CAPÍTULO 8  Sociedade escravista e cultura afro-brasileira

Fotografia. Mulheres, na maioria negras, agrupadas no topo de uma escadaria em frente a uma igreja. Elas usam longos e largos vestidos brancos. Na cabeça usam lenços brancos. Algumas carregam vassouras nas mãos. Ao redor delas, jornalistas. À esquerda pessoas assistem. Atrás delas uma grande pintura do rosto de Jesus Cristo. Pendurada na janela da igreja a foto em tamanho grande de Santa Dulce dos Pobres.
Baianas no ritual da Lavagem do Bonfim, em Salvador, Bahia. Foto de 2020.

Durante mais de trezentos anos de regime escravocrata, milhares de pessoas foram trazidas de diversas regiões da África para o Brasil. Elas faziam parte de vários povos africanos e trouxeram consigo uma diversidade de elementos culturais que hoje fazem parte da cultura brasileira. A religião é um desses elementos. Várias religiões de matriz africana, como o candomblé, se caracterizavam pelo culto a divindades, chamadas orixás.

Com o passar do tempo, ocorreu o sincretismo religioso, que é a mistura de elementos de várias religiões. Com isso, diversos orixás foram associados a divindades e a santos católicos. Por exemplo, Jesus Cristo, que para os cristãos é o filho de Deus, o criador, foi associado a Oxalá, que nas religiões africanas é considerado o filho do criador, Olodumarê.

O ritual da Lavagem do Bonfim mostrado na fotografia é realizado anualmente após uma procissão que termina na Igreja Nosso Senhor do Bonfim, onde as baianas despejam água de cheiro no adro (terreno murado em frente à igreja) e nas escadarias.

O despejar das águas remete ao mito africano segundo o qual ao visitar o rei Xangô, em Oyó, antigo império africano localizado na região dos atuais Nigéria e Benin, Oxalá foi preso injustamente. Isso acarretou uma série de catástrofes em Oyó. Ao descobrir o engano, Xangô desculpa-se ordenando a todos que vistam roupas brancas (a cor de Oxalá) e oferecendo um banho a Oxalá.

  • Você reconhece algum elemento do mito africano de Oxalá na imagem?
  • Em sua opinião, há preconceito contra as religiões afro-brasileiras no Brasil?
  • Qual é a importância da tolerância religiosa? Justifique.

Respostas e comentários

Bê êne cê cê

Este capítulo contempla parcialmente as habilidades ê éfe zero sete agá ih zero dois e ê éfe zero sete agá ih um seis (ao identificar conexões entre o Novo Mundo e a África no contexto das navegações, indicando a complexidade e as interações que ocorreram no Oceano Atlântico, e ao analisar os mecanismos e as dinâmicas de comércio de escravizados no período da produção açucareira, destacando os responsáveis pelo tráfico e as regiões e zonas africanas de procedência dos escravizados). O trabalho para o desenvolvimento dessas habilidades se completa ao longo de outros capítulos, conforme indicações no quadro de habilidades do ano.

Ao abordar o contexto no qual os africanos foram trazidos para o Brasil, discutindo as condições dos afro-brasileiros escravizados e o processo de formação da cultura afro-brasileira, o capítulo se relaciona aos temas contemporâneos transversais Diversidade cultural e Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras.

Objetivos do capítulo

  • Compreender a dinâmica do comércio de escravizados na América portuguesa.
  • Identificar os mecanismos do tráfico negreiro e os motivos que levaram o Brasil a tornar-se o principal destino de africanos escravizados no mundo.
  • Entender as características da sociedade escravista brasileira e suas heranças culturais e sociais.
  • Conhecer o cotidiano dos negros escravizados e suas estratégias de resistência contra a escravidão no Brasil.
  • Compreender a importância da influência cultural africana na formação cultural brasileira.
  • Destacar a importância das religiões como um modo de manutenção da identidade cultural dos africanos escravizados.

Abertura do capítulo

Nessa abertura, as religiões afro-brasileiras são apresentadas como parte do legado cultural construído pelos negros durante o período da escravidão. A prática religiosa foi uma das fórmas de reconstruir a identidade cultural e os laços afetivos desfeitos pela escravização. Espera-se que os alunos percebam que as roupas das baianas são brancas, conforme o mito do banho de Oxalá, mencionado no texto. Espera-se, também, que reconheçam que ainda existe preconceito sobre as religiões de matriz africana no Brasil, fenômeno que acompanha o racismo fortemente presente na sociedade, e que discutam a importância da tolerância religiosa e da liberdade de culto, que é garantida pela Constituição Federal de 1988, como aparece no inciso sexto do artigo 5º: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na fórma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

A dinâmica do comércio de escravizados

Como você estudou no capítulo 4, os africanos escravizados eram obtidos pelos portugueses por meio do escambo – em troca de fumo, pólvora e outros produtos. Os primeiros cativos começaram a ser trazidos para o Brasil em meados do século dezesseis. Essas pessoas pertenciam a dois grandes grupos étnico-linguísticos: o dos sudaneses (povos provenientes da região ao sul do Saara e da área das florestas) e o dos bantos (provenientes do território dos atuais Angola, Moçambique, Congo e sul do Golfo da Guiné).

Ao longo dos séculos, as principais regiões africanas de onde os portugueses importavam mão de obra escravizada variaram. No século dezesseis, a maioria dos africanos foi trazida das regiões da Senegâmbia (atuais Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau e Guiné) e da Costa da Mina (atuais Gana, Togo, Benin e Nigéria). No século dezessete, embora os demais entrepostos tenham mantido suas atividades, Angola e Congo se destacaram.

A viagem demorava de trinta e cinco a quarenta dias nos navios vindos dos portos de Angola (Luanda e Benguela no mapa) e de cinquenta a setenta dias nos que partiam de Moçambique.

Chegando aos portos brasileiros, os africanos escravizados eram vendidos em leilões públicos ou em negociações privadas. Os preços dependiam do sexo, da idade e das condições de saúde dos cativos. Havia uma procura maior pelos adultos do sexo masculino com idade entre 19 e 35 anos.

O comércio de escravizados da África para o Brasil (séculos dezesseis a dezenove)

Mapa. O Comércio de escravizados da África para o Brasil, séculos dezesseis a dezenove. Destaque para a África e a América do Sul.
Legenda: 
Seta roxa: rotas do tráfico de escravizados para o Brasil.
Rosa: Sudaneses.
Verde: Bantos.
A área relativa aos sudaneses corresponde a uma parte da porção centro-oeste do norte do continente africano, incluindo as cidades de Cabo Verde e São Jorge da Mina, na Costa dos Escravos.
A área relativa ao bantos corresponde à maior parte do centro-sul da África, incluindo as cidades de Luanda, Benguela, Moçambique e Mombaça.

Rotas do tráfico de escravizados para o Brasil: de Cabo Verde para São Luís e Olinda; de São Jorge da Mina, na Costa dos Escravos, para Olinda e Salvador; de Benguela para Salvador e Rio de Janeiro. De Mombaça e Moçambique para o Rio de Janeiro.
No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de zero a 1300 quilômetros.

Fonte: CAMPOS, Flavio de; dounicóf, Miriam. Atlas: história do Brasil. São Paulo: Scipione, 1993. página 9.

Saiba mais

Os tumbeiros

Nos navios negreiros, homens, mulheres e crianças eram transportados para a América em péssimas condições de higiene e segurança. Viajavam amontoados, passando fome, calor e frio. Em razão disso, muitos morriam durante a travessia do Atlântico. Por esse motivo, essas embarcações eram chamadas tumbeiros (palavra derivada de tumba).


Respostas e comentários

Bê êne cê cê

Ao identificar conexões entre o Novo Mundo e a África no contexto das navegações e ao indicar a complexidade e as interações que ocorreram no mundo atlântico, considerando as rótas do comércio de escravizados que incluíam também a parte da costa africana banhada pelo Oceano Índico, o conteúdo contempla parcialmente a habilidade ê éfe zero sete agá ih zero dois. Ao analisar os mecanismos e as dinâmicas de comércio de escravizados no período da produção açucareira, identificando os responsáveis pelo tráfico e as regiões e zonas africanas de procedência dos escravizados, contempla-se parcialmente a habilidade ê éfe zero sete agá ih um seis.

A procedência dos africanos escravizados

O capítulo aborda, principalmente, a procedência dos cativos durante os séculos dezesseis e dezessete – períodos já estudados pelo aluno. Vale informar que, no século dezoito, os escravizados passaram a ser traficados com regularidade também de Moçambique. Já no século dezenove, ganharam destaque novamente a Costa da Mina e o Benin.

Os responsáveis pelo tráfico

Entre 1641 e 1648, durante a invasão holandesa no Nordeste açucareiro, os holandeses tomaram entrepostos escravistas portugueses em Angola. Não foi coincidência. O domínio sobre a região de Pernambuco e a lucratividade da produção do açúcar dependiam do tráfico de escravizados.

Ampliando: a transformação dos africanos capturados em escravizados

reticências a transformação do africano cativo em escravo poderia demorar vários anos. Calcula-se em oito meses o período entre a captura do africano e seu embarque para a América. Até se amoldarem ao novo papel de escravos, decorriam mais alguns meses, de sorte que quatro anos era o tempo para a ‘aclimatação’ do africano no papel de escravo.”

FARIA, Sheila Siqueira de Castro. Tráfico negreiro. In: VAINFAS, Ronaldo direção Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. página 555-556.

História em construção

Escravizados como mercadorias

Enquanto durou o tráfico negreiro, os cativos foram tratados como mercadorias. Leia um documento do século dezesseis escrito por jesuítas de Angola sobre o assunto.

reticências Porque, assim como na Europa o dinheiro corrente é o ouro e prata amoedada, e no Brasil o açúcar, assim o são em Angola e reinos vizinhos os escravos. Pelo que, quando os padres do Brasil nos mandam o que lhe de cá pedimos, reticências e quando os donos das fazendas que vêm a esta parte nos vendem biscoitos, vinho e outras coisas, não querem receber de nós a paga em outra moeda, senão na que corre pela terra, que são escravos.

MEMORIAL de 15 de junho de 1593. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. página 175.


Responda em seu caderno.

Questões

  1. Como os escravizados estavam inseridos na prática do escambo?
  2. Identifique o argumento central que é usado pelos jesuítas para justificar a participação deles no tráfico negreiro.

O tráfico negreiro e seus números

O tráfico de escravizados tornou-se uma das principais atividades comerciais da América portuguesa em razão da sua alta lucratividade. O tempo de viagem entre o Brasil e a África era cêrca de 40% mais curto que o de uma viagem da África ao Caribe ou à América do Norte, em razão de correntes marítimas e ventos favoráveis. Por causa da duração mais curta das viagens, morriam menos pessoas durante o trajeto e, consequentemente, os traficantes tinham mais lucro. Além disso, a navegação das rótas entre Brasil e África era segura a ponto de ser possível fazer a travessia em embarcações pequenas de dois mastros.

Ao final do século dezessete, o Brasil havia importado cêrca de um milhão de cativos e se tornado o principal destino de escravizados do mundo. Esse número, no entanto, engloba apenas os que sobreviveram à captura e à travessia.

Grande parte dos cativos era capturada no interior da África Subsaariana e levada por embarcações fluviais aos entrepostos comerciais da costa – não por acaso localizados próximo a grandes rios. cêrca de 40% dos cativos morriam nessas viagens até o litoral e de 10% a 12%, nos barracões insalubres das feitorias. Durante a travessia, no século dezesseis, a mortalidade variava entre 15% e 25% dos que embarcavam, apresentando queda nos séculos seguintes.

Litografia em preto e branco. Corte esquemático de um navio negreiro com o interior à mostra. Na parte superior, destaque para várias pessoas escravizadas aglomeradas.
Esquema de um navio negreiro, litografia de Róbert Uálxi, 1830. Biblioteca da Universidade bróun, próvidens, Estados Unidos.

Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. Qual era a origem dos africanos escravizados trazidos para a América portuguesa nos séculos dezesseis e dezessete?
  2. Que fatores naturais favoreceram o tráfico de africanos escravizados para a América portuguesa?

Respostas e comentários

Bê êne cê cê

O conteúdo desta página contribui para o desenvolvimento da Competência específica de História nº 5, ao abordar o deslocamento das populações africanas para a América portuguesa. Além disso, trabalha o tema contemporâneo transversal Diversidade cultural, ao tratar da história dos africanos trazidos para o Brasil, dos afro-brasileiros escravizados e da cultura afro-brasileira.

História em construção

  1. Os escravizados eram usados como moeda de troca em Angola, de modo que diversas mercadorias eram trocadas por africanos escravizados.
  2. O argumento central dos jesuítas era o de que em Angola o africano escravizado era usado como moeda de troca, assim não havia meio de adquirir qualquer produto senão pela troca por cativos.

Bê êne cê cê

Ao propor a análise de um documento histórico, uma fonte primária, a seção promove o contato com o método da ciência histórica e o desenvolvimento da Competência específica de História nº 3.

Recapitulando

  1. No século dezesseis, os africanos escravizados eram trazidos das regiões da Senegâmbia e da Costa da Mina; já no século dezessete, passaram a ser trazidos em grande número de Angola e Congo – ainda que os demais entrepostos tenham mantido suas atividades.
  2. Em razão de correntes marítimas e ventos favoráveis, o tempo de viagem entre o Brasil e a África era mais curto que o de uma viagem da África ao Caribe ou à América do Norte. Com isso, era possível fazer a travessia em embarcações pequenas de dois mastros e o número de escravizados mortos durante o trajeto era menor, o que aumentava o lucro dos traficantes.

Os números do tráfico negreiro

Os dados numéricos relacionados ao tráfico negreiro foram consultados nas obras: FARIA, Sheila Siqueira de Castro. Tráfico negreiro. In: VAINFAS, Ronaldo direção Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. África, números do tráfico atlântico. In: Chuárquis, Lilia M.; GOMES, Flávio dos Santos (organizador). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. E também no site Slave Voyages. Disponível em: https://oeds.link/WfchnH. Acesso em: 25 abril 2022.

Sociedade escravista

Como você já estudou, a escravização de pessoas ao longo da história aconteceu em diferentes culturas e períodos, mas não da mesma fórma. Para facilitar o estudo do assunto, podem-se classificar as sociedades nas quais se utilizava o trabalho de pessoas escravizadas em: sociedades com escravizados, nas quais a mão de obra escrava compunha as fôrças produtivas, mas não era predominante, e sociedades escravistas, em que a escravidão funcionava como elemento organizador do trabalho.

No Brasil, por mais de três séculos, a fôrça de trabalho de escravizados foi o motor da economia, motivo pelo qual a sociedade formada no país foi classificada como escravista. Nesse período, além de realizar as principais atividades econômicas, os africanos escravizados exerciam trabalhos domésticos nas casas de grandes proprietários de terras, eram empregados nas lavouras, pastoreavam o gado, trabalhavam como carregadores nos portos e prestavam serviços de carpintaria e sapataria, entre outros.

Dessa fórma, com a enorme quantidade de escravizados traficada regularmente, os colonos da América portuguesa viam com naturalidade a redução de seres humanos a bens privados. Essa situação tornou-se tão comum que a maioria dos colonos não conseguia imaginar uma realidade sem escravidão. Grandes proprietários de terras, religiosos, pequenos produtores, pessoas livres pobres e até alforriadosglossário utilizavam trabalho escravo. Mesmo as pessoas que não tinham condições de comprar escravizados alugavam cativos para trabalhos temporários.

Assim, a sociedade escravista gerou uma cultura na qual ser servido era algo desejado, pois significava status, ao passo que o trabalho braçal era visto com desprezo, como mostra este texto.

reticências esta mancha da escravidão atingiu todo o trabalho físico. reticências Aliás, todos os viajantes estrangeiros do Brasil Colônia reticências são unânimes em apontar esse ‘nojo’ que o brasileiro reticências [sentia] pelo trabalho braçal, pelo trabalho mecânico.

COMPARATO, Fábio Konder. O princípio da igualdade e a escola. Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, número 104, julho 1998. página 55.

Pintura. Homens brancos de chapéu ao redor de pessoas negras escravizadas. A maioria são crianças, que cobrem o corpo com pedaços de tecido. Um dos homens de chapéu está com as mãos no braço e no rosto de uma criança. À esquerda, pessoa negra sentada, com o queixo apoiado na mão. Ao fundo, mulheres brancas no alto de um prédio, observam da sacada.
Mercado de escravos no Rio de Janeiro, pintura de augústus êrl, cêrca de 1830. Museu Britânico, Londres, Reino Unido.

Refletindo sobre

A escravidão no Brasil, que durou mais de trezentos anos, teve muitas consequências negativas. Uma delas foi a desvalorização das pessoas que executam trabalhos braçais. Você acha que ainda existem resquícios dessa cultura no Brasil? Selecione argumentos para defender sua posição e discuta o assunto com os colegas.


Respostas e comentários

Refletindo sobre

Incentive os alunos a identificar situações que possam exemplificar e/ou justificar seus argumentos. Pergunte a eles se percebem alguma distinção no tratamento social entre os indivíduos que exercem trabalhos intelectuais e as pessoas que exercem trabalhos braçais. Caso a resposta seja positiva, pergunte-lhes de que fórma isso afeta as relações sociais e as decisões em relação ao projeto de vida das pessoas; por exemplo, a decisão de realizar um curso superior. A atividade promove a reflexão dos alunos sobre a herança cultural da sociedade escravista em relação ao imaginário acerca do trabalho braçal e a determinadas profissões.

Bê êne cê cê

Ao promover a reflexão crítica e a argumentação acerca de preconceitos sociais em relação ao trabalho, a atividade se relaciona com o tema contemporâneo transversal Trabalho e contribui para o desenvolvimento das Competências gerais da Educação Básica nº 9 e nº 10 e da Competência específica de Ciências Humanas nº 2. Ao proporcionar a compreensão da escravidão como acontecimento histórico e a reflexão sobre a permanência de algumas características sociais relacionadas a ela, favorece o desenvolvimento da Competência específica de História nº 1.

O cotidiano dos negros escravizados

Na América portuguesa, os cativos estavam divididos em três grupos: o dos recém-chegados da África (“boçais”), o dos que já habitavam a colônia e sabiam falar português (“ladinos”) e o dos nascidos no Brasil (“crioulos”). Entre esses últimos, muitos eram mestiços, filhos de homens brancos com mulheres negras escravizadas. Geralmente, considerava-se essa divisão como critério para as atribuições de trabalho, além da claridade do tom da pele. Assim, os trabalhos domésticos e de supervisão eram confiados aos mestiços de pele mais clara e aos “crioulos”, e os trabalhos mais pesados, aos “boçais” e “ladinos”.

Nos latifúndiosglossário , os escravizados trabalhavam exaustivamente sob a supervisão do feitor e com frequência eram castigados fisicamente. Os senhores, no entanto, geralmente não permitiam o uso indiscriminado da violência excessiva em razão do alto custo de um cativo. Ainda assim, a expectativa média de vida de um escravizado era de 30 anos.

Cabia aos senhores o fornecimento das roupas e da alimentação dos escravizados. Como na maioria das vezes as peças eram poucas e de má qualidade, os escravizados andavam com o corpo pouco coberto.

A alimentação dos cativos era composta de hortaliças, como couve, repolho, alface, nabo e inhame, além de batata, feijão e farinha de mandioca, entre outros alimentos, mas em porções diárias bastante reduzidas. O consumo de carne era raro e reservado aos que adoeciam. Como as vestimentas e a alimentação eram consideradas custos, os senhores forneciam o mínimo necessário para a sobrevivência dos escravizados.

Gravura. Grupo de mulheres negras separados em duas linhas e numeradas de 1 a 16. A maioria delas apresenta diferentes marcas na pele, produzidas por pequenas incisões, chamadas escarificações. Na primeira linha, sete mulheres, da esquerda para a direita: 1. Mulher com o cabelo preso para trás, com um adorno na testa, brinco longo, roupa clara de gola redonda e chale rosa; 2. Mulher com um lenço estampado na cabeça, brincos, roupa clara com um lenço verde estampado sobre os ombros; 3. Mulher com o cabelo na altura dos ombros, colar azul com pingente dourado, roupa com mangas volumosas branca e azul; 4. Mulher com um adorno de flores na cabeça, grandes brincos e colares dourados, roupas coloridas com babados. 5. Mulher com arco na cabeça com detalhe de uma flor e um lenço lilás. 6. Mulher com adorno de flores na parte de trás da cabeça, brincos brancos, colares dourados e roupas rosa e verde. 7. Mulher com arco largo dourado no topo da cabeça, brincos pequenos, colar branco e um lenço branco, azul e rosa descendo dos ombros. Na segunda linha, nove mulheres, da esquerda para a direita: 8. Mulher de cabelo curto, usando adorno com detalhes dourados que descem da cabeça para a testa e as bochechas e colar azul. 9. Mulher com espécie de chapéu dourado aberto no topo da cabeça, com detalhe de flores, brincos brancos e colar azul claro. 10. Mulher com o cabelo preso por um laço de fita azul, com brincos pequenos, colar rosa, roupa de mangas bufantes branca e rosa, gola rendada branca e uma fita azul. 11. Mulher com os cabelos presos para cima, por uma espécie de coroa dourada, grandes brincos brancos, colares dourados e roupa azul. 12. Mulher de costas com o cabelo preso e adorno dourado, grandes brincos e colares brancos, vestido branco rendado com uma fita rosa. 13. Mulher com um turbante branco na cabeça, brincos e roupas brancas. 14. Mulher com os cabelos curtos e um adorno comprido colorido, vestindo roupa branca com os seios a mostra e cinto laranja. 15. Mulher com o cabelo preso em um coque coberto por um adorno branco e laranja, presilhas brancas na cabeça, grande brinco de argola, gargantilhas douradas e vestido branco. 16. Mulher com um lenço azul sobre a cabeça e roupa azul-
Escravas negras de diferentes nações, gravura de Jãn Batiste Dêbret, cêrca de 1835. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

Responda em seu caderno.

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Que elementos da pintura evidenciam as diferentes etnias africanas representadas?


Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. Por que a sociedade formada no Brasil foi classificada como escravista?
  2. De que fórma os cativos da América portuguesa eram classificados e como essa divisão influenciava na distribuição das tarefas que executavam?

Respostas e comentários

Pretos, pardos e negros no Brasil contemporâneo

Atualmente, os Censos Demográficos brasileiros conduzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (í bê gê É) adotam a autodeclaração de cor ou raça como critério para classificar a população brasileira e identificar suas características demográficas. Nessa metodologia, o sujeito entrevistado pelo Censo opta por uma categoria de cor entre aquelas que lhe são apresentadas: branca, preta, parda, indígena ou amarela. O í bê gê É considera que o termo negro não se enquadra em uma categoria de cor, como preto, mas corresponde a uma identificação étnico-racial, que envolve componentes políticos, sociais e culturais. Nesse sentido, para o í bê gê É, os negros do Brasil correspondem ao somatório das populações autodeclaradas pretas e pardas.

Explore

Os elementos que evidenciam as diferentes etnias africanas são os formatos dos rostos, o biótipo das mulheres e as escarificações (marcas de pequenas incisões) em seus rostos, além dos trajes, penteados e adornos, como laços, colares, brincos e flores. Explique que o artista tentou representar as vestimentas usadas pelas mulheres de diferentes etnias africanas, porém essas vestimentas não eram comumente usadas pelas escravizadas. Complemente que, apesar disso, nos centros urbanos, os escravizados andavam mais bem vestidos ao acompanharem seus senhores, pois essa era uma fórma de os senhores demonstrarem riqueza e prestígio social, aspecto notado por debrê e outros viajantes.

Recapitulando

  1. A sociedade formada no Brasil foi classificada como escravista porque estava organizada em tôrno do uso da mão de obra escravizada nas principais atividades econômicas.
  2. Os cativos da América portuguesa eram classificados em três grupos: o dos “boçais” (africanos recém-chegados), o dos “ladinos” (africanos que falavam português) e o dos “crioulos” (escravizados nascidos no Brasil, entre os quais muitos mestiços). As tarefas eram distribuídas de acôrdo com essa divisão e também pelo tom da pele. Aos mestiços e “crioulos” eram reservados os trabalhos domésticos e de supervisão, e aos “boçais” e “ladinos”, os trabalhos mais penosos.
As famílias de escravizados

A constituição de famílias entre os africanos escravizados, embora desagradasse a muitos proprietários, não pôde ser contida pela sociedade escravista. Apesar de as mulheres africanas serem traficadas em menor número que os homens, ao longo dos anos, a reprodução natural tendeu a equilibrar a presença de pessoas de ambos os sexos na colônia.

Por muito tempo se acreditou que, em razão dos mecanismos da escravidão, a união entre cativos havia ocorrido de modo instável. Contudo, estudos recentes mostraram que a formação de famílias entre os escravizados ocorria de maneira relativamente estável e se caracterizava pela monogamia e pela organização nuclear (mãe, pai e filhos).

Geralmente os cativos podiam escolher com quem se casar. Era comum se unirem com pessoas que provinham da mesma região da África que eles, mesmo que pertencessem a senhores distintos e tivessem de morar em locais separados. Casavam-se com o apôio da Igreja, embora não realizassem ritual religioso, já que o casamento era uma cerimônia cara.

Contudo, a família dos escravizados estava sob ameaça constante de separação forçada: os senhores podiam vender algum membro da família pelo dinheiro ou, algumas vezes, como punição por suposto “mau comportamento”.

Apesar de todas as dificuldades, muitas famílias se formaram, promovendo a reconstrução de laços afetivos entre os africanos e constituindo uma fórma de criarem uma cultura própria, com base nos costumes que traziam de seus lugares de origem.

Pintura. Dentro de um salão com o teto ornamentado, um padre de pele branca celebra o casamento de um casal negro. Os noivos estão um de frente para outro, de mãos dadas. Ele veste camisa rosa e calça branca. Ela usa vestido branco e longo com detalhes no busto em azul e amarelo. Ao lado dela, duas moças negras bem arrumadas. Ao lado do noivo dois rapazes negros arrumados, com a cartola na mão. Atrás das moças, um homem negro com vestes sociais azuis. Está com o chapéu nas mãos. Todos estão calçados.
Casamento de negros pertencentes a uma família rica, pintura de Jãn Batiste Dêbret, 1826. Biblioteca Pública de Nova iórque, Estados Unidos.

Saiba mais

A rede de parentesco dos escravizados

Os africanos escravizados, remontando às extensas famílias existentes em diversas partes da África, desenvolveram no Brasil uma ampla rede de parentesco. As redes formavam-se de modo simbólico ou ritual. Havia o apadrinhamento (a escolha de amigos que se responsabilizavam pelos filhos de um casal, caso este morresse), as famílias de santo (a associação por via religiosa) e os malungos (denominação dada aos africanos que vieram para a América no mesmo navio).

Por meio dessas relações de solidariedade, os africanos escravizados se amparavam uns aos outros, visto que a família sanguínea estava sujeita à separação.


Respostas e comentários

O estatuto jurídico dos filhos de escravizados

O estatuto jurídico dos filhos de casais escravizados estava vinculado ao da mãe; logo, se ela fosse escravizada, pertenciam ao senhor; se fosse alforriada, nasciam livres.

As famílias de escravizados

Até a década de 1970, a historiografia sobre a escravidão no Brasil priorizou o estudo das características e consequências do trabalho escravista. Alguns estudiosos (como Florestan Fernandes e Roger Bastide) chegaram a afirmar que a escravidão tolhia as possibilidades de socialização e de vida familiar para o cativo.

Na década seguinte, a mudança de paradigma na história social já era visível, como na obra de Kátia Mattoso, Ser escravo no Brasil (1982).

Nos últimos anos, os historiadores continuaram a analisar a escravidão, abordando temas como a família e outros laços de afeto e solidariedade entre escravizados. Sobre o casamento e a maternidade de mulheres escravizadas, ver: MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. Mulher, corpo e maternidade. In: Chuárquis, Lilia M.; GOMES, Flávio dos Santos (organizador). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. página 335.

A respeito da legitimidade do casamento entre os escravizados perante a Igreja Católica e da estrutura estável e nuclear dessas famílias, ver: REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. Família escrava. In: Chuárquis, Lilia M.; GOMES, Flávio dos Santos (organizador). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. página 227.

A resistência dos escravizados

Os africanos escravizados sempre resistiram ao cativeiro. Mesmo durante a viagem à América, eram comuns as tentativas de revolta. Embora tenham quase sempre fracassado, alguns amotinados chegaram a destruir navios e a causar a morte de tripulantes. Como precaução, geralmente os traficantes mantinham os cativos acorrentados durante a viagem.

Em terra firme, os cativos eram submetidos à dura rotina de trabalho, maus-tratos e castigos físicos aplicados por motivos diversos com diferentes instrumentos, como chicotes, gargalheirasglossário , correntes e palmatórias, além de ferro em brasa. Com frequência, eles reagiam a essas situações de diferentes maneiras: por ações individuais espontâneas, como fugas solitárias, greves de fome e sabotagem do trabalho, e por ações coletivas planejadas, como fugas em grupo e revoltas.

Pintura. Pessoas negras caminhando em uma estrada. Na frente, um rapaz puxando duas crianças menores. Atrás, mulheres carregando crianças nas costas e pelas mãos. Algumas das mulheres carregam trouxas de tecido no topo da cabeça.
Detalhe de Fuga de escravos, pintura de frãnçuá ogúste biár, 1859. A fuga era uma das fórmas mais comuns de resistência à escravidão.

Muitas vezes, a resistência era disfarçada em aparente acomodação ao cativeiro. Isso ocorria, por exemplo, quando os escravizados realizavam rituais associando os orixás aos santos católicos. Com essa mistura de culturas, eles evitavam a perseguição da Igreja e preservavam o que era possível de suas tradições.

Nesse contexto complexo, muitos cativos entravam em um estado de profunda depressão, conhecido como banzo, e deixavam de se alimentar, o que, às vezes, os levava à morte. Em estado de desespero, muitos também se suicidavam.

Fotografia. Pessoas, na maioria negras, em uma roda de capoeira. À frente, mulher com as pernas para cima, apoiando o corpo com as mãos no chão. À frente dela, uma moça com o tronco inclinado para frente e uma das pernas esticadas para trás. Seus braços estão na frente do rosto. Ao fundo pessoas em pé. Algumas batem palmas. Um homem alto toca berimbau. Todos usam roupas brancas.
Roda de capoeira em Salvador, Bahia. Foto de 2019. A prática da capoeira foi uma das fórmas de resistência desenvolvidas pelos escravizados. Desde 2014, a roda de capoeira é reconhecida pela Unesco como um patrimônio cultural imaterial da humanidade.

Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. O que a formação de famílias significou para os africanos escravizados?
  2. Como os cativos resistiam à escravidão?

Respostas e comentários

Recapitulando

  1. A formação de famílias significou uma fórma de os africanos escravizados estabelecerem laços afetivos, construindo, assim, uma cultura própria, incluindo elementos de seus locais de origem na África.
  2. Os cativos resistiam à escravidão por meio de fugas, sabotagens, agressões, revoltas e até greves de fome, além de manter muitos de seus cultos religiosos de fórma disfarçada aos olhos dos senhores, associando seus orixás aos santos católicos, por exemplo.

Ampliando: a saudade que mata

“No decorrer dos séculos dezoito e dezenove, a nostalgia tornou-se objeto de muitos trabalhos médicos reticências. reticências o primeiro ilustrado a analisar a questão sob o ponto de vista dos escravos e descrever o banzo foi o advogado português, nascido na Bahia, Luis Antonio de Oliveira Mendes, reticências. ‘Seu trabalho foi a primeira publicação em língua portuguesa a se ocupar da saúde dos escravos e é a principal fonte para as descrições do banzo no século dezenove’, diz Ana Maria. Destacando as ligações entre as enfermidades mortais e o péssimo tratamento dado aos cativos, Oliveira Mendes assinala que, mesmo bárbaros, os africanos eram sinceros e constantes nos afetos. O banzo é apresentado como uma ‘gravíssima doença, causada pela exacerbação do sentimento de saudades’.”

ág, Carlos. A saudade que mata. Pesquisa fapésp, norte. 172, junho 2010. Disponível em: https://oeds.link/ogrb5b. Acesso em: 25 abril 2021.

Mocambos e quilombos

A fuga foi uma das fórmas de resistência dos cativos mais frequentes e significativas. Muitos fugitivos formavam aldeias fortificadas, com habitações, hortas, fundições e oficinas para fabricar cerâmicas e redes. Os moradores dessas aldeias procuravam reproduzir o modo de vida que levavam na África. Conhecidas como mocambos ou quilombos, essas comunidades reuniam, além de escravizados fugitivos, brancos pobres ou perseguidos pela lei, indígenas e mestiços. Havia casos de quilombolas que organizavam grupos para assaltar fazendas e auxiliar a fuga de cativos.

O Quilombo dos Palmares, na capitania de Pernambuco, atual estado de Alagoas, foi a mais conhecida dessas comunidades. Formado no final do século dezesseis, ele cresceu rapidamente durante as guerras entre portugueses e holandeses no nordeste.

Aproveitando a desorganização militar e a diminuição da vigilância, muitos escravizados fugiram para lá. Estima-se que a população do quilombo tenha atingido cêrca de 30 mil pessoas, organizadas em aldeias independentes, com chefes próprios, como Zumbi, o último e mais famoso líder de Palmares.

Nas décadas de 1670 e 1680, as autoridades chamavam os habitantes de Palmares de “holandeses de outra cor”, tamanha era a ameaça que representavam à ordem colonial portuguesa na América. Depois de resistir por décadas a várias expedições, o quilombo foi destruído em 1694, e Zumbi, morto no ano seguinte. Ele teve a cabeça cortada e exibida em praça pública no Recife para servir como exemplo ameaçador aos cativos da região.

Fotografia. Grupo de mulheres em apresentação a céu aberto. Elas usam saia rodada em tons de rosa, branco e floral. Estão de lado, tocando instrumentos e usando máscara de proteção facial. Ao fundo, a estátua da cabeça de Zumbi. Homem de lábios grossos e cabeça oval.
Apresentação de grupo cultural em frente à estátua de Zumbi, no Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), no município do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Foto de 2020. A data foi estabelecida em homenagem ao dia da morte de Zumbi.

Saiba mais

As comunidades remanescentes de quilombos

São denominadas comunidades remanescentes de quilombos aquelas formadas por descendentes de escravizados que permaneceram nas terras de seus ancestrais, mantendo suas tradições. O artigo 68 da Constituição Federal de 1988 garante o direito à propriedade definitiva das terras que essas comunidades ocupam. Atualmente, parte do movimento negro e das lideranças comunitárias prefere o uso do termo quilombo para fazer referência às comunidades tradicionais remanescentes quilombolas. Para eles, o termo identifica cultural e historicamente as comunidades formadas pela resistência à opressão.


Respostas e comentários

Ampliando: a luta quilombola

“No período de redemocratização do Brasil, o Movimento Negro e lideranças das comunidades remanescentes de quilombos intensificaram a busca por direitos de cidadania. Envolvidos no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, asseguraram o direito à preservação de sua cultura e identidade, bem como o direito à titulação das terras ocupadas por gerações e gerações de homens e mulheres, que se contrapuseram ao regime escravocrata e constituíram um novo modêlo de sociedade e de relação social. reticências

Ao longo dessas duas últimas décadas, as conquistas das comunidades remanescentes de quilombos expandiram-se também para o cenário internacional. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, assegura aos grupos e comunidades tradicionais o direito de se autodefinirem. Em 20 de novembro 2003, o decreto .4887 regulamentou o procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos quilombolas.

Em março de 2004 o govêrno Federal criou o programa Brasil Quilombola, como uma política de Estado para essas comunidades, abrangendo um conjunto de ações integradas entre diversos órgãos governamentais. reticências

FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Quilombos ainda existem no Brasil. Disponível em: https://oeds.link/WetvjS. Acesso em: 3 agosto 2022.

O Brasil africano e a cultura afro-brasileira

Muitos costumes, tradições e conhecimentos das sociedades africanas foram incorporados à cultura brasileira. A língua que falamos, por exemplo, recebeu muita influência das culturas africanas. Se compararmos o português falado no Brasil com o de Portugal, encontraremos várias palavras que usamos que os portugueses não conhecem. Boa parte delas tem origem africana, tais como: quindim, quitanda, senzala, mocotó, cochilar, entre outras. Por isso, muitos estudiosos reconhecem que nossa língua não é puramente portuguesa, mas luso-bundo-guarani, ou, simplesmente, brasileira.

A presença africana na cultura brasileira é observada ainda nos hábitos de ninar e de contar histórias às crianças, nas artes marciais (capoeira), em ritmos musicais (samba, maracatu e outros), em algumas festas populares (congos, jongos e outras), em fórmas de organização social encontradas em comunidades remanescentes de quilombos, baseadas na solidariedade entre parentes e em mutirões, e na culinária (canjica, acarajé, vatapá, bobó de camarão, entre outros pratos).

Fotografia. Pessoa com vestes largas e coloridas. Usa um chapéu com franjas longas e douradas. Carrega nas mãos uma haste horizontal decorada com fitas de tecido amarradas. Ao fundo, outras pessoas com fantasias coloridas diferentes.
Apresentação de Maracatu Rural, também conhecido por Maracatu de Baque Solto, em Olinda, Pernambuco. Foto de 2020.

No campo religioso, são heranças culturais africanas, principalmente, o candomblé e a umbanda. O primeiro tem como princípio o culto aos orixás, em sua maioria ligados a determinado fenômeno da natureza, como Xangô, senhor dos raios e trovões, e Iemanjá, deusa das águas salgadas. Já a umbanda se caracteriza pela mistura de elementos africanos, indígenas e kardecistasglossário . Nessa religião, são cultuadas entidades pertencentes a diversas linhagens, muitas das quais levam o nome dos orixás do candomblé.

As religiões de matriz africana eram praticadas pelos escravizados e seus descendentes como fórma de resistência à escravidão e de manter os laços com a sua cultura de origem. Essas religiões passaram por mudanças ao longo do tempo e, atualmente, são denominadas afro-brasileiras, incluindo elementos da cultura cristã, por exemplo.

Conexão

Histórias da Preta

Heloisa Pires Lima. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998.

O livro é narrado pela menina Preta, que, ao refletir sobre esse apelido dado por sua tia e sobre a cor de sua pele, inicia a busca por suas origens. Para compreender as condições dos negros na sociedade brasileira atual, ela “viaja” por várias histórias da África à procura de suas raízes e de antigas tradições. Nesse diálogo com o passado de seus ancestrais, Preta resgata as viagens nos navios negreiros e a chegada dos africanos à América portuguesa e reflete sobre a condição dos afrodescendentes no Brasil atual.


Capa de livro. Na parte superior o título e o nome da autora. Abaixo, a ilustração do rosto de uma moça negra com os olhos ovais, sobrancelha fina e lábios grossos. Tem o cabelo penteado para trás, com enfeites nas pontas. Atrás dela, o mar.

Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. O que foi o Quilombo dos Palmares?
  2. O que são as comunidades remanescentes de quilombos?
  3. Que significado as religiões afro-brasileiras tiveram para os escravizados no período colonial?

Respostas e comentários

Recapitulando

  1. O Quilombo dos Palmares foi uma comunidade de escravizados fugidos fundada no final do século dezesseis e localizada na capitania de Pernambuco, no território correspondente ao do atual estado de Alagoas. Cresceu durante as guerras entre portugueses e holandeses, ocorridas na primeira metade do século dezessete, e chegou a atingir em tôrno de 30 mil habitantes, tendo Zumbi como seu mais famoso líder. A comunidade de Palmares resistiu aos ataques dos colonos portugueses por décadas, até ser derrotada em 1694. Atualmente, é um dos principais símbolos da resistência negra à opressão do sistema escravista e ao racismo.
  2. São comunidades cujos membros são descendentes de escravizados que permanecem nas terras de seus ancestrais e preservam suas tradições.
  3. As religiões afro-brasileiras no período colonial serviram para os escravizados tanto como suporte emocional quanto como espaço de reconstrução de suas heranças culturais.

Conexão

O livro Histórias da Preta permite aos alunos acompanhar a jornada da menina Preta na busca pelo reconhecimento de sua identidade atrelada à origem africana de seus antepassados. Nesse contexto, a obra problematiza o preconceito e o racismo direcionados às heranças africanas no Brasil, promove a valorização das culturas africanas e afro-brasileiras e reforça a importância da historicidade para os descendentes de africanos.

Leitura complementar

As amas de leite negras

Na sociedade escravocrata, muitos filhos de senhores eram cuidados e amamentados por mulheres negras escravizadas. Este texto trata da situação dessas mulheres.

Refletir acerca da escravidão e das relações de gênero na história do Brasil requer considerar as experiências de mulheres africanas e suas descendentes nos mundos do trabalho, em particular o local da escravidão doméstica. Apesar de minoritárias no tráfico africano e nas grandes fazendas, mulheres africanas e crioulas atuaram no interior das casas-grandes reticências desde a implantação no interior da escravidão nas Américas. reticências Dentre as funções desempenhadas exclusivamente pelas mulheres no ambiente doméstico emerge a figura icônica da ama de leite.

reticências No âmbito das vivências cotidianas, a ocupação de ama de leite impactou de maneira singular as experiências da maternidade e as fórmas de exploração dos corpos dessas mulheres.

reticências Vivenciada nos espaços internos das casas, a ocupação de ama de leite inseriu mulheres escravizadas numa teia complexa de relações sociais, geradas em meio ao cotidiano tenso envolvendo trabalho supervisionado e práticas de domínio paternalista. Caprichos, humilhações e ataques violentos de raiva por parte de suas donas e donos conviviam com a concessão de privilégios: melhor alimentação, fornecimento de vestuário e a possibilidade da alforria. reticências

reticências Afastada a maior parte do tempo de suas comunidades e famílias, à ama de leite era conferida a delicada e cansativa função de cuidar dos membros mais jovens da família senhorial. As mamadas tomavam-lhe o dia e a noite, e a rotina era cadenciada por banhos e trocas de fralda. Durante o dia, enquanto os bebês dormiam, ou mesmo tendo-os acordados no colo, é provável que suas senhoras solicitassem a execução de outros serviços. reticências. A despeito dos privilégios conquistados por conta da proximidade física com os senhores, as amas de leite não estavam livres da prática de castigos físicos reticências.


Pintura. Mulher negra sentada, com uma perna dobrada e a outra esticada. Está amamentando um bebê de pele branca. Ela olha para um bebê negro, deitado sobre um pano no chão, à sua frente.
Mãe preta, pintura de Lucílio de Albuquerque, 1912. Museu de Arte da Bahia, Salvador.

Respostas e comentários

Bê êne cê cê

A análise do texto historiográfico, que desenvolve a atitude historiadora, promove o desenvolvimento da Competência específica de História nº 3.

Atividade complementar

Para aprofundar o estudo sobre o tema, se possível, solicite aos alunos que pesquisem na Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional anúncios oferecendo serviços de amas de leite. No período entre 1850 e 1859, há diversos anúncios de “aluguel” de ama de leite catalogados no site. Disponível em: https://oeds.link/LCnGxu. Acesso em: 13 junho 2022.

Solicite aos alunos que selecionem quatro ou cinco anúncios e os analisem com base nas seguintes questões: Qual é a data dos anúncios? O que é anunciado? Quem é o anunciante? A quem o anúncio se destina?

Espera-se que os alunos identifiquem que, no período da escravidão no Brasil, as escravizadas que amamentavam (aquelas que tinham dado à luz recentemente) eram anunciadas pelos seus senhores para fornecer o serviço de ama de leite.

A principal questão que se colocava para as mulheres obrigadas a trabalhar como ama era a sorte de seus próprios bebês. reticências As dificuldades e restrições impostas a elas impossibilitavam que destinassem os cuidados desejados a seus filhos, os quais estavam sujeitos ao desmame precoce, a separações temporárias e por vezes à morte. Privadas do leite materno, ou obtendo-os em menor quantidade, as ‘crias’, como eram chamados pelos senhores, não raro passavam fome, contando com uma alimentação imprópria e de difícil digestão – como papinhas feitas com farinha de mandioca, ou o leite animal não esterilizado. Para que o bebê branco monopolizasse as atenções e o suprimento de leite, os bebês negros poderiam ser entregues aos cuidados de outra escrava reticências.

A mais traumática das adversidades era o desaparecimento de seus próprios bebês. reticências A separação das mães e bebês constituía uma estratégia dos senhores interessados em aumentar seus ganhos, pois as famílias locatárias estiveram dispostas a pagar o triplo pelos serviços temporários e exclusivos da ama sem o bebê. reticências

Quanto aos destinos possíveis dos seus recém-nascidos, reticências [o] mais comum era deixar os bebês das amas na roda dos expostos, instituição da Igreja Católica baseada na tradição de assistência portuguesa aos pobres para enfermos ou crianças abandonadas.

TELLES, Lorena Féres da Silva. Amas de leite. In: Chuárquis, Lilia M.; GOMES, Flávio dos Santos (organizador). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. página 99-103.


Fotografia. Roda de madeira em uma abertura na parede. É comprida verticalmente e tem duas aberturas. Dentro de uma delas, um boneco representando um bebê. Na outra, um tecido branco. Ao lado da roda, fixo na parede, um sino com uma corda.
Reprodução da roda dos expostos na Santa Casa de Misericórdia, em Salvador, Bahia. Foto de 2019. Na imagem, vê-se a parte da roda voltada para a rua, onde se colocavam os bebês indesejados. Alguém do lado interno da instituição católica girava a roda e recolhia as crianças.

Responda em seu caderno.

Questões

  1. De que fórma a pintura de Lucílio de Albuquerque se relaciona ao que foi descrito no texto sobre as amas de leite?
  2. Qual era a principal contradição da condição das amas de leite?
  3. De que modo ser ama de leite afetava a vida pessoal e familiar das mulheres escravizadas?
  4. Em sua opinião, atualmente, quais são os principais desafios de mulheres que trabalham na casa de outras pessoas e, ao retornar ao lar, ainda exercem atividades domésticas?

Clique no play e acompanhe a reprodução do Áudio.


Transcrição do áudio

Amas de leite e o trabalho doméstico no Brasil

[Personagem 1]

Olha só essa foto que eu encontrei! É uma fotografia antiga, em preto e branco, tirada em meados do século XIX. Ela mostra uma mulher jovem e negra segurando no colo um bebê branco.

[Personagem 2]

Provavelmente essa mulher era uma mãe preta. E é disso que o podcast de hoje vai tratar!

[Personagem 1]

Nesse episódio, vamos falar sobre o trabalho das mulheres escravizadas que tinham a função de amas de leite no passado e sobre o trabalho doméstico no Brasil atual.

[Personagem 1]

A escravidão no Brasil durou 388 anos. Nesses quase quatro séculos, foram muitas as funções dos escravizados. Eles trabalhavam na agricultura, prestando serviços nos centros urbanos e em tarefas domésticas nas moradias dos senhores.

[Personagem 2]

E quais eram as funções das mulheres escravizadas?

[Personagem 1]

Em geral, elas se dedicavam ao trabalho doméstico na moradia do senhor.

E algumas delas trabalhavam como ama de leite, isto é, amamentavam os filhos da família dos senhores. Para ser ama de leite, as mulheres escravizadas precisavam ter tido um bebê recentemente e dividir o leite da amamentação do seu bebê com o filho da senhora branca. E, é claro, que elas eram obrigadas a dar preferência à amamentação do bebê do senhor.

[Personagem 2]

O costume de adotar amas de leite foi comum entre as famílias ricas brasileiras no final do século XIX e início do XX. As senhoras brancas que não queriam ou não podiam amamentar o bebê atribuíam a tarefa à outra mulher: a ama de leite.

[Personagem 1]

Existiam as amas de leite livres, que eram contratadas e pagas por esse serviço.

[Personagem 2]

Eu li que algumas famílias até anunciavam no jornal quando precisavam de uma ama de leite.

[Personagem 1]

E existiam as amas de leite escravizadas, que viviam na moradia com a família de senhores.

Também havia proprietários de escravizadas que alugavam essas mulheres para prestar o serviço de amamentação para outras famílias.

Por viverem junto com a família dos senhores, elas acabavam sendo responsáveis por todo o cuidado dos filhos dos senhores, até a idade adulta, e  criavam laços afetivos com eles.

[Personagem 2]

Ah, então é por isso que elas eram chamadas de “mães pretas”? Por serem uma segunda mãe para a criança ao lado da mãe branca?

[Personagem 1]

Isso mesmo! Bom, mas é preciso lembrar que o sistema escravista era violento e que, apesar de viver  com a família de senhores e desenvolver laços afetivos com ela, essas mulheres eram escravizadas e tratadas como tal. Por isso, viviam uma contradição entre sentir afeto pela família proprietária e reagir à violência de ser escravizada.

[Personagem 1]

A longa duração do sistema escravista no Brasil deixou heranças na sociedade brasileira que podem ser observadas até hoje. Por exemplo, em 2018, 68% das trabalhadoras domésticas no Brasil eram negras, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (o IPEA).

[Personagem 2]

Agora me lembrei de uma lei que é de certa forma bem recente. Ela é de junho de 2015, número 150. E foi a partir dela que as empregadas domésticas tiveram seus direitos regulamentados. Por exemplo, o direito a férias remuneradas, a décimo terceiro salário e a intervalo para refeição. Além disso, a lei estabeleceu jornada de trabalho máxima de 8 horas por dia ou 44 horas semanais. Assim, garantiu o descanso semanal remunerado e o pagamento de horas extras.

[Personagem 1]

Apesar dos avanços na legislação, que garantiram vários direitos aos trabalhadores domésticos, algumas práticas sociais ainda persistem. Em muitas residências de famílias de classe média e classe alta, ainda existe um cômodo chamado “quarto da empregada” destinado àquelas, que dorme na residência do empregador. Elas não têm uma jornada de trabalho definida, o que contraria a legislação.

[Personagem 2]

Como você disse, as mulheres negras ainda são maioria nas funções de faxineira e babá. E elas prestam serviço para famílias majoritariamente brancas. Assim como no passado, elas, em muitos casos, têm que deixar de cuidar dos seus filhos para cuidar dos filhos de suas patroas.

Nessas tarefas, a criação de laços afetivos com a família e a necessidade de manter o emprego acabam inibindo a empregada doméstica de exigir a garantia de seus direitos e o cumprimento da lei em relação à jornada de trabalho.

[Personagem 1]

Podemos perceber que a sociedade brasileira ainda apresenta condições sociais desiguais ligadas à cor da pele. Esse cenário está diretamente relacionado ao longo período de escravidão que existiu na história do Brasil e exige ações políticas e sociais para ser superado.

[Personagem 2]

É isso! Esperamos que tenham gostado e até o próximo episódio.

[Personagem 1]

Até!


Respostas e comentários

Leitura complementar

  1. Na pintura, foi representada uma negra escravizada amamentando uma criança branca, enquanto observa o próprio filho, sem poder lhe dar atenção. Essa situação condiz com o texto, no sentido de essas mulheres terem de negligenciar os cuidados com seus filhos para alimentar o de seus senhores. No entanto, de acôrdo com o texto, elas raramente viam seus filhos, os quais ficavam sob os cuidados de outra escravizada ou eram enviados para adoção na roda dos expostos.
  2. A principal contradição da condição das amas de leite era o fato de que viviam na intimidade da família senhorial, o que, por um lado, garantia-lhes privilégios, como uma melhor alimentação, o fornecimento de vestuário e a possibilidade da alforria; por outro, contudo, as sujeitava a abusos, humilhações e castigos físicos.
  3. As amas de leite acabavam convivendo com a família dos senhores, ficando, assim, na maior parte do tempo, afastadas de seus familiares e amigos. Além disso, eram obrigadas a cuidar dos bebês brancos em detrimento de seus filhos, que acabavam sendo cuidados por outras escravizadas (sujeitos à alimentação precária e à morte) ou doados para a Igreja Católica.
  4. Espera-se que os alunos percebam a situação atual das mulheres que trabalham fóra e exercem atividades domésticas, desempenhando dupla jornada e enfrentando um cotidiano exaustivo. Por muito tempo, as mulheres que exerciam a profissão de babás e de empregadas domésticas não contavam com a proteção da lei. Essa situação mudou com a Emenda Constitucional nº 72, de 2013, que determinou aos empregados domésticos os mesmos direitos trabalhistas dos outros trabalhadores, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (cê éle tê). Ainda assim, muitas dessas trabalhadoras precisam negligenciar os cuidados com os próprios filhos enquanto trabalham para cuidar dos filhos dos empregadores. Nesse contexto, vale propor aos alunos também que reflitam sobre a necessidade de desconstruir a ideia de que as tarefas domésticas são atribuição feminina.

Atividades

Responda em seu caderno.

Aprofundando

1. Leia o texto do padre jesuíta André João Antonil. Depois, responda às questões.

reticências Porém não lhes dar farinha reticências; e querer que sirvam de sol a sol reticências como se admitirá no tribunal de Deus sem castigo? Se o negar a esmola a quem com grave necessidade a pede, é negá-la a Cristo reticências, como ele o diz no Evangelho, que será negar o sustento e o vestido ao seu escravo? E que razão dará de si, quem dá reticências seda, e outras galas, as que são ocasião de sua perdição; e depois nega quatro ou cinco varas de algodão reticências a quem se derrete em suor para o servir reticências? E se em cima disto, o castigo for frequente e excessivo; ou se irão embora; fugindo para o mato; ou se matarão por si, como costumam, tomando a respiração ou enforcando-se reticências.

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Lisboa: Oficina Real Deslanderina, 1711. página 34.

  1. Qual é o assunto do texto?
  2. Qual é a principal preocupação de Antonil em relação às fórmas como os senhores tratavam os africanos escravizados?
  3. Identifique as fórmas de resistência dos escravizados mencionadas no texto.
  4. O que o documento revela sobre a realidade dos escravizados?

2. Leia o texto para responder às questões.

De fórma geral, é possível afirmar que existiram dois tipos de fuga na história da escravidão no Brasil. No primeiro caso, encontraram-se as fugas que tinham como objetivo a reivindicação escrava por melhores condições de vida. Escravos que estivessem trabalhando mais do que o habitual poderiam reticências só retornar à propriedade de seu senhor mediante reticências negociação. Cativos que eram impedidos de reticências visitar sua família também recorriam a esse tipo de fuga reticências.

O segundo tipo de fuga era aquele que pretendia negar a escravidão. reticências Muitos cativos se embrenhavam no meio do mato e lá construíam pequenas comunidades que ficaram conhe-cidas como quilombos ou mocambos. reticências

SANTOS, Ynaê Lopes dos. História da África e do Brasil afrodescendente. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. página 223.

  1. De acôrdo com o texto, quais eram os dois tipos de fuga realizados pelos escravizados?
  2. Explique como se formavam as famílias dos escravizados.
  3. Relacione o que você estudou sobre a formação das famílias dos escravizados com os tipos de fuga mencionados no texto.
  4. No que consistiam os quilombos e qual era a importância deles para seus habitantes?

3. Observe a gravura e responda às questões.

Gravura. Grupo de pessoas negras jogando capoeira. Um homem está sem camisa com uma das pernas levantadas. O outro está de camisa amarela, com o tronco inclinado para frente. Sentado, outro homem toca um tambor. Ao redor, homens e mulheres assistem. Uma das mulheres carrega uma cesta com frutas na cabeça. Outra cozinha em um tacho sobre o chão.
Detalhe de Jogo de capoeira ou dança de guerra, gravura de iôrrán morits Rugendas, 1835. Biblioteca Municipal Mário de Andrade, São Paulo.
  1. Que instrumento musical de percussão aparece na cena representada?
  2. Você conhece outro instrumento musical típico da capoeira?
  3. Que elementos que aparecem na representação de iôrram mórritis ruguendás são típicos da capoeira?
  4. Que elementos dessa gravura sugerem que a prática da capoeira era um momento de confraternização e sociabilidade entre os escravizados?

Respostas e comentários

Atividades

    1. O texto é uma advertência aos senhores sobre como tratar as pessoas que eram escravizadas por eles.
    2. O castigo divino que os senhores de escravizados receberiam se negassem alimentação e vestimentas a seus escravizados.
    3. Como fórmas de resistência dos escravizados, o texto menciona fugas e suicídios.
    4. O documento revela que muitos senhores de escravizados forneciam alimentação reduzida e vestimentas de má qualidade e se excediam nos castigos físicos aos escravizados.
    1. A fuga com o objetivo de negociação por melhores condições e a fuga por negação da escravidão.
    2. No geral, os escravizados podiam escolher seus parceiros, e era comum que os casamentos ocorressem entre pessoas provenientes da mesma região da África. As uniões se davam mesmo que os cativos pertencessem a senhores diferentes e tivessem de viver em locais separados. Estudos recentes mostram que a formação de famílias entre os escravizados ocorria de maneira relativamente estável e se caracterizava pela monogamia e pela organização nuclear (mãe, pai e filhos).
    3. Os escravizados que constituíam famílias, mas pertenciam a senhores diferentes, deslocavam-se para visitar seus familiares. Se fossem impedidos de fazê-lo, encontravam na fuga uma fórma de negociar visitas ou de viver com suas famílias nos quilombos.
    4. Os quilombos eram comunidades de escravizados fugidos, e representavam um espaço de proteção e solidariedade em que podiam resgatar sua identidade cultural africana e sobreviver fóra do cativeiro.
    1. O atabaque.
    2. É possível que os alunos conheçam o berimbau, por exemplo.
    3. A formação em roda, a execução de música, a presença de dois praticantes no centro da roda e os movimentos corporais que misturam dança e luta.
    4. Na gravura, enquanto dois personagens duelam e um toca o atabaque, os demais se reúnem para assistir à cena. Ao fundo, uma cozinheira oferece uma refeição a um homem, que lhe agradece tirando o chapéu. No canto direito, uma vendedora de frutas provavelmente interrompe seus afazeres para acompanhar a roda. Tais elementos sugerem que esses escravizados, no momento em que se reuniam para a roda de capoeira, confraternizavam e socializavam entre si.

Bê êne cê cê

Ao propor a análise de uma imagem relacionando-a a determinado contexto histórico, a atividade contribui para o desenvolvimento da Competência específica de História nº 3.

Aluno cidadão

  1. No Brasil, em 2019, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (í bê gê É), a população brasileira era composta de 42,7% de brancos e 56,2% de negros (soma da população preta e parda). No entanto, os atores de novelas, filmes e os protagonistas de propaganda são, em sua maioria, brancos. Da mesma fórma ocorre com grande parte das revistas. Visto que a maioria da população brasileira é negra, é contraditório que seja menos representada na imprensa e na publicidade.
    1. De que fórma a falta de representatividade dos negros pode ser relacionada ao racismo herdado da sociedade escravista que fomos no passado?
    2. Você se sente representado pelas imagens veiculadas na mídia? Justifique.
    3. Debata com os colegas o que poderia ser feito para igualar a representatividade de brancos e negros na mídia.

Conversando com geografia

5. A Constituição brasileira de 1988 reconhece, no artigo 68, o direto à propriedade das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas. Analise o mapa para responder às questões.

Regularização das terras quilombolas no Brasil (fevereiro de 2022)

Mapa. Regularização das terras quilombolas no Brasil, fevereiro de 2022.
Legenda: 
Círculo roxo: Terras quilombolas tituladas e parcialmente tituladas.
Círculo laranja: Terras quilombolas em processo de regularização pelo Incra.

Os círculos têm diferentes tamanhos, de acordo com a quantidade de terras quilombolas a que se referem.

Terras quilombolas tituladas e parcialmente tituladas: Amapá 3; Pará 70; Rondônia 2; Maranhão 58; Tocantins 1; Goiás 1; Mato Grosso do Sul 3; Rio Grande do Sul 4; Santa Catarina 1; Paraná 1; São Paulo 6; Rio de Janeiro 3; Bahia 21; Sergipe 4; Alagoas 1; Pernambuco 2; Rio Grande do Norte 2; Piauí 9. 
Terras quilombolas em processo de regularização pelo Incra: Amazonas 3; Rondônia 5; Mato Grosso 75; Pará 63; Amapá 31; Maranhão 399; Tocantins 33; Goiás 35; Mato Grosso do Sul 18; Rio Grande do Sul 104; Santa Catarina 19; Paraná 38; São Paulo 50; Rio de Janeiro 26; Espírito Santo 20; Minas Gerais 249; Bahia 324; Sergipe 31; Alagoas 17; Pernambuco 91; Paraíba 29; Rio Grande do Norte 23; Ceará 33; Piauí 62.

No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de zero a 510 quilômetros.

Fonte: COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO. Observatório terras quilombola. São Paulo, 18 fevereiro 2022. Disponível em: https://oeds.link/hSZPbT. Acesso em: 13 junho 2022.

  1. Compare este mapa com o apresentado na página 137. Que relação é possível estabelecer entre eles?
  2. De que modo a construção de mapas como esse pode contribuir para a regularização das terras quilombolas?

Mão na massa

  1. Neste capítulo, tratou-se dos valores racistas da sociedade escravista brasileira. O racismo contra negros ainda é um problema social bastante sério, que causa desigualdades salariais, diminuição de oportunidades de trabalho e traumas em razão do preconceito e da discriminação. Em grupo, elaborem um cartaz – gênero textual que transmite informações de modo simples e direto – de combate ao racismo. Sigam estes passos.
    1. Pesquisem cartazes de campanhas sociais que possam ser usados como referência.
    2. Criem um texto claro e objetivo, por exemplo: “Tire o seu racismo do caminho, que eu quero passar com a minha cor” (campanha de 2017 da prefeitura da cidade mineira de Extrema).
    3. Elaborem uma imagem chamativa, com desenhos ou colagens, que sintetize a ideia do texto.
    4. Compartilhem o cartaz com os colegas e com a comunidade escolar.

Respostas e comentários

4. Espera-se que os alunos reflitam sobre a limitada representatividade dos negros na mídia e sobre a necessidade de ressignificar o padrão de beleza pautado na aparência física dos brancos, que é reminiscência do racismo que promoveu escravização dos africanos. Desse modo, pretende-se promover a empatia e o respeito à diversidade étnica na comunidade escolar. Aborde o tema com cuidado para que os alunos de diferentes etnias se sintam acolhidos e tenham sua saúde mental preservada.

Bê êne cê cê

A questão contribui para o desenvolvimento da Competência geral da Educação Básica nº 9 ao exercitar a empatia, o diálogo e a resolução de conflitos e promover o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais. Ao tratar das relações étnico-raciais, a atividade se relaciona aos temas contemporâneos transversais Educação em direitos humanos e Diversidade cultural.

    1. Comparando os mapas é possível notar que os locais com maior número de comunidades remanescentes de quilombolas estão nos estados em que funcionaram importantes portos de desembarque de escravizados africanos no passado, como a Bahia, ou naqueles que empregaram grande quantidade de mão de obra escravizada, como o Maranhão e Minas Gerais.
    2. Mapas como esse revelam o papel do Estado na garantia dos direitos dos quilombolas previstos na Constituição de 1988 e se as políticas públicas com esse fim têm sido efetivas, permitindo que a sociedade pressione as autoridades nesse sentido. Comente que os principais obstáculos à titulação das terras quilombolas são o avanço predatório das atividades agropecuárias e a especulação imobiliária, o que revela contradições entre os interesses privados e públicos.

Interdisciplinaridade

Por abordar as territorialidades como direitos legais das comunidades remanescentes de quilombos, a atividade aborda a cartografia social e contempla parcialmente a habilidade ê éfe zero sete gê ê zero três do componente curricular geografia.

6. Ao abordar questões relacionadas ao racismo, a atividade promove uma reflexão a respeito de aspectos da saúde mental ligados a esse problema, como os traumas causados pelo preconceito racial, e permite aos alunos explorar o assunto por meio da criatividade. Se julgar conveniente, sugira a eles que elaborem os cartazes utilizando recursos digitais e os compartilhem por meio das redes sociais da escola.

Bê êne cê cê

Ao utilizar conhecimentos da história para interpretar a realidade, as atividades 5 e 6 contribuem para o desenvolvimento da Competência geral da Educação Básica nº 1 e das Competências específicas de Ciências Humanas nº 1 e nº 2, e estão relacionadas aos temas contemporâneos transversais Educação em direitos humanos e Diversidade cultural.

Glossário

Alforriado
: liberto; livre da condição de escravizado.
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Latifúndio
: propriedade rural de grande extensão.
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Gargalheira
: espécie de coleira de ferro ou de madeira usada para prender os escravizados.
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Kardecista
: relativo a kardecismo, religião formulada pelo francês Allan Kardec, que prega a reencarnação dos espíritos.
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