Capítulo 8
A poesia do cordel
Converse com a turma
1. Você conhece a arte com que foi produzida originalmente a imagem reproduzida anteriormente? Sabe que materiais e técnicas são utilizados nessa arte? Onde e como costumam circular as imagens produzidas por meio dela?
- O que você já conhece sobre a personagem João Grilo? Com base na legenda que acompanha a imagem, responda: O que a cena pode estar representando?
- Você conhece poetas e poetisas de cordel? O que sabe sobre a literatura que fazem? Que tipos de história contam? Essas histórias são contadas em prosa ou versos? Sabe como circulam entre os ou asouvintes/ leitores ou leitorea?
- Você já leu ou ouviu histórias como O romance do pavão misterioso, Peleja do cego Aderaldo com Zé Pretinho, A moça que morreu e o cão não deixou enterrar? Se sim, quer contar alguma?
Gire o seu dispositivo para a posição vertical
O que você poderá aprender
- O que é a literatura de cordel?
- Que trabalho poético é característico em suas histórias?
- Que relações a literatura de cordel tem com a arte da xilogravura?
- Como você pode se valer do que aprenderá para produzir colaborativamente uma história de cordel?
Leitura
Você acompanhará a leitura de um texto da literatura de cordel. Preste atenção nas rimas, no ritmo com que o texto vai se tecendo e em como isso se relaciona com o tema que ele desenvolve.
Em versos singelosglossário
Cordel quer dizer barbante
Ou senão mesmo cordão,
Mas cordel-literatura
É a real expressão
Como fonte de cultura
Ou melhor poesia pura
Dos poetas do sertão.
O chamado trovadorglossário
Ou poeta popular
Era semianalfabeto
Porém sabia rimar,
Seus folhetos escrevia
E os sertanejos os liam
Por ser o seu linguajarglossário .
O cordel é dividido
Escrito, cantado, oral,
Porém o cordel legítimoglossário
É aquele tipo jornal,
Que trazia a notícia nova
Em sextilhas, nunca em trova
Que agrada o pessoal.
O cordel sendo cultura
Hoje tem sua tradiçãoglossário ,
Chamado literatura
Veículo de educação
Retrata histórias passadas
Que estão documentadas
Para toda geração.
PAVAN, Alexandre. Em versos singelos. Plano de aula: Língua Portuguesa. Disponível em: https://oeds.link/VhvlQt. Acesso em: 15 julho 2018.
Quem é?
Alexandre Pavan (1977-) é jornalista, roteirista e autor de livros sobre música popular brasileira. Já escreveu para televisão, rádio, jornais e também foi redator e pesquisador da Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras, uma obra de referência virtual que reúne informações sobre artes visuais, literatura, teatro, cinema, dança e música produzidos no Brasil.
Primeiras impressões
1. Leia:
Metalinguagem
Uma das funções das linguagens é tratar de si mesmas, por exemplo: um filme pode tratar do universo do cinema; uma canção pode expressar o que é fazer canções. A gramática é outro exemplo: nela, regras da língua escrita explicam a própria língua.
- Pode-se dizer que o cordel que você leu é metalinguístico? Por quê?
2. A que lugar e cultura o cordel é relacionado?
3. Leia:
Multimodalidade
É o uso das diferentes linguagens (verbal e oral, verbal e escrita, visual, gestual, musical, fotográfica etc.) combinadas em nossas interações.
- Que verso informa as diferentes linguagens em que o cordel pode ser apresentado?
4. Qual foi a primeira função do cordel: entreter ou informar? Que versos permitiram a você concluir isso?
O texto em construção
Organize-se em dupla e combine a releitura do texto em voz alta: uma estrofe para cada um ou uma, trabalhando o ritmo, as pausas, a entonação. Depois, converse com ô á colega sobre as questões a seguir. Elas foram pensadas especialmente para vocês perceberem os recursos da linguagem e os procedimentos poéticos do cordel. Escutem-se com atenção e respeitem a vez de fala dô ou dá colega, discutindo o que analisaram.
- Vocês perceberam, durante a leitura, que há um ritmo bem marcado, constante no texto? Por que vocês acham que isso acontece?
- O que vocês percebem quanto às estrofes? O que todas elas têm em comum? Estabeleçam relações com o boxe a seguir.
Classificação das estrofes
Dependendo da quantidade de versos, as estrofes classificam-se em: monóstico (1 verso); dístico (2 versos); terceto (3 versos); quarteto ou quadra (4 versos); quintilha (5 versos); sextilha (6 versos); septilha (7 versos); oitava (8 versos); nona (9 versos), décima (10 versos).
3. Leia:
Métrica
É a quantidade de sílabas poéticas de um verso. Para saber a métrica de um verso, contamos apenas até sua última sílaba tônica e desprezamos as demais. Outro ponto importante: a métrica tem a ver com a oralidade, com a pronúncia dos versos; por essa razão, muitas vezes o poeta considera o final de uma sílaba e o início da outra uma única sílaba poética. Assim, por exemplo:
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
6 |
7 |
8 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Que |
tra |
zia + a |
no |
tí |
cia |
no |
va |
Conforme o número de sílabas poéticas, os versos recebem classificações: pentassílabo ou redondilha menor (5 sílabas poéticas); heptassílabo ou redondilha maior (7 sílabas poéticas); e decassílabo (10 sílabas poéticas).
• Releia o cordel em voz alta. Qual métrica foi usada no texto?
4. Observe a estrofe seguinte, com especial atenção em como os versos rimam entre si. Lembre-se de que no quadro os versos estão separados conforme são pronunciados, sem seguir as regras ortográficas de separação de sílabas na escrita.
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
6 |
7 |
|||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
cor |
del |
quer |
di |
zer |
bar |
ban |
te |
Verso 1 |
a |
ou |
se |
não |
mes |
mo |
cor |
dão |
Verso 2 |
b |
|
mas |
cor |
del |
li |
te |
ra |
tu |
ra |
Verso 3 |
c |
é |
a |
re |
al |
ex |
pre |
ssão |
Verso 4 |
b |
|
co |
mo |
fon |
te |
de |
cul |
tu |
ra |
Verso 5 |
c |
ou |
me |
lhor |
poe |
si |
a |
pu |
ra |
Verso 6 |
c |
dos |
po |
e |
tas |
do |
ser |
tão |
Verso 7 |
b |
• Leia novamente as estrofes e, fazendo anotações no caderno, identifique que outras rimas foram exploradas entre os versos, usando letras para representá-las esquematicamente (a, b etcétera.).
Clipe
Sextilha
A sextilha é o formato mais popular de estrofes no cordel. É formada por seis versos, com versos de sete sílabas poéticas (redondilha maior). A rima segue um esquema em que o segundo, o quarto e o sexto versos rimam entre si. Ele é conhecido como esquema , em que o xis representa qualquer terminação, e o A, a terminação dos versos que rimam entre si.
5. Você percebeu que, para compor versos de cordel, o poeta precisa ter uma consciência bem grande dos sons das palavras e combiná-las com criatividade para expressar um tema? O que acha de poder conhecer histórias de cordel feitas pelos poetas do sertão? Por quê?
Santa musa, irmão de Apolo,
Manda um anjo querubim
Trazer as setas poéticas
Para auxiliar a mim,
Que vou contar o romance
Do Reino do Mar-Sem-Fim. reticências
SILVA, Severino Borges. Romance do Reino do Mar-Sem-Fim. Disponível em: https://oeds.link/N63wPc. Acesso em: 12 agosto 2022.
Vale a pena ouvir!
No site mantido pelo Méqui com obras em domínio público, você encontra um programa de rádio que trata especialmente do cordel. Confira e, se curtir, compartilhe com familiares, amigos, em canais das redes sociais. Disponível em: https://oeds.link/NhaIzt. Acesso em: 7 março 2022.
Oficina de leitura e criação
Consulta a cordeltecas, curadoria e leitura de folhetos de cordel
Condições de produção
■ O quê?
Curadoria e leitura de folheto de cordel para compartilhar em roda de leitura.
■ Para quem?
Para a própria turma, que vai ampliar seus conhecimentos sobre a literatura de cordel. Além disso, o(a) professor(a) poderá também combinar que outros públicos ouçam as leituras de vocês. Assim, vocês poderão difundir o cordel.
Como fazer?
- Para fazer a curadoria (escolha) do cordel que deseja ler, acesse e conheça cordeltecas, isto é, coleções de folhetos de cordel que foram digitalizados e disponibilizados em sites de instituições culturais que preservam e difundem o cordel:
- Fundação Casa de Rui Barbosa. Disponível em: https://oeds.link/UBZ0gb. Acesso em: 7 março 2022. O acervo, com cêrca de 9 mil folhetos de cordel, está disponível na base de dados da biblioteca para consulta on-line por meio de suas referências catalográficas, que podem ser pesquisadas por índices, como o de autor, título, assunto, local de publicação, editora/tipografia, data, gênero literatura de cordel . etcétera
- Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Disponível em: https://oeds.link/BnRuID. Acesso em: 7 março 2022. O acervo digitalizado é composto de mais de 6 mil títulos de folhetos de cordel, provenientes, em sua maioria, de pesquisas de campo e doações de cordelistas. Além da diversidade temática (cantorias, desafios, cangaço, religiosidade popular, fatos políticos, do cotidiano, entre outros), destacam-se autores consagrados e vários títulos raros – alguns datam de 1908.
- Navegue pelos sites e procure compreender como os folhetos estão organizados e qual é a melhor fórma de conhecê-los. “Folheie” digitalmente vários textos, até encontrar o que você gostaria de ler com mais calma. Se preferir, você também pode combinar nos espaços de busca das cordeltecas títulos que já conhece da literatura de cordel e que deseja ler. Assim, por exemplo, pode digitar pavão mais misterioso. Se quiser algumas sugestões, conte com esta lista de nossos folhetos preferidos:
Roldão no leão de ouro, de João Martins Atahyde.
Ali Babá e os 40 ladrões, de João José Silva.
O casamento do bode com a raposa, de Manuel Diegues jota érre.
A chegada de Lampião no inferno, de José Pacheco.
Ariano Suassuna – sessenta anos de vida encantada, de João José da Silva.
As grandes aventuras de Armando e Rosa, conhecidos por Coco verde e melancia, de José Camelo de Melo.
As proezas de João Grilo, de João Ferreira de Lima.
O pavão misterioso, de José Camelo de Melo.
- Para refletir durante a leitura do cordel escolhido.
- Leia com calma seu folheto, observe as rimas, o ritmo, as personagens e como os versos vão compondo a história.
- Qual é a métrica (quantidade de sílabas poéticas) e o esquema de rimas trabalhado (, por exemplo)?
- Imagine como seriam as personagens, os lugares em que os acontecimentos se passam, a época.
- Como você resumiria os acontecimentos dessa história?
- Com que outra ou outras (de livros, filmes, desenhos ou jogos) você relacionaria essa que escolheu? Por quê?
- Alguma parte da história você considera fantasia, imaginação? Por quê?
- Algo lembra situações, ideias, valores de outro tempo? Por quê?
- O que você considera que também diz respeito a seu tempo? Por quê?
- Há alguma personagem feminina? Em caso afirmativo, observando as ações em que ela está envolvida, os diálogos e as falas atribuídos a ela, o que você conclui: essa personagem tem um lugar de protagonismo na história ou seu destino é decidido por outros? O que você pensa sobre isso?
Oficina de leitura e criação
j. Com base no que você analisou e refletiu durante a leitura do texto escolhido, escreva no caderno um comentário breve apresentando e avaliando o cordel, para apresentar em uma roda de leitura. Você também pode, com o apoio de responsável, publicar em comunidades de leitores na internet de que você faça parte ou, ainda, divulgar entre familiares e seu ou sua amigos ou amigas pelas redes sociais. Se quiser, apoie-se neste jeito de organizar o texto, usando apenas o que fizer sentido para sua leitura:
- Para preparar uma leitura bem expressiva do cordel.
- Escolha um conjunto de duas ou três estrofes que você gostaria de compartilhar com outros ou outras , para treinar sua leitura. leitores ou leitorea
- Leia-as em voz alta, muitas e muitas vezes, sentindo sua musicalidade, seu ritmo e suas rimas.
- Procure realizar outras leituras de cordel em voz alta, observando a entonação, as pausas, o ritmo e o modo como esses elementos dão “vida ao texto”. Para isso, consulte na internet canais de leitores de cordel ou confira as nossas sugestões em Vale a pena ver e ouvir!.
Vale a pena ver e ouvir!
O poeta, declamador e ativista pela cultura nordestina Bráulio Bessa nasceu em Alto Santo, no Vale do Jaguaribe ( Ceará), no ano de 1986. Seus vídeos com declamações de cordel têm contribuído para difundir e despertar o gosto por essa literatura.
O adolescente João Neto é da cidade de Equador ( Rio Grande do Norte) e apaixonado pela cultura nordestina. Declama cordéis desde que aprendeu a ler, aos 4 anos. Sua inspiração vem de Bráulio Bessa, seu ídolo, mas também de Patativa do Assaré, Ariano Suassuna e Luís Gonzaga.
Pesquise na internet vídeos e áudios dêsses dois artistas.
- Planeje seu trabalho de oralidade com as estrofes. Pense no que quer destacar em cada verso e como pode fazer isso usando a entonação. Experimente em voz alta, até alcançar os efeitos que deseja. Reflita sobre que gestos e movimentos você pode incluir na leitura, contribuindo para a expressividade.
- Com base no comentário que você escreveu no caderno, prepare uma fala de apresentação. Ela servirá de introdução à leitura que você fará das estrofes, de modo que os ou as ouvintes tenham o contexto de onde elas foram retiradas.
- Ensaie o comentário e a leitura expressiva, valorizando seu trabalho com o texto. Grave, pedindo apoio ao ou à professor ou professora, se necessário, e ouça, analisando onde pode melhorar. Peça também sugestões de outros ou outras ouvintes.
- Para participar da roda de leitura
- Tenha interesse e abertura para conhecer as leituras feitas pelos ou pelas colegas. Durante a fala de cada , faça anotações do que achou mais interessante, tanto em relação ao texto em si quanto ao trabalho de oralidade feito na apresentação. Anote também sugestões de como poderia ser feita a leitura de alguma passagem, para ficar ainda mais expressiva. Se for um ou uma convidado ou convidada a opinar, faça-o de modo respeitoso, com sugestões que realmente contribuam para a aprendizagem de . todos ou todas
- No seu momento de participar, procure controlar suas emoções (sim, é normal aquele “friozinho na barriga”!) para aproveitar ao máximo sua oportunidade de se apresentar. Após a leitura, escolha um ou uma colega para comentar:
- Do que você mais gostou no cordel que eu escolhi? Por quê?
- E sobre minha leitura, você tem alguma sugestão para ela ficar ainda mais interessante? Fique atento às dicas dôs ou dás outros ou outras leitores ou leitorea para seu aprimoramento.
- Durante todo o processo, apoie-se na ficha de critérios para produção e avaliação da curadoria de cordel e do preparo da leitura para ser apresentada em roda – sim, a leitura expressiva é uma produção de texto oral!
O texto atendeu aos critérios de: |
---|
1. Adequação à proposta |
Consultei com autonomia cordeltecas e selecionei com interesse um folheto? |
2. Atenção às características do gênero estudadas e ao trabalho de linguagem feito nele |
Consegui identificar aspectos poéticos do cordel, com especial atenção à métrica, à rima e ao ritmo? |
Oficina de leitura e criação
3. Quanto à leitura ensaiada |
---|
a) Consegui fazer uma leitura expressiva com ritmo interessante para valorizar e “dar vida” ao cordel? |
b) Fiz uso de pausas, entonação, recursos de gestualidade e movimentação? |
4. Quanto ao preparo para a roda de leitura |
Preparei bem meu comentário de introdução para o cordel escolhido? Ele contextualiza os(as) ouvintes, contendo título, autoria, resumo da história, relações com outros textos, minha opinião sobre os temas e valores que aparecem no texto? |
5. Quanto à colaboração e à comunicação na roda de leitura |
a) Tive abertura, interesse e escuta nas leituras apresentadas pelos(as) colegas? |
b) Quando chamado(a) a opinar, trouxe sugestões significativas para o aprimoramento na leitura expressiva? |
c) Acolhi com interesse as opiniões dos(as) colegas em relação à minha leitura? |
Leitura
O cordel chegou ao Brasil por influência da literatura de tradição oral portuguesa. Por essa razão, são comuns nos cordéis dos poetas do sertão temas típicos da literatura medieval europeia, como: as aventuras de cavalaria; histórias de amor impossível entre homem do povo e figuras femininas da nobreza; animais matutos e falantes, como nas fábulas. Além disso, os cordéis também podem noticiar e criticar, com humor, acontecimentos de seu tempo.
Que tal ler uma aventura em cordel? O texto que você vai ler a seguir inspira-se muito nas aventuras de cavalaria medievais, em que cavaleiros viajavam, lutavam, enfrentavam perigos, oferecendo seu heroísmo como prova de honra a seu reino e como demonstração de amor a uma donzela. Inspira-se também nos contos de tradição oral, com princesas em situação de perigo. É um fragmento do cordel Romance do Reino do Mar-Sem-Fim, de Severino Borges Silva. Como o texto circulava ora por declamação em feiras, ora por escrito, nos folhetos, seu título pode variar também como O Rei do Mar-Sem-Fim ou, ainda, O romance da princesa do Reino do Mar-Sem-Fim.
Quem é?
Severino Borges Silva (1919-1991) nasceu em Aliança ( Pernambuco). Violeiro, poeta e repentista, criava folhetos da literatura de cordel. Foi considerado um dos maiores repentistas do Nordeste – improvisadores capazes de criar rapidamente versos, sem preparo prévio, sobre qualquer tema. Muitos de seus títulos foram publicados em Recife ( Pernambuco).
O Rei do Mar-Sem-Fim
Santa musa irmã de apolo
manda um anjo querubimglossário
trazer as setas poéticas
para auxiliar a mim
que vou contar um romance
do Reino do Mar-Sem-Fim
A herdeira dêsse reino
era uma linda donzelaglossário
chamava-se Elizabete
risonha, atraente e bela
por isto todos os príncipes
queriam casar com ela
E já por ser muito linda
um dia foi raptada
da corte do seu reinado
por um bruxo e uma fada
e num reino desabitado
deixaram ela encantada
Transformaram a linda jovem
num pé de rosa amarela
no centro de um jardim
eles encantaram ela
para que príncipe nenhum
casasse com a donzela
O rei quando sentiu falta
de sua filha querida
chorou copiosamenteglossário
ficou de alma abatida
vendo a hora que perdia
o resto de sua vida
E assim ficou o rei
neste tormento sem fim
chorando pela filhinha
o seu anjo querubim
dizia ele chorando
meu Deus socorrei a mim
Leitor aqui deixo o rei
entregue ao desengano
para falar de um moço
por nome de Adriano
do reino das maravilhas
filho do rei Herculano
Este príncipe era forçoso
valente, forte e guerreiro
e gostava de caçar
por serras e despenhadeiro
mas só caçava sozinho
não levava companheiro
E um dia ele saiu
pra fazer uma caçada
porém dessa vez perdeu-se
numa montanha elevada
na mesma montanha tinha
uma cidade encantada
Viu umas paredes velhas
com um muro dum reinado
ele com este espetáculo
ficou atemorizado
disse consigo isto aqui
só sendo um reino encantado
Ele entrou por uma porta
com uma espada na mão
adiante viu uma mesa
que chamou sua atenção
porque tinha o que quizesse
para fazer refeição
Ele que estava atacado
de fome, sêde e fadigaglossário
disse: primeiro eu vou
botar comer na barriga
depois de comer estou pronto
para enfrentar qualquer briga
Quando acabou de jantar
disse: agora eu vou também
percorrer o reino todo
para ver que gente tem
percorreu canto por canto
mas não encontrou ninguém
Porém avistou um quarto
por detrás duma cortina
no mesmo tinha uma cama
forrada com seda fina
com as tariscasglossário de ouro
e os espelhos de pratínaglossário
Ele deitou-se e dormiu
naquela cama macia
quando dormia sonhava
que uma moça aparecia
chegava pertinho dele
por esta fórma dizia
Ou príncipe por caridade
vinde socorrer a mim
que sou a princesa herdeira
do Reino do Mar-Sem-Fim
porém devido uma fada
estou encantada assim
Aqui existe um gigante
enviado pela fada
tem a minha sorte preza
numa caixinha guardada
mais você matando ele
eu fico desencantada
Se matares o gigante
casar contigo eu garanto
e se não matares ele
eu nunca me desencanto
porém você faça tudo
para enxugar o meu pranto
Porque matando o gigante
com sua pessanteglossário espada
verás cair uma caixa
de fita toda enrolada
corte a fita e abra ela
que fico desencantada
reticências
SILVA, Severino Borges. O Rei do Mar-Sem-Fim. São Paulo: Luzeiro Editora, 1979. p. 3-6.
Clipe
Apolo era filho de Zeus, o pai dos deuses na mitologia grega. Conhecido como o deus da poesia e da música, Apolo quase sempre é representado tocando uma lira (antigo instrumento de cordas) de ouro. Ele era considerado o chefe das musas, entidades que inspiravam a criação artística ou científica.
Primeiras impressões
- Como você resumiria o enredo, isto é, os acontecimentos do cordel O Rei do Mar-Sem-Fim?
- Que histórias dos contos de fadas esse cordel lembra? Por quê?
- Com base no que você sabe sobre essas histórias, o que imagina que acontecerá na continuidade do cordel?
O texto em construção
Organize-se em dupla e converse com ô á colega sobre as questões a seguir. Exercitem a escuta interessada e o diálogo. Elas foram pensadas para vocês perceberem especialmente como o cordel retoma temas dos contos de fadas, com foco na análise da personagem-tipo princesa, e refletirem sobre o uso da variação linguística na escrita, o que é bastante recorrente no cordel.
1. Leiam o seguinte verbete de dicionário:
personagem-tipo
per·so·na·gem-ti·po
cim, têat Aquele que representa um tipo de comportamento-padrão, conhecido e previsível.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
pê éle : personagens-tipos e personagens-tipo.
PERSONAGEM-TIPO. In: Dicionário Michaelis Digital. Disponível em: https://oeds.link/9POTI4. Acesso em: 29 julho 2018.
- Para vocês, Elizabete pode ser considerada uma personagem-tipo, com características e comportamentos típicos das princesas dos contos de fadas? Cite versos que fizeram você concluir isso.
- Narrativas contemporâneas, especialmente cinematográficas, fazem paródias da personagem-tipo princesa. Vocês já leram algum livro ou assistiram a algum desenho ou filme em que tenham percebido isso?
- Em sua opinião, que ponto de vista crítico essas paródias trazem em relação às princesas?
- Vocês lembram o que é ortografia?
- Se tivessem sido usadas as regras da escrita mais formal, como seria a escrita das palavras quizesse e preza (no sentido de estar privada da liberdade, como sugere o contexto)?
Versão adaptada acessível
Atividade 4.
Vocês lembram o que é ortografia?
• As palavras “quizesse” e “preza” (no sentido de estar privada da liberdade, como sugere o contexto) foram escritas com “z”. Se tivessem sido usadas as regras da escrita mais formal, como seria a escrita dessas palavras?
5. Leiam:
Vamos lembrar
Na escrita, em situações formais, é preciso observar regras como as de regência verbal e as funções dos pronomes. Assim, algumas ocorrências nesse cordel, se estivessem em um contexto mais formal e controlado da escrita, precisariam ser revistas:
para auxiliar a mim ↔ para auxiliar-me
eles encantaram ela ↔ eles a encantaram
- Retomem no cordel as estrofes de que fazem parte os versos “para auxiliar a mim” e “eles encantaram ela”. Que prejuízos haveria para os efeitos de sonoridade da estrofe, se tivessem sido usadas as regras da escrita formal, como exemplificado anteriormente?
- Retomem, no cordel de Alexandre Pavan, a cultura em que a literatura de cordel foi originalmente produzida. Considerando-a, o que vocês concluem: por que nos versos de Severino Borges Silva há uso de uma escrita mais próxima da oralidade?
- Qual estrofe do cordel de Alexandre Pavan vocês escolheriam para expressar o que refletiram e responderam na questão anterior?
Clipe
Em setembro de 2018, a literatura de cordel foi reconhecida como patrimônio cultural imaterial brasileiro. Fazem parte dêsse patrimônio as práticas, as representações, as expressões, os conhecimentos e as técnicas transmitidos de geração a geração.
O que levo de aprendizagens deste capítulo
- O que você achou de aprender mais sobre a literatura de cordel e a cultura que ela representa?
- Você considera que aprendeu a ter mais escuta para o trabalho de sonoridade lendo e ouvindo a poesia de cordel?
- O que aprendeu sobre a arte da xilogravura?
- O que achou de experimentar a autoria com a produção colaborativa de cordel?
- O que você considera que aprendeu e desenvolveu com essa atividade?
- Com base nessas reflexões, escreva um parágrafo no caderno se autoavaliando.
- Procure também incluir mais cordéis em suas práticas de leitura.
- Quando puder, confira algumas proezas de João Grilo na seção Galeria da página seguinte.
Galeria
João Grilo é uma das personagens mais conhecidas do cordel brasileiro. No trecho a seguir, você vai conhecer uma de suas peraltices, ou, na expressão do poeta João Ferreira de Lima, suas “proezas”. Leia-o com autonomia e depois registre em sua Galeria: Você recomendaria esse cordel para outros ou outras leitores ou leitorea? Por quê? Que tal fazer uma busca nas cordeltecas e ler o cordel completo? Boa leitura!
As proezas de João Grilo
Um dia a mãe de João Grilo
Foi buscar água à tardinha
Deixou João Grilo em casa
E quando deu fé, lá vinha
Um padre pedindo água
Nessa ocasião não tinha
João disse: só tem garapa
Disse o padre: d’onde é?
João Grilo lhe respondeu:
É do engenho Catolé
Disse o padre: pois eu quero
João levou uma coité.
O padre bebeu e disse:
Oh! Que garapa boa!
João Grilo disse: quer mais?
O padre disse: e a patroa
Não brigará com você?
João disse: tem uma canoa
João trouxe uma coité
Naquele mesmo momento
Disse ao padre: bebe mais
Não precisa acanhamento
Na garapa tinha um rato
Estava podre e fedorento
O padre disse: menino
Tenha mais educação
E por que não me disseste?
Oh! Natureza do cão!
Pegou a dita coité
Arrebentou-a no chão.
João Grilo disse: danou-se!
Misericórdia, São Bento!
Com isso mamãe se dana
Me pague mil e quinhentos
Essa coité, seu vigário
É de mamãe mijar dentro.
LIMA, João Ferreira de. As proezas de João Grilo. Disponível em: https://oeds.link/ZGljn4. Acesso em: 21 setembro 2018.
Quem é?
João Ferreira de Lima (1902-1972) nasceu em São José do Egito (PE). Entre suas obras, destaca-se um dos grandes clássicos da literatura de cordel, As proezas de João Grilo, cujo protagonista foi retomado na obra O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Em seus folhetos, percorreu vários temas da poesia popular, valendo-se da crítica e da sátira social.
Vale a pena assistir!
Procure na internet a declamação que o ator João Alves, da Companhia Teatral Nóis na Mata, faz dêsse texto para uma edição especial do Jornal Digital Nexo. Para isso, procure o canal de vídeo do Nexo, combinando em seu navegador as palavras-chave: “João Alves” mais “cordel” mais “proezas” mais “João” mais “Grilo”. Se você curtir, compartilhe com um comentário para familiares e amigos, pelas redes sociais. Peça apoio de seu ou sua responsável.
LiTERatitudes
Que tal criar versos de cordel com protagonismo de personagem feminina?
Como fazer?
- Para conhecer mais a xilogravura
- Você e três colegas vão pesquisar a arte da xilogravura feita por J. Borges. Para isso, procurem assistir a uma das várias reportagens disponíveis na internet sobre esse artista pernambucano. Uma sugestão é o documentário A arte do poeta cordelista e gravador J. BORGES ( sete minutos e três), produzido por Laurita Caldas e disponível no canal Curta.doc.
Vale a pena assistir!
“Tudo é mentira. A mentira, ela vai além de gerações. E a verdade aparece ligeira e morre. No cordel é assim.”
Essa é uma das reflexões de J. Borges no documentário produzido por Laurita Caldas.
- Depois da pesquisa, conversem em grupo:
- Que temas e assuntos são trabalhados por J. Borges?
- Em sua arte, parecem predominar imagens do cordel de informação (nos quais circulam notícias, fatos) ou do cordel de ficção, com histórias inventadas?
- O que mais chamou a atenção do grupo na arte feita por ele? Por quê?
c. Observem as reproduções de xilogravuras de J. Borges:
- Discutam entre vocês:
- Que representações de mulheres estão sugeridas nelas: mulheres mais ou menos protagonistas? O que vocês observaram para chegar a essa conclusão?
- Qual xilogravura mais agradou vocês? Por quê?
- Qual vocês gostariam de recontextualizar, usando-a como ilustração para os versos que vão produzir?
- Planejando o cordel
- Releiam duas estrofes do cordel e a nova sextilha criada para dar continuidade a ele:
reticências
A herdeira dêsse reino
era uma linda donzela
chamava-se Elizabete
risonha, atraente e bela
por isto todos os príncipes
queriam casar com ela
E já por ser muito linda
um dia foi raptada
da corte do seu reinado
por um bruxo e uma fada
num reino desabitado
deixaram ela encantada
reticências
Elizabete porém
não se deixou dominar
usou a imaginação
e de tanto matutar
um plano bem arretado
conseguiu arquitetar
LIMA, João Ferreira de. As proezas de João Grilo. Disponível em: https://oeds.link/ZGljn4. Acesso em: 12 agosto 2022.
b. Com base na xilogravura que escolheram para recontextualizar, planejem acontecimentos para continuar a história, de modo que o leitor ou a leitora fique sabendo qual era o plano da personagem e o resultado dele.
Clipe
Xilogravura
“As gravuras talhadas em madeira (imburana, cedro ou pinho) possibilitaram aos artistas populares o domínio de todo o processo b de edição dos folhetos. Os desenhos acompanham o conteúdo do folheto. A simplicidade das fórmas, as cores chapadas, a presença de motivos, paisagens e personagens nordestinas, transportam os leitores para o mundo da fantasia, imprimindo aos reis e rainhas, criaturas fantásticas e sobrenaturais, características próprias ao seu universo de experiências.”
PINHEIRO, Hélder; LÚCIO, Ana Cristina Marinho. Cordel na sala de aula. São Paulo: Duas Cidades, 2010.
- Escrevendo os versos
- Elejam entre vocês quem será o escriba. À medida que o grupo for discutindo propostas de versos, o escriba vai escrevendo, apagando, reformulando, reescrevendo, palavra por palavra, até o grupo achar que chegou a um resultado satisfatório, considerando os efeitos sonoros (ritmo, métrica, rima) e a coerência com o desenvolvimento da história. Como vocês estão escrevendo especialmente para /ouvintes do contexto escolar, usem as regras da norma-padrão, como fez Alexandre Pavan em seu cordel. leitores ou leitorea
- Vocês poderão criar duas ou três estrofes do tipo sextilhas. Lembrem-se:
Sextilhas
As sextilhas são estrofes de seis versos, com sete sílabas poéticas cada um (redondilha maior) e esquema de rima em (segundo, quarto e sexto versos rimam entre si).
LiTERatitudes
- Avaliando o texto
- Avaliem a produção, peçam a avaliação de outros ou outrascolegas e também dô ou dá professor ou professora. Façam os ajustes necessários.
- Circulando os cordéis da turma
Com ô á , determinem como circularão os cordéis da turma. Algumas ideias para vocês discutirem juntos: professor ou professora
- Pesquisar na internet as xilogravuras que usaram e, em um editor de texto, compor folhetos de cordel criando outro desfecho para O Rei do Mar-sem-Fim.
- Imprimir e promover a declamação de cordéis em algum evento da escola.
- Compor cordéis digitais e divulgá-los nas redes sociais.
- Criar uma cordelteca na biblioteca da escola.
Vale a pena ver!
O que as capas dêsses folhetos de cordel têm em comum?
A jovem poetisa Jarid Arraes faz cordéis com histórias de mulheres negras protagonistas. Por meio de seus versos, é possível conhecer, por exemplo, Acotirene, matriarca do Quilombo dos Palmares, que já vivia ali antes de Ganga-Zumba e Zumbi. Ela era respeitada como conselheira para casos rotineiros e de batalha, considerada mãe de todos.
Reflita:
- Por que vale a pena conhecer essa proposta de cordel?
- Em que ela inova?
- Se achar interessante, procure conhecer o trabalho da autora pesquisando seus canais na internet.
Glossário
- Singelos
- : simples, acessíveis, compreensíveis.
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- Trovador
- : poeta-músico que criava e, por vezes, cantava composições poéticas por volta do século onze, na Europa. Atualmente chamamos de trovador aquele que divulga, cantando ou declamando, poemas próprios ou alheios.
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- Linguajar
- : maneira de falar, fala, linguagem.
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- Legítimo
- : autêntico. Diz-se de criação, obra de arte etcétera. que é realmente do autor ou da origem à qual é atribuída.
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- Tradição
- : costumes, fatos, lendas, ritos etcétera. transmitidos de geração a geração. No texto, pode-se estender para algo consagrado, reconhecido.
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- Querubim
- : uma das categorias existentes de anjos, que conta com arcanjos, querubins e serafins. Os anjos, segundo a tradição bíblica, são seres celestiais mensageiros de Deus.
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- Donzela
- : como era chamada na Europa, na Idade Média, a filha solteira de reis e de fidalgos.
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- Copiosamente
- : em grande quantidade, com fartura, abundantemente.
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- Fadiga
- : grande cansaço, esgotamento físico.
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- Tariscas
- : no dicionário, encontra-se a palavra talisca: pedaço de madeira fina e comprida cortada de fórma retilínea para determinado fim. Provavelmente o autor quis dizer que a cama era enfeitada com lascas de ouro.
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- Pratína
- : é provável que o autor tenha querido dizer platina e que, por sua vez, no texto, sua intenção tenha sido a de atribuir ao espelho a cor cinza-prateada.
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- Pessante
- : é provável que o autor tenha querido dizer possante, que tem grande capacidade de desempenho, poderoso, forte.
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