CAPÍTULO 1 A arte e o mundo imaterial

Fotografia. Três homens indígenas vestem uma espécie de tanga vermelha e têm o tronco pintado.  Eles tocam com a boca um instrumento de feito de bambu.
Arte cussíua, técnica de pintura corporal do povo indígena uaiãpí. Dança do peixe. Aldeia uaiãpí, Serra do Tumucumaque, Amapá (Amapá). Fotografia de 2009.
  1. O que você entende por imaterial?
  2. A imagem da abertura do capítulo mostra uma pintura corporal dos uaiãpí – povo indígena do Amapá – chamada cussíua. Observe-a. Você já desenhou ou pintou imagens sobre sua pele? Com qual objetivo?

A pintura corporal indígena é a expressão de um saber ancestral, transmitido de geração em geração, comunicado, perpetuado e atualizado no convívio cotidiano e na oralidade.

No mundo imaterial também cabem ritos, mitos, histórias, costumes, hábitos, saberes, entre outras manifestações culturais. Por se referir ao que é impalpável, também consideramos imaterial o que é conceitual, ou seja, aquilo que se elabora em nossa mente (algo muito explorado por artistas contemporâneos).

Ao longo do ano, você conhecerá exemplos de como o imaterial se manifesta em diferentes culturas. Neste capítulo, começaremos explorando referências brasileiras, de modo a ajudá-lo a pensar a respeito de uma série de elementos imateriais presentes no cotidiano e que fazem parte da nossa cultura.

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Transcrição do áudio

[Locutor] Olá, tudo bem com você? Para falar da importância da arte e de como o mundo imaterial está presente na cultura indígena, vamos ouvir o professor Casé Angatu.

[Casé Angatu] Meu nome é Casé Angatu, Casé porque o meu nome de registro de nascimento é Carlos José, corruptela que deu Casé e Angatu, anga é alma e catu, boa. Quer dizer, então seria Casé Alma Boa, que é o meu nome indígena, né? Sou indígena, da família do tronco Xukuru, Tupi, do tronco Tupi, moro aqui em Olivença, Ilhéus, Bahia. Olivença é um distrito de Ilhéus, um antigo aldeamento jesuítico do século 16 e que virou um território indígena. Fiz História na Unesp. Fiz mestrado em História na PUC, em São Paulo. O doutorado eu fiz da FAU-USP. Sou concursado agora na Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, que é onde dou aula. Sou professor também do programa de Ensino e Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia. E moro na aldeia Guarani Taba Atã. Eu moro numa oca, na tradição, que é feita de pau a pique, de barro, né? A gente vive da água do rio, da pesca, vive da piaçava, que tem que ter piaçava, vive da retirada, algumas pessoas tiram palmito, né? Tira o caju... e o dia a dia da minha comunidade é o plantio da mandioca, que é a principal base, a gente chama de aipim, os paulistas chamam de mandioca. A gente faz a farinha, nas casas de farinha. Vive de artesanato, e esse é o dia a dia. Minha mãe encantou, meu pai encantou, o que que é encantar? Na tradição do não indígena é falecer, morrer, né? A gente não morre e vai para o paraíso ou vai para o inferno. Já está no paraíso, que é a natureza, então a gente encanta, vira um pedaço de rio, um pedaço de folha de uma árvore, um bicho, uma graminha, né? Então a nossa relação com a natureza é extremamente espiritual. Eu costumo dizer que nós somos a natureza, nós somos a terra, por quê? Porque quando nós encantarmos, nós vamos virar a própria natureza. E por isso que quando a gente anda, muita gente pergunta assim: Casé, por que índio quando anda no meio da mata fica olhando para o chão? Porque lá estão os nossos encantados, né? Está nossa espiritualidade. Então numa onda de um mar, um barulho de um rio, o voo de um pássaro ou o canto de um passarinho, na beira de uma árvore, já é a emanação dos encantados da natureza conversando conosco. E quem são esses encantados? São nossos ancestrais. Tem povos que têm pinturas que quase sempre se repetem, né? No nosso caso aqui que é o tupinambá, as pinturas são feitas de acordo com o sentimento do momento. Por exemplo, quando é uma pintura de cura, ela é mais fechada, né? Quando é uma pintura de proteção ela é mais fechada. Quando é uma pintura de festa, ela é mais aberta, tende a ser mais aberta. Então a pintura é uma forma de proteção, de cura, e ao mesmo tempo de comunicação com o mundo externo. A gente não faz arte porque nós somos artistas, né? Nós fazemos a nossa cultura, que tem valor artístico. Nós fazemos o artesanato, que alguns chamam de artesanato, que é a pulseira, que é o colar, que é a pintura, que pode ser considerado como arte. Mas a gente não faz isso como arte, necessariamente, a gente faz isso com uma dimensão espiritual. Então toda a tradição, cultura, musicalidade indígena, ela tem a ver com a ritualidade da nossa relação com a natureza. Isso pode até ser considerado como arte, mas a finalidade não é necessariamente ser uma arte, é a relação que a gente tem com o plano natural, né?

Estúdio: Núcleo de criação

Ícone. Tema contemporâneo transversal: Multiculturalismo.

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. A que aspectos da vida dos indígenas uaiãpí você imagina que essas pinturas corporais podem estar relacionadas?
  2. Na nossa sociedade, em que situações se fazem pinturas corporais e a que aspectos podemos relacioná-las?

Processos de criação

Para iniciar, convidamos você a investigar e compartilhar a cultura imaterial presente em sua comunidade. Para isso, sugerimos uma atividade em duas etapas.

Ícone. Tema contemporâneo transversal: Cidadania e Civismo.
  1. Levantamento
    1. Em grupos de três integrantes, informem-se com parentes e conhecidos sobre as manifestações culturais imateriais de sua região.
    2. Nessa pesquisa, além de festas, danças, músicas e literatura, considerem também: modos de falar, de vestir e de morar, hábitos, superstições e até mesmo um jeito especial de preparar uma comida, de confeccionar algum instrumento, de fazer um artesanatoetcétera
    3. Ampliem o levantamento de dados pesquisando em livros, na biblioteca da escola ou na internet.
    4. Além de apresentar a atividade, a pesquisa deve mostrar como ela é desenvolvida, onde é praticada e qual é a importância dela para o entrevistado e para a comunidade.
    5. Registrem a pesquisa com anotações em seu diário de bordo, fotografias e vídeos, informações e imagens de materiais de apoio (livros, jornais, revistas, cartazes, documentosetcétera) e depoimentos.

  2Feira de trocas

Para conhecer o resultado da pesquisa dos outros grupos, a turma organizará uma feira de trocas com o auxílio do professor.
  1. Descrevam no quadro os assuntos pesquisados pelos grupos.
  2. Em um dia previamente combinado, cada grupo deverá apresentar o resultado de sua pesquisa. Podem ensinar a turma a preparar uma receita, produzir uma peça artesanal, apresentar uma música ou uma dança típica e convidar os demais a praticar, ou ainda mostrar gravações de áudio ou vídeo com depoimentos dos entrevistados.
  3. Se possível, a feira poderá contar com a presença de outros estudantes da escola, da comunidade do entorno e dos familiares.

Foco na História

Cultura Imaterial e Patrimônio

Você sabia que manifestações culturais imateriais, como as que você investigou, podem ser oficialmente reconhecidas como patrimônio cultural nacional ou até da humanidade? A palavra patrimônio, nesse caso, indica bens que merecem ser preservados e pode referir-se tanto a bens materiais (como edificações, obras de arte, cidades históricas, entre outros) quanto imateriais. Para se referir a bens imateriais, usa-se o termo Patrimônio Cultural Imaterial. Quem cuida da definição e preservação desse tipo de patrimônio em nosso país é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (ifãn), que existe desde 1937. Segundo o ifãn, para ser considerada um patrimônio cultural imaterial, uma manifestação precisa representar o modo pelo qual um determinado povo ou comunidade vê e pensa o mundo, ser transmitida de geração em geração e ser uma prática social. No que se refere ao patrimônio da humanidade, essa definição é feita, desde 1972, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), da qual participam a maior parte dos países do mundo. Nesse caso, as manifestações de cultura imaterial recebem a denominação de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Faça no caderno.

  1. Em trios, investiguem, entre os elementos culturais imateriais que vocês compartilharam na atividade anterior, se algum é reconhecido como patrimônio cultural nacional ou da humanidade. Para isso, podem acessar os sites do ifãn e da Unesco sugeridos no final do livro.
  2. Do seu ponto de vista, o que faz com que essas manifestações culturais sejam consideradas patrimônios imateriais?
  3. Há alguma outra manifestação cultural da sua região que, na sua opinião, também deveria ser considerada patrimônio cultural imaterial?
  4. O registro de manifestações culturais imateriais como patrimônios nacionais ou da humanidade pode estar relacionado à prática do turismo em uma comunidade. O que você pensa a respeito da relação entre turismo e patrimônio cultural imaterial?

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Quais manifestações apresentadas você já conhecia?
  2. Quais delas você acredita que são mais representativas da sua região? Por quê?
  3. Quais manifestações ao seu redor você acha que, no futuro, também podem vir a ser patrimônio cultural?

SOBREVOO

Entre o visível e o invisível

Há uma série de elementos ao nosso redor que não necessariamente vemos, mas sabemos que existem: não podemos ver o tempo passar, mas percebemos suas marcas em nossa pele e na percepção que temos do mundo. Mesmo não vendo os nossos antepassados, sabemos que eles viveram e influenciaram, de alguma maneira, a nossa existência. Diversas histórias, narrativas, mitos e lendas foram transmitidos a nós pelas gerações anteriores e alguns dos fatos que vivemos no tempo presente também serão passados para as gerações futuras.

Faça no caderno.

1. Quais histórias da sua família, de seus antepassados ou de seu entorno são marcantes para você? Qual história de sua vida você deseja que seja lembrada no futuro?

Fotografia.  À esquerda, uma atriz de cabelos grisalhos e curtos, usando tiara fina e preta na cabeça, blusa e saia brancas está sentada com os cotovelos e as mãos sobre as pernas, olhando para a direita. Ao lado dela, dois atores usando camisa e calça brancas. Um deles segura um violão e o outro um cavaquinho. Ao lado deles, à direita da imagem, uma atriz de cabelos cacheados na altura do ombro usando vestido bege com detalhes em vermelho está de pé e inclinada na direção dos homens. Ao fundo, uma cortina  de retalhos coloridos.
CAFÉ com queijo. Criação, concepção e atuação: Lume Teatro. Campinas (São Paulo), 2018.

O teatro é uma das artes que realiza a ponte entre o mundo invisível e o visível por meio das palavras e do corpo: por acontecer apenas no momento presente, os espetáculos teatrais precisam, a cada vez que são apresentados, materializar uma série de elementos imateriais.

O Lume Teatro, um coletivo teatral da cidade de Campinas (São Paulo), optou por trabalhar com a proposta de tornar visíveis as coisas invisíveis.

Um de seus espetáculos mais representativos, Café com queijo, é fruto de uma exaustiva pesquisa realizada pelo grupo em diversos estados e cidades brasileiras desde 1993.

Tudo começou com um desejo do grupo: a criação de uma peça teatral composta de "causos", lendas e histórias contadas em pequenos vilarejos do país. Mais do que as histórias, interessava aos artistas o modo como elas eram contadas. Assim, empreenderam uma série de viagens em busca de encontros com as mais variadas pessoas para conhecer suas experiências, recolher suas lendas e seu jeito de falar.

Cada artista viajou por algumas cidades de uma região do país. Visitaram localidades da região Centro-Oeste e dos estados do Amazonas, de Minas Gerais e do Pará. Ao longo dessa jornada, eles recolheram histórias fantásticas, cotidianas e pessoais; e estavam tão atentos ao teor dessas narrativas quanto às expressões corporais das pessoas, já que elas também exprimem marcas de tradições culturais específicas.

A quantidade de material recolhido ao longo dessas viagens foi tão grande que gerou vários espetáculos: táucoauá panhê môndo (1993), Contadores de estórias (1995), Afastem-se vacas que a vida é curta (1997) e, por fim, Café com queijo (1999).

2. Observe a imagem do espetáculo Café com queijo mostrada anteriormente. O que chama a sua atenção nela?

Nas apresentações, o público que assistia à peça estava muito próximo dos atores, pois a proximidade contribuía para que as sutilezas dos gestos e dos "causos" contados pelos atores fossem mais visíveis. Além disso, gerava uma atmosfera de intimidade entre os artistas e os espectadores.

Observe que o cenário era composto de uma colcha de retalhos, que, além de proporcionar ao público a mesma sensação de aconchego e receptividade que os artistas haviam sentido ao longo de seus encontros nas viagens, também sugeria que a peça era formada por uma série de histórias misturadas e costuradas entre si.

Ao final de cada apresentação, o grupo servia aos espectadores uma receita tradicional do interior do Tocantins: café com queijo. Além disso, exibia fotografias das pessoas que haviam entrevistado e acompanhado ao longo da composição do espetáculo. A peça do Lume constituía, portanto, uma coletânea de elementos que formam a cultura imaterial de regiões do Brasil e que, por meio da arte teatral, tornavam-se visíveis para o público.

3. Há, na sua região, alguma receita tradicional semelhante ao café com queijo do interior do Tocantins?

A dança dos mestres e ancestrais

Os atores do Lume Teatro trazem o passado, recriando-o a partir das memórias das histórias recolhidas durante suas viagens. inaicíra Falcão dos Santos (1958-), bailarina, cantora e professora, também recria em seus trabalhos histórias passadas da própria família, transmitidas de geração em geração.

Seus temas são os mitos e as histórias dos ancestrais da cultura dos iorubá, que ela vivenciou no terreiro onde nasceu e cresceu, em Salvador (Bahia), e, mais tarde, nas comunidades onde viveu na Nigéria. inaicíra fala dos seus ancestrais e do tempo expressando-se através da linguagem da dança.

4. Observe inaicíra na página seguinte, em meio ao movimento da dança aián: símbolo do fogo (1993). Ela faz você se lembrar de algo? Comente.

Nessa dança, ela recria suas tradições com movimentos vigorosos, usando vestimentas que caracterizam os personagens, ao som do batá e do poema narrativo, escrito por ela, que se tornou o título da dança.

O poema é sobre aián, a mulher que, segundo o mito, viveu nos primórdios da civilização iorubá e criou o primeiro tambor, o batá. Ela o criou cobrindo as extremidades de um tronco oco com couro de bode, porém só conseguiu produzir um som adequado quando uma divindade deu a ela tiras de couro de veado para amarrar e fixar a pele na madeira. Assim, aián tocava seu instrumento no lugar onde vivia e, como as pessoas gostavam, davam-lhe presentes. Xangô, deus do trovão e da justiça, e rei da cidade, ao vê-la tocando o tambor, convidou-a para morar e tocar em seu palácio. aián casou-se com Xangô e teve um filho, chamado asseôrógui, para quem ensinou a arte de construir e tocar o tambor. Esse mito explica a origem da tradição das famílias de músicos e construtores de tambores iorubá.

Fotografia. Mulher de cabelo preto preso na altura da nuca, usando máscara nos olhos, regata e saia marrons, brinco redondo prateado e um manto estampado e predominantemente marrom envolvendo  o corpo. Ela está de olhos fechados com o corpo inclinado para a esquerda, rosto voltado para cima, braço esquerdo estendido com a palma da mão voltada para baixo e braço direito flexionado com a palma da mão voltada para a frente. Atrás dela, paisagem com grama alta e seca. Ao fundo, árvores verde-escuro.
aián: símbolo do fogo. Concepção e interpretação: inaicíra Falcão dos Santos. Campinas (São Paulo), 1996.

Em seu método de ensino de dança, inaicíra convida os estudantes a encontrar expressões de seus próprios ancestrais explorando o movimento dançado. E, para isso, propõe um exercício criativo que parte da leitura do livro Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado. Nessa história, a menina Isabel encontra no seu corpo o passado (na voz da sua bisavó) e o futuro (na voz da sua bisneta). Assim, inaicíra pretende despertar a curiosidade para a pesquisa da dança relacionada à ancestralidade e aos mitos de diferentes culturas.

Ilustração. Ícone do Para ler.

Conheça o livro utilizado pela artista: MACHADO, Ana Maria. Bisa Bia, Bisa Bel. São Paulo: Moderna, 2007.

Nesse livro, a menina Bel estabelece um diálogo imaginário entre três personagens e as respectivas gerações: sua bisavó Bia, ela e sua futura bisneta, Beta.

5. Escute o cântico da tradição iorubá "Odana", interpretado por inaicíra Falcão dos Santos.

Clique no play e acompanhe a reprodução do Áudio.

Transcrição do áudio

Dana, dana. 

Odana oloju ogun  

giri giri bode 

Odanurô

Dana, dana. 

Odana oloju ogun  

giri giri bode 

Odanurô

Dana, dana. 

Odana oloju ogun  

giri giri bode 

Odanurô

danurô danurô dana dana anaaaa

danurô danurô dana dana anaaaa 

danurô danurô dana dana anaaaa

danurô danurô dana dana anaaaa

Dana, dana. 

Odana oloju ogun  

giri giri bode 

Odanurô

Dana, dana. 

Odana oloju ogun  

giri giri bode 

Odanurô

Dana, dana. 

Odana oloju ogun  

giri giri bode 

Odanurô

danurô danurô dana dana anaaaa

danurô danurô dana dana anaaaa 

danurô danurô dana dana anaaaa

danurô danurô dana dana anaaaa

Axipá ê Axipá

Axipá ê Axipá

Axipá ê Axipá

Axipá ê Axipá

Axipá ê Axipá

Axipá ê Axipá

Axipá ê Axipá

 

Canção “Odana”, de Inaicyra Falcão dos Santos

Para experimentar

Memórias de ensinar e aprender

O trabalho de inaicíra Falcão dos Santos fala sobre os saberes transmitidos de pessoa para pessoa, que atravessam o tempo por gerações e que ganham fórma no movimento de dança.

Que tal compartilhar algo que você saiba e que possa ensinar para seus colegas, tornando esse conhecimento um saber do coletivo, para continuar sendo transmitido de pessoa para pessoa?

O que você sabe fazer que outras pessoas não sabem, mas possam ter interesse em aprender? Pode ser uma dobradura, uma brincadeira, uma cantiga, a regra de um jogo, ou outra coisa que não seja comum a todas as pessoas da sua turma.

  1. Reúna-se com os colegas em um grupo e, com o auxílio do professor, ensine o que você sabe. Aprenda, também, o que os colegas ensinarão.
  2. Depois, conversem a respeito das seguintes questões:

a) Como você se sentiu ao ver que os colegas aprenderam o que você ensinou?

b) Como você se sentiu aprendendo o que os colegas ensinaram?

De dentro dos sonhos

Ao conhecer o trabalho de inaicíra Falcão dos Santos, falamos sobre ancestralidade e tradição, que podem ser percebidas nas lembranças, nos aprendizados e também no corpo. Veja agora outro exemplo de trocas de conhecimentos entre pessoas de diferentes gerações e que aponta uma maneira diferente de acessar saberes (entre os quais, músicas) e de estabelecer contato com ancestrais: os sonhos.

6. Você já se perguntou de onde vêm ou o que representam os sonhos que temos quando dormimos? Se em sonhos você pode ter sensações e emoções, se pode ver, ouvir e tocar em coisas, vale então dizer que tudo nos sonhos é imaterial?

Diferentes povos e culturas oferecem diferentes respostas e explicações para essas questões. Os indígenas A'uwẽ-Xavante, por exemplo, consideram as experiências que vivemos nos sonhos como possibilidades de aprendizado. De seus sonhos, eles trazem remédios, nomes para os filhos e também músicas. E não se trata de uma crença supersticiosa, é um costume cultural que eles praticam efetivamente, portanto é, de fato, outra maneira de gerar conhecimento.

A prática de trazer músicas de dentro dos sonhos é ensinada de geração em geração pelos A'uwẽ-Xavante e se mantém forte desde muito tempo.

Fotografia. Três adolescentes indígenas  vestem short preto e têm o tronco pintado com duas faixas vermelhas e usam uma faixa com penas amarelas na cabeça. Eles carregam bastões vermelhos nos ombros. Atrás há  um indígena adulto de short vermelho e o tronco todo pintado de vermelho. Ao fundo, pessoas em meio às árvores  olham na direção dos jovens.
Indígenas da etnia Xavante da aldeia do Baixão durante cerimônia de passagem da adolescência para a vida adulta. Terra Indígena Parabubure em Campinápolis (Mato Grosso). Fotografia de 2022.

7. Você consegue prestar atenção nos sonhos que tem enquanto dorme? Já ouviu alguma música dentro de um sonho?

Alguma vez você sonhou e, de alguma maneira, sabia que estava sonhando? Talvez isso não seja comum, mas pode acontecer com qualquer pessoa. Os meninos A'uwẽ-Xavante são estimulados a exercitar essa habilidade, pois sonhar sabendo que está sonhando pode ajudar a trazer cantos dos sonhos. Nem todos aprendem, mas aqueles que conseguem cumprem um importante papel na comunidade: o de renovar o repertório de cantos que serão entoados pelas pessoas de sua geração. Alguns cantos são só para os homens, outros só para as mulheres, outros para cantar juntos.

Para experimentar

Roda de sonhos

Após conhecer o modo como os A'uwẽ-Xavante se relacionam com os sonhos, que tal compartilhar com os colegas os sonhos dos quais você se lembra?

  1. Anote em seu diário de bordo os sonhos ou detalhes desses sonhos que mais chamarem a sua atenção.
  2. Forme uma roda com os colegas para que todos contem lembranças de sonhos que já tiveram. Depois da conversa, reúnam-se em grupos menores e escolham, nas anotações, algo para transformar em uma cena, uma dança, um vídeo, uma música ou desenhos, pinturas ou esculturas.
  3. Em seguida, cada grupo pode compartilhar sua produção com a turma.
  4. Para concluir, reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

a) O que foi mais interessante para você nessa atividade? Por quê?

b) Você já tinha conversado sobre sonhos antes? Lidar com sonhos pode estimular novas maneiras de as pessoas se conhecerem e de produzirem arte? Por quê?

Para pesquisar

Sonhos e xamanismo

O fato de se relacionar com os sonhos, tentando estar consciente e buscando conhecimentos dentro deles, não é um costume exclusivo do povo A'uwẽ-Xavante. Esse hábito é muito comum em outros sistemas de práticas e conhecimentos que estabelecem modos de compreender e se relacionar com aspectos materiais e imateriais da vida e são conhecidos como xamanismo.

Pesquise a relação com os sonhos no xamanismo de outros povos indígenas, por exemplo os Yawalapiti, Araweté, Waujá, Guarani e outros. Consulte livros, sites, blogs, podcasts e artigos em revistas. Se houver alguma comunidade indígena no entorno de onde você vive, verifique a possibilidade de entrar em contato e conversar com essas pessoas para saber como elas se relacionam com os sonhos e como entendem os próprios sonhos. Procure também por xamanismos de outros locais do mundo: o siberiano, o dos índios norte-americanos, o dos Ainus (Ilha de rocáido, no Japão) e o australiano.

Com base nessa pesquisa, responda às questões.

Faça no caderno.

  1. Quais semelhanças você percebe entre os xamanismos pesquisados? E quais diferenças?
  2. Eles lidam com os sonhos de maneira parecida com a dos A'uwẽ-Xavante?
  3. Que elementos imateriais e artísticos existem nesses diversos tipos de xamanismo?

Faça no caderno.

PARA REFLETIR

Reflita sobre as seguintes questões e compartilhe suas respostas com os colegas e com o professor.

  1. Depois do que conheceu neste Sobrevoo, se alguém pedir a você que fale sobre um elemento imaterial relacionado com arte, qual escolheria?
  2. Quais interesses e curiosidades foram despertados em você ao ler este capítulo?

Organizando as ideias

Quadro. À esquerda, reprodução de detalhe da fotografia de um jovem que veste tanga vermelha, com as costas pintadas com técnica indígena e carrega um caderno debaixo do braço esquerdo. Um colar bege de corpo composto de miçangas está apoiado no ombro direito. Ao lado, reprodução de detalhe da fotografia de cena de teatro de dois homens usam camisa e calça branca, um segura um violão e o outro segura um cavaquinho. Seguido de reprodução de fotografia de uma mulher de cabelo preto preso na altura da nuca, que usa máscara nos olhos, regata e saia marrons e brinco redondo prateado. Um manto listrado e estampado com cor predominantemente marrom envolve o corpo. Ela está de olhos fechados com o corpo inclinado para a direita, rosto voltado para cima, braço esquerdo estendido e braço direito flexionado. À direita, reprodução de fotografia de indígenas que vestem bermudas e tops. Eles estão de costas de mãos dadas. Atrás, há uma oca.

Chegamos ao final do primeiro Sobrevoo sobre os temas que o acompanharão neste livro. Ao longo deste capítulo, você viu e pesquisou como elementos da cultura imaterial estão presentes em nosso cotidiano, além de ter entrado em contato com alguns exemplos de linguagens artísticas que se articulam com o mundo imaterial.

Para concluir, converse com os colegas e com o professor a respeito das seguintes questões:

Faça no caderno.

  1. Como a proposta da feira de trocas, as experimentações de ensinar e aprender algo e de compartilhar sonhos colaboraram para o entendimento sobre o imaterial, discutido neste capítulo?
  2. Depois desse estudo, quais outros elementos artísticos imateriais você identifica em sua própria experiência de vida?
  3. Quais descobertas você fez ao longo deste capítulo? O que você gostaria de continuar aprofundando?