CAPÍTULO 11  Experiências ditatoriais na América Latina e a ditadura civil-militar no Brasil

Charge dividida em dois quadros, um em cima do outro. No primeiro, grupo de crianças, cada uma fala da profissão de seus pais: Meu pai é cantor! O meu é compositor! Minha mãe é atriz! Meu pai é escritor! O meu é teatrólogo! Rá! Pois o meu é Cineasta, tá? É? O meu é jornalista! E o meu pai que é humorista!? A última criança diz: Meu pai é Censor...
No segundo quadro, todas as crianças olham espantadas para o filho do censor.
Meu pai é censor, charge do cartunista Enfíl criticando a atuação do govêrno durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985).

Henrique de Souza Filho, mais conhecido como Enfíl, foi um cartunista que satirizou a hipocrisia da sociedade brasileira, denunciou preconceitos e criticou o govêrno durante a ditadura civil-militar entre as décadas de 1960 e 1980. Lembrado por seu humor ácido, Enfíl colaborou com o periódico O Pasquim ao lado de outros nomes importantes, como Ziraldo e Millôr Fernandes.

Fundado em 1969, no auge da ditadura, O Pasquim ganhou fama por sua irreverência e resistência ao denunciar a censura do Estado e enfrentou constantes dificuldades financeiras, agravadas pela apreensão dos seus exemplares. O jornal teve papel importante na renovação dos costumes, inclusive na luta pela emancipação feminina, e foi um dos principais porta-vozes do movimento pela anistia dos exilados no final da década de 1970.

  • Por que as crianças reagem com espanto à revelação da profissão do pai do último menino representado na charge?
  • Que características marcaram o período em que a charge foi produzida?
  • O que diferencia um regime ditatorial de um regime democrático?
  • Como a luta contra as ditaduras pode ser associada à luta pelos direitos humanos?

Respostas e comentários

Bê êne cê cê

Este capítulo contempla parcialmente as habilidades ê éfe zero nove agá ih um nove, ê éfe zero nove agá ih dois zero, ê éfe zero nove agá ih dois nove e ê éfe zero nove agá ih três zero (ao analisar as ditaduras na América Latina, em especial na Argentina e no Chile, e ao tratar das principais mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais do período ditatorial no Brasil). Contempla parcialmente as habilidades ê éfe zero nove agá ih um seis, ê éfe zero nove agá ih dois um e ê éfe zero nove agá ih dois oito (ao abordar as estratégias de afirmação e resistência do movimento negro e as pressões sobre os territórios indígenas, e ao relacionar o processo ditatorial ao contexto da Guerra Fria, à Carta de Direitos Humanos e às violações dela). O trabalho para o desenvolvimento dessas habilidades se completa ao longo de outros capítulos, conforme indicações no quadro de habilidades do ano.

Objetivos do capítulo

  • Compreender a instauração de ditaduras na América Latina no contexto da Guerra Fria.
  • Comparar características das ditaduras argentina e chilena.
  • Caracterizar a instalação e a dinâmica da ditadura civil-militar no Brasil.
  • Reconhecer os projetos políticos e a política econômica dos governos militares.
  • Apresentar e discutir as fórmas de protesto e resistência à ditadura civil-militar.
  • Identificar a movimentação cultural e artística da década de 1960 e suas concepções de brasilidade.
  • Identificar as demandas e fórmas de resistência dos movimentos negros no Brasil durante o período.
  • Explorar os sentidos da memória e avaliar as atividades empreendidas pela Comissão Nacional da Verdade (cê êne vê).

Abertura do capítulo

A abertura retoma os conceitos estudados ao longo do ano acerca de regimes ditatoriais, como autoritarismo, censura, repressão, violência e cerceamento dos direitos humanos. Espera-se que os alunos percebam que as crianças se espantam, pois seus pais (os artistas) eram vítimas dos censores, que limitavam a liberdade de expressão durante a ditadura no Brasil (1964-1985). Esse período foi marcado pela limitação da liberdade de expressão e censura, perseguição e repressão aos opositores do govêrno e ausência de democracia. Nos regimes ditatoriais o poder político é concentrado nas mãos do governante, que impõe sua vontade sobre o povo, diferentemente da democracia em que o governante é um representante político que deve agir de acôrdo com a vontade da maioria da população. De maneira geral, os ditadores chegam ao poder por meio de golpe, e não pelo voto, como acontece com os presidentes democráticos. Durante os regimes ditatoriais, a liberdade individual é limitada ou suprimida e o govêrno persegue e reprime os opositores, muitas vezes cometendo crimes contra eles, o que representa violação dos direitos humanos.

A influência estadunidense na América Latina

Entre meados da década de 1960 e o final dos anos 1980, muitos países da América Latina foram governados por regimes ditatoriais. Tais regimes foram amplamente apoiados pelos Estados Unidos na época da Guerra Fria, em que esse país disputava com a União Soviética a influência sobre o restante do mundo. Nesse contexto, a instituição de governos repressores era justificada pela ideia de que a democracia não era capaz de combater a suposta ameaça do comunismo.

O govêrno estadunidense, então, passou a investir fortemente na militarização da América Latina. O objetivo era aparelhar e influenciar as fôrças armadas dos países da região, combatendo o antiamericanismo e a neutralidade dos latino-americanos em relação à Guerra Fria. Após a revolução em Cuba, os Estados Unidos redobraram os esforços e os investimentos para impedir que outro govêrno socialista se instalasse na região. Os primeiros países latino-americanos a sofrer um golpe conduzido pelas fôrças armadas com o apôio dos estadunidenses foram a Guatemala e o Paraguai, em 1954.

O aparelhamento e doutrinação das fôrças armadas latino-americanas sob direta supervisão dos Estados Unidos, longe de ‘profissionalizar’ os militares, tornou-os cada vez mais politizados. Isso deu às corporações militares vantagens ante a outras instituições políticas nacionais, como coesão, renda relativamente superior às médias nacionais e relações sociais privilegiadas, que preparavam as condições para torná-los em poucos anos fôrças auxiliares de ocupação militar em seus próprios países.

Foram criados programas específicos de doutrinação política anticomunista para os militares latino-americanos, [que ganharam] grande impulso com a administração kenedí.

ANDRADE, Everaldo de Oliveira. Bolívia, 1964 – os militares também golpeiam. Projeto História, São Paulo, volume 31, página 132, dezembro 2005.

Ditaduras na América Latina (1954-1994)

Mapa. Ditaduras na América Latina, 1954-1994. Destaque para o continente americano. Sem legenda.
No mapa, o nome dos países é acompanhado do período de duração das respectivas ditaduras: Haiti (1957 a 1994); Honduras (1972 a 1981); Guatemala (1954 a 1985); Panamá (1968 a 1989); Equador (1972 a 1979); Peru (1968 a 1980); Bolívia (1964 a 1980); Brasil (1964 a 1985); Paraguai (1954 a 1989); Chile (1973 a 1989); Uruguai (1973 a 1984); Argentina (1976 a 1983).
No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de 0 a 960 quilômetros.

Fonte: ATLAS da história do mundo. São Paulo: Folha de São Paulo; Londres: táimes bucs, 1995. página 285.


Responda em seu caderno.

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Qual foi a consequência dos investimentos estadunidenses nas fôrças armadas de países latino-americanos?


Respostas e comentários

Bê êne cê cê

Ao analisar as relações entre Estados Unidos e países da América Latina no contexto da Guerra Fria, o conteúdo contempla parcialmente a habilidade ê éfe zero nove agá ih dois oito.

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O aparelhamento e a doutrinação das fôrças armadas de países da América Latina por meio dos investimentos estadunidenses contribuíram para a coesão dos militares latino-americanos e para o seu alinhamento ideológico e político com os Estados Unidos.

Influência externa

Antes da Revolução Cubana, em 1959, o govêrno dos Estados Unidos já tomava medidas para garantir sua hegemonia no continente. Uma delas foi a criação da Escola Superior de Guerra, em 1946, com a instalação de centros para treinamento de militares latino-americanos nos Estados Unidos. A outra, dois anos depois, foi a criação da Organização dos Estados Americanos (ô ê á).

Após a Revolução Cubana, além das ações que levaram à expulsão de Cuba da ô ê á, em 1962, os Estados Unidos criaram escolas de instrução militar, produziram manuais antiguerrilhas e prepararam fôrças de segurança para atuar na vigilância, treinamento e capacitação na luta antissubversiva e na simulação de manobras militares para combater os focos guerrilheiros. Os serviços de inteligência e treinamento militar dos Estados Unidos colaboraram, direta ou indiretamente, para a organização e o êxito da instituição de ditaduras na América Latina durante a Guerra Fria.

Ampliando: o termo “ditadura”

“Antes de tudo, podemos definir ditadura como um regime político, uma fórma de govêrno. reticências a noção mais comum de ditadura no Ocidente está, paradoxalmente, bastante relacionada à ideia de democracia. Nessa perspectiva, a ditadura existe por oposição à democracia. reticências

A ideia de ditadura, todavia, é bastante antiga, e já pode ser encontrada na Antiguidade Clássica. reticências Na Roma Antiga, ditadura era um termo positivo que significava o govêrno de um magistrado, o dictátor, nomeado excepcionalmente em casos de guerras ou revoltas, para organizar o govêrno e o Estado em períodos de caos administrativo. Para isso, eram-lhe atribuídos poderes extraordinários. reticências

Já durante a Idade Moderna surgiu, na Europa, um outro tipo de ditadura. Este, diferente da ditadura romana, não era legalista e tentava modificar totalmente o contexto político existente. Em comum com o modêlo romano, a ditadura moderna tinha o fato de também procurar remediar uma situação de necessidade do Estado, mas não de fórma parcial, dependente de um Senado e com tempo determinado para existir, e sim instaurando um novo poder, no qual normalmente o ditador era autoproclamado, ao contrário do ditador romano, que recebia seus poderes temporários do Estado.”

SILVA, Kalina V.; SILVA, Maciel Henrique. Ditadura. In: Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005. página 107-108.

Instituição de ditaduras na América Latina

Com o apôio dos Estados Unidos, os militares chegaram ao govêrno do Brasil e da Bolívia, em 1964, e da Argentina, em 1966, iniciando um longo período ditatorial. Em 1968, eles tomaram o poder no Peru, em 1972, no Equador, e, em 1973, no Uruguai e no Chile. A seguir, estudaremos os casos da Argentina e do Chile e, depois, o do Brasil, com mais profundidade.

Os diversos golpes na Argentina

A Argentina sofreu diversos golpes de Estado desde 1930. O segundo deles, em 1943, abriu as portas para a chegada de Ruán Domingo Perón ao poder três anos depois, inaugurando o peronismo no país. Perón, contudo, também sofreu um golpe e foi derrubado em 1955. Em 1962, outro golpe impediu a posse do então presidente eleito e, em 1966, os militares colocaram o general Ruán Carlos Onganía no poder.

Durante seu govêrno, Onganía reprimiu qualquer oposição, permitiu que a Igreja interferisse sistematicamente na educação e promoveu uma política econômica intimamente subordinada ao capital estadunidense. Com essa política, os salários diminuíram e a exploração da mão de obra dos argentinos aumentou. Essa situação provocou o crescimento das mobilizações de operários e estudantes, que organizaram greves e protestos, os quais foram duramente reprimidos pelo govêrno.

Nos anos 1970, a inflação crescia, as pessoas conseguiam comprar cada vez menos produtos com o salário que recebiam e as manifestações políticas agitavam o país. Na época, perôn estava exilado na Espanha e planejava seu retorno ao poder na Argentina. Em 1973, foram realizadas eleições, com vitória do candidato peronista Êctor Câmpora. perôn, então, pôde voltar à Argentina e tomou o lugar de Câmpora na presidência, mas faleceu no ano seguinte. Com isso, a vice-presidente, sua esposa Maria Estéla Martínes de Perón, mais conhecida como Isabelita, assumiu o poder. O govêrno de Isabelita foi marcado por forte instabilidade política.

Em 1976, os militares, sob o comando de Jorge Rafael Videla, depuseram Isabelita e instauraram uma ditadura, que durou até 1983 e foi extremamente violenta. Organismos ligados aos direitos humanos estimam que cêrca de 30 mil pessoas foram mortas no país pelo regime militar.

Fotografia em preto e branco. Militares arrastando uma pessoa pela rua. Eles carregam armas. Ao fundo, outras pessoas observam a cena.
Trabalhador sendo preso durante um protesto contra a ditadura, em Buenos Aires, Argentina. Foto de 1982.

Respostas e comentários

A estimativa de mortos pela ditadura argentina foi extraída de: SEOANE, María. Argentina. In: ENCICLOPÉDIA latinoamericana. São Paulo: Boitempo, 2015. Disponível em: https://oeds.link/pvyoRX. Acesso em: 19 abril 2022.

Bê êne cê cê

Ao discutir experiências ditatoriais na América Latina, seus vínculos internacionais, dos quais a relação com o govêrno estadunidense e a Operação Condor são exemplos; ao propor comparações e apresentar peculiaridades; ao abordar os movimentos de contestação e resistência; e ao expor características comuns relativas à repressão, à resistência, ao direito à memória e à orientação dessas economias ao livre-mercado, o conteúdo contempla as habilidades ê éfe zero nove agá ih um nove, ê éfe zero nove agá ih dois zero, ê éfe zero nove agá ih dois nove e ê éfe zero nove agá ih três zero.

Os voos da morte

Na década de 1970 funcionaram na Argentina vários centros de detenção clandestinos que integraram uma das operações mais terríveis da ditadura naquele país. A partir desses centros, prisioneiros políticos sedados e despidos eram levados para aviões militares de onde eram arremessados vivos ao mar ou ao Rio da Prata. Quando seus corpos desfigurados e mutilados chegavam à praia, eram registrados como indigentes. Apesar de os voos da morte terem sido omitidos da população, seu planejamento e sua execução envolveram um número significativo de autoridades. Até hoje não se sabe ao certo quantas pessoas foram mortas por esse método.

Violência e resistência

Logo que tomaram o poder na Argentina, os militares colocaram em ação o Processo de Reorganização Nacional, com o objetivo de acabar com a corrupção, associada por eles ao peronismo, e com qualquer tipo de atividade que eles considerassem subversiva. Milhares de estudantes, políticos, intelectuais, artistas e operários foram perseguidos, presos, torturados e assassinados nos chamados “campos de concentração”.

Em abril de 1977, um imenso grupo formado por milhares de mulheres com as cabeças cobertas por lenços brancos se reuniu no centro da capital argentina para exigir informações sobre seus filhos desaparecidos em razão da repressão do Estado. Esse grupo passou a se concentrar regularmente no mesmo local, dando origem ao movimento das Mães da Praça de Maio. Como entre os desaparecidos havia muitas mulheres grávidas, o movimento se desdobrou no Avós da Praça de Maio, voltado para a localização das crianças retiradas de suas mães no cárcere e entregues ilegalmente para adoção. Para isso, o Avós da Praça de Maio conta com um banco de dados genéticos, graças ao qual foi possível identificar, até o ano de 2021, 130 das cêrca de quinhentas crianças separadas de suas famílias biológicas.

Fotografia. Grupo de pessoas estende uma grande faixa azul com centenas de retratos em preto e branco.
Manifestação das Mães da Praça de Maio, em Buenos Aires, Argentina. Foto de 2018.
A ditadura no Chile

O Chile foi submetido a uma ditadura extremamente violenta, que vigorou de 1973 a 1989. Salvador alênde foi o último presidente civil do país antes de os militares tomarem o poder. Eleito por uma frente partidária que reunia democratas, socialistas e comunistas, alênde nacionalizou as minas de cobre, estatizou o sistema financeiro e promoveu uma reforma agrária e educacional no país. Essas medidas desagradaram os setores mais conservadores da sociedade chilena, como o empresariado, que iniciaram uma campanha para desestabilizar o govêrno. Com o apôio logístico, político, financeiro e militar dos Estados Unidos, os militares chilenos planejaram e executaram um golpe de Estado.

Em 11 de setembro de 1973, o Palácio de La Moneda, séde da presidência do Chile, foi cercado e bombardeado pelos golpistas. alênde se recusou a renunciar e morreu no local. De acôrdo com a versão oficial divulgada na época e confirmada por estudos recentes, ele cometeu suicídio antes que as tropas invadissem o palácio. Com isso, o general Augusto Pinochê assumiu o poder e impôs uma ditadura no país.

Fotografia. Vista da fachada do Palácio de La Moneda destruída com muito entulho na frente. A parede está com manchas escuras de fumaça.
Palácio de lá monêda poucos dias após o bombardeio promovido pelos militares, em Santiago, Chile. Foto de 16 de setembro de 1973.

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Ampliando: Mães da Praça de Maio

“As mães [da Praça de Maio] intensificaram a luta para saber o paradeiro dos detidos-desaparecidos e não aceitaram que os filhos fossem dados como mortos simplesmente, sem que circunstâncias e culpados fossem apontados e estes punidos.

Elas não aceitavam a tese de que ‘excessos’ cometidos por fôrças ligadas ao Estado fossem responsáveis por milhares de detenções e desaparecimentos. Cobravam audiências com o presidente da junta militar. reticências Por sua recusa em aceitar listas de mortos, foram tratadas como ‘caprichosas’. Criaram a insígnia Aparição com Vida, como fórma de se fortalecer e cobrar responsabilidades do Estado.”

DUARTE, Ana Rita Fonteles. Nem loucas, nem santas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, volume 15, número 3, página 826, setembro a dezembro 2007.

Museu Internacional

Em 1971, no Chile, diversos intelectuais e artistas reuniram-se para apoiar o govêrno de Salvador alênde, com a criação de um museu internacional composto de obras doadas por artistas de todo o mundo. Porém, com o golpe militar, o museu foi extinto, levando à criação de museus em outros países, denominados Museus da Resistência ou Museus de Salvador alênde. Em 1991, o Museu da Solidariedade Salvador alênde foi reinaugurado em Santiago, a capital do Chile.

Os chilenos sob a ditadura

A ditadura chilena é considerada uma das mais violentas da América Latina. Após o golpe, Pinochê criou as “caravanas da morte”, que prenderam, torturaram e assassinaram milhares de ativistas políticos. A perseguição ocorreu até em outros países, como os Estados Unidos, onde Orlando Leteliér, ex-ministro do govêrno Allende, e sua assistente foram assassinados em 1976.

Esse tipo de ação foi possível após a formação, no final de 1975, de uma aliança entre as fôrças armadas do Chile, da Argentina, do Brasil, do Uruguai e do Paraguai denominada Operação Condor em Santiago, capital chilena. Agentes da Operação Condor atuaram nesses países de fórma clandestina para obter informações sobre a oposição e as guerrilhas, desorganizar e minar os movimentos sociais, bem como sequestrar, torturar e assassinar pessoas consideradas subversivas. O govêrno dos Estados Unidos tinha conhecimento dessas operações ilegais e as apoiava.

Na economia, Pinochê promoveu medidas neoliberais, privatizando setores como a educação e a saúde e apoiando o livre mercado. Também valorizou a entrada maciça de empresas multinacionais no Chile, prejudicando as companhias nacionais que não conseguiram competir com as estrangeiras. A inflação no país diminuiu, mas a concentração de renda aumentou e as condições de vida dos trabalhadores pioraram: os salários foram reduzidos, o desemprego cresceu nos anos 1980 e as greves foram tão reprimidas que quase deixaram de existir. Entre 1970 e 1987, a taxa de pobreza no Chile aumentou de 20% para 44,4%.

Assim como na Argentina, houve forte resistência contra a ditadura no Chile. Muitas pessoas participavam de guerrilhas, outras confeccionavam arpilleras, uma técnica de bordado em retalhos e tecidos rústicos, denunciando a violência do regime de Pinochê. Artistas da Nova Canção Chilena, que apoiavam o govêrno de Allende e valorizavam o folclore da América Latina, criaram clandestinamente canções de protesto. A compositora e pintora Violeta Parra, que fazia parte desse movimento, produziu obras de arte que tratavam da repressão.

Fotografia. Colcha de retalhos costurados formando a cena de mulheres em um protesto. Perto delas um carro de polícia. Entre elas retratos e a frase cuja tradução é Onde estão?
Arpillera chilena representando uma manifestação de mulheres reivindicando informações sobre os desaparecidos políticos, 1979.

Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. De que modo os Estados Unidos apoiaram os golpes militares desencadeados na América Latina nos anos 1960 e 1970?
  2. Cite semelhanças e diferenças entre a ditadura no Chile e a que se instalou na Argentina.
  3. O que foi a Operação Condor?
  4. De que fórma os argentinos e os chilenos resistiram à ditadura?

Respostas e comentários

Recapitulando

  1. Os Estados Unidos investiram nas fôrças armadas dos países latino-americanos, doutrinando-as e aparelhando-as para se tornar uma base alinhada ao capitalismo no contexto da Guerra Fria. Além disso, criaram uma Doutrina de Segurança Nacional para reprimir a oposição e forneceram apôio financeiro, logístico, político e militar às ditaduras constituídas na América Latina.
  2. As duas ditaduras assemelharam-se pelo fato de terem sido comandadas pelas fôrças armadas e terem promovido uma intensa e violenta repressão aos opositores. No Chile, a base ideológica socialista de Salvador Allende incomodava os setores mais conservadores do país. Na Argentina, as condições sociais e econômicas que se deterioravam progressivamente contribuíram para o golpe de 1976. A diferença fundamental entre as duas ditaduras refere-se à instauração delas: no Chile, foi feita com apôio internacional e, na Argentina, foi realizada essencialmente pelas fôrças militares internas.
  3. A Operação Condor consistiu numa aliança entre as ditaduras da Argentina, do Chile, do Brasil, do Uruguai e do Paraguai a fim de obter informações sobre a oposição e as guerrilhas, desorganizar e minar os movimentos sociais, bem como vigiar, sequestrar, torturar e eliminar pessoas consideradas subversivas.
  4. Nos dois países, artistas de diversas áreas, apesar de terem sido vigiados e censurados pelos governos militares, conseguiram promover e difundir ideias contestatórias. Na Argentina, foi organizado o movimento das Mães da Praça de Maio, formado por mães e familiares de pessoas desaparecidas durante a ditadura, que exigem até hoje notícias de seus filhos e parentes. No Chile, muitas pessoas participaram de guerrilhas, outras confeccionaram arpilleras para denunciar os crimes da ditadura, e artistas compuseram canções de protesto e produziram obras de arte que tratavam da violência e da repressão do regime.

A ditadura no Brasil

Como estudamos no capítulo 10, em 31 de março de 1964 o então presidente João gulár foi deposto numa ação de iniciativa militar que contou com o apôio de setores da sociedade civil, como parcela da Igreja Católica, políticos, empresários e os principais órgãos da imprensa do país. Ao assumir o contrôle do govêrno, os militares declararam que ficariam no poder até a eliminação da “ameaça comunista” e o restabelecimento da ordem no país, quando seriam organizadas eleições para que os cidadãos escolhessem um presidente. Essa promessa, entretanto, não foi cumprida.

Em 9 de abril de 1964, uma junta militarglossário decretou o Ato Institucional nº 1 (a i um), o primeiro de uma série de dezessete decretos que serviram para legitimar o regime e fortalecer o poder dos militares. Por meio do a i um, o govêrno pôde cassarglossário mandatos de parlamentares, prefeitos e governadores, bem como suspender os direitos políticos de muitos cidadãos brasileiros. A medida afetou mais de mil civis, entre parlamentares, juízes e funcionários públicos. O a i um também autorizava o presidente a decretar estado de sítio sem a aprovação do Congresso Nacional.

Logo após o golpe, líderes sindicais, estudantes, jornalistas e pessoas consideradas opositoras do regime foram perseguidas. cêrca de .1200 militares que se opuseram ao golpe foram expulsos das fôrças armadas. Em novembro de 1964, a Lei Suplicy de Lacerda criminalizou o movimento estudantil. A União Nacional dos Estudantes (Úni) foi declarada ilegal e as entidades estudantis autônomas foram substituídas por outras controladas pelo Estado e proibidas de manter qualquer atuação de caráter político-partidário.

Fotografia em preto e branco. Militares alinhados lado a lado. Empunham armas. Ao fundo, prédio do Congresso Nacional, grande prédio horizontal com cúpula semicircular voltada para cima.
Militares em frente ao Congresso Nacional durante a deposição do govêrno de João gulár, em Brasília, Distrito Federal. Foto de 31 de março de 1964.

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Ampliando: Ato Institucional nº 1

“O Ato Institucional [nº 1] estabeleceu o dia 15 de junho como prazo final para a aplicação das ‘punições revolucionárias’. Essas punições reticências consistiam na cassação de mandatos de senadores, deputados federais, estaduais e vereadores, na suspensão de direitos políticos de quaisquer pessoas e na transferência para a reserva de militares suspeitos de esquerdismo ou de apôio ao govêrno deposto – aliás, mais de 100 militares foram punidos pelo ‘Comando Supremo da Revolução’. As punições deviam se basear em inquéritos policiais militares que eram conduzidos por oficiais superiores, em geral coronéis, que ficaram conhecidos, por isso mesmo, como ‘coronéis dos i pê êmes’. Entretanto, depois de tomar posse, Castelo Branco – cioso de sua biografia e temeroso de passar à história como um ditador vingativo – decidiu aplicar as punições moderadamente, revoltando os encarregados pelos i pê êmes. Ademais, algumas das potenciais vítimas conseguiram habeas corpus na Justiça, que ainda não estava completamente manietada como viria a ficar no futuro, o que também irritou esse grupo de militares. Eles passaram a demandar mais punições e a prorrogação da data-limite, mas Castelo não lhes atendeu. Essa é a origem do grupo que, no futuro, ficaria conhecido como ‘linha-dura’ e que sempre reclamaria a reabertura da temporada de ‘punições revolucionárias’.”

FICO, Carlos. História do Brasil contemporâneo: da morte de Vargas aos dias atuais. São Paulo: Contexto, 2015. página 56. (Coleção História na universidade).

Os cassados

Entre os cassados pelo a i um estavam os ex-presidentes João gulár e Jânio Quadros, o secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (pê cê bê), Luís Carlos Prestes, os deputados federais Leonel Brizola e Plínio de Arruda Sampaio e o economista Celso Furtado.

Os primeiros anos do regime

O marechal Humberto de Alencar Castello Branco, um dos líderes da deposição de João gulár, foi eleito pelo Congresso Nacional e assumiu a presidência em 15 de abril de 1964. Em julho de 1964, foi criado o Serviço Nacional de Informações (ésse êne i) para investigar a situação política do país e coletar dados dos suspeitos de subversão. Seu mandato, que deveria se estender até janeiro de 1966, foi prorrogado até 1967. O objetivo era desarticular opositores, sob o argumento de combater a “ameaça comunista”.

No campo da economia, o govêrno procurou reduzir o déficit das contas públicas por meio do córte de subsídios a produtos básicos, da redução do crédito, do aumento dos impostos e do reajuste do salário mínimo muito abaixo da inflação. Essas medidas tiveram como efeito o aumento do custo de vida.

No contexto da Guerra Fria, o Brasil alinhou-se ao bloco dos países capitalistas, rompendo relações diplomáticas com Cuba em maio de 1964. Os Estados Unidos prestaram auxílio político, econômico e militar ao regime civil-militar brasileiro a fim de evitar a disseminação das ideias socialistas no país.

Saiba mais

Eleição presidencial

De acôrdo com o Ato Institucional nº 1, o presidente da república deveria ser escolhido, dali em diante, por um colégio eleitoral composto apenas dos 475 parlamentares do Congresso Nacional. Nele, não constavam opositores declarados do regime, que tiveram seus mandatos cassados. Desse modo, a vitória do candidato dos militares estava assegurada.

O regime se fortalece

Diante da vitória da oposição nas eleições estaduais de 1965, o govêrno decretou o segundo Ato Institucional. O a i dois estabeleceu eleições indiretas para a presidência e concedeu ao presidente o poder de intervir nos estados, demitir funcionários civis e militares e baixar decretos-lei sobre questões de segurança nacional. Além disso, determinou que só poderiam existir legalmente dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arêna), base política do govêrno, e o Movimento Democrático Brasileiro (ême dê bê), a oposição consentida.

Em fevereiro de 1966, por meio do a i três, o govêrno determinou a realização de eleições indiretas para governadores e vice-governadores e suspendeu as eleições para prefeitos das capitais. Os prefeitos dessas cidades passaram a ser indicados pelos governadores. Em dezembro, Castello Branco editou o a i quatro, por meio do qual convocou o Congresso para discutir e votar o projeto da nova constituição do país. Em janeiro do ano seguinte, foi promulgada a Constituição de 1967, que fortaleceu ainda mais o Poder Executivo.

Em março daquele ano, Castello Branco sancionou a Lei de Imprensa, que restringiu a liberdade de expressão e de informação por meio do contrôle dos meios de comunicação. No mesmo mês foi aprovada a Lei de Segurança Nacional, baseada na Doutrina da Segurança Nacional (dê ésse êne). Introduzida pelos Estados Unidos, essa doutrina defendia o combate não somente aos inimigos externos, mas principalmente aos internos, ou seja, aqueles indivíduos e organizações alinhados à União Soviética e ao comunismo, aumentando a perseguição e a repressão.

Charge. Homem de semblante fechado está com o rosto aparecendo em um pequeno buraco no jornal.
Charge de Fortuna publicada no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, 1966. A charge vinha acompanhada da seguinte legenda: “— Foi você, Maria, ou já começou a Lei de Imprensa?”.

Responda em seu caderno.

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Qual é a crítica ao govêrno militar feita na charge?


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Censura

Ao terem conteúdos censurados, os jornais trocavam as matérias proibidas por receitas de bolo, poesias ou deixavam o espaço destinado ao conteúdo censurado em branco ou preto. De acôrdo com a pesquisa da historiadora Beatriz Cuchinír (Cães de guarda: jornalistas e censores, do a i cinco à Constituição de 1988. São Paulo: Boitempo, 2012), setores da grande imprensa brasileira clamaram pêla tomada do govêrno pelos militares com o slogan fóra, Jango!”, aceitaram a censura e colaboraram com ela. Quem assumiu a tarefa da resistência foi a imprensa alternativa, com publicações como O Pasquim, Pif Paf e Movimento.

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A charge critica a falta de liberdade de expressão e de imprensa no Brasil. A censura de matérias, notícias e outros conteúdos considerados subversivos, ofensivos à família ou perigosos para a segurança nacional foi prática comum durante a ditadura. Na charge, o conteúdo censurado foi literalmente cortado do jornal, deixando um buraco no lugar da matéria.

Os “anos de chumbo”

Em outubro de 1966, o general Arthur da Costa e Silva foi eleito presidente da república pelo Congresso Nacional, tomando posse do cargo em março de 1967. Ele fazia parte do grupo conhecido como “linha dura”, formado por militares que defendiam medidas mais repressivas para combater os opositores.

Costa e Silva prometeu governar para o povo, dialogar com a classe trabalhadora e realizar investimentos em educação. Durante seu govêrno, porém, multiplicaram-se os protestos e cresceram os movimentos de oposição, reprimidos violentamente pelas fôrças policiais.

Manifestações contra a ditadura

Como o prometido “retorno à ordem democrática” não ocorreu e as condições de vida da população pioraram, as manifestações contra o regime tornaram-se constantes. A Úni, por exemplo, mesmo na ilegalidade, desde 1966, passou a realizar atos isolados exigindo melhorias nas condições de ensino e ampliação de investimentos e de vagas nas universidades.

Em março de 1968, durante um protesto no centro do Rio de Janeiro contra o aumento do preço no restaurante Calabouço, onde os estudantes costumavam fazer suas refeições, o secundaristaglossário Edson Luís de Lima Souto foi morto pela polícia. A morte de um jovem de 18 anos causou forte comoção popular e deflagrou várias manifestações contra o govêrno, nas quais houve várias prisões e mortes.

O maior protesto contra a ditadura ocorreu no dia 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro. A Passeata dos Cem Mil, como ficou conhecida, reuniu cêrca de 100 mil pessoas, entre estudantes, trabalhadores, intelectuais e artistas, que protestaram contra as mortes, as prisões e a violência policial. Durante a passeata, não houve conflitos. No entanto, após o evento, o govêrno iniciou uma operação na qual prendeu a maioria dos líderes do movimento.

Fotografia em preto e branco. Multidão em uma passeata, carregando um cartaz com a frase: ABAIXO A DITADURA – POVO NO PODER.
Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro. Foto de junho de 1968. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

Respostas e comentários

Ampliando: rebeliões e utopias

“1968 iniciou no Brasil com manifestações de estudantes. Por um lado, eles reivindicavam ensino público e gratuito para todos, uma reforma que democratizasse o ensino superior e melhorasse sua qualidade, com maior participação estudantil nas decisões, mais verbas para pesquisa – voltada para resolver os problemas econômicos e sociais do Brasil. Por outro lado, os estudantes contestavam a ditadura e o cerceamento às liberdades democráticas. Naquela época, a maioria dos universitários estudava em escolas públicas e o acesso ao ensino superior era bem mais restrito que nos dias de hoje, havendo uma demanda muito maior que a oferta de vagas.

reticências Essas reivindicações específicas associavam-se à luta mais geral contra a política educacional e contra a própria ditadura.”

RIDENTI, Marcelo. 1968: rebeliões e utopias. In: FILHO, Daniel A. R.; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (organizador). O século vinte: o tempo das dúvidas. Do declínio das utopias às globalizações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. volume três, página 150.

Fotografia em preto e branco. Militares montados em cavalos dispersam a multidão em uma larga avenida.
Cavalaria militar reprimindo manifestação durante a missa em memória do estudante Edson Luís de Lima Souto, no Rio de Janeiro. Foto de 1968. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.

A luta dos operários

Comprometido em ampliar os lucros dos empresários, o govêrno passou a fixar o salário mínimo abaixo da inflação. Em 1966, substituiu a lei que assegurava estabilidade ao trabalhador após dez anos na mesma empresa pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (éfe gê tê ésse). O resultado dessas medidas foi o aumento da rotatividade no emprego e o arrocho salarial.

O movimento operário passou a pressionar o govêrno por melhores salários. Em abril de 1968, na cidade mineira de Contagem, milhares de operários paralisaram suas atividades. Eles reivindicavam reajuste salarial de 25% e liberdade política e civil. A polícia militar, chamada a intervir, ocupou a cidade e proibiu a realização de assembleias e de panfletagens.

Na cidade de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, em julho do mesmo ano, cêrca de 3 mil metalúrgicos cruzaram os braços e ocuparam seis fábricas, reivindicando aumento salarial de três em três meses e contrato coletivo com vigência de dois anos. A repressão foi ainda mais intensa: a polícia militar expulsou os trabalhadores das fábricas, invadiu o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e efetuou dezenas de prisões.

O a i cinco

A situação política do Brasil se agravou com o discurso do deputado federal Márcio Moreira Alves, do ême dê bê, proferido em 2 de setembro de 1968, que denunciou a violência dos militares e conclamou a população a boicotar as festividades do Dia da Independência.

Contrariando os militares, o Congresso se recusou a punir o deputado. O govêrno reagiu decretando, em 13 de dezembro de 1968, o a i cinco, o mais violento e repressor dos atos institucionais. Por meio desse decreto, o Congresso Nacional foi dissolvido, o presidente da república ganhou amplos poderes e as medidas repressivas foram intensificadas (consulte o esquema).

Esquema. Esquema formado por um quadro principal, vermelho, e cincos outros quadros, rosas, dispostos verticalmente, unidos ao primeiro por um fio vermelho. No primeiro quadro, se lê: AI-5: PODERES PRESIDENCIAIS. Respectivamente, nos demais quadros se lê: FECHAMENTO DO CONGRESSO NACIONAL; INTERVENÇÃO DIRETA DO GOVERNO FEDERAL NOS ESTADOS E NOS MUNICÍPIOS, CASSAÇÃO DE MANDATOS PARLAMENTARES, SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DE QUALQUER CIDADÃO POR DEZ ANOS, SUSPENSÃO DA GARANTIA DE HABEAS CORPUS.

Habeas Corpusglossário

Fonte: FAUSTO, Boris. História do Brasil. segunda edição São Paulo: êduspi, 1995. página 480. (Coleção Didática).


Respostas e comentários

Ampliando: o a i cinco

“O a i cinco era uma ferramenta de intimidação pelo medo, não tinha prazo de vigência e seria empregado pela ditadura contra a oposição e a discordância. Apesar disso, não foi o único instrumento de exceção criado pelas fôrças armadas nem significou um ‘golpe dentro do golpe’ aplicado por facções intramilitares radicais para garantir a expansão do arbítrio e da repressão política. O a i cinco fez parte de um conjunto de instrumentos e normas discricionárias, mas dotadas de valor legal, adaptadas ou autoconferidas pelos militares. Eles despenderam grande esforço para enquadrar seus atos num arcabouço jurídico e construir um tipo de legalidade plantada no arbítrio – uma legalidade de exceção –, capaz de impor graves limites à autonomia dos demais poderes da União, punir dissidentes, desmobilizar a sociedade e limitar qualquer fórma de participação política.”

Chuárquis, Lilia Mórits; istárlin, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. página 455-456.

Ampliando: discurso do deputado Márcio Moreira Alves

“Vem aí o 7 de setembro. As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse que a presença de seus filhos nesse desfile é um auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicotasse esse desfile. Esse boicote pode passar também sempre falando de mulheres às moças que dançam com os cadetes e namoram os jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje no Brasil com que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de suas casas àqueles que vilipendiam a nação, recusassem aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta.”

MÁRCIO Moreira Alves [1968]. Trecho do pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, em 3 de setembro de 1968. In: ALVES, Márcio Moreira. 68 mudou o mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. página 150.

A oposição armada

A repressão que se seguiu ao decreto do a i cinco desarticulou os movimentos estudantil e operário. Diante dessa situação, integrantes de alguns setores que lutavam pela democracia aderiram à luta armada para combater o regime, organizando guerrilhas urbanas e rurais. Outros grupos preferiram a resistência política institucional. Conheça alguns exemplos.

Guerrilha do Araguaia. Formado em 1967, o movimento atuou na região próxima ao Rio Araguaia, na divisa dos estados do Pará, do Maranhão e de Goiás (região do atual Tocantins). O objetivo da guerrilha era mobilizar os camponeses para iniciar uma revolução socialista nos moldes da Revolução Cubana. Em 1972, o govêrno cercou a área e prendeu a maioria dos guerrilheiros. cêrca de setenta pessoas foram mortas, entre guerrilheiros e camponeses que deram algum tipo de apôio ao movimento.

Fotografia em preto e branco. Alzira Grabois, senhora de cabelos curtos e óculos, carrega um cartaz com retratos de pessoas desaparecidas. No cartaz, acima das fotos, está escrito: ONDE ESTÃO NOSSOS MORTOS E DESAPARECIDOS NA GUERRILHA DO ARAGUAIA?
Alzira Grabóis, então com 70 anos, durante manifestação na Praça da Sé, no município de São Paulo, São Paulo. Foto de 1987. No cartaz, questiona-se o paradeiro dos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, entre os quais estavam o marido, Maurício Grabóis, e um dos filhos de Alzira.
  • Vanguarda Popular Revolucionária (vê pê érre). Liderado pelo ex-capitão do exército Carlos Lamarca, o grupo foi formado em 1968 por estudantes e ex-militares. Alguns integrantes defendiam a ação armada, enquanto outros propunham organizar a população para resistir ao regime. Em razão dessas diferenças, os membros da vê pê érre dividiram-se entre o Comando de Libertação Nacional (Colina) e a Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (vê a érre Palmares).
  • Ação Libertadora Nacional (a éle êne). Criada em 1968 por dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (pê cê bê), como Carlos Mariguéla e Joaquim Câmara Ferreira, a a éle êne foi uma das responsáveis pelo sequestro do embaixador estadunidense Charles Élbric, em 1969. Em 1970, a a éle êne e a vê pê érre sequestraram o embaixador alemão Êrranfrid fon Rólibin. Ambos foram soltos em troca da libertação de presos políticos.
  • Movimento Revolucionário 8 de Outubro (ême érre oito). Criado por ex-membros do pê cê bê que formaram a Dissidência da Guanabara. Com a a éle êne, o grupo organizou o sequestro do embaixador Charles Élbric. Durante a operação, mudou seu nome para ême érre oito em homenagem ao revolucionário “Tchê Guevára, capturado em 8 de outubro de 1967.

Por meio do ésse êne i e de órgãos de espionagem, o govêrno combateu essas organizações com prisões, torturas e assassinatos. Em meados da década de 1970, as guerrilhas tinham sido praticamente eliminadas no Brasil.

Cena de filme. Três rapazes de óculos, calça e camisa social, presos pela polícia, descem de um camburão. Policiais observam. Ao fundo, um grande portão fechado.
Cena do filme Batismo de sangue, de Helvécio Ratôn, 2006. Inspirado no livro de mesmo título, o filme conta a história de cinco frades dominicanos que lutaram contra a ditadura auxiliando membros da resistência armada.

Respostas e comentários

Contra a ditadura

A atuação de grupos de esquerda revolucionária no Brasil é anterior à ditadura e se insere no contexto da Guerra Fria, quando surgiram movimentos semelhantes na China, no Vietnã, na Argélia e em outros países. A decretação do a i cinco apenas ampliou a adesão de setores da sociedade, como o movimento estudantil, à luta contra a ditadura, tanto por meio da ação armada quanto pela mobilização no campo institucional.

A Igreja Católica durante a ditadura

As relações entre a Igreja Católica e o Estado tornaram-se tensas durante o govêrno Médici. A Igreja era o único setor social que tinha permissão de opinar “abertamente” sobre as ações do govêrno durante a ditadura. Contudo, em novembro de 1969, alguns religiosos, como Frei Betto (Carlos Alberto Libânio Cristo), foram acusados de apoiar a Ação Libertadora Nacional (a éle êne) e de hospedar guerrilheiros nos conventos. Muitos religiosos foram perseguidos, presos e torturados. Alguns setores da Igreja, como o grupo de padres da arquidiocese de Porto Alegre, protestaram contra as prisões e prestaram solidariedade aos religiosos.

O filme Batismo de sangue (classificação indicativa: a partir de 14 anos) é um importante relato sobre a ditadura no Brasil e um dos poucos que abordam aspectos das tensões entre a Igreja e o Estado. Ele foi baseado no livro homônimo escrito por Frei Betto (lançado em 1982). O religioso foi um dos cinco frades dominicanos presos. No livro, ele narra memórias e descobertas sobre a ditadura civil-militar brasileira.

O auge da repressão

Em agosto de 1969, o presidente Costa e Silva afastou-se do govêrno por problemas de saúde. Uma junta militar impediu a posse do vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, e assumiu o comando do país. Em outubro do mesmo ano, o general Emílio Garrastazú Médici foi eleito presidente pelo Congresso Nacional.

Médici institucionalizou a Operação Bandeirante (Obán), que havia sido criada em julho de 1969 para fortalecer a repressão e eliminar os focos guerrilheiros. Em 1970, foi criado o Destacamento de Operações de Informações − Centro de Operações de Defesa Interna (dói códi). Milhares de opositores do regime foram perseguidos, torturados ou mortos por agentes desse organismo de repressão.

Fotografia. Cela retangular com uma janela no alto. No chão, dois colchões, um perto de cada parede. Ao fundo, uma pia e um varal. Acima, uma janela com grades.
modêlo de cela do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (deóps) de São Paulo, no Memorial da Resistência, no município de São Paulo, São Paulo. Foto de 2019. O deóps foi uma das instituições repressoras do regime civil-militar.

História em construção

Memórias da repressão

Leia um trecho do depoimento de um ex-preso político sobre a morte de Alexandre Vanúqui Leme nas dependências do dói códi de São Paulo, em março de 1973. Alexandre era estudante do curso de Geologia da Universidade de São Paulo e militante da a éle êne.

Ouvi durante o dia e à noite gritos de tortura reticências. Num desses dias em que eu prestava declarações foi torturado, durante dois dias, o Alexandre Vanúqui, estudante, e no final desses dois dias mandaram que a gente fosse para o fundo da cela para que não víssemos um preso que iria ser retirado de uma cela vizinha. Depois de retirado esse preso, vi os soldados lavando a cela e insinuavam que ele havia se suicidado com gilete, o que não creio, pois toda vez que nos era dada gilete para fazer a barba era imediatamente devolvida reticências.

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Mortos e desaparecidos políticos. Relatório da Comissão Nacional da Verdade. Brasília, Distrito Federal: cê êne vê, 2014. volume 3, página .1207. Disponível em: https://oeds.link/sXtxAe. Acesso em: 24 março 2022.


Responda em seu caderno.

Questões

  1. O que esse depoimento revela sobre o regime civil-militar no Brasil?
  2. Em sua opinião, qual é a importância de preservar essas memórias sobre a ditadura? Discuta esse assunto com os colegas.

Refletindo sobre

De acôrdo com o Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, ninguém pode ser submetido a tortura nem a tratamento cruel ou desumano. O que isso significa? Relacione esse artigo da constituição com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.


Respostas e comentários

Bê êne cê cê

Ao associar a repressão empreendida pela ditadura à violação dos direitos humanos, o conteúdo contribui para o desenvolvimento da habilidade ê éfe zero nove agá ih um seis.

Refletindo sobre

Espera-se que os alunos concluam que o significado do que a Constituição Federal prevê é que as pessoas tenham direito a ter sua integridade física preservada independentemente da situação em que estejam, mesmo se estiverem sob a tutela do Estado, como quando estão presas, por exemplo. Esse direito é reforçado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que no Artigo 5 estabelece “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.

Enfatizar a importância de se indignar com o sofrimento humano é uma fórma promover a empatia e a cultura de paz.

Bê êne cê cê

A atividade se relaciona com o tema contemporâneo transversal Educação em direitos humanos e contribui para o desenvolvimento das Competências gerais da Educação Básica nº 1, nº 4, nº 7 e nº 9 e das Competências específicas de Ciências Humanas nº 1 e nº 6. Além disso, permite o trabalho com a habilidade ê éfe zero nove agá ih um seis, na medida em que solicita aos alunos que reconheçam a Declaração Universal dos Direitos Humanos como importante instrumento de afirmação dos direitos fundamentais e de defesa da dignidade humana.

História em construção

  1. O depoimento revela como o Estado brasileiro, durante a ditadura, institucionalizou a perseguição e repressão de opositores, muitas vezes, praticando crimes contra a humanidade.
  2. Espera-se que os alunos reconheçam que a preservação dessas memórias sobre a ditadura é importante para que se revelem os crimes cometidos pelo Estado e se cobre punição judicial aos responsáveis, como fórma de combater regimes políticos antidemocráticos. Além disso, trata-se de respeitar a memória dos mortos e desaparecidos e a de seus familiares. Incentive os alunos a discutir o tema, orientando-os a argumentar em favor de seu posicionamento.

Bê êne cê cê

Ao apresentar a memória dos presos políticos e ao discutir questões ligadas à violação dos direitos humanos, a seção contempla a habilidade ê éfe zero nove agá ih um nove.

Saiba mais

A morte de Vladimir Erzógui

O jornalista Vladimir Erzógui, diretor de jornalismo da tê vê Cultura, tinha 38 anos quando se apresentou ao dói códi de São Paulo, em 24 de outubro de 1975. Convocado a prestar esclarecimentos sobre sua ligação com o pê cê bê, Erzógui foi torturado e, no dia seguinte, encontrado morto na prisão. As autoridades militares afirmaram que ele havia cometido suicídio, enforcando-se com um cinto.

O culto ecumênico de sétimo dia da morte de Erzógui foi realizado na Catedral da Sé, no município de São Paulo, pelo cardeal dom Paulo Evaristo árnes, pelo rabino rênri sóbel e pelo pastor Diêimis Ruáit, e reuniu milhares de pessoas, tornando-se um marco nas manifestações públicas contra a ditadura.

Nos anos 1990, uma Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos reconheceu oficialmente que Vladimir Erzógui foi torturado e morto pelos militares, mas somente em 2013 a família dele recebeu um atestado de óbito confirmando o assassinato do jornalista.

Fotografia. Ivo Herzog, homem de cabelo grisalho e óculos. Veste camisa social azul e calça jeans. Está em pé com uma das mãos no bolso da calça e a outra segurando uma foto. Ao lado dele, na parede, um grande retrato de Vladimir Herzog, homem calvo, de sobrancelha grossa e olhos escuros.
Ivo Erzógui, filho de Vladimir Erzógui, ao lado de uma foto do pai. Foto de 2015.
O “milagre econômico”

Durante a ditadura, Antônio Delfim Netto, ministro da Fazenda de 1967 a 1974, adotou medidas que impulsionaram o crescimento econômico do Brasil: isentou investidores estrangeiros de alguns impostos, concedeu crédito barato para financiar empresas privadas e estipulou regras para que os salários dos trabalhadores fossem reajustados sempre abaixo dos índices de inflação.

Beneficiadas pela expansão da economia internacional, as medidas do govêrno logo produziram resultados. Com a política de créditos à produção industrial e os salários dos trabalhadores arrochados, o poder de compra das classes alta e média aumentou, acelerando o consumo e ampliando o mercado interno. A partir de 1968, o Píbi do Brasil cresceu continuamente, até atingir a taxa de 13% em 1973, e a inflação começou a declinar.

O “milagre econômico”, porém, beneficiou principalmente grandes empresários do setor privado, como os da indústria automobilística e da construção civil. A concentração de renda e o custo de vida cresceram no Brasil, aumentando a diferença de renda entre ricos e pobres. Além disso, a concentração de recursos na Região Sudeste acentuou a miséria em regiões do país que já sofriam os efeitos de sucessivas crises econômicas.


Respostas e comentários

Economia

Os dados econômicos apresentados no texto foram extraídos de SOUZA, Pedro H. G. F.; MEDEIROS, Marcelo. Tóp incame chérs an iniquálit in Brasil, 1928-2012. Revista da Sociedade Brasileira de Sociologia. Porto Alegre, volume 1, número 1, julho a dezembro 2015. página 119-132.

Ampliando: distorções do “milagre econômico”

“Enquanto os militares aprofundavam os instrumentos de repressão dentro das fábricas – e para o restante da sociedade –, a economia se aqueceu e a inflação, em vez de subir, passou a cair. Teve início um surto de crescimento reticências e o govêrno começou a falar de ‘milagre econômico brasileiro’. A performance de crescimento seria indiscutível, porém o milagre tinha explicação terrena. Misturava, com a repressão aos opositores, a censura aos jornais e demais meios de comunicação, de modo a impedir a veiculação de críticas à política econômica, e acrescentava os ingredientes da pauta dessa política: subsídio governamental e diversificação das exportações, desnacionalização da economia com a entrada crescente de empresas estrangeiras no mercado, contrôle de reajuste de preços e fixação centralizada dos reajustes de salários.

reticências. O ‘milagre econômico’, contudo, teve um preço. E o crescimento da economia se fez acompanhar de um processo acentuado de concentração de renda, resultado de uma política salarial restritiva, em que os ganhos de produtividade não eram repassados para os trabalhadores. Deu-se também um aumento vertiginoso da dívida externa, com o país mais vulnerável às alterações do cenário internacional reticências. Os brasileiros só iriam acordar para o tamanho dessa vulnerabilidade após 1973, quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (ôpép) reduziu a oferta de petróleo, o preço do produto foi multiplicado por quatro, não havia alternativa senão continuar comprando, e o milagre finou. Ao contrário do brasileiro comum, tanto os generais do Executivo quanto os tecnocratas do Ministério do Planejamento sabiam que havia distorções no crescimento da economia e que as consequências viriam.”

Chuárquis, Lilia Mórits; istárlin, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. página 452-453.

Futebol e propaganda

O govêrno procurava alimentar a ideia de que o país estava no caminho certo. Contendo slogans como “Ninguém mais segura este país” ou “Este é um país que vai pra frente”, campanhas que exaltavam o Brasil e as ações do govêrno eram constantemente veiculadas nos meios de comunicação.

Ao mesmo tempo, slogans como “Brasil, ame-o ou deixe-o”, utilizados em objetos e adesivos de automóveis, associavam a crítica ao regime à falta de amor pelo Brasil, além de convidar os descontentes a deixar o país.

O futebol também foi bastante utilizado como propaganda do govêrno. A conquista do tricampeonato mundial de futebol pela seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970, disputada no México, contribuiu para impulsionar esse clima de euforia patriótica. O govêrno utilizou a vitória da seleção no campeonato como um sinal de que o Brasil progredia.

Cartaz. Ilustração de bandeira do Brasil hasteada e balançando no topo de um mastro. Ao fundo o céu azul com algumas nuvens. Abaixo a frase: NINGUÉM MAIS SEGURA ÊSTE PAÍS.
Cartaz distribuído na Semana da Pátria, em 1970, durante o govêrno Médici. Arquivo Público do Estado de São Paulo, São Paulo.
O fim da euforia do “milagre econômico”

A euforia econômica do regime civil-militar logo demonstrou fragilidade. Em 1973, em guerra contra Israel, os países árabes exportadores de petróleo elevaram o preço do barril do produto em até 400%. O Brasil, dependente da importação de petróleo e dos créditos internacionais, sofreu um forte impacto: a inflação cresceu e a dívida externa se multiplicou.

Procurando combater os efeitos da crise internacional do petróleo, o govêrno lançou, em 1975, o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (segundo pê êne dê), que priorizou investimentos em indústrias de base, energia, comunicação e portos. O Estado passou a ser o principal investidor nos setores petrolífero, energético e de insumos básicos.

No entanto, o crescimento foi menor do que se esperava, pois a dívida externa continuou aumentando, o que dificultou os investimentos públicos. Além disso, os índices de inflação permaneciam altos, atingindo 40% em 1978.


Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. Qual foi o principal argumento utilizado para justificar a intervenção militar na política brasileira?
  2. Identifique os diferentes setores da sociedade brasileira que apoiaram o golpe civil-militar de 1964.
  3. Quais foram as disposições do a i cinco?
  4. Por que a expressão “Este é um país que vai pra frente” tornou-se slogan político no início da década de 1970?
  5. Qual era o significado da expressão “Brasil, ame-o ou deixe-o”?
  6. Que medidas econômicas foram tomadas pelo govêrno no período do “milagre econômico”?
  7. Quais foram as consequências do “milagre econômico” para as diferentes camadas sociais?

Respostas e comentários

Futebol

O Campeonato Brasileiro de Futebol foi um dos instrumentos de manipulação política pela ditadura. Criado em 1971, o “Brasileirão” passava, a cada ano, por mudanças de regulamento, além de receber novos clubes, introduzidos na competição a pedido de políticos de cada estado ligados ao govêrno. Durante a década de 1970, a expressão “Onde a Arena vai mal, mais um time no nacional” tornou-se bastante popular.

O número de clubes disputando o “Brasileirão” também cresceu a cada ano. Em 1971, havia 20 equipes na disputa. Oito anos depois, esse número havia saltado para 94.

Recapitulando

  1. O principal argumento utilizado para justificar a intervenção militar na política brasileira foi o de livrar o Brasil da ameaça comunista.
  2. O golpe civil-militar de 1964 foi apoiado por setores da Igreja Católica, políticos, empresários e pelos principais órgãos de imprensa do país.
  3. O a i cinco determinou a dissolução do Congresso, recrudesceu a repressão e deu amplos poderes ao presidente, como o de cassar mandatos parlamentares e suspender direitos políticos de qualquer cidadão por dez anos.
  4. O slogan foi usado para convencer a população de que o país rumava para o progresso. O forte teor nacionalista da frase era uma estratégia ideológica para valorizar as conquistas do govêrno militar na economia.
  5. Enaltecendo um sentimento nacionalista, a expressão relacionava as críticas contra o regime à falta de amor ao Brasil. Desse modo, aqueles que não concordassem com o govêrno deveriam deixar o país.
  6. O govêrno isentou investidores estrangeiros de alguns impostos, concedeu crédito barato para financiar empresas privadas e estipulou regras para que os salários dos trabalhadores fossem reajustados sempre abaixo dos índices de inflação.
  7. As classes média e alta se beneficiaram do aumento do poder de compra e do crescimento das grandes e médias empresas. A população mais pobre sofreu com o arrocho salarial e o aumento da desigualdade social.

A crise do petróleo

A alta dos preços do petróleo no mercado internacional, em 1973, desacelerou o crescimento econômico brasileiro a partir de 1974. O Brasil era fortemente dependente da importação do combustível, e os novos valores do barril provocaram elevação geral de preços e dificuldade de manter a produção industrial em alta. Diante disso, o govêrno Geisel ampliou a estatização de setores essenciais e estratégicos da economia.

O processo de abertura

O general Ernesto Gaisel foi eleito presidente em 15 de janeiro de 1974, vencendo o deputado federal Ulysses Guimarães, do ême dê bê. Foi o primeiro presidente militar eleito pela composição do Colégio Eleitoral, estabelecida na Constituição de 1967 e regulamentada em 1969, que agregava ao Congresso Nacional representantes das assembleias legislativas estaduais. Ao assumir o govêrno, Gaisel declarou a intenção de iniciar uma política de abertura “lenta, gradual e segura”.

As eleições legislativas para a escolha de deputados e senadores, realizadas em novembro de 1974, foram favorecidas por essa política de abertura. O govêrno autorizou a propaganda de candidatos da Arêna e do ême dê bê, inclusive na televisão. O ême dê bê, partido da oposição, venceu em diversos estados e aumentou o número de representantes no Congresso Nacional.

Preocupado com o fortalecimento da oposição, o govêrno criou, em 1976, a Lei Falcão. Elaborada pelo então ministro da Justiça Armando Falcão, a lei determinava que somente o rosto do candidato e um pequeno currículo dele poderiam aparecer nas campanhas feitas na televisão. Mesmo com a restrição, o ême dê bê conquistou vitórias importantes nas eleições municipais daquele ano.

Charge. Homem de nariz grande em um palanque, de terno e gravata, falando ao microfone. A cabeça dele está dentro de um aparelho de televisão. Ele diz: NEM A LEI FALCÃO CONSEGUIU ME CALAR! Ao redor dele a palavra POVO aparece várias vezes.
Charge de Cláudio sobre a Lei Falcão, 1979.

Responda em seu caderno.

Explore

Explique a crítica expressa na charge.

Em abril de 1977, após não conseguir aprovar no Congresso uma série de emendas que alteravam a constituição, Gaisel lançou o Pacote de Abril. O Congresso foi fechado por catorze dias, e o presidente realizou as alterações por meio de decretos-lei. Entre outras mudanças, o mandato presidencial foi ampliado de cinco para seis anos, e um terço dos senadores passou a ser escolhido pelo voto indireto, devendo ser referendado, posteriormente, pelo presidente da república. Os “senadores biônicos”, como ficaram conhecidos, impediam que a oposição alcançasse maioria no Senado.

Com essas medidas, intensificaram-se as pressões sobre o govêrno pela prometida abertura política, sobretudo com a reorganização dos movimentos estudantil e sindical, que retornaram às ruas. Diante do crescimento das manifestações, Gaisel iniciou efetivamente o processo de abertura, afastando militares acusados de tortura e revogando o a i cinco, em dezembro de 1978.

Saiba mais

Os povos originários sob pressão

Durante o govêrno militar, foi implantado o Plano Nacional de Integração (Pê ene ih) com a meta de expandir as fronteiras internas do Brasil. O plano previa a construção de grandes obras, como rodovias e hidrelétricas, porém sua concretização implicava a ocupação de territórios indígenas. De acôrdo com a política indigenista do govêrno, os nativos, vistos como obstáculo ao desenvolvimento, deveriam ser integrados à sociedade não indígena como mão de obra. Sem a proteção do Estado, milhares de indígenas morreram, vítimas de massacre, doenças e escravização, entre outras causas relacionadas à invasão de suas terras.


Respostas e comentários

Bê êne cê cê

Ao destacar a política indigenista sob o govêrno militar, o conteúdo contempla parcialmente as habilidades ê éfe zero nove agá ih um seis e ê éfe zero nove agá ih dois um. O tema será retomado no capítulo 13.

Violência contra os povos indígenas

De acôrdo com um relatório sobre camponeses e indígenas produzido pela psicanalista Maria Rita Kehl para a Comissão Nacional da Verdade, o govêrno militar foi, direta ou indiretamente, responsável pela morte de .8350 indígenas, de 10 etnias diferentes, em especial os Cinta Larga, que vivem entre o Mato Grosso do Sul e Rondônia, e os Waimiri Atroari, que habitam a região entre o Amazonas e Roraima. As mortes foram consequência da invasão das terras e da expulsão forçada dos indígenas, das doenças introduzidas pelos não indígenas – em alguns casos intencionalmente –, pela submissão dos nativos ao trabalho forçado, pelo massacre, entre outras causas relacionadas com os projetos de construção de grandes obras em regiões consideradas “desabitadas” pelo govêrno militar.

A violência contra os indígenas foi confirmada pela descoberta, em 2013, do Relatório Figueiredo, documento produzido pelo procurador Jader de Figueiredo Correia, entre 1967 e 1968. O relatório, dado como perdido, foi reencontrado pelo pesquisador Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, no Museu do Índio, e relata uma série de graves violações aos direitos humanos praticadas por fazendeiros, garimpeiros, madeireiros e até pelos próprios servidores do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI). A não inclusão dos indígenas na relação de mortos pela ditadura é alvo de críticas à Comissão da Verdade, que só teria contado as vítimas não indígenas.

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Na charge, um político, com a cabeça dentro de uma televisão, afirma que a Lei Falcão não conseguiu calar sua voz, fazendo uma referência às vitórias eleitorais da oposição (ême dê bê), mesmo com a promulgação da nova lei. A charge, assim, satiriza a Lei Falcão, que determinou que os candidatos poderiam mostrar apenas uma foto sua e um pequeno currículo durante a campanha eleitoral na televisão.

A controversa anistia

João Baptista de Oliveira Figueiredo, último presidente militar do Brasil, assumiu o poder em março de 1979, no momento em que o país estava à beira de uma recessão econômica e de uma crise política. Diante da situação, Figueiredo executou um plano econômico com o objetivo de controlar a inflação e retomar o crescimento, ao mesmo tempo que acelerou o processo de transição democrática.

No início do govêrno Figueiredo, houve intensa mobilização da sociedade brasileira pela liberdade dos prisioneiros políticos ou acusados de crimes de subversão e pela volta dos exilados. O movimento de mulheres, os sindicatos, as chamadas Comunidades Eclesiais de Base (Cébis), ligadas à Igreja Católica, artistas, advogados, estudantes e familiares de presos políticos, entre outros grupos, formaram o Comitê Brasileiro pela Anistia (cê bê á), exigindo, além da anistiaglossário , a punição aos agentes do Estado responsáveis por crimes de tortura praticados no exercício da função.

O resultado dessa ampla mobilização foi a Lei da Anistia, sancionada pelo presidente Figueiredo em 28 de agosto de 1979. Com essa lei, muitas pessoas que estavam presas foram libertadas e as que haviam sido exiladas puderam voltar ao país. No entanto, a lei não concedeu liberdade aos opositores do regime que haviam optado pela luta armada, porém beneficiou os militares e os civis acusados de crime de tortura, decisão que ainda gera muitas discussões.

Em 2018, o debate sobre a anistia aos torturadores retornou à cena política brasileira depois que documentos da Agência Central de Inteligência (cía – sigla em inglês) dos Estados Unidos confirmaram que o presidente Geisel autorizou as execuções de opositores durante a ditadura. Para aqueles que defendem a revisão da Lei da Anistia, de 1979, essa medida seria importante para trazer transparência, apurar, julgar e condenar os responsáveis pela violação dos direitos humanos durante a ditadura civil-militar brasileira, como ocorreu em outros países da América Latina onde vigoraram regimes ditatoriais. Os que se opõem à revisão da lei argumentam que ela não pode ser modificada pelo Judiciário porque foi resultado de um acôrdo político no período de transição democrática. Revisá-la, de acôrdo com eles, seria inconstitucional.

Fotografia. Homem de costas observando um mural de jornais e revistas antigas. Ele é calvo e veste camisa azul, com uma bolsa pendurada no ombro.
Vista do salão com a exposição A luta pela anistia 1964-?, no Memorial da Resistência, no município de São Paulo, São Paulo. Foto de 2009.

Refletindo sobre

Qual é sua posição sobre a revisão da Lei da Anistia? Em sua opinião, tanto as vítimas da ditadura como os militares e civis que participaram dos crimes de tortura durante o exercício de suas funções devem ser beneficiados pela lei? Justifique sua resposta e discuta a questão com os colegas.


Respostas e comentários

Refletindo sobre

A atividade promove uma reflexão sobre a abrangência que a Lei da Anistia deve ter: beneficiar a todos os envolvidos ou punir os agentes do Estado que cometeram crimes contra opositores. Oriente os alunos a selecionar argumentos fundamentados nos direitos humanos para discutir o tema com os colegas e a assumir uma postura respeitosa diante de opiniões contrárias às suas, exercitando a empatia e a disposição para o diálogo, atitudes que contribuem para a promoção da cultura de paz.

Bê êne cê cê

Ao solicitar que o aluno se posicione sobre um tema ligado aos direitos humanos e exercite a empatia a fim de estabelecer um diálogo respeitoso e cooperativo, a atividade se relaciona com o tema contemporâneo transversal Educação em direitos humanos e contribui para o desenvolvimento das Competências gerais da Educação Básica nº 7 e nº 9, bem como da Competência específica de História nº 1.

Cultura e sociedade na época da ditadura

No final da década de 1960, ocorreu no mundo ocidental uma onda de protestos. Em diversos países europeus, grandes manifestações foram organizadas principalmente pela juventude, que reivindicava liberdade de expressão e justiça social e clamava pela paz e pela quebra de normas sociais estabelecidas pelas gerações anteriores.

No Brasil ocorreram importantes manifestações político-culturais nesse período, grande parte delas em protesto contra a ditadura. Os brasileiros souberam enfrentar e, muitas vezes, driblar a censura imposta pelo govêrno. A música, o teatro, o cinema, a televisão e a moda foram alguns dos meios de resistência ao regime civil-militar brasileiro.

Cinema, teatro, humor

Na década de 1950, o movimento conhecido como Cinema Novo renovou a estética do cinema brasileiro. Caracterizado por abordar criticamente a realidade do Brasil, o Cinema Novo explorou temas políticos e sociais, como a pobreza, a violência e as condições de vida dos trabalhadores. Os cineastas Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Lión Rírsmem foram alguns dos nomes que marcaram esse movimento.

No mesmo período, destacaram-se grupos teatrais que se posicionavam politicamente e defendiam mais liberdade nos costumes. O Teatro de Arena, criado em 1953, por exemplo, produziu duas peças que exaltavam a luta contra a opressão – Arena conta Zumbi (1965) e Arena conta Tiradentes (1967) –, ambas escritas por Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. O Teatro Oficina, fundado em 1958 por Amir Adádi, José Celso Martinez Corrêa e Carlos Queiroz Telles, conquistou projeção internacional com o espetáculo O rei da vela. Estreada em 1967, a peça satirizou as relações de poder entre os diferentes grupos sociais do Brasil.

O humor também foi um importante instrumento de luta contra a ditadura. O jornal carioca O Pasquim, fundado em 1969 pelos jornalistas Tarso de Castro e Sergio Cabral e pelos cartunistas Ziraldo e Jaguar, foi um dos principais representantes da imprensa alternativa do período. Com linguagem coloquial e bem-humorada, o jornal driblava a censura e criticava o regime ditatorial.

Ilustração em preto e branco. Homens a cavalo empunhando espadas estão ao redor de Dom Pedro. Ele montado em um cavalo escuro e levantando uma espada diz: EU QUERO MOCOTÓ!!
Colagem de Jaguar publicada em O Pasquim, em novembro de 1970, sobre a pintura Independência ou morte, de Pedro Américo, 1888. A frase “Eu quero mocotó” remetia a uma canção muito popular no período. Os militares julgaram a colagem um deboche ao espírito nacionalista do país; por isso, toda a equipe do jornal foi presa.

Respostas e comentários

Ampliando: contrôle audiovisual ontem e hoje

“Entre 1964 e 1984, na batalha da comunicação (e da criação) a censura da polícia foi fator de pêso, além das injunções estruturais de mercado. No entanto, como fórma de contrôle, o ponto mais efetivo foi a instrumentalização, pela ditadura, do processo de modernização tecnológica da indústria cultural eletrônica como setor hegemônico que passou a balizar a comunicação e a estética dos gêneros populares (audiência). O regime militar se empenhou muito nisso e deixou uma herança para a Nova República que, embora tenha abrandado muito a censura reticências, viu o movimento geral da mídia no mundo atropelar os anseios de democratização, tornando mais evidente o que já se sabia sobre os mecanismos de concentração do poder e censura próprios ao modo de produção da indústria cultural, conferindo fôrça maior ao que se repete como estratégia de comunicação e tem como horizonte (mas não destino certo) conformar um tipo de subjetividade calibrada para a boa recepção do que ela oferece.

reticências contrôles que os avanços tecnológicos tornam mais incisivos, embora abram caminhos alternativos através das redes sociais e das diferentes plataformas disponíveis para a produção e circulação da cultura audiovisual. Processo de mão dupla, contraditório, que constitui um novo desafio na relação entre cultura e jogos de poder, ou entre a arte que resiste às retóricas de manipulação e as técnicas ‘soft’ de repressão muitas vezes embaladas por uma alegre ilusão de soberania participativa.”

XAVIER, Ismail. O momento do golpe, as primeiras reações e o percurso do cinema de oposição no período da ditadura. In: ALONSO, Angela; dounicóf, Miriam (organizador). 1964: do golpe à democracia. São Paulo: Hedra, 2015. página 229-230.

Fotografia em preto e branco. Grupo de pessoas em uma apresentação musical em um auditório de programa de televisão.
Da esquerda para a direita: a banda Os Mutantes, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa (sentada) e Jorge Ben, no município de São Paulo, São Paulo. Foto de 1968. Nesse ano, sob o comando de Caetano Veloso e Gilberto Gil, a tê vê Tupi estreou o programa Divino maravilhoso.
Nas entrelinhas da música

A música foi um dos principais instrumentos de manifestação política durante a ditadura civil-militar no Brasil. As letras, muitas vezes com duplo sentido, criticavam indiretamente o regime e insinuavam o descontentamento dos brasileiros com o autoritarismo do govêrno e as desigualdades sociais no país.

Nos festivais de música, diversos intérpretes e compositores, como Chico Buarque e Geraldo Vandré, destacaram-se. Conhecidos por compor músicas de protesto, que abordavam os problemas sociais e políticos do período, eles e outros artistas foram vítimas da censura e da vigilância do regime. Muitos também acabaram no exílio, fugindo da repressão.

O caráter contestatório dessas canções também se expressava na valorização das camadas populares. Temas como a pobreza e as desigualdades sociais eram recorrentes em canções do período, como Opinião, que ficou famosa na voz de Nara Leão; Arrastão, sucesso na voz de Elis Regina; e Disparada, muito conhecida pela interpretação de Jair Rodrigues.

Outro importante movimento cultural foi o Tropicalismo, que incorporou à música popular brasileira o rock e a pop art e assimilou costumes da contracultura hippie, como o uso de cabelos longos e de roupas coloridas. Nesse movimento, destacaram-se Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Torquato Neto e a banda Os Mutantes.

Até mesmo a música romântica, popularmente chamada de “música brega”, foi alvo da censura. Por tratar de temas como divórcio e pílula anticoncepcional, cantores como Odair José, Valdíqui Soriano e Agnaldo Timóteo foram vítimas da repressão política e tiveram muitas de suas canções censuradas pelo regime.

reticências esta geração de artistas procurou expressar em suas composições as questões que, como pessoas do povo, tiveram que enfrentar. Produziram uma obra musical que, embora considerada tosca, vulgar, ingênua e atrasada reticências, se refere a segmentos da população brasileira historicamente relegados ao silêncio. Em muitas das letras do repertório ‘cafona’ se revelam pungentes retratos da nossa injusta realidade social.

ARAÚJO, Paulo Cesar de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. segunda edição Rio de Janeiro: Record, 2002. página 18.


Responda em seu caderno.

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Por que a ditadura brasileira censurou canções consideradas “bregas” ou “cafonas”?


Respostas e comentários

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Apesar de não terem conteúdo político, as canções conhecidas como “bregas” e “cafonas” abordavam o cotidiano das camadas populares da sociedade. As letras dessas canções deixavam claro que determinados setores continuavam excluídos, apesar de a propaganda do govêrno afirmar que o Brasil era um país que crescia e se desenvolvia e, por isso, foram censuradas.

Atividade complementar

Na internet estão disponíveis letras, músicas e videoclipes das canções de protesto contra a ditadura que foram produzidas nas décadas de 1960 e 1970. Selecione algumas delas e apresente-as para os alunos (se possível, com a letra impressa), solicitando a eles que analisem e identifiquem o teor contestatório expresso nelas.

A canção “O mestre-sala dos mares”, de João Bosco e Aldir blânqui, gravada em 1974 e consagrada na voz de Elis Regina, por exemplo, foi composta em homenagem a João Cândido, o líder da Revolta da Chibata, rebelião de marinheiros ocorrida em 1910. A letra da canção foi censurada pelo regime civil-militar em razão dessa referência a uma revolta de negros e precisou ser alterada pelos compositores para que fosse liberada. Caso deseje trabalhar essa canção com os alunos, peça a eles que ouçam e acessem as duas versões da letra da canção (a original e a alterada) e retome com eles a história da Revolta da Chibata, estudada na página 33 do capítulo 2 deste volume. Depois, peça a eles que identifiquem os trechos censurados, refletindo sobre o motivo da censura de cada um deles.

A atividade favorece o desenvolvimento de habilidades de análise documental.

O movimento negro

Nos anos 1960 e 1970, a luta dos afrodescendentes pela conquista de direitos no Brasil ganhou impulso, influenciada pelo movimento negro nos Estados Unidos e pelas lutas de independência na África.

Nos primeiros anos da ditadura, o Teatro Experimental do Negro (Tên), fundado em 1944 sob a liderança de Abdias do Nascimento, continuou a valorizar os artistas negros e a lutar contra o racismo e pela defesa dos direitos da população afrodescendente no Brasil. Também foi responsável por trazer as ideias da negritude ao país, organizando diversos eventos culturais e políticos voltados para questões relacionadas à desigualdade racial.

A União dos Homens de côr (u agá cê), fundada em 1943 por João Cabral Alves, foi outra organização negra que atuou no período, mostrando a importância da educação para a libertação dos negros. A u agá cê promoveu debates sobre a questão racial, bem como aulas de alfabetização e serviços de assistência médica e jurídica. O Tên e a u agá cê, assim, contribuíram de modo eficaz para a organização do movimento negro e o desenvolvimento da cultura afro-brasileira.

O govêrno, porém, promoveu forte censura e repressão ao movimento negro, acusando-o de criar um furor sobre o racismo que, segundo os militares, não existia no país. O mito da suposta “democracia racial” voltou a ser usado pelo regime civil-militar brasileiro para mascarar os problemas sociais ligados à população afrodescendente. Nesse contexto, em 1968, Abdias do Nascimento foi obrigado a sair do país e o Tên acabou se dissolvendo. A luta da u agá cê também foi desmobilizada.

No comêço dos anos 1970, o movimento negro atuou clandestinamente, por meio de grupos como o Centro de Cultura e Arte Negra (Cecán), fundado em 1972, e de jornais como Árvore das Palavras e O Quadro, ambos fundados em 1974. O Grupo Palmares, criado em 1971, defendeu a substituição das comemorações da abolição da escravidão no Brasil de 13 de maio para 20 de novembro, data de morte de Zumbi dos Palmares.

No fim da década de 1970, o movimento negro voltou a se articular nos sindicatos e nas organizações estudantis. Em 1978, foi criado o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, que tinha tendências marxistas e lutou abertamente contra ditadura, além de ter um discurso radical contra a discriminação racial.

Fotografia em preto e branco. Grupo de pessoas em um protesto. Carregam cartazes com os dizeres: ABAIXO 500 ANOS DE OPRESSÃO. NEGRO É GENTE! CONTRA DISCRIMINAÇÃO E OPRESSÃO! DENUNCIAMOS O NAMORO DO BRASIL COM A ÁFRICA DO SUL! EMPREGOS PARA NEGROS.
Manifestação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, no município de São Paulo, São Paulo. Foto de 1980.

Responda em seu caderno.

Recapitulando

  1. Quais foram os efeitos da Lei da Anistia?
  2. Identifique as fórmas de resistência cultural contra a ditadura no Brasil.
  3. Quais eram as principais pautas do movimento negro nos anos 1960 e 1970?

Respostas e comentários

Bê êne cê cê

Ao analisar as demandas dos negros no Brasil entre os anos 1960 e 1970, o conteúdo contempla parcialmente a habilidade ê éfe zero nove agá ih dois um.

Recapitulando

  1. A Lei da Anistia, decretada em 1979 durante o govêrno Figueiredo, permitiu que muitos presos políticos fossem libertados e que as pessoas exiladas retornassem ao Brasil. A lei também anistiou os militares e os civis acusados de crimes contra a humanidade.
  2. Entre as diversas fórmas de resistência cultural contra a ditadura, os alunos podem citar o Cinema Novo, o Teatro de Arena, o Teatro Oficina, a imprensa alternativa, como o jornal O Pasquim, as músicas de protesto e o movimento negro.
  3. Nos anos 1960 e 1970, o movimento negro atuou, por meio de ações culturais e políticas, principalmente na luta contra o racismo no Brasil, pela valorização da história e da cultura afro-brasileiras, pela conquista de direitos pela população negra e contra a violência e a repressão do regime civil-militar.

Leitura complementar

Black Rio

O movimento Black Rio teve início com os Bailes da Pesada, que ocorriam no Rio de Janeiro no comêço dos anos 1970 e valorizavam o soul. Esse gênero musical, criado por negros estadunidenses entre as décadas de 1950 e 1960, mistura música gospel, jazz e blues.

O estrondoso sucesso obtido pelos Bailes da Pesada teria despertado a atenção primeiramente da mídia impressa, posteriormente da indústria fonográfica. Assim, desencadeou-se o que seria denominado de ‘Fenômeno Black Rio’, revelando à grande parte da sociedade carioca, que até então ignorava as manifestações blacks, a possibilidade de uma nova cultura negra, incorporada e ressignificada a partir de referenciais estadunidenses.

A reportagem ‘Black Rio: o orgulho (importado) de ser negro no Brasil’, escrita pela jornalista Lena Frias, foi vista como a responsável por ‘batizar’ tais manifestações culturais negras como um suposto fenômeno cultural.

Nesse texto, publicado a 17 de julho de 1976, reticências a jornalista afirma ser possível encontrar no ‘fenômeno Black Rio’, um esboço da filosofia black, que parecia implicar em conceitos como ‘liberdade, autoafirmação na sociedade, e uma inclinação à tentativa de acabar com o preconceito racial’. reticências

Vale ressaltar, nesse sentido, que os bailes pertencentes ao que a jornalista chama de ‘fenômeno Black Rio’, marcam um período em que se nota, simultaneamente, a aproximação do público jovem negro carioca dos referenciais da black culture norte-americana, e o afastamento dos referenciais tidos como genuinamente brasileiros, como o samba.

O motivo para esse afastamento do samba (e não negação, é importante lembrar) seria devido ao fato de que o gênero, ao longo do século vinte, especialmente a partir dos anos 1930, converteu-se em ‘símbolo nacional’ após passar por um processo de ‘higienização’ e embranquecimento, tornando-se, também, um produto privilegiado da indústria fonográfica.

Somado a isso, estava também o contexto político brasileiro dos anos 1970, marcado pela vigência de um regime ditatorial militar que tentava reativar o ideário nacionalista; por esse conjunto de fatores, o samba naquele momento parecia se adequar pouco (ou menos que a black music) às aspirações de afirmação da identidade negra. reticências.

Uma questão muito interessante a ser analisada é a do ‘porquê’ da escolha do soul como representante musical do movimento negro e do orgulho negro. Segundo Giacomini, esta escolha pode estar associada a um étos negro estadunidense, que realizou inúmeras ‘conquistas’; sendo o soul um gênero de origem deste grupo estadunidense, seria o melhor a expressar os valores da ‘alma negra’ e do ‘orgulho negro’ reticências.

GONÇALVES, Eloá Gabriele. Banda Black Rio: o soul no Brasil da década de 1970. 2011. Dissertação (Mestrado em Música) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011. página 43-49.


Responda em seu caderno.

Questões

  1. Segundo o texto, por que muitos negros começaram a se afastar do samba?
  2. Por que o soul foi escolhido como símbolo da identidade negra?
  3. De que modo o movimento Black Rio contribuiu para a valorização da cultura negra no Brasil?
  4. Atualmente, com a maior valorização da afrodescendência, que estilo musical, em sua opinião, mais representa a população negra?

Respostas e comentários

Leitura complementar

  1. Segundo o texto, muitos negros começaram a se afastar do samba porque ao longo do século vinte, principalmente a partir da década de 1930, o gênero musical converteu-se em símbolo nacional após passar por um processo de “higienização” e embranquecimento, tornando-se um produto da indústria fonográfica. Além disso, a vigência de uma ditadura no Brasil dos anos 1970, que tentava reativar o ideário nacionalista, também se apoderava do samba. Desse modo, o gênero musical deixou de corresponder às aspirações de afirmação da identidade negra.
  2. Uma das explicações é a de que o soul foi criado por negros estadunidenses que obtiveram muitas conquistas sociais. Dessa maneira, identificar-se com esse gênero musical era uma fórma de expressar os valores da “alma” e do “orgulho” negros.
  3. O movimento Black Rio contribuiu para disseminar um elemento da cultura negra dos Estados Unidos no Brasil, o soul, reinterpretando-o e recriando-o a fim de fortalecer a identidade negra no país. Ao ressignificar a “alma” e o “orgulho” negro estadunidenses, o movimento Black Rio valorizou a cultura afrodescendente.
  4. Espera-se que os alunos analisem as transformações operadas na construção da identidade afrodescendente dos anos 1970 até o presente e avaliem a representatividade negra na música nacional. No lugar do soul, o hip-hop, o rap e o funk ganharam espaço no cenário cultural nas últimas décadas e favoreceram a ascensão de personalidades negras com grande influência sobre os jovens, como Ludmilla, Diônga, Emicida e Mano bróun.

Memória e justiça

As ditaduras em diferentes países da América Latina tiveram várias características em comum. A principal delas foi a violação dos direitos humanos. No período de transição democrática, em alguns países, os crimes cometidos pelos governos militares foram investigados por meio da criação de Comissões da Verdade, para promover o esclarecimento sobre as violações, a identificação dos responsáveis e a indenização das vítimas.

A Argentina, durante o govêrno de Raúl Alfonsín, instituiu a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadépi) no final de 1983, com o objetivo de recolher provas para julgar os militares responsáveis pelos crimes de tortura e assassinato entre 1976 e 1983. A Conadépi investigou principalmente as casas de detenção clandestinas no país, a localização dos desaparecidos políticos e o paradeiro das crianças sequestradas.

Em 1984, a Conadépi publicou o relatório Nunca mais, que continha informações sobre os agentes da repressão, o terrorismo de Estadoglossário , as torturas e diversos depoimentos de vítimas. No documento, a Conadep relatou .8961 casos de desaparecimento e identificou .1300 oficiais responsáveis pela repressão. Entre abril e dezembro de 1985, a junta militar foi julgada. Cinco militares foram condenados à prisão perpétua, entre eles o líder Jorge Rafael Videla. Esse acontecimento produziu tensão na Argentina, pois os militares passaram a reivindicar a anistia e pregar a reconciliação nacional e o esquecimento, enquanto movimentos em defesa dos direitos humanos, como o das Mães da Praça de Maio, lutavam pela memória e por justiça.

As atividades da Conadépi incentivaram a criação de outras Comissões da Verdade na América do Sul. O Chile, por exemplo, instaurou em 1990 a Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação, que investigou apenas os casos de morte e desaparecimento. O relatório final apontou .3428 casos de violações aos direitos humanos e recomendou propostas de reparação simbólica, legal e administrativa. Em 2003, também foi criada a Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura, direcionada às vítimas de tortura. Em 2015, o govêrno chileno indenizou essas pessoas.

Fotografia. Manifestantes usando máscaras de proteção facial carregam cartazes com fotos de pessoas diferentes. Muitos dos cartazes apresentam uma frase cuja tradução é Onde estão?
Manifestação em memória dos desaparecidos e assassinados pela ditadura chilena, em Santiago, Chile. Foto de 2021.

Respostas e comentários

Bê êne cê cê

Ao apresentar as ditaduras latino-americanas e destacar as manifestações culturais e protestos contra elas, e ao discutir questões ligadas à memória e à justiça, o conteúdo contempla a habilidade ê éfe zero nove agá ih um nove.

A Comissão Nacional da Verdade no Brasil

No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade (cê êne vê) foi instaurada em 2011 com o objetivo de apurar as violações de direitos humanos ocorridas no país entre 1946 e 1988. Apesar disso, a cê êne vê teve como principal foco a investigação dos crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura civil-militar.

O relatório final, dividido em três volumes, foi entregue à então presidenta Dilma russéf, em dezembro de 2014. Nele constam, entre outras informações, os perfis dos mortos e desaparecidos políticos, os responsáveis pelos crimes de tortura, os métodos e as práticas de violação dos direitos humanos, assim como provas da participação do Estado brasileiro nas ditaduras da América do Sul. No relatório, foram confirmados 191 mortos e 243 desaparecidos.

Além disso, com o intuito de reparar as vítimas da ditadura e evitar que os abusos verificados no período voltem a se repetir, a cê êne vê fez as seguintes recomendações, entre outras.

  • O reconhecimento, pelas fôrças armadas, de sua responsabilidade institucional pelas graves violações de direitos humanos entre 1964 e 1985.
  • A proposição, pela administração pública, de medidas administrativas e judiciais contra agentes públicos responsáveis pelas prisões, torturas, desaparecimento e mortes durante a ditadura.
  • A criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura.
  • A garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às vítimas da ditadura.

Apesar de a cê êne vê abrir caminho para a promoção da justiça e da apuração da verdade, ainda existem muitos obstáculos para que os responsáveis pelos crimes contra a humanidade sejam punidos no Brasil, como foi feito na Argentina e no Chile.

Fotografia. Grupo de pessoas em uma manifestação em avenida. Carregam uma grande faixa vermelha com os dizeres: PUNIÇÃO AOS TORTURADORES DA DITADURA.
Manifestação promovida pelo Comitê Paulista pêla Memória, Verdade e Justiça para pressionar a modificação do projeto de lei que criava a Comissão da Verdade no Senado, no município de São Paulo, São Paulo. Foto de 2011.

Conexão

Ah, como era boa a ditadurareticências

Luiz Gê. São Paulo: Quadrinhos na Companhia, 2015.

Em 2013, entre as muitas manifestações políticas, os pedidos de retorno à ditadura chamaram a atenção do cartunista Luiz Gê, que, trabalhando para um dos jornais de maior circulação no Brasil, acompanhou o processo de abertura política do país após vinte anos da ditadura civil-militar, registrando tudo com humor.

Nessa obra, ele reuniu charges sobre o processo de redemocratização, permitindo uma reflexão a respeito desse capítulo da história do país.


Capa de livro. Fundo azul escuro. No canto inferior direito parte de um mapa. Sobre o fundo azul, o título e outras informações.
Capa do livro Ah, como era boa a ditadurareticências, de Luiz Gê.

Responda em seu caderno.

Recapitulando

15. Qual é a importância das Comissões da Verdade?


Respostas e comentários

Bê êne cê cê

Ao destacar o papel relevante das Comissões da Verdade no esclarecimento das violações aos direitos humanos cometidos pelos governos militares, o conteúdo contribui para o desenvolvimento da habilidade ê éfe zero nove agá ih um seis.

Conexão

As charges de Luiz Gê, que comentam a situação política brasileira do período da abertura política, podem ser utilizadas em sala para tratar de omissões, interditos e silêncios da abertura política. Por meio da linguagem fluida e bem-humorada das charges, é possível perceber, entre outras coisas, que o contrôle desse processo foi exercido em alguma medida pelos mesmos setores políticos e sociais que sustentaram a ditadura, o que garantiu que a abertura ocorresse, de fato, de maneira “lenta e gradual”.

Recapitulando

15. Espera-se que os alunos compreendam que as Comissões da Verdade são importantes para esclarecer os crimes contra a humanidade cometidos durante as ditaduras, a fim de impedir seu esquecimento e promover o direito à verdade e à justiça, reparando a memória das vítimas em respeito a elas e a seus familiares.

Atividades

Responda em seu caderno.

Aprofundando

1. Leia o texto para responder às questões.

Madri, 25 de maio de 1979

reticências Diante do altar, na primeira fila, o embaixador argentino, general Leandro Anáia e sua senhora esposa. Funcionários e toda a equipe da embaixada, membros do corpo diplomático e da chancelaria espanhola, militares, homens de negócios, argentinos residentes e numerosos amigos reticências.

O sacerdote oficiante preparou-se para distribuir a comunhão. O general Anáia e os membros de sua embaixada se adiantaram gravemente e se postaram ante o altar. Então, deu-se um movimento entre as pessoas, um fru-fru sincronizado de lenços brancos. Pela nave central e pelas laterais avançaram três fileiras de mulheres, umas quarenta ao todo, vestidas de preto e com lenços brancos brilhantes nas cabeças.

As loucas da Praça de Maio também aqui? Não pode serreticências O cochicho, demasiado nervoso, se escutou em toda a igreja. As cabeças se agitaram inquietas reticências.

GABETTA, Carlos. Todos somos subversivos. Bruguera, 1983. In: Carabalho, Liliana; Charlíer, Noemí; Garulhi, Liliana. La ditadura: testimonios y documentos (1976-1983). Buenos Aires: Eudêba, 2011. página 126. (Tradução nossa).

  1. Onde e quando ocorreu o episódio narrado no texto?
  2. Quem são as mulheres de lenço branco que adentram a igreja e o que as unia?
  3. Na ocasião do episódio narrado, comemorava-se a independência argentina. Qual pode ter sido o objetivo do grupo de mulheres ao decidir entrar na igreja durante a comemoração?
  1. A canção Pra frente, Brasil!, composta em 1970 por Miguel Gustavo, transformou-se em um “hino” que embalou a conquista do tricampeonato mundial de futebol pelo Brasil em 1970. Em grupo, pesquisem a letra dessa canção e analisem seus possíveis significados. Depois, debatam a seguinte questão: É possível afirmar que essa canção mascarou a real situação social e política do Brasil na época em que foi composta?
  2. Organize as afirmativas a seguir em seu caderno, de modo elas formem um texto contínuo e coerente.
    1. A centralização política promovida pelos militares e a crescente supressão das liberdades democráticas foram efetuadas por meio da publicação de decretos e atos institucionais.
    2. No final dos anos 1970, o govêrno Figueiredo, pressionado pela mobilização popular e pela crise econômica, aprovou a Lei da Anistia, que permitiu o retorno dos exilados políticos ao Brasil.
    3. O golpe de 31 de março de 1964 derrubou o govêrno de João gulár e iniciou uma ditadura no Brasil, marcada pela repressão política e pelo alinhamento do país ao govêrno dos Estados Unidos.
    4. Enquanto o govêrno aumentava a repressão, a luta contra a ditadura se radicalizava com a atuação de vários grupos que adotavam a luta armada.
  3. Observe a charge e explique a crítica que ela faz à situação social e política do Brasil nos anos 1970.
Charge em preto e branco dividida em dois quadros. Quadro 1. Família sentada à mesa, duas crianças e um homem. Sobre a mesa pratos vazios. Uma mulher vem com uma bandeja tampada. A mesa é simples. O homem e uma das crianças estão sentados em um caixote, e a outra criança está em uma banqueta. Todos se mostram muito interessados no conteúdo da bandeja carregada pela mulher.
Quadro 2. Ela destampa a bandeja e a coloca em cima da mesa. Dentro dela, um troféu. O homem e as crianças olham desapontados.
Charge de Ziraldo, 1970. O troféu mostrado é a Taça Jules Rimê, conquistada pelo Brasil pela terceira vez na Copa do Mundo de Futebol de 1970.

Respostas e comentários

Atividades

    1. O episódio narrado no texto ocorreu em Madri, na Espanha, em 25 de maio de 1979.
    2. As mulheres são Mães da Praça de Maio, argentinas que buscavam seus filhos desaparecidos em razão da repressão política na ditadura militar argentina.
    3. A proposta da atividade é estimular os alunos a interpretar o ato das Mães da Praça de Maio e entender sua estratégia. Ao abordarem o General Anáia em uma comemoração solene numa igreja, elas dificultavam uma ação repressora e, ao mesmo tempo, criavam um incômodo, expondo que sob aquela aparência de nação cristã, integrada aos padrões de civilidade europeus, escondia-se uma realidade brutal e sangrenta.
  1. Após pesquisar a letra da canção, incentive os alunos a interpretar os seus possíveis significados, considerando o contexto histórico no qual ela foi criada. Na sequência, discuta com eles a questão proposta e enfatize, que, apesar de o govêrno difundir a ideia de que o país vivia a euforia do “milagre econômico”, e o título mundial de futebol ter contribuído para aumentar o orgulho patriótico, o crescimento econômico não beneficiava igualmente toda a população e as desigualdades sociais se agravavam. Além disso, o Estado promovia a violenta repressão social e cultural aos opositores do regime por meio de perseguição, prisões, tortura, assassinatos e censura.
  2. A sequência correta é: c, a, d, b.
  3. A charge trata do contraste entre as reais necessidades da maioria da população empobrecida e a euforia causada pêla conquista do título da Copa do Mundo de Futebol, em 1970, pêla seleção brasileira. O artista representou a decepção da família faminta diante da “refeição” servida: o troféu do campeonato de futebol em vez de alimentos – a maior parte da população estava empobrecida por causa do arrocho salarial.

Aluno cidadão

5. Frei Tito atuava na defesa dos movimentos sociais e na luta contra a ditadura. Em novembro de 1969, ele foi levado à séde da Operação Bandeirante para ser interrogado. O texto a seguir, publicado por Frei Betto, é um relato de Frei Tito sobre um de seus momentos na prisão.

Ao chegar à Obán, fui conduzido à sala de interrogatórios. A equipe do capitão Maurício passou a acarear-me com duas pessoas. O assunto era o congresso da Úni em Ibiúna, em outubro de 1968. Queriam que eu esclarecesse fatos ocorridos naquela época. Apesar de declarar nada saber, insistiam para que eu ‘confessasse’. Pouco depois, levaram-me para o pau de araraglossário . reticências Eram seis os torturadores, comandados pelo capitão Maurício. Davam-se ‘telefones’ [tapas nos ouvidos] e berravam impropérios. Isso durou cêrca de uma hora. reticências Quanto mais eu negava, mais fortes eram as pancadas.

BETTO, Frei. Batismo de sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Mariguéla. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. página 229.

  1. Cite uma passagem do relato de Frei Tito que exemplifica a arbitrariedade instaurada pela ditadura no Brasil.
  2. De que maneira os governos militares legalizaram os crimes praticados contra os direitos humanos pelos órgãos de repressão?
  3. Que medidas devem ser tomadas pelas autoridades públicas para que esse tipo de crime relatado no texto não se repita? Discuta essa questão com os colegas.

Conversando com geografia

6. Analise o gráfico a seguir, a respeito da desigualdade social no Brasil entre 1960 e 1991. Lembre-se de que, quanto mais perto de zero está o Índice de Gini (instrumento para medir o grau de concentração de renda), menor é a concentração de renda.

Índice de Gini no Brasil (1960-1991)

Gráfico de linha. Índice de Gini no Brasil, 1960-1991. Na linha horizontal, os anos. Na Linha vertical, o Índice Gini. O gráfico traz os seguintes dados: 1960: 0,50; 1970: 0,56; 1980: 0,59; 1991: 0,63.

Fonte: OS NÚMEROS da economia no regime militar. O Globo, Rio de Janeiro, c 1996-2022. Disponível em: https://oeds.link/4Rmvx0. Acesso em: 20 abril 2022.

  1. De acôrdo com o gráfico, o que aconteceu entre 1960 e 1991 no Brasil?
  2. Com base no que você estudou sobre a economia durante a ditadura, o que explicaria esse dado?

enêm e vestibulares

7. (enêm-Méqui)

Diante dessas inconsistências e de outras que ainda preocupam a opinião pública, nós, jornalistas, estamos encaminhando este documento ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, para que o entregue à Justiça; e da Justiça esperamos a realização de novas diligências capazes de levar à completa elucidação desses fatos e de outros que porventura vierem a ser levantados.

EM nome da verdade. O Estado de São Paulo, São Paulo, 3 fevereiro 1976 apud FILHO, I. A. Brasil, 500 anos em documentos. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.

A morte do jornalista Vladimir Erzógui, ocorrida durante o regime civil-militar, em 1975, levou a medidas como o abaixo-assinado feito por profissionais da imprensa de São Paulo. A análise dessa medida tomada indica a:

  1. certeza de cumprimento das leis.
  2. superação do govêrno de exceção.
  3. violência dos terroristas de esquerda.
  4. punição dos torturadores da polícia.
  5. expectativa da investigação dos culpados.

Respostas e comentários
    1. A tortura utilizada no interrogatório denuncia a violência a que os presos políticos, sob a responsabilidade do Estado brasileiro, eram submetidos. Um exemplo é a passagem “reticências Eram seis os torturadores, comandados pelo capitão Maurício. Davam-se ‘telefones’ [tapas nos ouvidos] e berravam impropérios. Isso durou cêrca de uma hora”.
    2. O govêrno estabeleceu os Atos Institucionais como instrumento de legalização e manutenção do regime. Por meio deles, tornou possível a suspensão de direitos constitucionais.
    3. Os administradores públicos, como representantes do povo, devem agir para proteger seus direitos de modo que ações que violem os direitos humanos devem ser combatidas e punidas. Cabe também à população eleger representantes que respeitem os preceitos da democracia para evitar a instauração de novos regimes ditatoriais desse tipo.

Bê êne cê cê

Ao associar o crime de tortura à violação dos direitos humanos, a atividade se relaciona com o tema contemporâneo transversal Educação em direitos humanos e contribui para o desenvolvimento das Competências gerais da Educação Básica nº 1 e nº 7, e da Competência específica de Ciências Humanas nº 6.

    1. Nesse período, a concentração de renda aumentou e, consequentemente, a desigualdade social no Brasil cresceu.
    2. Esse dado revela os efeitos do arrocho salarial, do desmantelamento dos sindicatos e do favorecimento econômico das elites durante a ditadura civil-militar. O aumento da inflação ocasionado pela crise do petróleo em 1973 e pelo crescimento da dívida externa também colaborou para a concentração de renda e para o aumento da desigualdade social no Brasil.

Interdisciplinaridade

Ao propor a análise de dados econômicos sobre o Brasil por meio de procedimentos de investigação próprios do pensamento geográfico para compreender o mundo social e econômico, a atividade favorece o desenvolvimento da Competência específica de Geografia nº 5.

7. Alternativa e.

Fazendo e aprendendo

Blog

Você costuma acessar regularmente algum blog? Os blogs começaram a ser veiculados nos anos 1990 como uma espécie de diário virtual, em que usuários da internet compartilhavam experiências e acontecimentos pessoais. Ao longo dos anos, porém, eles se tornaram veículos de divulgação de informação e opinião sobre temas específicos. Leia um trecho de uma postagem publicada na seção de direitos humanos do site Conexão Planeta.


Ilustração. Tela de computador com reprodução de uma postagem. Título: Empresária usa redes sociais para denunciar que foi vítima de racismo em frente a uma padaria no bairro de Ipanema, no Rio. Data: 8 de março de 2022. Autora: Suzana Camargo. 
‘Desde 1989 atos de ‘discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional’ são considerados crimes no Brasil. Apesar disso, infelizmente, ainda hoje muitos brasileiros se defrontam com o racismo. No episódio mais recente, que ganhou as redes sociais, [uma] empresária [...] denunciou que, por causa da cor de sua pele, negra, sofreu um ataque verbal por parte de um segurança em frente a uma padaria em Ipanema, bairro na Zona Sul do Rio de Janeiro.
[...] A empresária registrou hoje o caso de injúria racial na Delegacia de Combate a Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). [...]
E aqui fica nossa pergunta, até quando? Até quando mais acontecerão casos como este? São crimes, inaceitáveis. É necessário que os órgãos de justiça sejam rápidos nos processos de julgamento e na punição desses criminosos.
Não deve haver espaço para dúvida na sociedade: quem comete um crime de racismo precisa pagar por ele! A impunidade não pode ser admitida.
E juntos, como sociedade, TODOS NÓS precisamos pressionar e denunciar qualquer ato de racismo, discriminação, preconceito ou injúria. Precisamos conversar com nossos filhos e mostrar nossa indignação perante à ignorância e à intolerância: SOMOS TODOS IGUAIS [...]. 
Referência: CAMARGO, Suzana. Empresária usa redes sociais para denunciar que foi vítima de racismo em frente a uma padaria no bairro de Ipanema, no Rio. Conexão Planeta, [s. l.], 8 mar. 2022. Disponível em:
https://oeds.link/uvptec. Acesso em: 20 abr. 2022.

https://oeds.link/uvptec


Respostas e comentários

Fazendo e aprendendo

Espera-se com essa atividade encorajar os alunos a se relacionarem de fórma mais regular com um tema. O blog constitui um veículo propício para isso, pois sua manutenção requer publicações periódicas.

Indique aos alunos ou pesquise com eles alguns blogs e sites dedicados ao tema dos direitos humanos. O blog do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (disponível em: https://oeds.link/0YVSFI; acesso em: 27 junho 2022) e o site da Anistia Internacional Brasil (disponível em: https://oeds.link/aFF0d6; acesso em: 27 junho 2022) podem ser acessados para pesquisa.

Sobre a diferença entre o blog e outros gêneros jornalísticos, espera-se que os alunos apontem o fato de o primeiro ser um veículo mais pessoal, e não necessariamente institucional ou comprometido com os valores de uma empresa de comunicação. Isso faz desse tipo de plataforma um espaço de divulgação de ideias e opiniões sem a necessidade da objetividade jornalística.

Sendo um suporte versátil, um blog pode servir à divulgação de assuntos históricos de diversas maneiras: apresentando estudos e revisões sobre fatos, veiculando entrevistas com profissionais ligados à área, compartilhando imagens, documentos históricos etcétera

Para analisar um blog, siga estes procedimentos.

  1. Identifique a autoria. Quem escreve regularmente no blog? Há informações sobre a pessoa ou as pessoas que posta ou postam conteúdo nesse blog? Os textos são assinados por pseudônimo ou são postagens anônimas? Esse aspecto é importante para garantir a credibilidade das informações. A postagem que você leu, por exemplo, é assinada e foi publicada em uma seção de um site de jornalismo independente.
  2. Verifique o objetivo do blog. Os blogs são bastante versáteis e permitem a divulgação e o compartilhamento de conteúdos muito diferentes, mas é cada vez mais comum eles apresentarem um tema dominante (cidadania, cultura, moda, tecnologia etcétera). A postagem da página anterior, por exemplo, é sobre direitos humanos.
  3. Analise a periodicidade das postagens e a interação com o público. Um bom blog tem publicações frequentes. Isso permite que ele se estabeleça como referência e seja visitado com certa regularidade pelos leitores. Outro aspecto importante é a comunicação entre blogueiros e seu público, que frequentemente ocorre por meio de um espaço dedicado aos comentários.
  4. Observe a linguagem e o modo de comunicação. Em um blog, é possível realizar uma comunicação bem direta e utilizar uma linguagem mais próxima da que se usa no cotidiano. Isso o diferencia do conteúdo puramente jornalístico de veículos de informação tradicionais. Ele também é um espaço de opinião – no texto de Suzana Camargo, o uso de alguns adjetivos e advérbios deixa claro o posicionamento da autora: infelizmente, inaceitáveis, indignação.

Considerando esses procedimentos, responda: Que diferença existe entre uma postagem de blog e textos jornalísticos, como reportagem e notícia? Como um blog pode ser utilizado para divulgar assuntos históricos?


Responda em seu caderno.

Aprendendo na prática

Reúna-se com alguns colegas para criar um blog e nele postar textos, materiais e reflexões sobre a história e a importância atual do tema direitos humanos. Sigam os procedimentos sugeridos.

  1. Escolham uma plataforma digital para a criação do blog. Há diversos sites em que é possível criar blogs gratuitamente.
  2. Definam os assuntos do blog. Como o tema central é direitos humanos, vocês podem abordá-lo de maneira genérica ou escolher um subtema, como os direitos dos indígenas, os das mulheres e os dos negros.
  3. Pensem em um público. Um blog é um espaço de compartilhamento de experiências e conhecimento. Saber minimamente com quem desejam se comunicar é importante para definir a fórma como vocês apresentarão o conteúdo.
  4. Estabeleçam a periodicidade. É muito importante seguir uma regularidade nas postagens, para que a interação com o público seja garantida.
  5. Publiquem diferentes tipos de postagem. Isso vai deixar o trabalho de vocês mais atrativo. Por exemplo, vocês podem escrever experiências e relatos pessoais, mas também divulgar notícias, reportagens, links, vídeos, músicas, fotografias e obras de arte relacionados ao tema.
  6. Divulguem o blog para os amigos, acessem os dos colegas e compartilhem postagens recentes.

Respostas e comentários

Aprendendo na prática

É possível que alguns alunos estejam familiarizados com a linguagem das plataformas digitais que permitem a criação de blogs. Mesmo assim, sugira que consultem na internet plataformas que permitem a criação gratuita de blogs, que podem ser customizados de acôrdo com os interesses dos usuários.

Bê êne cê cê

A atividade permite aos alunos utilizar o blog como veículo para compartilhar informações, experiências e ideias relacionadas à promoção dos direitos humanos, valorizando o respeito e a tolerância e exercitando o protagonismo voltado para o bem comum e a construção de uma sociedade justa, contribuindo, assim, para o desenvolvimento das Competências gerais da Educação Básica nº 5 e nº 7, das Competências específicas de Ciências Humanas nº 2 e nº 6, e das Competências específicas de História nº 1 e nº 7.

Glossário

Junta militar
: grupo de oficiais militares da marinha, do exército e da aeronáutica que assume o govêrno do país em períodos de exceção constitucional. A junta militar constituída em 1964 governou o Brasil por duas semanas.
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Cassar
: anular mandatos, licenças, direitos políticos etcétera
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Secundarista
: estudante do antigo Segundo Grau, atual Ensino Médio.
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Habeas corpus
: medida judicial concedida para proteger a liberdade de ir e vir de uma pessoa ameaçada de sofrer violência ou abuso de poder.
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Anistia
: ato do poder público que extingue as punições aplicadas geralmente aos autores de crimes políticos; esquecimento de certas infrações penais.
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Terrorismo de Estado
: regime de violência instaurado por um govêrno, em que o grupo político que detém o poder utiliza o terror como instrumento de governabilidade.
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Pau de arara
: instrumento de tortura em que a vítima é pendurada em um haste de madeira com os pés e mãos amarrados.
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