CAPÍTULO 9  A descolonização na África e na Ásia

Fotografia. Mulher sorridente, segurando a bandeira de Uganda. Composta por faixa horizontais, em preto, amarelo, vermelho e preto. No centro um círculo branco com uma ave preta desenhada.
Estudante ugandense com a bandeira de Uganda participando da campanha A verdadeira África: combata o estereótipo, em Nova iórque, Estados Unidos. Foto de 2014.

‘Claro que nós [africanos] somos todos iguais, todos temos a opressão branca em comum’, disse a srta. Adebáio, secamente. reticências

‘Claro, claro, mas o que eu digo é que a única identidade autêntica para um africano é sua tribo’, disse o Patrão. ‘Eu sou nigeriano porque um branco criou a Nigéria e me deu essa identidade. Sou negro porque o branco fez o negro ser o mais diferente possível do branco. Mas eu era ibo antes que o branco aparecesse.’

O professor Ezêca bufou e balançou a cabeça reticências. ‘Mas você só tomou consciência de que era ibo por causa do homem branco. reticências Você tem que entender que tribo, hoje em dia, é um produto tão colonialista quanto nação e raça.’

Adítiêi, Chimamanda Umgózi. Meio sol amarelo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. página 31.

Esse diálogo foi extraído do romance Meio sol amarelo da escritora nigeriana chimamanda nigôzi adíchiê, que trata dos conflitos que dividiram a Nigéria em relação à tentativa de independência do Biafra, na década de 1960. Nesse período, os africanos lutaram para se libertar das metrópoles europeias colonizadoras, e as discussões sobre a identidade africana tomaram fôrça com questionamentos como: O que é ser africano? De que fórma o europeu branco construiu a imagem da África? Como é possível se libertar dos estereótiposglossário sobre os africanos?

  • Você sabe como se originaram os atuais países da África?
  • Em sua opinião, o que faz com que uma pessoa se sinta pertencente a uma nação ou a uma comunidade?
  • Você conhece algum estereótipo sobre a África? Se sim, que argumentos usaria para desmenti-lo?

Movimentos de identidade africana

Os primeiros movimentos de afirmação da identidade africana ocorreram no fim do século dezenove. Em 1897, o advogado trinitinoglossário Rênri Silvéster Uílhâmis fundou a Associação Africana, que organizou a Primeira Conferência Pan-Africana ocorrida em Londres, três anos depois. Os participantes da conferência produziram o documento Comunicado às nações do mundo, no qual reivindicaram que os líderes europeus se posicionassem a favor da luta contra o racismo e garantissem a soberania das colônias na África.

Ao longo das primeiras décadas do século vinte, o pan-africanismo se fortaleceu, estimulando o diálogo entre intelectuais negros, como o professor estadunidense Burgárt di Buá e o deputado senegalês Blêse Diane. Juntos, eles organizaram o Primeiro Congresso Pan-Africano, ocorrido em Paris, em 1919. Os participantes desse congresso defenderam a emancipação gradual das colônias africanas, a ampliação dos direitos civis dos negros estadunidenses e incentivaram os descendentes de africanos a retornar à África.

Em 1934, em Paris, os poetas emê cezér (nascido na Martinica) e leopôld sedár sângôr (originário do Senegal) lançaram as bases de um movimento literário e político de resgate e revalorização das raízes africanas enfraquecidas após séculos de escravidão e imposição dos valores ocidentais. Os integrantes do movimento nomeado negritude buscavam despertar nos afrodescendentes a consciência de uma identidade comum e reconstruir o orgulho africano. Assim, o sistema colonial na África passou a ser progressivamente contestado, com base na afirmação da negritude positiva e do ideal de união dos povos africanos.

Saiba mais

Muitas Áfricas

Aimé Césaire reconheceu, posteriormente, que havia um grande equívoco no pan-africanismo. Esse movimento promovia a ideia de unidade africana, uma África idealizada, uniforme e impessoal, e, com isso, deixava de valorizar as múltiplas identidades que configuram os povos negros africanos ou de origem africana.

Assim, ele reconhecia que o continente africano é constituído de centenas de etnias e tradições, que não necessariamente se assemelham umas às outras ou compartilham os mesmos valores.

Fotografia. Em um espaço aberto e ensolarado, com chão de terra e algumas árvores e arbustos de folhas verdes claras esparsos ao fundo, há, no centro da fotografia e em primeiro plano, um grupo de mulheres, meninas e crianças dançando em uma celebração. As mulheres, algumas delas vistas de costas ou de lado em uma espécie de círculo, estão vestidas com camisetas coloridas em tons de amarelo e vermelho e com saias longas plissadas com listras verticais em tons de rosa e preto ou de amarelo, vermelho, preto e verde. Suas saias denotam movimento. A maior parte delas tem os cabelos pretos e crespos, trançados e arrumados para trás da cabeça. Algumas delas usam sapatilhas de cor bege. Outras, calçam chinelos. Algumas estão com os braços estendidos ao lado do corpo, outras com os braços flexionados. À esquerda, as mulheres cujo rosto é visível estão com os olhos fechados. Ao redor delas há algumas crianças pequenas: à esquerda, um menino de cabelos curtos, vestido com camiseta estampada com listras verticais e bermuda verde. Ele sorri. À direita, há dois meninos pequenos com camisas estampadas e sandálias cor de rosa. No alto, o céu azul claro com nuvens brancas.
Mulheres celebrando a Misquil (“cruz”, em língua etíope), festividade ligada ao cristianismo, em àrba Mínchi, Etiópia. Foto de 2018.

A crise do colonialismo na África

Nas colônias europeias da África, a década de 1930 foi marcada pela formação de uma elite constituída de pessoas que tinham sido educadas em escolas e universidades da Europa ou dos Estados Unidos, ou em instituições africanas organizadas segundo os currículos e os padrões europeus.

Muitos integrantes dessa elite afastaram-se das tradições e organizações políticas de seus antepassados, alinhando seus interesses com os das metrópoles. Outros setores dessa elite, entretanto, passaram a denunciar a violência da colonização e a exigir a imediata e completa independência das colônias africanas.

Os protestos e as mobilizações iniciadas por esses grupos, somados aos impactos da Segunda Guerra Mundial nos países europeus, abalaram seriamente a dominação colonial. Os povos colonizados africanos, muitas vezes obrigados a compor as fileiras dos exércitos dos Aliados, perceberam que o enfraquecimento dos países colonizadores na guerra era uma oportunidade de recuperar a independência política dos territórios da África.

Com o fim da guerra e o início da Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética passaram a apoiar as lutas anticoloniais na África com o objetivo de conquistar novas áreas de influência. Esses fatores, somados ao crescimento dos movimentos nacionalistas africanos, culminaram nas lutas coloniais pela independência.

África (1924)

Mapa. África, 1924. Destaque para o continente africano.
Legenda: 
Laranja: França.
Verde claro: Reino Unido.
Marrom: Bélgica.
Rosa: Portugal.
Amarelo: Espanha.
Roxo: Itália.
Vermelho: Mandato francês.
Verde escuro: Mandato britânico.
Marrom escuro: Mandato belga (Ruanda-Urundi).
Cinza: Territórios não colonizados.
No mapa, países influenciados, submetidos ou dominados pela França: Marrocos, Tunísia, Argélia, África Ocidental Francesa, Gâmbia, África equatorial francesa, Madagascar e Ilha Reunião.
Pelo Reino Unido: União Sul-Africana, Basutolândia, Suazilândia, Bechuanalândia, Rodésia do Sul, Rodésia do Norte, Niassalândia, Quênia, Uganda, Ilha Maurício. Ilhas Seychelles, Zanzibar, Somália Britânica, Ilha Socotra, Sudão Anglo-Egípcio, Egito, Nigéria, Costa do Ouro, Serra Leoa, Gâmbia. 
Pela Bélgica: Congo Belga.
Por Portugal: Ilha da Madeira, Cabo Verde, Guiné Portuguesa, Príncipe e São Tomé, Angola e Moçambique.
Pela Espanha: Saara Espanhol, Marrocos Espanhol.
Pela Itália: Líbia, Eritreia, Somália Italiana.
Pelo Mandato francês: Camarões, Togo.
Pelo Mandato britânico: Sudoeste Africano, Tanganica.
Pelo Mandato belga (Ruanda-Urundi): Ruanda-Urundi.
Territórios não colonizados: Etiópia, Libéria.
No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de 0 a 690 quilômetros.

Fonte: dubí jórj. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2003. página 219.


Responda em seu caderno.

Explore

Quais territórios africanos não estavam sob domínio colonial em 1924? Identifique-os no mapa.


1960: o ano da África

A conquista da independência de Gana, em 1957, representou um marco da emancipação das colônias africanas. O movimento pela libertação da Costa do Ouro (como se chamava antes) da dominação britânica foi liderado por cuâme nicrúma, um dos principais representantes do pan-africanismo e defensor da unidade política e territorial africana após a independência.

Depois da conquista da soberania de Gana, nkruma dedicou-se a organizar diálogos entre os novos países independentes na África. O resultado desse esforço foi a Primeira Conferência dos Estados Africanos Independentes, sediada em Acra, capital de Gana, em 1958. Nessa ocasião, nkruma declarou que a independência de Gana apenas faria sentido se fosse acompanhada da libertação completa dos povos colonizados no continente.

No encontro, foram aprovados o conjunto de resoluções em apôio aos movimentos de libertação em toda a África, a criação de estratégias para garantir que os novos Estados independentes não se alinhassem às potências rivais na Guerra Fria e a formação de uma frente unificada de atuação na Organização das Nações Unidas (ônu).

A atuação política dos povos africanos, conduzida pela elite intelectual nativa, foi essencial para a proclamação de independência de dezessete países em 1960, que ficou conhecido como o ano da África. Nesse período, foram realizadas outras conferências que reuniram os novos Estados africanos. Entre elas se destaca a de ádis abêba, na Etiópia, ocorrida em 1963, na qual os participantes decidiram romper relações com a África do Sul, que vivia sob o apartheidglossário , reivindicar a adoção de sanções econômicas internacionais a esse país, além de fundar a Organização da Unidade Africana (ó u a).

Inspirados pelos movimentos de independência e pelo pan-africanismo, outros países conquistaram autonomia. Após o movimento emancipacionista dos anos 1960-1964, menos de dez regiões permaneciam colonizadas na África, a maioria delas de domínio português.

A descolonização da África (1936-1990)

Mapa. A descolonização da África,1936-1990. Destaque para o continente africano. 
Legenda:
Verde escuro: 1936-1955.
Verde: 1956-1957.
Verde claro: 1958-1960.
Amarelo: 1961-1970.
Laranja: 1971-1976.
Vermelho: 1977-1990.
Vermelho escuro: Territórios dependentes. 
Cinza: Territórios não colonizados.
No mapa, países que conquistaram a independência entre 1936 e 1955: Líbia, Egito. Entre 1956 e 1957: Marrocos, Tunísia, Sudão, Gana. Entre 1958 e 1960: Mauritânia, Senegal, Guiné, Costa do Marfim, Mali, Burkina Fasso, Níger, Chade, Nigéria, Togo, Benin, Camarões, República Centro-Africana, Gabão, Congo, República Democrática do Congo, Somália, Madagascar. Entre 1961 e 1970: Argélia, Serra Leoa, Guiné Equatorial, Uganda, Quênia, Ruanda, Burundi, Tanzânia, Zâmbia, Malauí, Botsuana, Suazilândia, Lesoto, África do Sul. Entre 1971 e 1976:  Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Saara Ocidental, Seychellles. Comores, Gâmbia, Guiné-Bissau, Cabo Verde. Entre 1977 e 1990: Namíbia, Zimbábue, Djibuti.
Territórios dependentes: Ilha da Madeira, Ilhas Maurício.
Territórios não colonizados: Etiópia, Libéria.
No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e a escala de 0 a 740 quilômetros.

Fonte: dubí jórj. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2003. página 219.


Responda em seu caderno.

Explore

Com base neste mapa e no mapa da página 160, identifique os países que eram colônias de Portugal e o período no qual conquistaram a independência política.


Independência das colônias do norte da África

Após a Segunda Guerra Mundial, ações guerrilheiras pela independência se multiplicaram nos protetorados franceses do Marrocos e da Tunísia. Em reação, a metrópole decretou estado de emergência e aplicou a lei marcialglossário , banindo ou prendendo os rebeldes. Essas ações francesas, no entanto, incentivaram ainda mais o movimento de independência.

Os dirigentes das lutas pela independência, temendo que a explosão da guerrilha afetasse a estabilidade política dessas regiões, optaram por negociar com a França para obter a independência. Em 1956, Marrocos e Tunísia conseguiram o reconhecimento de sua independência.

A luta na Argélia

Na Argélia, a situação foi totalmente diferente. As autoridades francesas consideravam a região parte inseparável do território francês, sobretudo pela presença de cêrca de 1 milhão de colonos franceses, chamados pieds-noirs (pés negros), que possuíam a maior parte das terras férteis.

As manifestações realizadas por argelinos, que ocorriam no território desde 1945, eram reprimidas com violência pelo exército francês.

Os pieds-noirs também se manifestavam, porém, contra a separação. Em 1954, um grupo de argelinos fundou a Frente de Libertação Nacional (éfe éle êne) e iniciou nas áreas rurais uma luta armada contra o colonizador. Aos poucos, a população das cidades começou a participar das ações e, por volta de 1960, a éfe éle êne já reunia cêrca de 130 mil combatentes.

Após anos de confrontos, a França assinou, em 1962, os acôrdos de Évian, que estabeleceram o cessar-fogo e marcaram um referendo popular para decidir o futuro da Argélia. Realizado em 1º de julho do mesmo ano, o referendo revelou, com 99,7% dos votos, o desejo dos argelinos de constituir um país independente.

Fotografia em preto e branco. Homens aglomerados sobre um carro em movimento. Estão em cima do teto, do capô e pendurados nas portas. Ao fundo outros veículos e prédios.
Argelinos comemorando o resultado do referendo a favor da independência da Argélia. Foto de 1962.

Saiba mais

A Conferência de bandúngui

Os países da Ásia e da África recém-libertados do domínio colonial precisavam obter o reconhecimento internacional como Estados soberanos. Para isso, 29 representantes de países africanos e asiáticos se reuniram na Conferência de bandúngui, na Indonésia, entre 18 e 24 de abril de 1955. Os participantes da conferência repudiaram o colonialismo, encorajaram os povos ainda colonizados a lutar pela emancipação e condenaram qualquer fórma de racismo.


O caso do Congo

No Congo Belga, havia muita desigualdade social entre os congoleses e os europeus que lá viviam. Os nativos eram marginalizados pelo sistema colonial, submetidos à discriminação, à violência das autoridades e a baixíssimos salários.

Apesar disso, o crescimento econômico do Congo Belga e as missões católicas que se dedicaram ao ensino e à caridade contribuíram para a formação de uma elite de jovens letrados negros. Esses jovens fundaram associações, como a Associação dos Antigos Alunos dos Padres de Isrret (Adápes), que foram essenciais para a organização de movimentos de emancipação do Congo.

As primeiras agitações pela independência na região ocorreram em 1944 em diferentes cidades, mas foram violentamente reprimidas pelo govêrno. Esses movimentos fizeram com que a Bélgica passasse a tolerar a formação de organizações culturais étnicas, como a Associação dos Bakongo (Abáco).

Em meados dos anos 1950, o govêrno belga publicou um plano de emancipação do Congo no prazo de trinta anos, o que dividiu os colonizadores e levou à radicalização dos congoleses.

Para evitar uma guerra, o govêrno organizou eleições municipais em 1957, circunscrevendo-as aos bairros congoleses e, assim, permitindo o debate político entre eles. Isso favoreceu a formação de partidos políticos, que até então eram proibidos. Um desses partidos foi o Movimento Nacional Congolês (ême êne cê), liderado por Patríce Lumúmba, que lutava pela autonomia política e econômica do Congo.

Em 1959, ocorreram outras revoltas populares pela independência, que foram novamente reprimidas. Porém, pressionado, o govêrno belga decidiu adiantar a emancipação do Congo para 30 de junho de 1960.

Após a independência, outro conflito instaurou-se entre duas fôrças políticas congolesas: a liderada pelo primeiro-ministro Patríce Lumúmba, que defendia o pan-africanismo e projetos nacionalistas radicais, e a do presidente Iôséf Casavubú, que era a favor de reformas moderadas e regionalistas. Em 1961, Lumumba foi assassinado em um golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos e uma ditadura foi implantada no país.

Fotografia em preto e branco. Grupo de pessoas reunidas em uma manifestação. Carregam cartazes com escritos em francês.
Manifestação em favor da independência do Congo Belga, em Lêopolvile (atualmente denominada quimcháça, na República Democrática do Congo). Foto de 1960.

Saiba mais

A Abáco

Fundada em 1950, a Abáco era uma associação cultural com o objetivo de resguardar a língua nativa e defender os interesses das populações pertencentes à etnia congo. Esse grande grupo étnico era formado por uma variedade de subgrupos, como os vílis, os uôios, os solôngos, os bêmbes, os súndis e os iômbes. Dessa maneira, a atuação da Abáco abrangia interesses e ideologias bem diversos. Em 1957, a associação passou a exercer atividades político-partidárias, defendendo o fim do regime colonial e da discriminação racial e a independência da colônia.


A tragédia em Ruanda e no Burundi

Em Ruanda e Burundi, que formavam o território belga de Ruanda-Urundi, os colonizadores incentivaram os conflitos entre as etnias utú e tútsi. Esses dois grupos tinham rivalidades desde o século quinze, quando os tútsis instalaram uma monarquia na região habitada pelos utús. Sob domínio belga, os tútsis ocuparam altos cargos políticos, religiosos e administrativos, enquanto a maioria da população, formada pelos utús, ficou marginalizada, submetida a trabalhos excessivos e forçados, com restrito acesso à educação e pouca representatividade política.

Em meados da década de 1950, influenciada pelos acontecimentos em outras regiões africanas, a elite tútsi organizou movimentos pela independência de Ruanda-Urundi, apoiando a união nacional contra os belgas. Os utús, porém, defendiam a ideia de que a luta pela emancipação deveria ser contra o monopólio político, econômico, social e cultural dos tútsis, e não somente contra a Bélgica. Assim, em 1957, os utús publicaram um manifesto apontando as contradições da sociedade ruandesa e, em 1959, derrubaram a monarquia tútsi.

Novas eleições foram realizadas em 1960, com expressiva vitória dos utús. Em janeiro do ano seguinte, os utús declararam independência, o que foi legitimado nas eleições de setembro, controladas pela ONU. Burundi, separada de Ruanda, conquistou a emancipação em dezembro de 1961.

Após a independência, as tensões entre utús e tútsis se agravaram, tendo início uma longa guerra civil. Em 1990, um grupo tútsi refugiado em países vizinhos desde 1959 organizou a Frente Patriótica Ruandesa (érre pê éfe) e invadiu Ruanda. A guerra civil durou até 1993, quando um acôrdo de paz foi assinado. Porém, em 1994, um avião que levava os presidentes hutus de Ruanda e Burundi foi derrubado. Os extremistas utús culparam a érre pê éfe pela tragédia e iniciaram um genocídio contra os tútsis, que durou 100 dias e deixou entre 800 mil e 1 milhão de mortos, o que correspondia a 84% da população tútsi de Ruanda na época.

Fotografia. Pessoas caminhando sobre chão de terra. À frente, uma bandeira no mastro. Ao fundo, um vilarejo.
Refugiados tútsis atravessando a fronteira entre Ruanda e Burundi. Foto de 1994.

Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. Qual foi a origem do movimento pan-africano?
  2. Quais eram os principais objetivos dos participantes do Primeiro Congresso Pan-Africano?
  3. Além do pan-africanismo, que outro movimento ligado à comunidade africana se formou na década de 1930? Descreva as características desse movimento.
  4. Por que a situação da Europa após a Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, mesmo sendo importante, não pode ser considerada o fator decisivo para a conquista da independência das colônias na África?
  5. Explique a afirmação: “Nem todas as colônias africanas conquistaram a independência por meio da negociação pacífica”.

História em construção

A rivalidade histórica entre tútsis e utús

O velho livro de relatos de um viajante oferece pistas para explicar o genocídio em Ruanda. O duque Adôlfus Fréderric fon Méquilembérg escreveu em Into the Heart of Africa (No coração da África) sobre caçadas e viagens às colônias da Alemanha imperial.

Seu relato, escrito em 1910, também traz teorias sobre a superioridade racial da tribo tútsi em relação aos utús.

‘Os uatutsís são um povo alto, bem-feito, com um físico quase ideal’, escreveu o duque, para quem eles haviam migrado do Egito ou da Arábia.

Os utús, em contraste, eram ‘os habitantes primitivos. São um povo de porte mediano, cujos corpos desajeitados denunciam a prática do trabalho árduo, e que se curvam em abjeta servidão à raça que chegou mais tarde, mas que os domina: os uatutsís’. reticências

A aristocracia feudal dos pecuaristas tútsis já reinava sobre os lavradores utús antes de os alemães assumirem o contrôle do que hoje é Ruanda, no final do século dezenove.

tútsis e utús sempre falaram a mesma língua, tiveram a mesma religião e frequentemente fizeram casamentos mistos. Muitos ruandeses dizem que as divisões em sua sociedade eram apenas de classe, não de origem étnica, e que um utú rico podia ‘tornar-se tútsi’ com uma cerimônia.

Os alemães preferiam governar indiretamente, através dos tútsis. O sistema estava enraizado quando a Alemanha perdeu seu domínio, ao fim da 1ª Guerra Mundial, e a Bélgica tomou Ruanda. reticências

Nos anos [1950], intelectuais tútsis começaram a pedir a independência. Os belgas passaram a apoiar políticos utús, cuja preocupação era pôr fim ao domínio tútsi. Os tútsis reagiram com a matança de utús – que causou uma revolta na qual dezenas de milhares de tútsis foram massacrados. A Bélgica não interveio e se livrou da responsabilidade ao dar independência a Ruanda, em mil novecentos e sessenta e dois.

Rártlei, Êidan. tútsis e utús têm rivalidade histórica. Tradução de Clara Allain. Folha de São Paulo, São Paulo, página 2, 22 junho 1994. Mundo.


Fotografia. Aline Uwase, de perfil abaixada observando um mural de fotos. Usa um casaco verde, calça escura e sapatos vermelhos. Tem os cabelos presos no alto da cabeça em um coque.
Aline Uáse, sobrevivente do genocídio, observando fotos de vítimas no Memorial do Genocídio, em Quigáli, Ruanda. Foto de 2019. O memorial foi inaugurado no 10º aniversário do genocídio, em 2004, e guarda objetos e fotografias relativos ao conflito.

Responda em seu caderno.

Questões

  1. Segundo o autor, qual é o principal fator que explica o genocídio?
  2. Esse artigo foi escrito por um jornalista inglês cujo pai era um alto oficial da coroa britânica no Quênia. Com base nisso, comente como a identidade do autor pode ter influenciado sua análise sobre o genocídio.
  3. Reescreva esse texto, mencionando os mesmos fatos, porém sob um ponto de vista diferente. Explicite o ponto de vista pelo qual você optou.

Independência das colônias portuguesas

Como você estudou no capítulo 5, em 1926, estabeleceu-se em Portugal um regime ditatorial inspirado na doutrina fascista italiana. Em continuidade a esse regime, em 1932, António de Oliveira Salazar assumiu o govêrno português e, no ano seguinte, impôs uma nova constituição ao país. Assim, teve início o Estado Novo, uma das mais longas ditaduras europeias do século vinte.

A ônu, desde sua criação em 1945, pressionou os países a estabelecer um calendário de emancipação de suas possessões coloniais. No entanto, para evitar a pressão externa, a ditadura salazarista mudou o státus de suas colônias, passando a identificá-las como províncias ultramarinas, procurando mostrar à comunidade internacional que havia um sentimento de unidade entre a metrópole e os territórios coloniais.

Mesmo com essa medida, ocorreram nas colônias diversos movimentos pela independência. Na década de 1960, políticos e intelectuais africanos participaram de diversas conferências internacionais com o objetivo de denunciar a violência da dominação portuguesa. O govêrno português, porém, recusava-se a negociar a questão.

Nesse contexto, importantes lideranças do movimento pela independência destacaram-se nas colônias portuguesas na África. Assim como nas colônias francesas e britânicas, jovens que tinham a possibilidade de estudar na metrópole entraram em contato com os movimentos da negritude e do pan-africanismo. Ao retornar a seus locais de origem, passaram a liderar a luta contra o colonialismo. Entre eles destacaram-se o angolano Agostinho Neto, o moçambicano Marcelino dos Santos e o cabo-verdiano Amílcar Cabral. Leia um texto escrito por Cabral.

Nós somos homens como todos os outros. reticências Nós somos africanos, não inventamos muitas coisas, reticências não temos grandes fábricas, reticências mas temos os nossos próprios corações, as nossas próprias cabeças, a nossa própria história. É essa história que os colonialistas nos tiraram. Os colonialistas costumam dizer que foram eles que nos trouxeram para a história; hoje nós mostramos que não é assim. Fizeram-nos deixar a nossa história, para os seguir, precisamente atrás, seguir o progresso da história. Hoje ao pegar em armas para nos libertarmos, ao seguir o exemplo de outros povos que pegaram em armas para se libertarem, nós queremos regressar para a nossa história com os nossos próprios pés, pelos nossos próprios meios e através dos nossos sacrifícios.

CABRAL, Amílcar. In: FRANCO, Paulo F. C. Amílcar Cabral: a palavra falada e a palavra vivida. 2009. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. página 132.


Responda em seu caderno.

Explore

Segundo Amílcar Cabral, o que a libertação do colonialismo europeu representaria para os africanos?

Fotografia em preto e branco. Amílcar Cabral, homem sorridente, cabelo curto e pouca barba. Usa óculos. Veste um terno escuro, camisa branca e gravata preta.
Amílcar Cabral, secretário-geral e um dos fundadores do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Foto de 1973.

A Revolução dos Cravos e o fim do Império Português

Em 1961, com o apôio dos Estados africanos constituídos no continente, iniciaram-se as lutas pela independência em Angola e na Guiné Portuguesa, em 1963, e em Moçambique, em 1964. Essa situação agravou a crise do regime salazarista, e Portugal ficou cada vez mais isolado.

Em 1968, Salazar, doente, foi afastado do poder e substituído por Marcelo Caetano. O novo govêrno defendia a concessão de uma “autonomia progressiva” às colônias, admitindo a possibilidade de elas, no futuro, tornarem-se Estados independentes.

A posição de Caetano acirrou os debates nas colônias, e a luta armada se fortaleceu. Em resposta, a metrópole aumentou o contrôle em suas possessões na África e reprimiu com violência as manifestações de estudantes africanos em Portugal. A pressão sofrida pelo país, tanto no interior das colônias quanto em nível internacional, tornou insustentável a manutenção do regime salazarista e de seus domínios em território africano.

Em 25 de abril de 1974, um grupo de militares derrubou o govêrno de Marcelo Caetano, em um movimento que ficou conhecido como Revolução dos Cravos, e iniciou negociações com as lideranças políticas das colônias, que resultaram na independência das últimas possessões europeias em território africano: Guiné-Bissau, em 1974, e Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola, em 1975.

Fotografia. Soldados sentados segurando armas compridas. Dentro dos canos das armas, cravos vermelhos e brancos.
Soldados que participaram da Revolução dos Cravos, em Lisboa, Portugal. Foto de 1º de maio de 1974. Para comemorar o fim da ditadura portuguesa, a população saiu às ruas e distribuiu cravos vermelhos aos soldados como fórma de agradecimento.

A violência em Moçambique

Em Moçambique, a luta pela independência foi liderada pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), fundada em 1962 sob o comando de Eduardo Chivâmbo Môndilâne. A Frelimo agiu por meio de guerrilhas armadas contra o govêrno português, que respondeu brutalmente com massacres, torturas, deportações e assassinatos.

A Revolução dos Cravos, porém, contribuiu para enfraquecer o sistema colonial português e fortalecer a Frelimo, que passou a controlar amplos territórios de Moçambique e, em junho de 1975, proclamou a independência do país sob o govêrno de Samôra Machél. Após a libertação, contudo, teve início uma guerra civil que opôs a Frelimo à Resistência Nacional Moçambicana (renâmo), um movimento anticomunista apoiado pelos Estados Unidos, pela Rodésia do Sul (parte do atual território do Zimbábue) e pela África do Sul. O conflito se estendeu até 1992 e deixou um saldo de cêrca de 1 milhão de mortos e 1,7 milhão de refugiados.

Fotografia em preto e branco. Militares descendo de um trem. Alguns caminham ao lado do trilho, em uma região árida. Alguns carregam armas.
Soldados portugueses e africanos durante os conflitos pela independência moçambicana, em Moçambique. Foto de 1973.

Os longos conflitos em Angola

Em meados da década de 1950, as associações culturais e políticas que reivindicavam a libertação de Angola deram origem a diferentes partidos políticos. Entre eles, estavam a Frente Nacional de Libertação de Angola (éfe êne éle a), comandada por Ôlden Roberto, e o Movimento Popular de Libertação de Angola (ême pê éle a), liderado por Agostinho Neto. Mais tarde, dissidentes da éfe êne éle a fundaram a União Nacional pela Independência Total de Angola (unita), dirigida por Jonas Savímbi.

A éfe êne éle a e a unita tinham base étnica e eram formadas por uma pequena burguesia urbana, apesar de estarem implantadas no meio rural. Por ter um programa anticomunista, ambas receberam apôio dos Estados Unidos. Já o ême pê éle a tinha uma fôrça urbana mais sólida, possuía uma base nacional e defendia reformas de tendência comunista. Assim, recebeu forte apôio de Cuba e da União Soviética.

Entre 1959 e 1960, a luta pela independência do Congo, onde viviam muitos angolanos exilados, repercutiu em Angola com a eclosão de diversas revoltas, principalmente em Luanda e Cassange. Porém, elas foram duramente reprimidas pelos portugueses. Para agravar a situação, as divergências entre os diferentes movimentos pela independência de Angola intensificaram-se e provocaram uma guerra civil a partir de 1961.

Em 1975, na capital, Luanda, centro de disputa desses grupos, o ême pê éle a saiu vitorioso e formou um govêrno socialista, enquanto na província de Uâmbo formou-se um govêrno dirigido pela éfe êne éle a e pela unita. Assim, nesse contexto conflituoso, foi declarada a independência de Angola em novembro daquele ano. Em 1976, porém, a ônu reconheceu como legítimo apenas o govêrno dirigido pelo ême pê éle a. A guerra civil entre o ême pê éle a e a Unita continuou até 2002, quando foi assinado um acôrdo de paz. O conflito deixou mais de 600 mil refugiados e mais de 500 mil mortos.

Fotografia. Homem dentro de uma construção em ruínas. O piso é xadrez e as paredes esverdeadas.
Ruínas de edifício destruído durante a guerra civil angolana na província de Huambo, Angola. Foto de 2008.

Saiba mais

Refugiados angolanos

A saída forçada de africanos escravizados para o continente americano entre os séculos dezesseis e dezenove ficou conhecida como diáspora africana. Atualmente, o termo tem sido utilizado para designar o movimento migratório de africanos que buscam refúgio na Europa e na América para escapar dos constantes conflitos internos na África.

Apesar do fim da guerra civil angolana, em 2002, a violação aos direitos humanos da população e os conflitos armados se mantêm. Em busca de melhores condições de vida, muitos angolanos têm migrado para Portugal e para o Brasil, considerando, principalmente, a facilidade do idioma comum.


Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. Descreva a reação do govêrno português à resolução da ônu determinando que as nações europeias promovessem a independência de suas possessões na África.
  2. O que foi a Revolução dos Cravos? De que modo ela contribuiu para acelerar a independência das colônias portuguesas na África?
  3. Identifique os principais grupos que lutaram pela independência de Angola e as características deles.
  4. De que modo as guerras civis em Moçambique e Angola, logo após a independência desses países, estavam inseridas no contexto da Guerra Fria?

A descolonização na Ásia

Na Ásia, a dominação colonial europeia também começou a se desmantelar após a Segunda Guerra Mundial. Por meio de conflitos violentos ou negociações pacíficas, as colônias asiáticas foram conquistando a independência: os britânicos deixaram a Índia (1947), assim como os holandeses saíram da Indonésia (1949) e os franceses, da Indochina (1954).

Aos poucos, franceses e britânicos também foram expulsos do Oriente Médio, enquanto os portugueses saíram de Goa (1961), mas levaram a cabo sua dominação em Macau (1999) e no Timor Leste (2002) até o final do século vinte e o comêço do vinte e um. A seguir, você estudará a emancipação da Índia, da Indonésia e do Timor Leste.

A revolução pacífica na Índia

Em 1917, o secretário de Estado britânico para assuntos indianos prometeu um govêrno independente para a Índia. No entanto, o novo estatuto, adotado em 1919, concedia um poder administrativo mínimo aos ministros e conselheiros locais, o que provocou sérias revoltas.

Foi nesse cenário que começou a ganhar destaque morrandas caramchând gândi, mais conhecido como Marrátma Gândi, até então defensor da cooperação com a Grã-Bretanha. Gândi lançou, em agosto de 1920, uma campanha de desobediência civil aos britânicos, promovendo o que se chamou de resistência pacífica. Ele defendia a atuação por meios não violentos, como greves, boicote aos produtos britânicos, abandono de hábitos ocidentais e cultivo das tradições culturais indianas (como o uso dos trajes locais e a produção de tecidos em teares tradicionais).

Gândi também organizou, em 1930, a Marcha do Sal, em protesto contra a lei que obrigava os indianos a consumir exclusivamente o sal importado do Reino Unido. Durante 25 dias, Gândi, acompanhado de uma multidão, percorreu a pé 400 quilômetros em direção ao litoral para extrair sal da água do mar, um ato político contra as ordens britânicas. A polícia investiu contra a multidão, que não reagiu à violência das tropas.

Com a Segunda Guerra Mundial, o Império Britânico se enfraqueceu e o Partido do Congressoglossário aproveitou para endurecer sua posição ampliando as manifestações e o boicote aos artigos britânicos. Em agosto de 1947, a independência da Índia foi aprovada e o país foi dividido em dois Estados: a Índia, predominantemente hindu, e o Paquistão, de maioria muçulmana.

O Paquistão Oriental tornou-se independente do Paquistão Ocidental em 1971, com o apôio da Índia, e recebeu o nome de Bangladesh (consulte o mapa).

A divisão da Índia (1947)

Mapa. A divisão da Índia, 1947. Destaque para o subcontinente indiano. Legenda: 
Linha vermelha: Fronteira da Índia em 1945.
No mapa, a fronteira da Índia em 1945 abrangia os atuais territórios da Índia, Paquistão, Caxemira e Bangladesh (1971). No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de 0 a 510 quilômetros.

Fonte: CHALIONDE, Gerrádi; RAGEÚ, Jean Piérre. Atlas politique du XXe siècle. Paris: sei, 1988. página 154.

Refletindo sobre

Gândi é considerado um dos mais importantes líderes do século vinte. Suas ideias influenciam movimentos pacifistas do mundo inteiro e sua atuação é um exemplo para aqueles que defendem a não violência como caminho para a luta política. Em sua opinião, os ensinamentos de Gândi continuam válidos no século vinte e um? Por quê?


Leitura complementar

Mahatma Gândi e a não violência

Neste texto, Gândi apresenta sua ideia de não violência por meio da chamada distribuição equitativa.

A implicação real da distribuição equitativa é que cada homem tenha o necessário para suprir suas necessidades naturais e nada mais. Por exemplo, se um homem tem uma digestão difícil e requer apenas um quarto de uma libra de farinha para fazer seu pão e outro precisa de uma libra, ambos devem estar em condição de satisfazer suas necessidades. Para realizar esse ideal toda a ordem social teve de ser reconstruída. reticências

O primeiro passo é que aquele que fez desse ideal parte de sua existência realize as mudanças necessárias em sua vida pessoal. Deve reduzir suas demandas a um mínimo, tendo em mente a pobreza da Índia. Seus ganhos devem estar isentos de desonestidade. Deve renunciar ao desejo de especulação. Sua moradia deve ser adequada ao novo modo de vida. reticências Quando fizer tudo o que é possível em sua própria vida, somente então estará em condição de pregar esse ideal entre seus colegas e vizinhos.

Na verdade, na raiz dessa doutrina da distribuição equitativa deve estar o princípio de que os ricos são depositários da riqueza supérflua que possuem. Isso porque, de acôrdo com a doutrina, eles não podem possuir uma rupiaglossário a mais do que seus vizinhos. Como isso pode ser realizado? De fórma não violenta? Ou deveriam os ricos ser privados de seus bens? Para fazermos isso, teríamos, naturalmente, que recorrer à violência. Essa ação violenta não pode beneficiar a sociedade. A sociedade ficará mais pobre, pois perderá os dons de um homem que sabe acumular riqueza. Portanto, o caminho não violento é evidentemente superior. Ao homem rico será deixada sua riqueza, da qual usará o razoavelmente necessário para satisfazer suas necessidades pessoais e será o depositário do restante a ser usado para a sociedade. Nesse argumento, pressupõe-se honestidade da parte do depositário. reticências

Contudo, se, apesar do esfôrço extremo, os ricos não se tornarem guardiões dos pobres, no verdadeiro sentido do termo, e estes forem cada vez mais espezinhados e morrerem de fome, o que se deve fazer? Na tentativa de encontrar uma solução para esse quebra-cabeça, ressaltei a não cooperação não violenta e a desobediência civil como meios corretos e infalíveis. Os ricos não podem acumular riqueza sem a cooperação dos pobres na sociedade. reticências Se esse conhecimento penetrasse e se disseminasse entre os pobres, eles se tornariam fortes e aprenderiam a libertar-se, por meio da não violência, das esmagadoras desigualdades que os conduziram à beira da fome.

Gândi, Márrátima. Distribuição equitativa através da não violência – 1940. In: Ixêi, Micheline R. (organizador). Direitos humanos: uma antologia. Principais escritos políticos, ensaios e documentos desde a Bíblia até o presente. São Paulo: êduspi: Núcleo de Estudos da Violência, 2006. página 575-577.


Responda em seu caderno.

Questões

  1. O que seria a distribuição equitativa, segundo Gândi? Como ela poderia ser alcançada?
  2. Segundo Gândi, qual seria o papel das pessoas ricas para atingir a distribuição equitativa?
  3. De que modo o princípio da não violência se enquadraria nessa teoria de Gândi?

A libertação da Indonésia

A Indonésia foi colonizada pelos holandeses a partir do século dezessete por meio da Companhia Holandesa das Índias Orientais, que explorava o lucrativo comércio de especiarias do Oriente. Esse tipo de dominação mercantil durou até o século dezenove, quando o govêrno holandês passou a dominar politicamente a região. No início do século vinte, intelectuais e comerciantes começaram a delinear um movimento com reivindicações nacionalistas e, em 1927, foi criado o Partido Nacionalista Indonésio (Pê ene ih). Outros movimentos pela libertação da Indonésia surgiram na década de 1930 e formaram, em 1939, a Federação Política Indonésia (Gápi Gabungán Polití Indonésia, sigla original do idioma indonésio).

Com a invasão do arquipélago pelo Japão em 1942, o sentimento nacionalista indonésio fortaleceu-se. Em agosto de 1945, aproveitando a derrocada do Japão na Segunda Guerra Mundial, os indonésios, sob a liderança de Morrâmed Ráta e sucárno, declararam a independência da região. Os holandeses não reconheceram o novo país e entraram em guerra contra os indonésios. Somente em 1949 a Holanda reconheceu a Indonésia como um Estado independente.

O caso do Timor Leste

Em 1859, portugueses e holandeses, que disputavam o contrôle do comércio de especiarias no Sudeste Asiático, dividiram a Ilha do Timor. A parte leste da ilha sob domínio de Portugal recebeu o nome de Timor Português, enquanto a parte oeste foi chamada de Timor Ocidental Holandês. Os portugueses exerceram autoridade indireta sobre o Timor Leste, aliando-se à elite local.

Com a Revolução dos Cravos, em 1974, o governador do Timor formou uma coligação entre a União Democrática Timorense (u dê tê) e a Frente Revolucionária de Timor Leste Independente (Fretilín) a fim de discutir os caminhos para a independência da região. Em novembro de 1975, a Fretilín rompeu a coligação e declarou a independência do Timor Leste, mas no mês seguinte o país foi invadido pela Indonésia. O violento conflito durou até 1999, quando foi realizada uma consulta popular que decidiu pela independência do Timor Leste. Até 2002, a ônu permaneceu no país para assegurar a transição para um govêrno democraticamente eleito.

Fotografia. Dois rapazes em uma moto. O garupa está sem capacete e carrega uma bandeira do Timor Leste.
Jovens comemorando o décimo quarto aniversário da independência de Timor Leste, em Dili, capital do país. Foto de 2016.

Conexão

Timor Leste: o massacre que o mundo não viu

País: Brasil

Direção: Lucélia Santos

Ano: 2001

Duração: 80 minutos

O documentário apresenta a história do Timor Leste após o fim da invasão indonésia, que massacrou cêrca de um terço da população local nos 25 anos em que controlou o território. Com o resultado de um plebiscito supervisionado pela ônu, em 1999, a região teve a autonomia confirmada. Porém, antes de desocuparem o país, as tropas indonésias vandalizaram a maior parte do território. A diretora Lucélia Santos e sua equipe chegaram ao país um ano depois e registraram o estado de destruição em que o Timor Leste se encontrava.


Capa de filme. Na parte superior, mãos juntas de uma pessoa. No centro o título. Abaixo a frase: NA PONTA DA MINHA BAIONETA ESCREVEI A HISTÓRIA DA MINHA LIBERTAÇÃO.
Capa do dêvedê do documentário Timor Leste: o massacre que o mundo não viu, 2001.

Responda em seu caderno.

Recapitulando

10. Que relação é possível estabelecer entre a independência da Indonésia e a libertação do Timor Leste?


Atividades

Responda em seu caderno.

Aprofundando

1. Analise o cartaz para responder às questões.

Cartaz. Ilustração de militar pendurado no mastro quebrado de uma bandeira do Império Japonês. Um grande pé o acerta por trás. O mastro está encaixado no globo terrestre. Em cima e embaixo, inscrições em holandês.
Cartaz holandês de 1945 em que se lê: “Saia! As Índias Holandesas [Indonésia] devem ser libertadasreticências”.
  1. Em que contexto o cartaz foi produzido?
  2. O cartaz foi produzido por um artista holandês. Qual seria a intenção dele?
  3. De que fórma o acontecimento representado no cartaz contribuiu para acelerar a independência da Indonésia?

2. Leia um trecho do documento produzido pelo govêrno colonizador belga em 1925. Depois, responda às questões.

Os tútsis são outro povo. Fisicamente, eles não têm uma semelhança com os utús, exceto, evidentemente, alguns ‘declassés’ (desclassificados, em francês) cujo sangue não é mais puro. Mas, os tútsis de boa raça possuem, além da côr, nada de um negro. As características físicas recordam numa maneira perturbadora o perfil da múmia de Ramsés segundo. Os tútsis estavam destinados a governar reticências.

Administración Coloniáli, Ruanda-Urrundí . Brússels: Ripórt Adminstrêixion, 1925. In: Médani, Mérrimud. When Victims Become Killers: colonislism, nativism and the genocide in Rwanda. Princeton: Princeton University Press, 2020. E-book. (Tradução nossa).

  1. Compare esse texto com o artigo da seção “História em construção”, na página 165. O que eles têm em comum?
  2. Com base no documento, é possível afirmar que os belgas incentivaram a rivalidade étnica entre tútsis e utús em Ruanda e no Burundi? Por quê?

3. Leia o texto para responder à questão.

reticências a descolonização política e a independência formal da África não implicam o fim do imperialismo. Elas tão somente traduzem uma mudança facial do imperialismo. A descolonização política não se acompanhou de uma descolonização econômica. reticências

Por conseguinte, a cooperação afro-ocidental consagrou-se, amplamente: à promoção de um modo de exercício dos poderes públicos, em conformidade com os preceitos e ao estilo das democracias ocidentais; ao estabelecimento de um sistema escolar e universitário, à moda ocidental, capaz de tornar possível transplantar, para a África, a tradição intelectual do Ocidente; à propaganda, entre os africanos, em favor da ideologia capitalista reticências; bem como, finalmente, à criação de um sistema de transportes e de comunicações, além de outras infraestruturas, de natureza a facilitarem, na África, o florescimento de uma atividade econômica calcada no modelo ocidental.”

tchínueizu, D. A África e os países capitalistas. In: MAZRUI, Ali A.; Uôndí, Cristófi (edição). História geral da África: África desde 1935. segunda edição revista Brasília, Distrito Federal: unêsco, 2010. volume oito, página 928-929. (Coleção História geral da África).

Que argumento é apresentado no texto para defender que a descolonização política dos países africanos não foi acompanhada de uma descolonização econômica?

Aluno cidadão

4. Leia os relatos de dois refugiados angolanos no Rio de Janeiro. Depois, responda às questões.

Relato 1

Nós temos uma educação, digamos, muito rígida, que nós preservamos muito. Por exemplo, o respeito do mais novo com o mais velho. reticências


Eu ficava muito chocado, na escola reticências de como os meus colegas se dirigiam aos nossos professores. Eu ficava assim: ‘Nossa! Como é que ele fala isso ao professor!?’ Nós fomos educados que professor é, depois do pai e da mãe, você tem que abaixar a cabeça pra ele! Você tem que obedecer, tem que falar com respeito.

Relato 2

Uma coisa que existe é a nossa diferença de refugiados africanosreticências Vamos dizer, eu, especificamente, como angolano, o que nós constatamos sempre é que existe um tratamento diferente em relação a, vamos dizer, sírios, ou refugiados europeus, por exemplo. O tratamento com essas pessoas é mais amistoso, tanto na sociedade como nas próprias instituições. reticências Nós tivemos muita dificuldade em adquirir emprego. Na construção civil, muitos [angolanos] vieram com qualificação e não eram aceitos em algumas instituições. Mas eu vejo sírios e alguns de outros lugares, eles conseguiram ser inseridos na sociedade brasileira de uma fórma muito mais fácil.

SANTOS, Márcia R.; SOUZA, Rogério F. Vida de refugiado, vida de estranho. A experiência angolana no Rio de Janeiro. Sociologia on-line, Lisboa, número 24, página 111-113, dezembro 2020. Disponível em: https://oeds.link/ndSJBs. Acesso em: 10 março 2022.

  1. Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos angolanos no Brasil?
  2. Em sua opinião, por que imigrantes angolanos e sírios recebem tratamento diferente no Brasil?
  3. Pesquise medidas adotadas no Brasil para favorecer a adaptação dos refugiados no país e registre-as.
  4. Além das medidas adotadas, que outras iniciativas podem favorecer o acolhimento dos refugiados no Brasil?

Conversando com língua portuguesa

5. Leia o poema do timorense Francisco Bórja da Costa, que trata da luta pela independência do Timor Leste.

Regatosglossário convergindo transformam-se em rios

Os rios juntando-se qual a fôrça que se lhes opõe

Assim os timorenses devem juntar-se

Devem unir-se para se oporem ao vento que sopra do mar

O vento que sopra do mar fustiga o trajoglossário

Fere a vista e martiriza o dorso

Faz as lágrimas e o suor rolarem pelo chão

Suga a gordura da nossa terra e do nosso corpo

Regatos convergindo transformam-se em rios

Timorenses, unidos, ergamos a nossa terra.

COSTA, Francisco Bórja da. Regatos. In: CORREIA, Damares B. Roteiro da literatura de Timor-Leste em língua portuguesa. 2013. Tese (Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2013. página 89.

  1. Como o poeta descreveu a luta do povo timorense pela independência?
  2. Que expressão o poeta usou para se referir aos indonésios?
  3. Que figura de linguagem o poeta usou para descrever a luta dos timorenses?

enêm e vestibulares

6. (unicâmpi-São Paulo)

À meia-noite de 15 de agosto de 1947, quando Nehru anunciava ao mundo uma Índia independente, trens carregados de hindus e muçulmanos, que associavam a religião às causas de uma ou outra comunidade, cruzavam a fronteira entre a Índia e o novo Paquistão, em uma das mais cruéis guerras civis do século vinte. Gândi, profundamente comovido, começava um novo jejum, tentando a conciliação. Mais tarde, já alcançada a independência, foram as diferenças entre hindus e muçulmanos que levaram nerú, primeiro ministro da Índia, a separar religião e Estado, para que as minorias religiosas, como os muçulmanos, não fossem vitimadas pela maioria hindu.

FAUSTINO, Cielo G. Uma praja ainda imaginada: a representação da Nação em três romances indianos de língua inglesa. São Paulo: Nankin: êduspi, 2007. página 23. (Adaptado.)

  1. De acôrdo com o texto, que razões levaram nerú a separar religião e Estado após a independência da Índia?
  2. Quais foram os métodos empregados por Gândi na luta contra o domínio inglês na Índia?

Glossário

Estereótipo
: imagem ou ideia preconcebida, padronizada e generalista sobre algo.
Voltar para o texto
Trinitino
: natural ou habitante de trinidá í tobágo, país localizado no Caribe, na América Central.
Voltar para o texto
Apartheid
: política que vigorou na África do Sul entre 1948 e 1994, que se apoiava no desenvolvimento separado das “raças” e oprimia negros, mestiços e indianos.
Voltar para o texto
Lei marcial
: suspensão, geralmente temporária e em caráter excepcional, da legislação e do govêrno civis, que são substituídos por leis e autoridades militares.
Voltar para o texto
Partido do Congresso
: partido fundado em 1885 por uma rica burguesia indiana, que reivindicava a ampliação da autonomia da Índia em relação aos britânicos.
Voltar para o texto
Rupia
: moeda indiana.
Voltar para o texto
Regato
: pequeno curso-d’água.
Voltar para o texto
Trajo
: traje.
Voltar para o texto