Capítulo 4  As sociedades indígenas do Brasil

Os povoadores do território brasileiro

O território que hoje faz parte do Brasil era habitado por diferentes grupos humanos há milhares de anos. Esses grupos viveram em diferentes épocas e lugares, e cada um deles tinha seu próprio modo de vida. Vamos conhecer agora alguns dêsses grupos.

O povo de Lagoa Santa

Os grupos humanos que viviam na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, há cêrca de 10 mil anos eram caçadores-coletores e se deslocavam continuamente. Eles caçavam animais de pequeno porte, como porcos-do-mato e pacas, e coletavam frutos e raízes.

Eles produziam machados e outros instrumentos de pedra polida e se abrigavam próximo a locais com grandes formações rochosas. Costumavam fazer pinturas nas paredes dos locais onde se abrigavam.

Fotografia. Parede rochosa com pinturas rupestres de silhuetas de animais em cor vermelha. Ao lado, 
uma mulher usando chapéu, está inclinada, com as mãos apoiadas na perna, olhando para as pinturas na rocha.
Pintura rupestre do povo de Lagoa Santa no sítio arqueológico Rochedo dos Índios, no Parque Estadual cêrca Grande, em Matozinhos, Minas Gerais, em 2018.

O povo de Umbu

Alguns vestígios humanos encontrados nos atuais estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul apontam para a presença de outros grupos de caçadores-coletores que teriam vivido no território que hoje corresponde ao Brasil há cêrca de 6 mil anos.

Conhecidos como povo de Umbu, ou povo da flecha, esses grupos nômades produziam diversos instrumentos derivados de rochas, como o sílex, o quartzo e o arenito, além de agulhas e anzóis feitos de ossos de animais. Esses grupos habitavam cavernas e caçavam animais de pequeno porte utilizando flechas e boleadeirasglossário . Para se alimentar, também coletavam frutos, raízes e vegetais.

Os povos dos sambaquis

cêrca de 9 mil anos, o litoral sul e sudeste do território brasileiro começou a ser habitado por povos que viviam principalmente da pesca, mas também da coleta de moluscos, raízes, frutas e sementes.

Os principais vestígios deixados por essa população são os sambaquis, palavra de origem tupi que significa “amontoado de conchas”. Construídos por esses habitantes do litoral, alguns sambaquis alcançam até 30 metros de altura e centenas de metros de comprimento.

Veja a imagem a seguir.

Fotografia. No primeiro plano, alguns amontoados de conchas que formam os sambaquis. Ao fundo, vegetação rasteira em meio à areia e o mar.
Sambaqui localizado no sítio arqueológico Santa Marta três, em Laguna, Santa Catarina, em 2021.

Os povos que construíram essas estruturas são chamados sambaquieiros, e os sambaquis são importantes fontes para estudar o modo de vida deles.

Os sambaquis são formados por diversas camadas de materiais como conchas, mariscos, resquícios de animais e instrumentos feitos com rochas. Por muitos anos acreditou-se que tais estruturas eram apenas depósitos de materiais descartados. No entanto, pesquisas mais recentes indicam que eles funcionavam como um elemento importante na cultura dos povos litorâneos. Alguns pesquisadores acreditam que os sambaquis eram utilizados como locais para construir moradias. Para outros estudiosos, eles eram locais de cerimônias ritualísticas nas quais os sambaquieiros sepultavam seus mortos.

Fotografia. Várias camadas diferentes, uma em cima da outra, contendo conchas, pedras e ossos de um esqueleto humano.
Reconstituição das camadas de um sambaqui do litoral paranaense produzida pêla arqueóloga Cláudia Inês Parellada, em Curitiba, Paraná, em 1993.

Os povos agricultores e ceramistas

No início do século dezenove, naturalistas europeus encontraram cemitérios indígenas às margens de diversos rios da floresta Amazônica. Nesses locais, foram encontrados artefatos de cerâmica que datam de mais de 4 mil anos. Essas descobertas impulsionaram o estudo sôbreos povos ceramistas que habitaram a Região Norte do Brasil.

Hoje se sabe que esses povos ceramistas eram agricultores. Como cultivavam os próprios alimentos, eles eram essencialmente sedentários. Suas moradias eram construídas de acôrdo com as condições geográficas dos lugares que habitavam.

Para evitar que suas aldeias fossem alagadas pêlas águas dos rios nas épocas de cheias, esses povos as construíam em morros artificiais chamados tesos.

Confira a ilustração a seguir, que representa algumas dessas aldeias construídas sôbre tesos.

Ilustração. À esquerda, moradias indígenas em um relevo elevado. Ao lado um rio e pássaros voando no céu. No fundo, outras moradias indígenas em relevo elevado e diversas árvores.

Esta ilustração é uma representação artística contemporânea produzida com base em estudos históricos. Fonte de pesquisa: xãn, Denise Pahl. Cultura marajoara. Rio de Janeiro: Senáqui Nacional, 2009. página 196.

Os povos ceramistas e agricultores da Amazônia produziam suas cerâmicas coletivamente, utilizando argila coletada nos rios da região. Com êsse material eles produziam diferentes peças, como estatuetas, vasos e outros utensílios. Eles costumavam decorar esses artefatos com o uso de gravetos e ossos de animais, fazendo marcações na argila ainda úmida. Depois de sêcas ao sol, as peças eram levadas a altas temperaturas para que adquirissem rigidez e resistência.

Os vasos cerâmicos eram utilizados para transportar água, guardar os alimentos e cozinhá-los. Foram encontrados também grandes vasos usados como urnas funerárias, como os retratados na foto a seguir.

Esses artefatos possuíam fórmas e côres que variavam de acôrdo com a sociedade que os produzia.

Fotografia. Artefato de cerâmica, com duas pontas nas laterais, viradas para cima. O centro é ondulado e com detalhes em relevo. Na parte superior, um tubo.
Artefato de cerâmica produzido pelos povos tapajoaras por volta do ano 1300.
Fotografia. Três vasos grandes de cerâmica com algumas partes quebradas. Ao lado de um vaso, há uma mulher com cabelos presos, usando blusa regata e calça. Ela está com os joelhos no chão e as mãos sobre um vaso. Atrás, dois homens, um sentado e outro de joelhos no chão, ambos estão com as mãos sobre outro vaso. Perto deles, diversos pinceis e ferramentas.
Urnas funerárias produzidas por volta do ano 1000 e encontradas por pesquisadores em um sítio arqueológico na ilha de Marajó, Pará. Foto de 2004.

Investigando fontes históricas

A cerâmica marajoara

A região da Amazônia abrigou vários povos no decorrer da ocupação da América. No território do atual Brasil, o grupo que habitou a ilha de Marajó entre os anos 400 e 1300, conhecido como marajoara, produziu diversos artefatos em cerâmica. Analise dois exemplos de objetos cerâmicos elaborados por esses povos.

A. Estatueta marajoara em cerâmica

Elas representavam figuras humanas. Costumavam ser ocas, e os marajoaras colocavam pedras no interior delas, possibilitando um efeito sonoro ao movimentá-las. Por isso, acredita-se que essas estatuetas eram usadas em rituais.

Escultura 'A'. Representação de uma figura humana. Composta por uma cabeça grande com olhos, sobrancelha, boca e nariz. O corpo é ondulado com desenhos geométricos pintados com a cor vermelha.
Cerâmica marajoara produzida por volta do ano 600.

B. Tangas marajoaras em cerâmica

Esses objetos eram usados como vestimenta pêlas mulheres marajoaras. Bastante adornadas e coloridas, as tangas faziam parte de um ritual de passagem para a vida adulta.

Fotografia 'B'. Três objetos com formato triangular. Dois têm coloração amarelada e traços, linhas e formas geométricas desenhadas com a cor preta. O outro não tem estampa e apresenta coloração avermelhada.
Tangas marajoaras produzidas por volta do ano 600.

Vários desenhos que adornam essas peças representam elementos da mitologia marajoara. Leia o texto a seguir sôbre um mito característico da Região Amazônica.

reticências

O índio mergulhou no rio e achou a escama de uma cobra. reticências Então muitas cobras, de diferentes tipos, apareceram, cobras que êle nunca tinha visto. O pajé lhe disse que as cobras vieram atrás de alguma coisa reticências e que êle tinha que se livrar daquilo. O homem então jogou a escama no rio, mas a água estava muito rasa reticências. À noite o igarapé encheu e muitas cobras vieram, seguidas pelos peixes. O lugar onde êle tinha atirado a escama virou uma lagoa tão cheia de peixes que se tornou o melhor lugar para pescar.

reticências

xãn, Denise Pahl. Cultura marajoara. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009. página 252.

Analise o vaso a seguir e leia as informações.

Fotografia. Vaso de cerâmica com a parte inferior arredondada. Detalhes em relevo que representam uma cobra e linhas em espirais.
Vaso de cerâmica marajoara produzido por volta do ano 600.
  • Nessa peça está representada uma cobra, um dos animais mais importantes da mitologia marajoara. êsse animal costumava ser representado de diversas maneiras, como em fórma de espiral ou por linhas onduladas.
  • Podemos perceber também desenhos e padrões geométricos. Muitos dêsses formatos foram inspirados na vegetação e nos animais do local, como essas ondulações que lembram cipós.
  • Alguns dos símbolos inscritos nos vasos tinham funções práticas, pois podiam ajudar a identificar, por exemplo, os produtos armazenados.

Agora, converse com os colegas sôbre as questões a seguir.

Ícone ‘Atividade oral’.

1. Qual, provavelmente, foi a matéria-prima utilizada na produção das peças marajoaras? Como elas teriam sido fabricadas?

Ícone ‘Atividade oral’.

2. Compare o texto que apresenta um mito da Região Amazônica com o vaso. Qual é o mito tratado no texto? Qual é a relação entre êsse mito e o vaso?

Ícone ‘Atividade oral’.

3. Descreva os desenhos e os padrões geométricos que podem ser identificados no vaso. Em sua opinião, o que eles representam?

Ícone ‘Atividade oral’.

4. Você conhece alguma pessoa de sua família ou de sua comunidade que produza algum tipo de objeto feito de modo artesanal, como vasos de cerâmica, cestos de palha ou objetos de madeira? Procure saber como esses artefatos são produzidos e quais são suas características. Caso consiga obter essas informações, compartilhe-as com os colegas.

História e Arte

Pintura rupestre

Os antigos habitantes do território onde hoje é o Brasil também deixaram vestígios de pinturas rupestres, que são desenhos ou pinturas feitos em rochas ou paredes de cavernas.

Essas pinturas rupestres eram feitas com diferentes tipos de materiais, como urucumglossário , carvão e jenipapoglossário . Já os instrumentos utilizados para produzir essas pinturas dependiam do estilo de representação de cada grupo. Podiam ser usados, por exemplo, o que pareciam ser pincéis feitos com pelos e fibras, espinhos de plantas e folhas. Algumas pinturas eram feitas somente com as mãos.

Os pesquisadores costumam estabelecer uma classificação para facilitar o estudo da pintura rupestre. Os tipos de marcação rupestre são classificados de acôrdo com as chamadas tradições artísticas. Conheça algumas delas.

Tradição Nordeste (10000 antes de Cristo-4000 antes de Cristo)

É composta de figuras humanas e de animais, geralmente representadas em movimento, e de plantas e objetos. As cenas mais comuns são as de caça e de rituais. As côres usadas nessa tradição são bastante diversificadas, predominando as diferentes tonalidades de vermelho.

Pintura rupestre. Silhuetas de três animais quadrúpedes e algumas pessoas. Ao lado algumas linhas tracejadas na vertical. Todos ilustrados na cor vermelha.
Detalhe de pinturas rupestres da tradição Nordeste, no Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí, em 2019.

Tradição Agreste (4000 antes de Cristo-1000 antes de Cristo)

Dificilmente apresenta cenas de movimento ou com narrativas. Quando há representações de humanos, eles aparecem de fórma paralisada e isolada. Os traços são espessosglossário , e as figuras têm poucos detalhes.

Pintura rupestre. Silhueta de pessoas e linhas tracejadas.
Detalhe de pinturas rupestres da tradição Agreste em rochas no sítio arqueológico Alcobaça, em Buíque, Pernambuco, em 2022.

Tradição São Francisco (5000 antes de Cristo-800 antes de Cristo)

É rara a presença de imagens humanas nessa tradição, que faz uso de padrões geométricos, com pontilhados, traços e sequências paralelas e entrecruzadas.

Pintura rupestre. Composta por formas geométricas, pontos e linhas nas cores vermelha e amarela.
Detalhe de pinturas rupestres da tradição São Francisco, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Januária, Minas Gerais, em 2019.

Tradição Planalto (6000 antes de Cristo-2000 antes de Cristo)

A maior parte das pinturas dessa tradição apresenta figuras de animais, que são representados em tamanho grande, sem proporção e com poucos detalhes. Os animais que mais aparecem nas pinturas são cervosglossário e peixes.

Pintura rupestre. Silhueta de um animal quadrúpede grande com chifres, atrás, em proporção menor, silhueta de pessoas nas cores amarela e vermelha.
Detalhe de pinturas rupestres da tradição Planalto, na Serra do Cipó, em Santana do Riacho, Minas Gerais, em 2016.

Petróglifos

Nos sítios arqueológicos brasileiros, além de imagens pintadas e desenhadas, são encontrados petróglifos, marcações feitas com incisões nas rochas. Os petróglifos eram gravados com instrumentos pontiagudos, cortantes ou de raspagem.

Um dos casos mais interessantes é a Pedra do Ingá, localizada na Paraíba. Com 24 metros de extensão e 3 metros de altura, êsse painel apresenta inscrições e símbolos que ainda são estudados pelos pesquisadores. Acredita-se que esses petróglifos tenham sido feitos há cêrca de 6 mil anos.

Petróglifos. Marcações em rochas composto por linhas e pontos, formando figuras e dispostas lateralmente.
Detalhe de petróglifos feitos por volta de 4000 antes de Cristo e encontrados no sítio arqueológico Pedra do Ingá, em Ingá, Paraíba, em 2019.

Atividades

Faça as atividades no caderno.

Organizando os conhecimentos

  1. Qual é a importância das descobertas feitas em Lagoa Santa?
  2. O que são os sambaquis? O que eles podem nos dizer sôbre os antigos povos indígenas do Brasil?
  3. Leia novamente o tópico Os povos agricultores e ceramistas e escreva um texto explicando como era o modo de vida deles.

Aprofundando os conhecimentos

4. Leia o texto a seguir e responda às questões no caderno.

Os antigos habitantes viviam da caça, da pesca e da coleta de frutos. [...] Considerando que, além da caça, comiam peixes, moluscos, frutos e raízes, sua comida era variada. Nas caçadas usavam lanças com pontas de pedra. Quase sempre viviam em grutas. Muitas pinturas que encontramos hoje foram feitas naquela época.

reticências

FUNARI, Pedro Paulo A. Os antigos habitantes do Brasil. São Paulo: ed. da Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2001. pê ponto 30.

  1. Com base no texto e nas informações do capítulo, escreva um texto sôbre o modo de vida dos antigos habitantes do Brasil.
  2. De acordo com o que estudamos até aqui, descreva quais são as principais características das pinturas rupestres produzidas no território que atual­mente pertence ao Brasil.

5. Analise as duas fotos a seguir. Depois, responda às questões no caderno.

Pintura Rupestre 'A'. Silhueta de pessoas e animais quadrúpedes em vermelho.
Detalhe de pintura rupestre no sítio arqueológico Xique-Xique, em Carnaúba dos Dantas, Rio Grande do Norte, em 2019.
Pintura rupestre 'B'. Composta por formas geométricas, pontos e linhas nas cores amarela e vermelha.
Detalhe de pintura rupestre no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Januária, Minas Gerais, em 2019.
  1. Identifique as diferenças entre as côres das pinturas A e B.
  2. Que tipos de material eram utilizados para produzir as tintas?
  3. Que instrumentos podiam ser utilizados para fazer os desenhos?
  4. A que tradição pertence cada uma das pinturas? Que informações você utilizou para chegar à sua resposta?

6. Existem diversos tipos de vestígio arqueológico, como pinturas rupestres, objetos, utensílios domésticos e os fósseis, que podem auxiliar no estudo acêrca dos povoadores do território brasileiro. Analise as fotos a seguir e responda às questões em seu caderno.

Fotografia A. Vaso de cerâmica vermelho com pequenos detalhes em relevo na parte externa. Na parte inferior, forma arredondada.
Fotografia B. Pintura feita em uma parede de rocha. Na parte superior, silhueta de um animal quadrúpede grande. Abaixo, silhueta de um animal quadrúpede menor. Na parte de baixo, silhueta de uma figura humana.
Fotografia C. Uma ponta de flecha branca feita de pedra.
  1. Identifique o tipo de cada vestígio representado anteriormente.
  2. Ao analisar o tipo de fonte retratado na foto a, que informações podemos descobrir sôbre os antigos habitantes do Brasil?
  3. Que informações podemos deduzir sôbre os antigos habitantes do Brasil ao analisar o tipo de fonte retratado na foto B?
  4. E na foto da fonte C, que informações podemos descobrir sôbre os antigos habitantes do Brasil ao analisar êsse tipo de fonte?

Glossário

Boleadeira
: objeto composto de três tiras de couro com esferas nas pontas, usado para caçar animais.
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Urucum
: substância vermelha extraída da semente de uma árvore de mesmo nome.
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Jenipapo
: fruto cujas sementes escuras podem ser utilizadas para colorir superfícies.
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Espesso
: grosso.
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Cervo
: animal comum no Centro-Oeste do Brasil que pertence à família dos veados.
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