CAPÍTULO 6 Espaço cênico: entre o real e o imaginário

Fotografia. Ruínas de um anfiteatro, com arquibancada disposta em concha diante de um palco semicircular, com piso formando um padrão de losangos pretos e brancos, diante de uma construção semelhante a uma fachada de pedra com diversos nichos e aberturas semelhantes a portas e janelas encimadas por arcos. Entre essa fachada e o palco há um fosso estreito em formato retangular. Ao fundo há diversas construções de uma cidade, tendo à direita uma colina totalmente coberta por vegetação densa. Acima, um céu azul sem nuvens.
Vista do alto da plateia do Odeão de Herodes Ático, em Atenas, Grécia. Fotografia de 2019.

Quando pensamos em teatro, é comum imaginar um ambiente composto de um palco, uma plateia, luzes, cortinas, músicas, cenários e figurinos. Entretanto, o espaço teatral existe de diferentes fórmas.

1. Observe a imagem do teatro Odeão de Herodes Ático na abertura do capítulo. Quais elementos você identifica em sua arquitetura? Ele é parecido com a ideia que você tem de um espaço teatral?

Esse teatro foi construído pelo aristocrata Herodes Ático, em homenagem a sua esposa, na Grécia antiga, no ano 161 Depois de Cristo, aos pés da Acrópole, na cidade de Atenas. Ele tem capacidade para receber mais de 5 mil espectadores. Durante as apresentações, tanto os atores quanto o público permanecem ao ar livre. Mesmo com toda a sua imensidão e sem aparente proteção sonora, ele se destaca por sua qualidade acústica: devido ao formato circular, qualquer som emitido no palco pode ser ouvido com precisão até mesmo no lugar mais afastado da plateia.

Muitos teatros gregos construídos na Antiguidade, tanto no passado como hoje, não utilizam muitos cenários, pois as montagens dos espetáculos partem do pressuposto de que muito do espaço e das paisagens cênicas pode acontecer na imaginação dos espectadores.

Neste capítulo, você vai conhecer exemplos de teatros e obras nos quais o espaço é um dos principais elementos da proposta artística. Com base nessa concepção, você verá que, no teatro, o espaço imaginário e o real se entrecruzam e se potencializam um ao outro.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Que elementos espaciais você considera que não podem faltar em um teatro?
  2. Você já assistiu a alguma peça em que o palco não estivesse de frente para a plateia?
  3. Quais são os espaços onde o teatro pode acontecer? Por quê?

SOBREVOO

As paisagens no teatro

Fotografia em preto e branco. Palco com cenário representando uma vila com construções com linhas geométricas retas e curvas, de pedra clara, em que há escadarias retas e um escadaria recurvada. Cinco atores estão em cena; três estão na sacada de um dos edifícios, de frente para a plateia. No centro do palco, uma atriz de vestes longas que se arrastam no chão, coberta por um manto claro, está voltada para outro ator. Este se encontra no canto inferior esquerdo, está de costas para a plateia e também usa um figurino de vestes longas, com um manto estampado. A cena é iluminada de modo a formar no cenário algumas áreas ensombrecidas, outras à meia-luz e algumas sob a luz plena. No fundo escuro, um círculo branco elevado representando a lua cheia.
SALOMÉ. Concepção: Ríxard Istrráus. Direção: Pétra Váiglo. Cenografia: Josef Svoboda. Berlim, Alemanha, 1990.

O teatro aborda uma ampla variedade de histórias: ele pode nos apresentar situações do passado, do presente e do futuro, e pode também nos contar narrativas realistas ou mágicas, com personagens históricos, animais, seres inanimados e também inventados.

Faça no caderno.

  1. De que fórma o teatro nos convida a imaginar outros mundos ou nos transporta para paisagens, espaços e épocas diferentes? Quais elementos materiais podem ser usados para isso?
  2. Observe a imagem do espetáculo Salomé e as imagens na página seguinte. O que elas sugerem? Que tipos de história poderiam acontecer nesses espaços?

Uma das artes responsáveis por recriar ambientes e atmosferas dentro do teatro é a cenografiaglossário .

Como vimos no capítulo anterior, um dos espaços mais tradicionais onde a arte teatral acontece é o palco italiano. No decorrer dos últimos dois séculos, a arte da cenografia encontrou nesse tipo de palco, no qual a cena está separada do público, um local privilegiado para a sua criação e desenvolvimento.

Entre os artistas que se destacaram pelo uso do palco italiano, apresentamos dois importantes cenógrafos: o tcheco Josef Svoboda (1920-2002) e o italiano radicado no Brasil Gianni Ratto (1916-2005). Eles inovaram na criação de paisagens cênicas, partindo do princípio de que o espaço teatral não precisava ser decorado ou ilustrado, e sim ser um espaço que provocasse e aguçasse os sentidos e a imaginação dos espectadores.

Fotografia em preto e branco. Encenação de uma peça teatral. Cinco atores estão sobre um um tablado  À esquerda, dois atores  estão em pé, de frente para a plateia, com os braços pendentes ao lado do corpo. Eles usam figurino de guardas reais. No centro há um homem usando manto e uma coroa. Ele está sentado em um trono, de frente para a plateia, com os braços abertos apoiados nas laterais do trono. À direita, há outros dois atores em pé. Um deles tem cabelos longos, usa figurino com trajes longos sobre o corpo, e tem um dos braços erguido e o outro semiflexionado junto ao corpo, com a mão à altura do peito. O ator mais à direita tem cabelos e barba longos, usa figurino de trajes curtos. Ele tem uma perna flexionada com o pé erguido, e o braço oposto flexionado, com a mão  para cima. Ao fundo, há um vitral em uma janela com arco ogival (com a extremidade superior em ponta). O vitral é decorado com três figuras humanas com trajes longos e com uma auréola em  torno da cabeça, representando santos, e é composto de seções quadradas, circulares e ogivais. Ao lado da janela, em cada lado, há grandes esculturas fixadas na parede, de pessoas que vestem trajes longos, representando santos, e a cada lado delas, aberturas encimadas por um arco, sobre fundo escurecido.
ASSASSINATO na catedral. Direção: Diórdio Istréler. Dramaturgia: T.S. Eliot. Piccolo Teatro de Milão, Itália, 1948. O vitral foi construído especialmente para o cenário desse espetáculo, elaborado por Gianni Ratto.
Desenho. Imagem colorida da parte interna de uma catedral. Nas laterais, aberturas encimadas por arcos, e esculturas que representam santos fixadas em ambos os lados das colunas dessas aberturas. Ao fundo, na parede, há uma janela de formato ogival (com a extremidade superior em ponta) na parte central, coberta por um vitral composto de seções quadradas, ogivais e em forma de losango com os lados encurvados. Na parte superior, teto com telhado triangular e estruturas de sustentação do telhado de madeira.
RATTO, Gianni. Desenho do interior da Catedral de San Miniato, Toscana, Itália, para a peça Assassinato na catedral (detalhe). 1948.

O teatro na rua

Fotografia. Trupe teatral em cena. Todos os atores estão em pé dentro, em cima ou próximos a um carro antigo marrom. Eles estão maquiados e vestem os figurinos de seus personagens. Quase todos têm expressão sorridente. À esquerda há um homem de bigode usando terno, meias listradas e chapéu. Ele está de pé sobre uma escada, no alto da qual há um tambor, em que ele apoia uma das mãos. Atrás dele, no centro do palco, há um carro grande vermelho, estacionado de perfil, de frente para a esquerda. Sobre o capô do carro há uma estrutura de madeira semelhante a um palanque, no qual uma mulher usando roupas pretas toca um saxofone. No teto do carro há uma estrutura retangular decorada com tecido estampado e vasos de flores. Sobre ela há outros três atores. Da esquerda para a direita: uma mulher usando vestido e meias listradas coloridos toca uma sanfona. Ao lado dela, um homem cujo figurino tem ombreiras bufantes está sobre uma banqueta e segura um guarda-sol colorido. Ao lado dele um homem de chapéu usando paletó amarelo toca um cavaquinho. Dentro do carro há uma mulher usando roupas escuras de mangas longas, com a cabeça e os braços para fora da janela, que toca um chocalho. Ao lado dela, fora do carro, uma mulher de cabelos presos usando um vestido branco longo toca um pandeiro. Ao lado dela, um homem usando um vestido toca uma sanfona. À direita, ao lado dele, outro homem usando terno estampado colorido está em uma escada e toca um violão. O palco tem um fundo claro.
ROMEU e Julieta. Direção: Gabriel Villela. Dramaturgia: William Xêiquispíer. Interpretação: Grupo Galpão. Belo Horizonte (Minas Gerais), 2012.

Apesar de o palco italiano ser o espaço mais usado nas peças teatrais clássicas, elas nem sempre são representadas nele: às vezes, são levadas para a rua. Mas, enquanto o palco italiano permite várias trocas de cenário (na frente do público ou detrás da cortina), como transpor as paisagens de uma peça com essas características para um espaço cênico não convencional? O Grupo Galpão encarou esse desafio. Em 1992, a trupe mineira decidiu montar a própria versão da peça Romeu e Julieta, do dramaturgo inglês William Xêiquispíer (1564-1616).

3. Observe as imagens da montagem de Romeu e Julieta nesta página e na seguinte. Quais são os elementos cênicos utilizados pelos atores?

Na tragédiaglossário de Xêiquispíer, a história se desenrola em uma sacada e em diversos outros cômodos de uma casa, nas ruas da cidade de Verona (Itália), em uma igreja e em um imenso salão de festas. O grupo contou com a proposta de encenação de Gabriel Villela (1958-) e resolveu a diversidade espacial proposta no texto original do seguinte modo: em vez de criar inúmeros cenários e mudanças de cena para a peça, adotou elementos utilizados no circo e em números de palhaço, contando para isso com a imaginação do público.

Os artistas do Grupo Galpão, juntamente com Villela, levaram a peça para a rua e usaram como palco e como elementos cênicos um automóvel, escadas, bancos, pernas de pau etcétera

O elenco atuava sobre o carro, em seu interior e ao redor dele. A criatividade e o jogo cênico permitiram ao grupo aproveitar as diversas possibilidades fornecidas por essa estrutura e pelos objetos utilizados.

Nessa montagem de Romeu e Julieta, com a ajuda da imaginação do espectador, uma cartolina pintada, suspensa por uma vara de pescar, tornava-se uma lua que pairava no céu; um violão se transformava em um instrumento de guerra; um guarda-chuva colorido levava os espectadores para o interior de uma igreja; e uma declaração de amor fazia o público rir e chorar ao mesmo tempo. Em uma experiência como essa, basta estar disposto a brincar e deixar voar a imaginação para aterrissar em novas paisagens.

Fotografia. Trupe teatral em cena, em que os atores estão todos maquiados, com parte do rosto pintado de branco, e vestem figurinos de personagens circenses. Quase todos têm expressão sorridente. À esquerda,  um homem usando trajes brancos está deitado de bruços sobre uma estrutura retangular decorada com tecido estampado e vasos de flores, colocada no teto de um carro vermelho. Abaixo dele, fora do carro, uma mulher de cabelos presos usando um vestido branco longo tem os braços estendidos para os lados e a cabeça inclinada para cima. Ao lado dela, um homem usando um paletó amarelo  e pernas de pau toca violão à frente de uma escada. Atrás dele, no alto dessa escada, outro homem está sentado à frente de um guarda-sol colorido, e segura uma vara de bambu com uma figura de lua crescente pendurada na ponta. Ao fundo, na parte inferior, parte da plateia assiste ao espetáculo.
ROMEU e Julieta. Direção: Gabriel Villela. Dramaturgia: William Xêiquispíer. Interpretação: Grupo Galpão. Belo Horizonte (Minas Gerais), 2012.

4. Que tipo de diálogo os elementos cênicos estabelecem com a época na qual a peça de Xêiquispíer foi escrita? No seu ponto de vista, por que uma peça escrita há tanto tempo ainda pode gerar diálogo com o contemporâneo?

Foco na História

William Xêiquispíer e o Globe Theatre

Você já ouviu alguém recitar: “Ser ou não ser: eis a questão!”? O autor dessa famosa frase é o dramaturgo, poeta e ator inglês William Xêiquispíer, e essa pergunta figura no texto de uma de suas peças, Hamlet.

Xêiquispíer construiu sua carreira teatral em Londres, no século dezesseis, e escreveu mais de trinta peças de teatro. Muitas delas eram tragédias – como Macbeth e Tito Andrônico –, mas também havia comédias, algumas, inclusive, repletas de criaturas mágicas, como Sonho de uma noite de verão.

Pintura. O quadro explora a oposição de tons claros e escuros. Retrato em meio perfil de um homem de cabelos escuros, bigode e barba. Ele veste traje escuro com gola branca, e tem um brinco de argola na orelha esquerda.
Têilor Diôn. Retrato de William Xêiquispíer. cêrca de1610. Óleo sobre tela, 55 centímetros por 43 centímetros. Galeria Nacional de Retratos, Londres, Reino Unido.

Xêiquispíer apresentava suas peças no Globe Theatre [Teatro Globo, em tradução livre]. O teatro tinha paredes, galerias cobertas e uma grande área, abaixo do palco, que ficava a céu aberto. Esse espaço descoberto, ou fosso, em geral era ocupado pelo público que não tinha condições de pagar para ter acesso às galerias. O comportamento dos espectadores que assistiam às peças em pé nesse fosso era muito diferente do que se vê hoje em dia nos teatros. A relação entre os artistas e o público era dinâmica: muitas vezes o público interferia espontaneamente em cena, fosse por meio da aprovação – aplaudindo e assobiando positivamente –, fosse por meio da reprovação – vaiando os artistas e lançando, literalmente, tomates e outros legumes na direção dos atores.

Pintura. Espetáculo teatral. Na parte inferior da imagem,  centralizada, uma multidão está em pé. Ao fundo,  um palco em frente a uma estrutura de três andares, com varandas nas quais as pessoas da plateia assistem sentadas a um espetáculo.
GLOBE Theatre no século dezesseis. cêrca de1700. Aquarela.

No teatro de Xêiquispíer, as peças normalmente não tinham troca de cenário, e eram o diálogo entre os atores e o jogo teatral que estimulavam o espectador a usar a imaginação para criar o espaço cênico.

Um bom exemplo da importância da imaginação no teatro shakespeariano é que, como a sociedade da época impedia que as mulheres atuassem, eram atores que interpretavam os papéis femininos. Assim, tanto nas tragédias quanto nas comédias, eram homens que se maquiavam e usavam grandes vestidos para interpretar rainhas, fadas e deusas.

Da mesma maneira que um carro estacionado vira espaço cênico para uma peça, um bairro inteiro pode servir de espaço e de tema para um trabalho teatral. Com 25 atores em cena e quatro músicos, o espetáculo Barafonda, da Companhia São Jorge de Variedades, foi uma peça itineranteglossário cujo tema e espaço foram o bairro da Barra Funda, na cidade de São Paulo (São Paulo). O espetáculo percorria dois quilômetros e contava com 150 figurinos e dois carros alegóricos.

Em 2010, a Companhia São Jorge de Variedades estudou e pesquisou sobre o bairro da Barra Funda, lugar onde estava localizado o seu espaço de trabalho. Compondo uma dramaturgia coletiva, os artistas da companhia criaram cenas, músicas e personagens para contar a história do bairro e refletir sobre ele. Além disso, diversos moradores e trabalhadores da região foram convidados a participar da peça. Ao longo do trajeto, as cenas aconteciam nas calçadas, no meio da rua, na barbearia, na granja, no espaço cênico da Companhia São Jorge de Variedades, em cima de uma ponte e em outros espaços que compõem a paisagem do bairro.

Imagem meramente ilustrativa

Gire o seu dispositivo para a posição vertical

5. Você conhece a história do bairro onde mora? Você imagina uma peça sendo encenada nas suas ruas? Em que espaços concretos você imagina que essa peça poderia acontecer?

Fotografia. Grupo de atores em um cruzamento de ruas. Centralizado, um homem de cartola e colete listrados, camisa branca, calça bege e sapatos pretos atravessa a rua pela faixa de pedestres enquanto pedala um triciclo amarelo com caixas sonoras instaladas no teto e fala em um microfone. Ao lado dele, no triciclo, há outro homem de chapéu xadrez, com a cabeça voltada para o outro lado. Atrás deles está uma mulher de vestido vermelho com uma faixa branca na cintura, meias vermelhas e botinas pretas, com as mãos na estrutura do triciclo, como se o empurrasse. Atrás dela há outra pessoa do mesmo grupo, com roupas coloridas, da qual não aparece o rosto. Juntamente com esses atores, algumas pessoas em roupas comuns também atravessam a rua pela mesma faixa. À direita há um homem com uma câmera de TV no ombro; atrás dele, uma outra pessoa com uma mochila nas costas. Ao fundo, edifícios e veículos.
BARAFONDA. Dramaturgia, direção e interpretação: Companhia São Jorge de Variedades. Coordenação: Patrícia Guifórd. São Paulo (São Paulo), 2012.

Um espetáculo itinerante

Se o teatro pode ocupar os espaços das ruas, ele também pode acontecer em lugares inusitados, como um ônibus que circula por bairros de uma cidade.

Em meados de 2015, o grupo Cuíra, da cidade de Belém (Pará), tinha fechado seu espaço de trabalho e, por esse e outros motivos, decidiu realizar um espetáculo de teatro itinerante. O tema da peça Auto do coração (2015) é universal e conhecido por todos: o amor. O espetáculo era composto de depoimentos pessoais de relações amorosas de cada uma de suas atrizes, mesclados com histórias de outras pessoas e inclusive histórias inventadas. No ônibus, são compartilhadas com o público narrativas íntimas que tratam de diversas fórmas de amar, incluindo o próprio amor pelo teatro.

Segundo a diretora do espetáculo, Vlád Lima, é importante que a peça aconteça em um ônibus com aparência antiga, uma vez que as marcas do tempo presentes nos espaços da cidade, nos habitantes e nos automóveis que circulam há anos pelas ruas contribuem com o es­petáculo.

Fotografia. Espetáculo teatral encenado no interior de um ônibus decorado. No centro, uma mulher  de óculos com lentes coloridas, usando vestido vermelho. Ela está em pé, próxima à cabine do motorista, de frente para os passageiros, segurando, com a mão direita, na  cadeira próxima a ela. Sentadas nas cadeiras do ônibus, diversas pessoas de costas olhando para a mulher. As janelas do ônibus estão decoradas com tecidos coloridos e adornos. No teto, alguns adornos pendurados.
AUTO do coração. Direção: Vlád Lima. Interpretação: Grupo Cuíra. Belém (Pará), 2015.
Ícone. Tema contemporâneo transversal: Cidadania e Civismo.

Para pesquisar

O teatro e a intervenção no cotidiano

A relação entre o teatro e a cidade vem se expandindo ao longo dos últimos anos, com espetáculos que acontecem no trânsito do dia a dia das cidades, como os trabalhos desenvolvidos pelo grupo Cuíra e pela Companhia São Jorge.

Com base nessa discussão, você e seus colegas realizarão em grupo uma pesquisa a respeito do trânsito existente nas grandes cidades e como o teatro interfere, atua e desloca esse trânsito do cotidiano.

Comecem respondendo à pergunta: que tipo de trânsito existe em uma grande cidade? De que fórma ele está presente?

Em seguida, selecionem uma companhia teatral que atue em ambientes externos e pesquisem:

  1. o tipo de atuação dessa companhia nas ruas da cidade;
  2. como esse trabalho interfere no trânsito;
  3. com base nessa interferência, descubra os objetivos principais desse trabalho.

Compartilhem as pesquisas com os outros grupos e reflitam sobre a maneira como o teatro tem dialogado com o trânsito nas grandes cidades.

Transportando o espectador para o Oriente

Fotografia. Espetáculo de teatro. No centro, uma mulher com cabelos presos por uma haste está de costas e abaixada sobre uma longa esteira de bambu. Ela veste um quimono de tecido branco, todo decorado com ideogramas japoneses, preso na cintura por uma larga faixa lilás com um grande laço nas costas. Na frente dela, em pé e com o rosto voltado para ela, uma mulher com cabelos longos e vestindo trajes pretos. Ao fundo, uma placa de madeira formada por diversas tábuas está disposta em pé sobre a esteira. A cena é parcialmente iluminada, e em ambos os lados há outros elementos do palco parcialmente ensombrecidos, entre os quais está um tambor.
TANIKO, o rito do vale. Direção: José Celso Martinez Corrêa. Teatro Oficina, São Paulo (São Paulo), 2010.

Se as artistas paraenses do grupo Cuíra optaram por recriar uma celebração do amor dentro de um ônibus, o que esperar quando artistas que vivem em São Paulo (São Paulo) decidem retratar as paisagens do Japão antigo?

6. Observe essa imagem e a da página seguinte: quais elementos indicam a construção de um ambiente japonês?

Em 2010, os artistas do Teatro Oficina montaram uma versão do espetáculo Taniko, o rito do vale, estreado em 1997.

O espetáculo é a releitura de uma peça japonesa oriunda da tradição do teatro Nôglossário , escrita no século quinze por Zênticu (1405--1468), discípulo do dramaturgo Zeámi MótoKío (1363-1443). Ela conta a história do jovem Kogata, que parte em uma viagem com seu mestre e alguns companheiros em busca de medicamentos para a sua mãe doente. Os viajantes sabem da existência de uma Grande Lei, que diz que aquele que ficar doente durante o trajeto deverá ser abandonado.

Fotografia. Espetáculo de teatro. Um grupo de atores vestindo quimono branco com faixas vermelhas em torno da cintura. Eles estão em pé sobre um tablado de madeira, com os braços para cima e as mãos espalmadas. A cena é iluminada por um facho de luz.
TANIKO, o rito do vale. Direção: José Celso Martinez Corrêa. Teatro Oficina, São Paulo (São Paulo), 2010.

A certa altura da história, Kogata, exausto e doente, confessa ao mestre não suportar mais a dureza da viagem; os companheiros decidem então seguir a lei.

Kogata, com medo de morrer só, pede aos companheiros que o comam, em vez de abandoná-lo. Eles cumprem o pedido, apesar de o mestre tentar impedi-los. Entristecido com a morte do discípulo, o mestre resolve não prosseguir a viagem e se entregar à morte.

A comitiva sente-se desorientada com a decisão e, sem saber o que fazer, implora que a lei seja modificada para que a viagem prossiga. O mestre, então, muda a lei para o lema “Não se mata o que se ama”.

Na montagem do Oficina, ao final do espetáculo, a comitiva era visitada pelo espírito de Zeami, o criador do teatro Nô, que lhes devolvia o jovem Kogata para que pudessem mudar a lei vigente.

A peça é uma homenagem a Luís Antônio Martinez Corrêa, também encenador e irmão de um dos fundadores do Oficina, Zé Celso. Ele foi assassinado em 1987, e Taniko foi sua última peça. Da mesma maneira que, ao final da peça, acontece a ressurreição do personagem Kogata, os artistas do Oficina tinham como objetivo simular a reaparição de Luís Antônio no teatro.

Os artistas do Oficina, conhecidos por sua estética exuberante, inspiraram-se na tradição do Nô e, na montagem de Taniko, utilizaram figurinos simples e um cenário minimalista para traçar paralelos entre as paisagens do Japão e do Brasil e entre a atualidade e as memórias do passado.

Para pesquisar

Coletivos teatrais e sua relação com o espaço

Assim como a Companhia São Jorge de Variedades, diversos grupos de teatro brasileiros desenvolvem uma relação artística direta com o espaço urbano. Que tal pesquisar alguns desses outros grupos?

  1. Reúna-se com seus colegas em um grupo de até seis participantes.
  2. Com o auxílio do professor, cada grupo elegerá um coletivo teatral para pesquisar; pode ser um dos sugeridos a seguir ou algum que atue em sua cidade ou região.
  • Coletivo Estopô Balaio (São Paulo)
  • Clowns de Xêiquispíer (Rio Grande do Norte)
  • Grupo Cuíra (Pará)
  • Grupo de Teatro De Pernas Pro Ar (Rio Grande do Sul)
  • Grupo Espanca! (Minas Gerais)
  • Madeirite Rosa (São Paulo)
  • Oco Teatro Laboratório (Bahia)
  • Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul)
  • Tá Na Rua (Rio de Janeiro)
  • Trupe Lona Preta (São Paulo)
  1. Pesquise na internet por notícias, fotos, descrições dos espetáculos e vídeos a respeito desses coletivos. Registre as informações coletadas em seu diário de bordo.
  2. Você pode utilizar as questões a seguir para orientar sua pesquisa:
    1. Como o grupo cria interlocuções com as paisagens da cidade?
    2. Que tipo de planejamento deve acontecer antes da realização da ação na cidade?
    3. Que elementos técnicos e materiais (por exemplo, iluminação, caixas de som, figurino, cenário) cada grupo utiliza nas suas intervenções nos espaços da cidade?
  3. Reúna o material pesquisado e realize, com seu grupo, uma apresentação para a turma com as informações coletadas.
  4. Após as apresentações de todos os grupos, converse com seus colegas e com o professor a respeito das seguintes questões:
    1. Quais foram as fórmas encontradas pelos coletivos teatrais para adequar o espaço ao assunto de suas peças?
    2. Como seria se esses coletivos se apresentassem em um espaço convencional de um edifício teatral?
    3. Quais elementos utilizados nos trabalhos dos grupos mais chamaram a sua atenção? Por quê?
    4. Quais coletivos, obras e espetáculos mais lhe interessaram? Por quê?

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Qual dos exemplos vistos neste Sobrevoo apresenta uma relação entre artistas e espaço mais estimulante para você? Por quê?
  2. Com base nos grupos estudados no Sobrevoo e nas pesquisas, relembre alguns exemplos nos quais a relação dos artistas com o espaço e seu entorno foi fundamental para a transformação da própria obra artística.

Foco em...

Teatro Oficina

Ilustração. Croqui cenográfico: à esquerda há o desenho de uma construção com portas e janelas, com três árvores esboçadas diante dela, sobre a qual está disposta uma espécie de passarela, que conduz a outra construção ao lado. Essa construção é maior, em formato de galpão com telhado amarelo. Sobre os desenhos há diversas anotações manuscritas com indicações referentes a cada seção do cenário representado.
BARDI, Lina Bo; ELITO, Edson. Teatro Oficina. 1984. Aquarela, esferográfica, hidrográfica e grafite sobre papel, 33 centímetros por 48 centímetros. Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, São Paulo (São Paulo).

O Teatro Oficina é um edifício teatral localizado na cidade de São Paulo, ocupado pelo grupo Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona. O grupo sempre se dedicou ao teatro experimental e à busca de fórmas inovadoras de se relacionar com o público.

Em 1993 foi inaugurado o teatro-séde do grupo, cujo projeto arquitetônico é assinado por Lina Bo Bardi (1914-1992) e Edson Elito (1948-). O Teatro Oficina é reconhecido até hoje como um dos mais importantes espaços arquitetônicos teatrais do mundo.

Nesse teatro, os espectadores se sentam ao longo de três andares de andaime, onde ficam os assentos, e de frente para uma parede envidraçada, cuja vista é a própria cidade de São Paulo (São Paulo). As peças acontecem em qualquer um dos espaços do teatro, especialmente no corredor que divide as galerias de espectadores. O corredor ainda lembra uma rua ou um sambódromo, por onde desfilam personagens e por onde as cenas das histórias se desenrolam.

Faça no caderno.

1. Observe o desenho de Lina Bo Bardi na página anterior e a imagem do interior do Teatro Oficina nesta página: o que mais chama a sua atenção na arquitetura desse espaço? Ele faz você lembrar de algum lugar ou pensar em alguma coisa?

Por ser um teatro não convencional também em termos de espaço, nem sempre os espectadores conseguem ter visibilidade de todos os ângulos do espetáculo. E é por isso que assistir às peças encenadas no Oficina pode ser divertido, pois o público tem de se movimentar para ver algumas partes das peças e assumir uma postura ativa ao longo do espetáculo.

José Celso Martinez Corrêa (1937-), conhecido como Zé Celso, despontou como um dos mais expressivos encenadores brasileiros na década de 1960. Além disso, ele também é dramaturgo e ator em alguns de seus espetáculos. Zé Celso e o grupo Oficina se inspiram no movimento tropicalista e no teatro antropofágicoglossário . Eles apostam na criação de montagens teatrais que envolvem rito, celebração e festa, com uma forte carga de humor e de crítica política e social.

Fotografia. Interior de um teatro. À esquerda há uma estrutura disposta em três andares com corredores, e diversos andaimes em frente a eles. À direita, amplas janelas de vidro, com árvores do lado externo, diante das quais também há alguns andaimes. Entre esses elementos há uma extensa passagem estreita, com uma longa esteira estendida no piso. Todo o espaço é iluminado pela luz do dia.
Área interna do Teatro Oficina, localizado em São Paulo (São Paulo). Fotografia de 2010.

Para experimentar

Reorganizando o espaço

Assim como o Teatro Oficina propõe novos pontos de vista na relação entre cena e público, que tal experimentar novos pontos de vista em nosso cotidiano?

  1. Com o auxílio do professor, reúna-se com os colegas em grupos de até seis participantes e discuta:
    1. Como está organizado o espaço em sua sala de aula? Quais são os pontos de vista possíveis para os estudantes? E para o professor?
    2. Você teria alguma proposta para reorganizar o espaço e experimentar diferentes pontos de vista?
    3. Em seu diário de bordo, desenhe a proposta espacial criada pelo grupo: decidam como serão posicionadas as cadeiras e os outros móveis que podem ser trocados de lugar.
    4. Em seguida, os grupos devem apresentar suas propostas.
    5. Na sequência, elejam as que mais agradam à turma.
    6. Com os colegas, experimente modificar o espaço de acordo com as propostas escolhidas.
  2. Ao final da experimentação, reflita sobre as questões a seguir e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.
    1. Qual dos espaços propostos pareceu mais interessante? Por quê?
    2. O que você descobriu, ao longo dessa exploração, sobre o modo como você se relaciona com o espaço da sala de aula?
    3. Qual seria a sua proposta para que o espaço da aula se tornasse diferente ou, em sua opinião, mais interessante?

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Que semelhanças e diferenças você identifica entre o Teatro Oficina e o Odeão de Herodes Ático, em Atenas?
  2. Como você enxerga a diferença entre um teatro que coloca os espectadores acima do palco e um teatro no qual o palco está posicionado acima dos espectadores?

Foco no conhecimento

O espaço entre a ficção e a realidade

Fotografia em preto e branco. Retrato em meio perfil de um homem usando camiseta branca. Ele tem acima da cabeça, como um chapéu, um barco à vela, feito de madeira e tecido. Ele tem postura altiva e expressão séria.
A TEMPESTADE. Direção: Píter Bruk. Dramaturgia: William Xêiquispíer. Antuérpia, Bélgica, 1991. O ator francês Bacarrí Sangaré interpretando o personagem Ariel.

Faça no caderno.

1. Observe a imagem. Por que você imagina que esse ator tem um barco sobre a cabeça?

No teatro, como já vimos anteriormente com o Grupo Galpão, existem recursos cênicos que permitem ativar nossa imaginação, de modo que um pedaço de pano pode virar uma fogueira, uma lâmpada pequena pode virar o Sol e a nossa cabeça pode se tornar o oceano. Assim, não é preciso construir grandes cenários que imitem fielmente as paisagens da realidade. Podemos apenas sugerir a presença dessas paisagens por meio de alguns elementos.

Reflita agora a respeito de três tipos de espaço próprios da arte do teatro:

1 Espaço dramático

Espaço retratado no texto teatral, ou seja, nas histórias contadas pelas dramaturgias. Em geral, são diversas as paisagens nas quais as peças de teatro acontecem. Na peça Taniko, do Teatro Oficina, eram apresentados diferentes espaços do Japão antigo ao longo da viagem da comitiva. O espaço dramático consiste em uma paisagem construída mediante elementos cênicos ou pela imaginação do espectador. É o espaço da ficção.

2 Espaço cênico

Espaço real do próprio teatro, ou seja, o seu espaço concreto. Em geral, sua arquitetura é dividida em um espaço específico no qual os atores atuam e um espaço no qual os espectadores assistem aos espetáculos. Há casos em que o espaço cênico é composto de uma série de outros elementos, como iluminação, palco, cadeiras, cenários etcétera Às vezes, o espaço cênico pode ser uma rua ou um bairro inteiro de uma cidade, como no espetáculo Barafonda, da Companhia São Jorge de Variedades.

3 Espaço lúdico

Espaço misto, pois nele acontece a mistura dos elementos da ficção com os elementos da realidade. O teatro tem lugar na relação entre a imaginação do público e a ação teatral, que, por sua vez, é concreta. Assim, é possível que, mesmo em um espaço vazio, possa surgir a paisagem de um deserto, caso o ator convoque a imaginação do público e diga que estão em um deserto. No caso do espetáculo Romeu e Julieta do Grupo Galpão, por exemplo, bastou que os atores subissem em escadas para simular a sacada de uma casa.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Você já brincou de transformar objetos para contar uma história? Como foi essa experiência?
  2. Que relações você estabelece entre o espaço lúdico e os jogos teatrais ou as brincadeiras das quais você gosta?

Processos de criação

Que tal investigar os espaços de sua escola se utilizando de uma criação?

Para a realização desta atividade, sugerimos que os participantes sigam o trecho de uma peça teatral. Uma característica desse tipo de texto é que ele é escrito na fórma de diálogo entre os personagens.

Em geral, o texto teatral é composto de alguns elementos, como rubricasglossário , diálogos, personagens, um tempo específico e um espaço no qual a peça acontece.

A proposta é que você e seus colegas improvisem algumas cenas em espaços inusitados da escola. Para essa criação, tenha como base os três tipos de espaço vistos na seção Foco no conhecimento:

dramático

cênico

lúdico

  1. Reúna-se com os colegas em um grupo de quatro a cinco integrantes.
  2. Para a criação do espaço dramático da cena, sugerimos o trecho apresentado na página seguinte da peça A tempestade (cerca de 1611), de William Xêiquispíer.
  3. Com base na cena, cada grupo deve elaborar uma improvisação de até 10 minutos, considerando o ponto de vista que deseja propor à assistência do público, de maneira a provocar os olhares, as sensações e os sentidos dos espectadores.
  4. A cena deve ser apresentada em algum espaço cênico inusitado da própria escola (banheiros, corredores, quadra de esportes, portões, pátio etcétera), considerando a fórma pela qual esses espaços podem ajudar a concretizar a paisagem da tempestade, constituindo-se em espaço lúdico.

A TEMPESTADE

ATO I CENA I 

A bordo de um navio no mar: ouve-se ruído de tempestade, trovões e raios.

(Entram um Mestre e um Contramestre)

MESTRE: Contramestre!

CONTRAMESTRE: Olá, Mestre: tudo em ordem?

MESTRE: Tudo; diga aos marinheiros que se não trabalharem rápido, encalhamos: mexam-se, mexam-se!

(Entram os marinheiros) 

CONTRAMESTRE: Eia, meus corações! Muito ânimo, meus corações! Depressa, recolham a mezenaglossário . De ouvido no apito do Mestre. Sopra até perder o fôlego, se der pra isso!

(Entram Alonso, Sebastian, Antônio, Ferdinand, Gonzalo e outros) 

ALONSO: Cuidado, Contramestre. Onde está o Mestre? Controle os seus homens. 

CONTRAMESTRE: Por favor, fiquem lá embaixo.

ANTÔNIO: Onde está seu superior, Contramestre?

CONTRAMESTRE: Não está ouvindo? Estão atrapalhando o serviço: fiquem nos camarotes, estão ajudando a tempestade.

GONZALO: Não, meu amigo; tenha paciência.

CONTRAMESTRE: Quando o mar tiver. Fora! O que é um rei para essas ondas? Pros camarotes! Silêncio! Não nos atrapalhem.

GONZALO: Muito bem; mas lembrem-se de quem têm a bordo.

CONTRAMESTRE: Ninguém de quem eu goste mais do que de mim mesmo. O senhor é conselheiro; se puder calar os elementos e trazer paz ao presente, nós não tocamos mais numa só corda; use a sua autoridade. Mas se não puder, dê graças por ainda estar vivo e vá se preparar no camarote para os riscos do que pode acontecer numa hora dessas. Ânimo, meus corações! Já falei, saiam do caminho. (Sai.) 

GONZALO: Esse sujeito me conforta; não me parece trazer marcas de afogamento: seu aspecto é perfeito para a forca. Cumpra à risca, bom Fado, seu caminho de enforcado: faz da corda do destino dele nosso fio de vida. Se ele não nasceu para ser enforcado, nosso caso está perdido… (Saem.)

(Volta o Contramestre.)

CONTRAMESTRE: Recolham a mezena! Depressa! Mais baixo! Recolham tudo menos a grande. (Um grito, fora.) Maldita gritaria! Fazem mais barulho do que o tempo, ou do que nós trabalhando!

reticências

(Entram marinheiros molhados.)

MARINHEIROS: ´Stamos perdidos, rezem, rezem, rezem! Perdidos!

CONTRAMESTRE: Será que temos de ficar de boca fria?

GONZALO: O Rei e o filho oram. Ajudemos. A causa é nossa.

reticências

ANTÔNIO: Vamos afundar com o Rei.

SEBASTIAN: Vamos despedir-nos dele.

(Saem Antônio e Sebastian.)

GONZALO: Daria agora milhares de braças de mar por um pedaço de terra qualquer, estéril, de urzes, espinhos ou giestas. Seja feita a vontade dos céus! Mas preferia morte mais seca. 

(Saem todos, o navio afunda.)

SHAKESPEARE, William. A tempestade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 15-18. (Adaptado.)

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. O que você sentiu ao assistir às cenas e representá-las em um espaço inusitado?
  2. Quais espaços deixaram a situação da tempestade mais interessante? Por quê?

Organizando as ideias

Fotografia. Painel formado por quatro faixas verticais de imagens, nas quais não aparece a cena completa. Da esquerda para a direita: anfiteatro com arquibancada disposta em concha em frente a uma construção cercada por vegetação; espetáculo teatral com dois atores maquiados e lua crescente cenográfica; espetáculo de teatro com atores de quimono branco e faixa vermelha, com braços para cima; e retrato de um homem em meio perfil com barco à vela no alto da cabeça.

Ao longo deste capítulo, vimos diversas obras teatrais que têm como eixo a pesquisa sobre o espaço e suas relações. Vimos também que o teatro trabalha com elementos cenográficos que instigam o espectador a imaginar as paisagens que complementam a obra apresentada e dialogam com ela.

Após ter realizado essa travessia e experimentado compor cenas nos espaços de sua escola, reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

Faça no caderno.

  1. Quais elementos do espaço do teatro mais chamaram a sua atenção? Por quê?
  2. Você já havia pensado que uma peça de teatro pode instigar o espectador a se deslocar de seus lugares habituais? O que você pensa sobre isso?
  3. Este capítulo mudou sua percepção a respeito do espaço da escola? Como?
  4. Quais foram suas descobertas em relação às possibilidades espaciais da arte teatral?
  5. Quais outras descobertas você fez ao longo deste capítulo? O que você gostaria de continuar aprofundando?

Glossário

Cenografia
Arte da organização do palco e/ou do espaço teatral. O cenógrafo é, por sua vez, a figura responsável pela criação de seus elementos. A cenografia pode ser compreendida como uma maneira de pensar o espaço e de criar elementos materiais que auxiliem nos objetivos maiores do espetáculo teatral.
Voltar para o texto
Tragédia
Gênero de peça teatral originado na Grécia antiga que apresenta experiências humanas repletas de sofrimento e perda. As tragédias geralmente encontram uma resolução para seus conflitos no final, mas que tende a ser sob a fórma de morte ou de algum bom termo pacífico após um grave erro individual ou coletivo que gerou muita dor e aflição.
Voltar para o texto
Peça itinerante
Tipo de espetáculo em que o público é convidado a caminhar por determinado espaço para assistir às cenas da montagem. Trata-se de uma peça em percurso: somente caminhando e se deslocando pelos espaços é que os espectadores podem acompanhar as cenas.
Voltar para o texto
Teatro Nô
Arte cênica tradicional japonesa. O teatro Nô tem uma estrutura de espetáculo marcada pelo simbolismo e pela simplicidade. Seus atores usam máscaras e se movimentam segundo códigos gestuais para representar mitos e narrativas ancestrais da cultura japonesa. Seu precursor e principal referência foi o dramaturgo e ator Zeámi MótoKío. No teatro Nô, o espectador é o responsável por preencher as indicações poéticas e os elementos que não aparecem fisicamente em cena.
Voltar para o texto
Teatro antropofágico
Vertente teatral inspirada no Manifesto Antropofágico de osváld de Andrade (1890-1954). Envolve brincadeira, deboche, paródia e certa agressividade para provocar os sentidos dos espectadores. Aceita contribuições das artes populares, como o circo e o teatro de revista. Os idealizadores dessa vertente foram Zé Celso e o Teatro Oficina.
Voltar para o texto
Rubrica
Indicação no texto teatral que apresenta uma orientação gestual ou de movimentação para o ator, um acontecimento cênico, um espaço etcétera É uma fórma de instruir acontecimentos e propostas para a realização da peça que não são necessariamente reconhecíveis somente pelo diálogo dos personagens. É também chamada didascália.
Voltar para o texto
Mezena
Em embarcações de quatro mastros, é o mastro que permite que o barco faça a ré.
Voltar para o texto