas, como na instalação sonora apresentada na abertura do capítulo. Além disso, conheceu os conceitos de timbre e densidade e experimentou recriar sonoramente um ambiente.

Para concluir, reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

Faça no caderno.

  1. Volte à pergunta-título deste capítulo e responda: Como a música interage com a paisagem?
  2. Reflita com os colegas: com base no que foi apresentado e experimentado neste capítulo, que novas maneiras de interagir musicalmente com as paisagens do local onde vocês vivem é possível imaginar?
  3. Que descobertas você fez ao longo deste capítulo? O que você gostaria de continuar aprofundando?

Glossário

Paisagem sonora
Conjunto de sons de um ambiente. Refere--se aos sons naturais, aos sons artificiais, aos ruídos ou às músicas presentes no ambiente. Esse conceito começou a ser utilizado no contexto musical na década de 1960 por mãrrei xáfer (1933-2021), compositor e teórico musical canadense.
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Pizzicato
Palavra em italiano que significa "beliscado". É uma das técnicas usadas para tocar instrumentos de corda. Em instrumentos como violino, violoncelo e contrabaixo acústico, consiste em tocar diretamente com o dedo em vez de usar o arco, pinçando e movendo a corda. Isso resulta em uma sonoridade de aspecto mais abafado, bem diferente de quando se toca com o arco. No violão, a técnica de pizzicato também inclui um leve abafamento das cordas, usando a parte lateral da palma que está junto ao corpo do violão, ou tocando bem de leve com os dedos que pressionam as cordas no braço do instrumento.
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Melodia e harmonia
A melodia é a parte de uma música que, em geral, fica mais facilmente registrada em nossa memória; é a sequência de notas que se destaca quando cantada ou tocada em um instrumento melódico. Harmonia é a palavra que usamos para nos referir às notas tocadas simultaneamente ao longo de uma música, e que conduzem o discurso realizado pela melodia. Para exemplificar tudo isso, imagine uma música cantada e acompanhada ao violão. Nesse caso, a melodia é o que se canta, e a harmonia inclui o acompanhamento feito ao violão, quando soam várias notas ao mesmo tempo.
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Gênero musical
Categoria de classificação de tipos diferentes de música, considerando aspectos como padrões rítmicos e melódicos; instrumentos musicais utilizados; contexto histórico e geográfico (época e local de produção), entre outros. Alguns exemplos de gêneros musicais diferentes são: baião, bolero, choro, funk, maracatu, moda de viola, rap, rock'n'roll, samba, sertanejo, trance e techno.
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Etnomusicólogo(a)
Pessoa que estuda a música relacionada a outras dimensões da vida, dentro de uma cultura ou de comunidades específicas, como músicas de um povo indígena ou músicas de ciganos de determinada região do mundo.
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Povos-espíritos
Sujeitos não humanos com os quais os indígenas convivem em seus rituais ou sonhos e que geralmente também são citados em seus mitos. O conceito muitas vezes também está relacionado a algum animal e pode referir-se tanto ao animal físico como ao animal “espiritual”.
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