CAPÍTULO 13  A redemocratização na América do Sul

Em 1986, diversas organizações indígenas, camponesas e populares latino-americanas começaram a somar fôrças pela coordenação e unificação de suas lutas. O primeiro passo para a construção da unidade se deu em 1988, no Equador, com a Campanha de Resistência Indígena pela Confederação de nacionalidades Indígenas do Equador (conáie). No ano seguinte, foi realizado em Bogotá, na Colômbia, o primeiro encontro dos movimentos indígenas e camponeses com o nome 500 anos de resistência, que lançou as bases de uma mobilização em nível continental.

Na década de 1990, o Brasil integrou a campanha 500 anos de resistência indígena, negra e popular como coordenador do comitê da Região Cone-Sul, que reunia também o Chile, a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e o Suriname. Seus objetivos principais eram contestar a visão eurocêntrica dos “descobrimentos”, reivindicar o direito ancestral à terra e à autodeterminação dos povos, bem como fazer a defesa dos direitos humanos no continente americano.

Cartaz. Ilustração de mãos com punhos fechados, em tons de pele variada. Estão agrupados formando o mapa da América do Sul. Ao redor delas, arame farpado. Com dizeres em espanhol.
Cartaz da campanha continental 500 anos de resistência indígena, negra e popular. Centro Sérgio Buarque de Holanda, Documentação e Memória Política – Fundação Perseu Abramo, São Paulo. A expressão A dessalambrar, em espanhol, significa “retirar as cercas” e remete ao título de uma música do compositor uruguaio Daniel Vigliéti, de 1968, cujo principal intérprete foi o músico chileno Victor Rara.

Essa intensa mobilização popular coincidiu com o declínio e a derrocada das ditaduras na América Latina e marcou o resgate da democracia na região.

  • Como você interpreta a imagem do cartaz?
  • De acôrdo com o que você estudou nos capítulos anteriores, qual é a principal diferença entre viver em um Estado democrático e viver sob uma ditadura?

Política externa e direitos humanos

Com a eleição de Dimi Carter para a presidência dos Estados Unidos, em 1977, a política estadunidense em relação aos regimes ditatoriais na América Latina começou a mudar. Carter promoveu uma forte campanha pelos direitos humanos, chegando a distribuir cargos para ativistas em sua administração. O objetivo era alterar a política externa agressiva do país e praticar uma diplomacia mais pacifista, a fim de mudar a imagem dos Estados Unidos perante a comunidade internacional.

Carter demitiu oitocentos agentes da cía, muitos dos quais apoiaram golpes militares ou se envolveram nos regimes ditatoriais da América Latina. Além disso, pediu desculpas publicamente pelo fato de a cía ter participado da desestabilização de regimes democráticos de países latino-americanos.

Outra mudança significativa envolveu o exército. Carter cortou os orçamentos da Escola das Américasglossário , localizada no Panamá, e reorganizou a direção de seu ensino: em vez de propagar o anticomunismo, a escola passou a difundir o American way of life (estilo de vida americano, em português). Dessa fórma, a Doutrina de Segurança Nacional na América Latina perdeu fôrça.

Além disso, Carter passou a pressionar os países que violavam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ele bloqueou os empréstimos feitos à Argentina e chegou a suspender todo tipo de auxílio extra ao Uruguai e ao Chile. Também autorizou a divulgação de um relatório sôbre as práticas de tortura contra presos políticos no Brasil e de outras medidas adotadas pelo govêrno civil-militar que limitavam as liberdades democráticas no país.

A política externa em favor dos direitos humanos promovida por Dimi Carter foi importante para desestabilizar os regimes ditatoriais na América Latina, que perderam apôio político, militar e econômico.

Fotografia. Conversa entre dois homens sorridentes. À esquerda, Jorge Rafael Videla, rosto fino, cabelo escuro penteado para trás. Tem olhos grandes e bigode cheio. Usa terno escuro e gravata listrada vermelha e azul escuro. Gesticula com as mãos. À sua frente, Jimmy Carter, homem de cabelo liso e grisalho tem o rosto comprido. Usa terno claro e gravata cinza listrada.
O presidente da Argentina, Jorge R. Videla (à esquerda), e o presidente dos Estados Unidos, Dimi Carter, em uóshinton Dí Cí, Estados Unidos. Foto de 1977.

O esgotamento das ditaduras no Cone Sul

O fim das ditaduras militares na América do Sul decorreu de uma combinação de fatores internos e externos, que variaram de um país para outro. Apesar das especificidades locais, esse processo foi predominantemente marcado por uma transição democrática negociada. A seguir, você estudará os casos da Argentina e do Chile.

A queda da ditadura na Argentina

A política econômica do regime militar argentino, marcada pela restrição monetária, pêla eliminação das tarifas aduaneiras e pela expansão da atividade financeira, foi desastrosa. Além de promover uma grande concentração de renda, sobretudo nas mãos dos setores agro-latifundiários, as medidas do govêrno geraram a falência de indústrias, o desemprego, a redução dos salários e a alta inflação, acarretando a piora das condições de vida da população. A crise se agravou com as sanções econômicas impostas pelo govêrno de Dimi Carter à Argentina.

Apesar da violenta repressão, o movimento operário continuou a resistir à ditadura e a lutar por direitos. Em 1979, para desmobilizar os trabalhadores, o govêrno dissolveu a Confederação Geral do Trabalho (cê gê tê), maior central sindical do país, e proibiu a realização de greves. Isso, porém, não freou os trabalhadores, que realizaram grandes greves em 1981 e 1982.

Em abril de 1982, um conflito acelerou o enfraquecimento do regime: a Guerra das Malvinas. O exército argentino tomou o Arquipélago das Malvinas, ocupado pelo Reino Unido desde meados do século dezenove, com a alegação de defender sua soberania sobre o território. A guerra foi rapidamente vencida pelo Reino Unido, o que gerou na Argentina uma forte reação contra o regime militar.

Fotografia em preto e branco. Dois soldados agasalhados caminham com a arma em mãos.
Soldados argentinos nas proximidades do Porto Stanley, capital das Ilhas Malvinas, durante a Guerra das Malvinas. Foto de 1982. cêrca de setecentos soldados argentinos morreram durante o conflito, e mais de mil ficaram feridos.

Para tentar acalmar os ânimos, o govêrno convocou eleições para outubro de 1983, dando início à redemocratização do país. Nas eleições, Raúl Alfonsín venceu e se tornou o primeiro presidente civil após a ditadura.

Fotografia. Multidão, carregando bandeiras e faixas, aglomerada na escadaria e no entorno de um prédio com grandes colunas e portas largas.
Multidão reunida em frente ao Congresso Nacional da Argentina no dia da posse de Raúl Alfonsín, em Buenos Aires, Argentina. Foto de dezembro de 1983.

O “não” contra Pinochê

A transição democrática no Chile foi tardia se comparada a outros casos da América Latina. Contribuiu para isso o fato de a Constituição chilena, promulgada em 1980, determinar que o mandato presidencial deveria ser de oito anos. Após esse período, em 1988, seria realizado um plebiscito para decidir se Augusto Pinochê permaneceria ou não por mais oito anos no poder, além de garantir que o general governasse por mais um ano e meio, caso fosse derrotado nesse referendo.

A oposição chilena se uniu e formou a Coordenação dos Partidos pelo Não, que promoveu uma forte campanha contra a permanência de Pinochê no poder. A base de apôio de Pinochê, por sua vez, formou o Partido da Renovação Nacional (pê érre êne) para defender o “sim”. No plebiscito realizado em 5 de outubro de 1988, os chilenos optaram pelo “não”. A partir de então, a oposição iniciou as negociações com o govêrno para a transição democrática e as reformas constitucionais, que foram marcadas por forte tensão.

Fotografia. Pessoas na rua em uma manifestação. Carregam bandeiras em mastros. Em uma das bandeiras está escrito NO.
Chilenos comemorando a vitória do “não”, após o plebiscito que decidiria sobre a permanência de Augusto Pinochê no poder, em Santiago, Chile. Foto de 1988.

Pinochê foi bastante resistente em aprovar as mudanças na constituição, que ocorreram somente em maio de 1989. Entre as principais reformas destacaram-se a revogação do artigo que permitia julgar e condenar qualquer pessoa contrária ao govêrno por crime contra a pátria, a redução do mandato presidencial de oito para quatro anos, a diminuição das funções do Conselho de Segurança Nacional e o aumento no número de senadores eleitos. Em julho do mesmo ano, em um plebiscito, 85,7% dos chilenos votaram a favor das reformas constitucionais.

Em 1989, Patrício Aiuín venceu as eleições, tomando posse no ano seguinte. Concretizada a transição democrática, o novo presidente iniciou um processo de investigação dos crimes cometidos durante o regime de Pinochê.


Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. Identifique as principais características da política externa do govêrno de Dimi Carter em relação à América Latina.
  2. O que foi a Guerra das Malvinas? De que modo ela agravou a crise do regime militar na Argentina?
  3. Como a Constituição de 1980 contribuiu para retardar a redemocratização do Chile?
  4. Quais são as diferenças entre a transição democrática realizada na Argentina e a ocorrida no Chile?

A abertura política no Brasil

No Brasil, o processo de abertura política iniciado no govêrno de Ernesto Gaisel continuou durante a gestão de João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985). No entanto, a redemocratização só se concretizou no fim dos anos 1980.

Após o decreto da Lei da Anistia, em agosto de 1979, o govêrno Figueiredo autorizou a volta do pluripartidarismo. A Arena passou a se chamar Partido Democrático Social (pê dê ésse), o ême dê bê tornou-se o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (pê ême dê BÊ) e outros partidos políticos foram criados. Conheça alguns deles.

  • Partido Popular (pê pê), fundado por dissidentes da antiga Arena e emedebistas, como Tancredo Neves.
  • Partido Democrático Trabalhista (pê dê tê), liderado por Leonel Brizola.
  • Partido Trabalhista Brasileiro (pê tê bê), liderado por Ivete Vargas.
  • Partido dos Trabalhadores (pê tê), fundado por sindicalistas do á bê cê paulista, intelectuais de esquerda e grupos socialistas.

Em 1982, ocorreram eleições para prefeitos, deputados e senadores e a primeira eleição direta para o govêrno dos estados desde o início da ditadura civil-militar. O pê ême dê BÊ, maior partido de oposição ao govêrno, conquistou vitórias importantes em vários estados.

Saiba mais

As greves no á bê cê paulista

A abertura política do govêrno Figueiredo deu espaço para que as mobilizações sindicais voltassem com fôrça. Em 1979, os metalúrgicos de São Paulo organizaram uma grande greve contra a política econômica do govêrno. Os grevistas, no entanto, foram violentamente reprimidos pela polícia. Houve prisões em massa e o operário Santo Dias da Silva foi morto.

Em 1980, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo e de Diadema, municípios localizados na região metropolitana de São Paulo, realizaram outra greve, muito maior que a anterior, que se espalhou por cidades vizinhas. As manifestações e passeatas foram tão intensas que o govêrno proibiu a utilização de espaços públicos para a realização de assembleias sindicais. Mesmo assim, os trabalhadores continuaram a se reunir, dessa vez na Igreja Matriz de São Bernardo do Campo. A Igreja Católica, que havia apoiado o golpe civil-militar em 1964, agora dava legitimidade à greve.

A mobilização dos metalúrgicos, porém, foi novamente reprimida em uma ação conjunta da polícia e do exército, que prenderam os principais líderes do movimento. A abertura promovida por Figueiredo mostrava, assim, que não iria tolerar manifestações contra o regime.


Fotografia em preto e branco. Pessoas aglomeradas em uma assembleia realizada em um estádio de futebol. Algumas carregam pequenas bandeiras do Brasil. Ao fundo, pessoas nas arquibancadas.
Assembleia de metalúrgicos do á bê cê paulista no Estádio da Vila Euclides (atual Estádio Primeiro de Maio), em São Bernardo do Campo, São Paulo. Foto de 1979. As assembleias, que ocorriam no Largo da Igreja Matriz ou no estádio municipal, chegavam a reunir cêrca de 150 mil operários.

Refletindo sobre

Uma das principais pautas do movimento operário nas greves de 1979 e 1980 era o aumento salarial. Essa reivindicação ainda é comum nas mobilizações dos trabalhadores. Você sabe qual é o valor atual do salário mínimo no Brasil? Em sua opinião, o salário mínimo é compatível com o custo de vida no país? Você acredita que é possível ter uma vida sem privações e dificuldades ganhando um salário mínimo?


História em construção

O atentado do Riocentro

Em abril de 1981, durante um show do Dia do Trabalho que ocorria no Centro de Convenções do Riocentro, na zona oeste do Rio de Janeiro, uma bomba explodiu dentro de um carro no estacionamento do local. Na explosão, um sargento do exército morreu e um coronel foi ferido. Depois de um inquérito marcado por contradições, o exército divulgou a informação de que os dois militares haviam sido vítimas de um atentado terrorista, articulado por grupos de esquerda, e arquivou as investigações sobre o caso. Contudo, a oposição sustentava que o atentado fôra promovido pelos militares com o objetivo de impedir as eleições de 1982 e frear o processo de redemocratização em curso.

Em 1998, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados solicitou a reabertura das investigações sobre o atentado do Riocentro. Foram, então, apontados os erros do processo e iniciou-se um novo inquérito. A conclusão, divulgada em 1999, foi a de que os dois militares faziam parte de um grupo que conspirava contra a abertura política do país. O coronel sobrevivente foi condenado por homicídio qualificado.

Em 2012, novas provas encontradas na casa do coronel Júlio Miguel Molinas, que era o comandante do Dói (Destacamento de Operações de Informações) do Rio de Janeiro em 1981, levaram o Ministério Público do Rio de Janeiro a reabrir mais uma vez a investigação do caso. Em 2014, cinco militares e um delegado foram acusados de participação no atentado, mas o Supremo Tribunal Federal entendeu que o crime já havia prescrito e o processo não teve seguimento.


Responda em seu caderno.

Questões

  1. Quais foram as duas principais versões debatidas na época sobre o atentado do Riocentro? Qual delas foi confirmada posteriormente?
  2. Qual é a importância da reabertura de casos, como o do atentado do Riocentro, ocorridos durante a ditadura civil-militar?
A campanha das Diretas Já

Em fevereiro de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira, do pê ême dê BÊ, apresentou ao Congresso Nacional uma emenda constitucional que restabelecia a eleição direta para presidente do Brasil.

Com essa proposta, iniciou-se um importante movimento político que mobilizou milhões de brasileiros, conhecido como Diretas Já. Grandes comícios e passeatas foram realizados em todo o país e contaram com a adesão de trabalhadores, estudantes, artistas, intelectuais, jornalistas e pessoas de diversos outros setores da sociedade.

Apesar da pressão, a Emenda Constitucional Dante de Oliveira, como ficou conhecida, foi rejeitada na Câmara dos Deputados.

Fotografia. Pessoas aglomeradas em uma manifestação. Carregam faixas e bandeiras. Ao fundo, pessoa no telhado de um prédio horizontal com janelas compridas e cúpula semicircular voltada para cima.
Manifestação popular por eleições diretas, em Brasília, Distrito Federal. Foto de 1984.

A eleição e a morte de Tancredo

As eleições presidenciais de janeiro de 1985 ainda foram disputadas de fórma indireta, via Colégio Eleitoral. Os candidatos eram Paulo Malúfi, do pê dê ésse, apoiado pelos militares, e o governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, do pê ême dê BÊ. Tancredo recebeu o apôio de artistas, intelectuais e lideranças políticas conhecidas no país.

O candidato a vice de Tancredo Neves era José Sarney, ex-presidente do PDS que rompeu com o partido para formar, com outros políticos dissidentes, a Frente Liberal. Para disputar as eleições, o pê ême dê BÊ e a Frente Liberal se uniram, formando a Aliança Democrática. Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral deu a vitória a Tancredo Neves.

Tancredo estava doente durante a campanha, e, em março de 1985, a enfermidade se agravou. Em razão disso, o vice-presidente, José Sarney, tomou posse do cargo. Durante quase quarenta dias, a população acompanhou apreensiva as notícias sobre o estado de saúde do presidente eleito. Tancredo Neves faleceu em 21 de abril, no Instituto do Coração de São Paulo, provocando grande comoção nacional.

Fotografia em preto e branco. Tancredo Neves, homem calvo, de cabeça oval e nariz pontiagudo. Está sentado falando em um microfone. Atrás dele, outros homens, um deles José Sarney, tem um bigode cheio, cabelos grisalhos e veste terno escuro.
Tancredo Neves durante campanha presidencial em João Pessoa, Paraíba. Foto de 1984. No canto direito da foto, de terno preto, aparece o candidato a vice-presidência, José Sarney.

O govêrno de José Sarney

No início, o govêrno de José Sarney teve pouco apôio popular. Movimentos sociais e partidos de oposição questionavam a legitimidade de sua eleição. As palavras de ordem eram fortes: “O povo não esquece, Sarney é PDS”. Outros, mais radicais, não só o associavam à ditadura civil-militar, como também propunham a sua deposição: “Sarney não dá, Diretas Já”.

José Sarney restabeleceu, em todo o território nacional, as eleições diretas para todos os cargos eletivos, concedeu direito de voto aos maiores de 16 anos, legalizou os partidos políticos clandestinos e convocou eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, encarregada de elaborar uma nova constituição para o país. Uma das prioridades do govêrno Sarney, contudo, foi o contrôle da inflação, principal foco de tensão e insatisfação social.

Charge em preto e branco. José Sarney, homem de cabeça oval, sobrancelhas grossas e bigode grande. Está segurando um livro com as letras LSN na capa. Veste um terno escuro. Com uma das mãos no queixo, olha desconfiado para seu reflexo em um espelho. No reflexo ele usa vestes militares e um quepe.
Charge de Cláudio representando José Sarney, publicada no jornal Tribuna do Norte, em julho de 1987.

Responda em seu caderno.

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Que insinuação a charge faz sobre o presidente José Sarney?


O Plano Cruzado

Para combater a inflação, o ministro da Fazenda, Dilson Funaro, elaborou o Plano Cruzado. Por meio desse programa, o govêrno, entre outras medidas, substituiu a moeda corrente, o cruzeiro, pelo cruzado e congelou os preços e os aluguéis (consulte o esquema). Inicialmente, o êxito do plano foi indiscutível e a população se engajou na vigilância dos estabelecimentos que desrespeitassem o tabelamento determinado pelo govêrno, atuando como “fiscal do Sarney”.

Esquema. Esquema formado por um quadro principal, vermelho, e quatro outros quadros, rosas, dispostos verticalmente, unidos ao primeiro por um fio vermelho. No primeiro quadro se lê: PLANO CRUZADO. Nos demais quadros se lê, respectivamente: INSTITUIU A SUBSTITUIÇÃO MONETÁRIA DO CRUZEIRO PELO CRUZADO; CONGELOU OS PREÇOS POR TEMPO INDETERMINADO; REAJUSTOU O SALÁRIO MÍNIMO EM 15%; CRIOU O ‘GATILHO SALARIAL’, MEDIDA QUE PREVIA O REAJUSTE DOS SALÁRIOS SEMPRE QUE A INFLAÇÃO ATINGISSE 20%.

Os juros baixos e os preços congelados estimularam o consumo. Porém, a euforia teve vida curta. Não demorou para que muitos produtos, principalmente a carne bovina, sumissem das prateleiras, forçando a elevação dos preços.

Mesmo com dificuldades, o congelamento foi mantido até as eleições de novembro de 1986, quando o pê ême dê BÊ, beneficiado pelo sucesso inicial do Plano Cruzado, elegeu os governadores de todos os estados do país, com exceção de Sergipe, além de obter maioria absoluta na Câmara e no Senado.

Para conter a inflação e a desvalorização salarial, outros três planos econômicos foram executados no govêrno Sarney: o Plano Cruzado dois (1986), o Plano Bresser (1987) e o Plano Verão (1989). Todos eles fracassaram, e a inflação aumentou excessivamente no final do govêrno Sarney. Em março de 1990, a inflação chegou a 84,3%.

Fotografia em preto e branco. Várias pessoas dentro de um supermercado. À frente, carrinhos com compras aglomeradas.
Movimentação em supermercado dias após o anúncio do Plano Cruzado, no município de São Paulo, São Paulo. Foto de março de 1986.

A Constituição de 1988

Os deputados federais e os senadores eleitos em novembro de 1986 formaram, em fevereiro de 1987, a Assembleia Nacional Constituinte, que tinha a tarefa de elaborar uma nova constituição para o Brasil. Com esse conjunto de leis, esperava-se completar a transição democrática no país.

Os brasileiros foram incentivados a participar da elaboração da nova constituição por meio de propostas, que deveriam ser assinadas por, no mínimo, 30 mil pessoas e apresentadas por alguma entidade (sindicatos, partidos políticos, entidades religiosas etcétera). Dessa fórma, a Carta Magna do país contou com a colaboração de amplos setores da sociedade brasileira e, por isso, ficou conhecida como “Constituição cidadã”.

Fotografia em preto e branco. Grupo de pessoas puxando um carrinho com diversos blocos de folhas. À frente uma seta para a esquerda informa: EMENDAS POPULARES.
Propostas de emendas populares à constituição sendo entregues ao Congresso Nacional, em Brasília, Distrito Federal. Foto de agosto de 1987.

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a constituição apresentou grandes avanços no estabelecimento de garantias e direitos individuais se comparada aos documentos anteriores. Entre as conquistas mais importantes estavam a liberdade de expressão, de religião e de manifestação política, a criminalização da tortura e do racismo, o direito de voto para os analfabetos, o voto facultativo para pessoas entre 16 e 18 anos de idade e com mais de 70 anos e o resguardo aos direitos indígenas e quilombolas.

As questões sociais também tiveram avanços importantes. Vários direitos dos trabalhadores rurais e urbanos foram estendidos aos empregados domésticos. Foi ainda estabelecido o direito de greve, a liberdade de organização sindical, a redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais, as licenças em casos de maternidade e paternidade, o abono de fériasglossário , o seguro-desemprego, o décimo terceiro salário para os aposentados e a participação dos trabalhadores nos lucros e resultados das empresas, conhecida como pê éle érre.


Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. Que medidas foram tomadas pelo presidente João Figueiredo para promover a abertura política no Brasil?
  2. O que foi a campanha pelas Diretas Já?
  3. Quais foram as principais medidas do Plano Cruzado?

Leitura complementar

Os direitos e as garantias fundamentais

A Constituição de 1988 estabeleceu uma série de medidas que valorizam os direitos humanos. Leia um trecho do Título dois – Dos direitos e garantias fundamentais dessa lei.

Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

um – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; reticências

três – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; reticências

seis – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na fórma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; reticências

dezesseis – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público reticências; reticências

quarenta e dois – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; reticências

sessenta e oito – conceder-se-á ábeas córpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; reticências

Artigo 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

um – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa reticências;

dois – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

três – fundo de garantia do tempo de serviço;

quatro – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família reticências com reajustes periódicos reticências; reticências

oito – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; reticências

dezessete gôzo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

dezoito – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; reticências

vinte e oito – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; reticências

Artigo 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

um – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente reticências; reticências

Artigo 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal: Presidência da República, [2020]. Disponível em: https://oeds.link/C1SWga. Acesso em: 4 julho 2022.


Responda em seu caderno.

Questões

  1. Identifique os artigos e incisos da Constituição de 1988 que tratam dos seguintes temas:
    1. condenação de crimes contra a humanidade;
    2. liberdade de expressão e de crença;
    3. igualdade de direitos entre homens e mulheres;
    4. fim da tutela do Estado sobre os sindicatos;
    5. criminalização do preconceito racial.
  2. Que artigos do documento reforçam a cê éle tê?
  3. Com base nesse trecho apresentado, responda: Por que a Constituição de 1988 promove a cidadania?
  4. Em grupo, pesquisem notícias relacionadas aos temas tratados nesses artigos da constituição. Depois, respondam à questão: A Constituição de 1988 é respeitada no Brasil? Argumentem com base nos dados pesquisados.

A luta dos povos indígenas

No Brasil, os povos indígenas sofreram um impacto devastador ao longo do processo de ocupação do território, no período colonial e após a independência. Muitos foram expulsos de suas terras, perderam os laços com seu modo de vida tradicional e foram incorporados à cultura ocidental ou submetidos ao regime de trabalho forçado imposto pelos colonizadores. Milhares deles ainda foram vítimas de conflitos e de doenças trazidas pelos europeus.

Na relação com o Estado brasileiro, historicamente os indígenas sofreram com questões ligadas à tutela. No império, o juiz de órfãos era a autoridade pública responsável pelos indígenas. Na república, o Serviço de Proteção ao Índio (ésse pê ih), que em 1967 deu lugar à Fundação Nacional do Índio (Funái), ficou encarregado de mediar a relação e a adaptação dos nativos à sociedade dos não indígenas.

Durante a ditadura, na década de 1970, as ações do Programa de Integração Nacional (Pin) atingiram diretamente os territórios indígenas, que foram ocupados sem nenhum respeito aos povos nativos. Além disso, perseguições, prisões, torturas e assassinatos contra indígenas eram comuns e não foram apurados devidamente pela justiça.

Em meados dos anos 1970, os indígenas começaram a criar os próprios organismos de discussão e representação política, com diretorias e estatutos próprios. Em 1980, jovens de diversas etnias indígenas criaram a União das Nações Indígenas (Úni), com o objetivo de promover a autonomia e a organização dos povos indígenas na luta por seus direitos. A partir da Úni surgiu a Federação Indígena Brasileira (fíb).

Essas organizações foram amadurecendo suas ideias e práticas e tiveram papel fundamental na elaboração da Constituição de 1988, que reconheceu a organização social, os costumes, as línguas, as crenças e as tradições indígenas, assim como o direito desses povos às terras que tradicionalmente ocupam. O documento também estabeleceu que o Estado é responsável por demarcar e proteger os territórios indígenas.

Fotografia. Grupo de indígenas no mezanino da Assembleia Constituinte. Estão sem camisa, com adereços pelo corpo e o cocar na cabeça. Ao fundo, parlamentares reunidos.
Indígenas presentes na Assembleia Constituinte, em Brasília, Distrito Federal. Foto de 1988.

Saiba mais

Onde vivem os indígenas brasileiros?

Os povos indígenas do Brasil apresentam grande diversidade étnica, linguística e cultural. Segundo o censo demográfico realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (í bê gê É), nesse ano, oitocentas e dezessete.novecentas e sessenta e três pessoas se declararam indígenas no Brasil. Essa população está distribuída entre 305 povos, que falam duzentas e setenta e quatro línguas.

A maioria das comunidades indígenas vive em Terras Indígenas (tê Ís), que são coletivas e demarcadas pelo govêrno federal para usufruto exclusivo dessas comunidades. Segundo dados da Funái, em 2021, havia 443 terras indígenas regularizadas, a maioria delas localizada na Região Norte.


Os Jogos dos Povos Indígenas

Um exemplo que manifesta o exercício dos direitos indígenas estabelecidos na Constituição de 1988 são os Jogos dos Povos Indígenas. Nos anos 1980, indígenas de diferentes povos montaram o Curumim, um time de futebol que se tornou um meio de contato entre eles e os não indígenas. Com o sucesso do Curumim, os indígenas tiveram a ideia de criar os Jogos dos Povos Indígenas. O primeiro evento ocorreu em 1996.

Reinventando suas tradições com jogos e demonstrações em um evento moderno, ou incorporando esportes ao cotidiano das aldeias e nas relações com outros povos, os participantes dos Jogos dos Povos Indígenas mostraram a vitalidade e a capacidade de adaptação de suas culturas.

Fotografia. Indígenas em uma competição em um campo de terra. Usam calção e estão com o corpo pintado.
Indígenas da etnia Gavião Parcatejê participando da prova de revezamento de tora na primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, realizada em Palmas, Tocantins. Foto de 2015. Após realizar treze edições da competição nacional, o Brasil sediou a primeira edição mundial dos jogos, organizada com o apôio da ônu, da qual participaram cêrca de 2.200 competidores de 22 países.

As comunidades quilombolas

As comunidades remanescentes de quilombos são formadas por descendentes de africanos escravizados que mantêm tradições culturais, de subsistência e religiosas. Cada grupo partilha valores e referenciais históricos comuns associados à ancestralidade, à resistência, a atividades socioculturais e econômicas e ao forte vínculo com a terra.

A origem das comunidades quilombolas é diversa. Muitas foram constituídas por escravizados que fugiram do cativeiro; outras se formaram por meio de doações, compra ou recebimento de terras por serviço prestado. Muitas comunidades quilombolas se constituíram após a abolição da escravidão, pois a fórma de organização comunitária garantia aos ex-escravizados a possibilidade de sobreviver.

O modo de vida tradicional das comunidades remanescentes de quilombos é marcado, em geral, pela religiosidade, por atividades agrícolas, pela pesca e pelo extrativismo. Entretanto, esses grupos enfrentam dificuldades históricas de acesso a serviços públicos, como os de saúde e educação, e sofrem com a pressão do mercado agropecuário e minerador sobre suas terras.

Durante a ditatura, por exemplo, o modêlo de crescimento econômico adotado implicou investimentos no Centro-Oeste e na Região Amazônica. O avanço da pecuária e da mineração e a construção de hidrelétricas nessas regiões causaram o desmatamento das florestas e do Cerrado, resultando em deslocamentos populacionais forçados e na alteração do modo de vida de várias comunidades.

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Distribuição das comunidades

As comunidades quilombolas estão espalhadas por 24 unidades federativas do Brasil. A maioria encontra-se nos estados de Maranhão, Bahia, Minas Gerais e Pará. Apenas Acre, Roraima e Distrito Federal não apresentam registros da presença dessas comunidades.

A posse da terra é a garantia de sobrevivência para as mais de 3 mil comunidades quilombolas existentes no Brasil. O processo de reconhecimento e regularização dos territórios quilombolas ocorre em diversas etapas. A última é a titulação. Segundo dados levantados pelo Observatório Terras Quilombolas, em 2022, apenas 138 comunidades quilombolas haviam sido tituladas e 53 parcialmente tituladas em todo o país.


A resistência das comunidades remanescentes

Um exemplo da resistência das comunidades remanescentes de quilombos pode ser encontrado no município de Oriximiná, no Pará, onde seus integrantes obtêm renda e alimentos por meio da pesca e da extração de produtos como a castanha e o óleo de copaíba. Contudo, a exploração de bauxitaglossário promoveu o desmatamento, a escavação do solo e a construção de barragens para armazenamento dos rejeitos que acabaram poluindo os rios da região. Por isso, desde 1970 os quilombolas resistem aos projetos de mineração, recebendo apôio do movimento negro urbano, que incluiu a demarcação das terras remanescentes de quilombos em suas reivindicações.

Em 1989, após a constituição reconhecer o direito à terra a essas comunidades tradicionais, líderes quilombolas apresentaram suas reivindicações em Brasília. Após anos de mobilização e resistência, o grupo conseguiu o primeiro título de terra demarcada em 1995. Até 2021, mais seis títulos haviam sido conquistados em Oriximiná.

Fotografia. Algumas casas simples de madeira em uma colina na beira do rio. Ao redor, muitas árvores.
Vista de comunidade quilombola Cachoeira Porteira, em Oriximiná, Pará. Foto de 2015. Em Oriximiná vivem cêrca de 10 mil quilombolas, em 37 comunidades rurais distribuídas em 8 territórios.

Conexão

No

Direção: Pablo Larraín

Países: China, França, México e Estados Unidos

Ano: 2012

Duração: 118 minutos

O filme aborda o plebiscito que decidiria sobre a continuidade do general Augusto Pinochê na presidência do Chile, destacando a narrativa em torno das campanhas pelo “não”, lideradas pelo jovem publicitário Renê Savêdra. Ao tratar de um momento histórico importante para o país, o filme promove uma reflexão sobre a ditadura e a reação da população a esse regime.


Cartaz de filme. Na parte inferior, rapaz de perfil. Tem o cabelo liso e penteado de lado. Tem barba, nariz fino e lábios avermelhados. Atrás dele, no centro do cartaz, um arco-íris. Na parte superior o título e outra informações.

Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. Como os indígenas reagiram à crescente ameaça as suas terras promovida pelo Estado brasileiro durante o período da ditadura? E os quilombolas?
  2. Que avanços a Constituição de 1988 trouxe para os povos indígenas e quilombolas?
  3. Explique as razões pelas quais os povos indígenas do Brasil criaram um evento esportivo indígena.

Clique no play e acompanhe a reprodução do Áudio.


Transcrição do áudio

O que é ser quilombola hoje?

[Narradora]

Você já aprendeu que alguns quilombos sobreviveram ao longo do tempo e deram origem a comunidades quilombolas. Espalhadas pelos estados brasileiros, essas comunidades mantiveram seu vínculo com a terra e conseguiram conservar a cultura e a tradição de seus antepassados. A seguir, vamos ouvir o depoimento de Elson Alves da Silva, professor e coordenador da comunidade quilombola de Ivaporunduva, que fica no município de Eldorado, no estado de São Paulo. Ele vai nos contar a história dessa comunidade, que remonta ao século dezesseis, e explicar como é ser quilombola no Brasil atualmente.

[Narradora] A história do quilombo  

[Entrevistado: Elson Alves da Silva] A comunidade quilombo de Ivaporunduva surge no final do século dezesseis, início do século dezessete. Segundo os dados orais, essa comunidade surge a partir da busca pelo ouro na região do Vale do Ribeira, região sul aqui do estado de São Paulo, onde os portugueses exploraram o ouro de aluvião, o ouro em pó nos córregos, ribeirões que tem naquela região.  Então, os nossos ancestrais viveram lá escravizados por uma portuguesa cujo nome é Maria Joana, e essa portuguesa explorou aquela região por muito tempo. Em uma das embarcações onde ela levaria o ouro retirado para Portugal, ela ficou doente e não retornou mais para aquelas terras. Então as famílias que viviam ali, os Marinhos, os Betarquis, os Turquins, se adentraram à mata e lá resistiram. Começaram a praticar a agricultura, desenvolver suas moradias de pau a pique, viver dos recursos naturais do meio para a sua sobrevivência. E quando isso, essa notícia, se alastrou pela região, muitos negros escravizados que por ali estavam também começaram a fugir para Ivaporunduva. Ivaporunduva tornou-se então um grande reduto de negros que se fortaleceu, ali eles permaneceram, desenvolveram a agricultura, fixaram-se na terra. Eles vinham em grande número para a margem do rio e faziam a troca com os portugueses, com espanhóis que navegavam por ali para pegar tecidos, sal, coisas que eles não conseguiam obter. Então era feita a troca pelo ouro. A resistência principal foi contra a tentativa de capturas, para ser inserido novamente na mineração. Mas resistiram e lá ficaram. Então viviam apenas dos seus próprios conhecimentos trazidos da África.  

[Narradora] A comunidade quilombola hoje 

[Entrevistado: Elson Alves da Silva] Nós temos um vínculo muito forte com o território em especial com a mãe Terra, onde dela nós tiramos nosso sustento, nossa sobrevivência. E o que os nossos antepassados nos deixaram foi a forma da arquitetura, aprendemos com eles a construir as nossas moradias, nossos fogões de barro e o gás, o combustível é a lenha. Tudo feito de recurso natural. Então isso nós herdamos deles. Na parte da agricultura, aprendemos os tempos de plantio, as luas, os ciclos. Qual é o período para cada cultura a ser plantada, que cultura perene nós podemos trabalhar em nosso território por ser uma área pequena e de preservação ambiental que não prejudicasse o meio e nem as famílias. Hoje, as atividades agrícolas que nós temos de subsistência é o plantio de culturas tradicionais anuais para vivência, o arroz, o feijão, a mandioca, através de sementes de crioulas deixadas pelos nossos ancestrais e preservadas até hoje no nosso paiol de sementes. Se eu planto o feijão e deixo de plantar o arroz, eu posso fazer a troca com aquele que plantou arroz. A comunidade desenvolve a produção orgânica de banana que é para comercialização. Uma outra segunda fonte de geração de renda que é o segundo carro chefe da comunidade que é o turismo de base comunitário étnico-cultural.  A comunidade é muito visitada para conhecer um pouco da nossa história. Toda comunidade é envolvida porque nós trabalhamos num sistema coletivo, onde todos somos donos, todos participam. Nós éramos ameaçados por fazendeiros, por tentativa de invasão, por desapropriação de uma terra que é nossa há muitos anos. A partir da Constituição de 1988, cria-se o artigo 68 que dá o direito a toda a comunidade buscar os seus direitos. Então só com essa lei é que as comunidades passam a buscar os seus direitos de fato, com o título e permanência daquele território para aquelas famílias que ali vivem até os dias atuais. 

[Narradora] Educação, racismo e políticas públicas 

[Entrevistado: Elson Alves da Silva] Nós fomos em 7 adolescentes para a cidade para fazer o Ensino Médio, quando nós adentramos na escola sofríamos tentativa de agressão por serem negros que estavam ali naquele espaço que não devia, segundo eles, estarmos ali. Então de sete, quatro no primeiro mês desistiu, e que permaneceu foi só eu e mais três colegas que conseguimos fazer continuamente o Ensino Médio até o final. Mas muitas vezes sendo escoltados por polícia até o ônibus escolar para conseguirmos sair da cidade sem nenhum problema, para conseguir chegar em casa sem ser agredido.  Vim para São Paulo para fazer minha primeira formação em Pedagogia, no mesmo embalo já fiz História também.  Então, a nossa juventude começou a adentrar a Universidade, mas não porque nós tínhamos condições financeiras, porque programas de direitos de acesso à educação chegaram, cotas para negros nas universidades, bolsa de incentivo fiscal. Então, foi aí que nós conseguimos chegar na Universidade através de programas de ações afirmativas, políticas públicas. E isso nos empoderou porque os nossos jovens se formaram.   O nosso quilombola é advogado, é mestre em Direito e tá lá na comunidade fazendo esse trabalho. Os professores estão lá na comunidade, então houve essa mudança, houve essa ascensão social e política e isso só se deu com maior força no início agora do século vinte e um.  

[Narradora] Viver em comunidade 

[Entrevistado: Elson Alves da Silva] Os nossos costumes, o nosso sistema de vida difere-se muito da realidade que é praticada nas grandes cidades. Quando eu vim pra São Paulo, eu vim morar num prédio, onde eu descia no elevador todos os dias, eu dava bom dia na primeira semana ninguém me respondia. Eu não sabia o nome do meu vizinho de porta, lado a lado do prédio, ninguém respondia ninguém. Fazia um exercício psicológico muito forte quando eu passava pela Praça da Sé, por aquelas ruas, da Praça da República, para não esquecer, como os demais, que aquilo que estão ali são pessoas, não são árvores, são seres humanos, que por um motivo ou outro estão naquela situação de vulnerabilidade social. E na nossa comunidade não existe isso, na nossa comunidade não existe um morador de rua, não existe hoje a fome. Se faltou pra mim um alimento, que estou enfermo, estou doente, a comunidade vai me acolher. Se a minha casa cai, a comunidade faz um mutirão e reconstrói a minha casa. Então, é um sistema de vida, de coletividade, de grupo, que hoje no país pouco se vê.  Eu já rodei bastante aqui pelo nosso país, conheço quase todos os estados aí, de ponta a ponta, vim fazer a graduação aqui em São Paulo, vim fazer meu mestrado aqui em São Paulo e parte dele nos Estados Unidos. Mas é o que eu sempre dizia por onde passava e para minha família, “nesses lugares eu nunca morei eu passei temporada, eu fui em busca daquilo que era necessário pra mim e para minha comunidade”. Porque a minha casa, minha moradia onde eu me sinto bem, onde eu vivo é na minha comunidade quilombola de Ivaporunduva.  Só quem nasce numa comunidade remanescente de quilombo e vive lá vai ter esse laço, vai ter esse sentimento de pertença e vai querer que as suas gerações futuras permaneçam ali.


Atividades

Responda em seu caderno.

Aprofundando

1. A tirinha faz alusão ao período entre as décadas de 1970 e 1980 no Brasil. Analise-a e faça o que se pede.

Tirinha em preto e branco dividida em três quadros. Duas formigas de cartola conversando.
Quadrinho 1: Uma diz para a outra: SIM, SENHOR... HAVEMOS DE CONTINUAR A ABERTURA NO FORMIGUEIRO.
Quadrinho 2: uma formiga carregando uma folha passa por elas e a que estava falando continua: EMPRESÁRIOS TRABALHANDO EM SEGURANÇA.
Quadrinho 3: uma quarta formiga, de capacete na cabeça, afasta a formiga com a folha das formigas com cartola. E ela finaliza: E A SEGURANÇA TRABALHANDO OS OPERÁRIOS.
Tirinha de Ciça, publicada no livro Pagando o pato, de 1986.
  1. A qual momento do govêrno civil-militar a tirinha faz referência? Explique.
  2. Para satirizar o cenário político nacional, a cartunista escolheu formigas. Identifique os diferentes grupos sociais representados.
  3. A tirinha expressa confiança ou desconfiança em relação à abertura? Justifique.

2. Este texto foi escrito pelo jornalista argentino Rodolfo ualsh. Trata-se de um trecho da Carta aberta de um escritor à junta militar, de março de 1977. Leia-o para responder às questões.

No decorrer de um ano, vocês reduziram o salário real dos trabalhadores a 40%, reticências elevando de 6 para 18 horas a jornada de trabalho que precisa um operário para pagar a cesta familiar reticências.

Congelando salários a coronhadas enquanto os preços sobem nas pontas das baionetas, abolindo toda fórma de reclamação coletiva, proibindo assembleias e comissões internas, estendendo horários, elevando o desemprego ao recorde de 9% e prometendo aumentá-lo com trezentas.mil novas demissões, reticências e quando os trabalhadores quiseram protestar foram qualificados como subversivos, sequestrando corpos inteiros de delegados que, em alguns casos, apareceram mortos, e em outros, não apareceram.

ualsh, Rodolfo. Carta aberta de um escritor à junta militar. Buenos Aires: Archivo Nacional de la Memoria; Secretaría de Derechos Humanos; Ministerio de Justicia y Derechos Humanos; Presidencia de la Nación, 1977. Disponível em: https://oeds.link/X1c6w8. Acesso em: 31 março 2022.

  1. De acôrdo com o texto, como as medidas econômicas adotadas pelo regime militar argentino afetaram a vida dos trabalhadores?
  2. Além das medidas econômicas, que outro aspecto relacionado ao govêrno é abordado? Utilize o texto para justificar sua resposta.

3. A Constituição de 1988 marcou um momento importante no processo de redemocratização do Brasil, não apenas do ponto de vista das liberdades políticas, mas também dos direitos sociais.

  1. Explique como a Constituição de 1988 foi elaborada e indique o principal avanço democrático que caracterizou esse processo.
  2. Que conquistas relacionadas às liberdades políticas e garantias individuais foram fixadas na lei de 1988?
  3. Cite alguns direitos dos trabalhadores brasileiros que foram assegurados pela Carta Constitucional de 1988.

Aluno cidadão

4. Leia um trecho da Constituição de 1988. Depois, faça o que se pede.

Artigo 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal: Presidência da República, [2020]. Disponível em: https://oeds.link/C1SWga. Acesso em: 27 abril 2022.


  1. Forme um grupo de trabalho com mais 3 ou 4 colegas.
  2. Pesquisem sobre as principais dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas na atualidade. Lembrem-se de consultar fontes confiáveis, como sites de universidades, órgãos governamentais, imprensa, organizações indígenas e organizações não governamentais reconhecidamente ligadas a essa causa.
  3. Com base nos dados levantados, discutam a questão: Os direitos indígenas estabelecidos pela Constituição de 1988 têm sido respeitados?

Conversando com matemática

5. Junte-se a um colega e analisem os dois gráficos, que representam a composição do Congresso Nacional após as eleições de 1982. Depois, façam o que se pede.

O Congresso Nacional após as eleições de 1982

Gráfico. O Congresso Nacional após as eleições de 1982. Dois gráficos em formato semicircular.
À esquerda, Câmara dos Deputados. À direita, Senado.
Legenda: 
Amarelo: PDS.
Verde: PMDB.
Rosa: PDT.
Cinza: PTB.
Vermelho: PT.
Listras horizontais pretas: biônicos.
Listras verticais verdes: eleitos em 1978.
No gráfico referente à Câmara dos Deputados, os seguintes dados: PT, 8; PDT, 23; PMDB, 200; PTB, 13; PDS, 235. Total: 479 cadeiras.
No gráfico referente ao Senado, os seguintes dados: PDT, 1; PMDB, 21 (alguns identificados como eleitos em 1978, e 1 biônico); PTB, 1; PDS, 46 (alguns identificados como eleitos em 1978, e alguns biônicos).
* Senadores eleitos pelas assembleias legislativas e não pelo voto direto como os demais.

Fonte: DITADURA militar (1964-1985). govêrno Figueiredo (1979-1985). In: jôfili, Bernardo e outros Atlas histórico do Brasil. Rio de Janeiro: éfe gê vê/cê pê dóc, 2016. Versão on láine. Disponível em: https://oeds.link/TZwY1p. Acesso em: 31 março 2022.

  1. Calculem a porcentagem de cada partido na Câmara e no Senado.
  2. Quais eram os partidos políticos predominantes no Congresso Nacional? O que explicaria isso?
  3. O que esses dados revelam sobre o processo de abertura política no Brasil durante o govêrno Figueiredo?

enêm e vestibulares

6. (púqui-Rio de Janeiro) No dia 25 de janeiro de 1984, milhares de pessoas gritavam “um, dois, três, quatro, cinco, mil, queremos eleger o presidente do Brasil”, durante o comício realizado na Praça da Sé, no centro da cidade de São Paulo. O movimento ficou conhecido como “Diretas Já”. Sobre este acontecimento, identifique a alternativa INCORRETA:

  1. Foi um movimento que reivindicava eleições diretas para presidente da República e convocava a primeira eleição para 15 de novembro de 1984.
  2. A campanha pelas “Diretas Já” representou a maior mobilização contra a Ditadura Militar, com a participação de artistas, intelectuais, das fôrças armadas e de representantes de diversas organizações civis.
  3. A Emenda Constitucional Dante de Oliveira, que visava restabelecer as eleições diretas, não foi aprovada no Congresso Nacional.
  4. Um ano após a campanha das “Diretas Já”, Tancredo Neves, representando a coligação de partidos da oposição ao regime militar, foi eleito presidente da república por meio de voto indireto pelo Colégio Eleitoral.
  5. Participaram ativamente da campanha as seguintes lideranças políticas: Leonel Brizola, Ulisses Guimarães, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Tancredo Neves e Dante de Oliveira.

Glossário

Escola das Américas
: escola militar criada pelos Estados Unidos no início da Guerra Fria para impedir o avanço do comunismo no continente americano. Nessa instituição, formaram-se vários generais que participaram dos golpes militares na América Latina, como o argentino Jorge Rafael Videla e o chileno Raúl Iturriaga.
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Abono de férias
: adicional de um terço, pago nas férias, sobre o salário normal do funcionário.
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Bauxita
: minério que contém alumínio.
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