As reformas urbanas no Rio de Janeiro

Na passagem do século dezenove para o vinte, houve grande crescimento da população urbana no Brasil. êsse crescimento, no entanto, não foi acompanhado de investimentos em infraestrutura. dêsse modo, a precariedade nas condições de vida favoreceu o aumento no número de epidemias e nos índices de criminalidade.

Na metade do século dezenove, a cidade do Rio de Janeiro era considerada uma das mais insalubresglossário do mundo. Essa situação prejudicava as iniciativas comerciais e a entrada de investimentos estrangeiros. Assim, o govêrno planejou uma reforma que envolvia várias obras públicas, com o objetivo de modernizar e de revitalizar a cidade, que era capital do Brasil desde 1763.

O Bota-Abaixo

Em 1902, o paulista Francisco de Paula Rodrigues Alves foi eleito presidente do Brasil. Nesse mesmo ano, foi realizada uma série de reformas na cidade do Rio de Janeiro, começando pêlo Pôrto, o ponto de chegada e de partida de viajantes de vários lugares do Brasil e do mundo.

Para acelerar as reformas, o engenheiro Francisco Pereira Passos foi nomeado prefeito da capital. As reformas urbanas ocorreram de fórma tão radical no centro da cidade que eram chamadas pêla imprensa de Bota-Abaixo, em referência à quantidade de edifícios e de outras estruturas demolidas durante o processo. Entre os edifícios centrais que foram demolidos, estavam diversos cortiçosglossário que eram habitados pêla população pobre. Após a demolição, muitas dessas pessoas ficaram sem ter onde morar.

Ilustração. Vista de uma cidade. No centro, uma avenida em construção, Ao redor, poucos prédios. Alguns estão com andaimes e estruturas de metal. Ao fundo, mar e um morro.
Avenida Central, na cidade do Rio de Janeiro, érre jóta, em 1905.

A modernização da cidade

As reformas urbanas, relacionadas ao ideal de modernização do país, envolveram várias mudanças estruturais na cidade. O govêrno e as elites tinham a intenção de transformar o centro da cidade em um local onde se concretizassem os ideais de ordem, progresso e civilizaçãoglossário .

Conheça algumas mudanças que ocorreram em um dos pontos da cidade, a avenida Central.

  • Foram inauguradas várias lojas de artigos de luxo, salões de chá e cafés à moda francesa.
  • A avenida foi alargada, permitindo a circulação dos primeiros automóveis, e arborizada.
  • Muitos edifícios foram demolidos, os quais eram, em grande parte, moradias coletivas habitadas pêla população pobre, dando espaço a suntuosos edifícios de arquitetura de influência europeia.
  • O footing, que significa “caminhada”, em inglês, tornou-se uma prática bem difundida. Passear pêla avenida era um novo meio de sociabilidade.
  • Ela foi a primeira via da cidade a ter um trecho com iluminação pública elétrica.
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Questão 1.

Compare a foto a seguir com a da página anterior. Quais são as semelhanças e as diferenças entre elas?

Fotografia em preto e branco. Vista de uma cidade. No centro, uma avenida com várias árvores e alguns veículos. Ao redor, muitos prédios com várias janelas. Ao fundo, mar e um morro.
Avenida Central, na cidade do Rio de Janeiro, érre jóta, em 1910.

A perseguição aos velhos hábitos

De acôrdo com o historiador José Murilo de Carvalho, em sua obra Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, de 1987, um dos objetivos da reforma urbana do prefeito Pereira Passos foi fazer uma limpeza social. As mudanças na estrutura e na paisagem urbana foram acompanhadas pêla imposição de um novo estilo de vida e de novos padrões estéticos à população.

Um dos exemplos de mudança foi proibir a circulação de pessoas descalças ou sem camisa nas novas ruas e avenidas. Já atividades como o comércio ambulante, as festas populares, a roda de capoeira e as práticas relacionadas às religiosidades tradicionais africanas ou indígenas foram consideradas heranças coloniais, que não se alinhavam ao novo estilo de vida cosmopolita, moderno, que havia sido planejado para o centro do Rio de Janeiro. Com isso, era comum essas manifestações culturais serem reprimidas com ação policial.

Assim, a “limpeza” afastou do centro da cidade os grupos sociais populares, formados, em sua maioria, por pessoas pobres, ex-escravizadas, doentes e em situação de rua. No entanto, essa expulsão favoreceu a formação de grupos, que preservaram seus hábitos e tradições, e o surgimento, nas palavras do historiador, de uma nova identidade carioca.

reticências Na Pequena África da Saúde, a cultura dos negros muçulmanos vindos da Bahia, sua música e sua religião fertilizaram-se no novo ambiente, criando os ranchos carnavalescos e inventando o samba moderno. Um pouco depois, o futebol, esporte de elite, foi também apropriado pelos marginalizados e se transformou em esporte de massa.

Assim, o mundo subterrâneo da cultura popular engoliu aos poucos o mundo sobreterrâneo da cultura das elites. reticências foram surgindo os elementos que constituíram uma primeira identidade coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrações do carnaval e do futebol.

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. página 40-41.

Fotografia em preto e branco. À esquerda, dois jovens negros, sentados e sorrindo. Ao lado, um homem negro, usando chapéu e roupas brancas, segurando um acordeão. À direita, homens e mulheres negras batendo palmas.
Roda de samba em um morro do Rio de Janeiro. Revista O Malho, edição 154, ano 35, 14 maio 1936. página 31.

História e Língua Portuguesa

As crônicas do Rio de Janeiro

A crônica é um gênero textual muito difundido nos jornais e em outros veículos da imprensa até hoje. Por meio delas, seus autores retratam acontecimentos do dia a dia, com textos que podem conter humor, sarcasmo e crítica social, refletindo suas opiniões pessoais e, muitas vezes, dando destaque a detalhes que podem passar despercebidos pêla maioria das pessoas.

As reformas ocorridas no início do século vinte, no Rio de Janeiro, trouxeram à tona questões polêmicas relacionadas às desigualdades sociais e ao desejo que os governantes tinham de equiparar as cidades brasileiras às capitais estrangeiras.

Fotografia em preto e branco. Destacando o busto de um homem, usando terno e gravata.
Lima Barreto (1881-1922), em 1916.

Um dos grandes cronistas que viveram na época das reformas foi o escritor e jornalista carioca Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922). Suas crônicas retratavam de modo crítico e irônico as transformações pêlas quais a cidade do Rio de Janeiro estava passando.

Leia a seguir uma crônica dêsse autor publicada na revista Careta, em agosto de 1920. Perceba que, além de expressar uma opinião, essa crônica foi instrumento de crítica social, promovendo a reflexão sôbre os acontecimentos da época.

Megalomania

Não se abre um jornal, uma revista, um magazine, atualmente, que não topemos lógo com propostas de deslumbrantes e custosos melhoramentos e obras.

São reformas suntuárias na cidade; coisas fantásticas e babilônicas, jardins de Semíramis, palácios de Mil e Uma Noites e outras cousas semelhantes...

Houve um até que aventou a ideia do Ministério da Agricultura e a Prefeitura Municipal construírem um prado de corridas no Leblon, visto, diz a tal publicação textualmente, gastar-se tanto dinheiro em coisas inúteis.

É claro que o autor da ideia acha coisa de suma utilidade um prado de corrida e as razões que apresenta são de tal ordem que se o artigo fosse assinado, o seu autor merecia ser lapidado pelos miseráveis e pobres que não têm um hospital para se tratar, pelos mendigos e estropiados que não possuem asilo onde se abrigar.

A função primordial dos poderes públicos, sobretudo o municipal, para o incubador de semelhante ideia, é fornecer passatempos a quem os já tem de sobra. Para êle, um prado é coisa de utilidade social, porque lá podem ser exibidas vistosas toilettes.

Nesse caminho, a prefeitura deve desapropriar as “montrasglossário ” da rua do Ouvidor e da avenida, para ampliá-las, embelezá-las, de fórma a poder aumentar o número de bonecas de cêra, vestidas a capricho.

Tudo delira e todos nós estamos atacados de megalomania. De quando em quando, dá-nos essa moléstia e nós nos esquecemos de obras vistas, de utilidade geral e social, para pensar só nesses arremedos parisienses, nessas fachadas e ilusões cenográficas.

Não há casas, entretanto queremos arrasar o morro do Castelo, tirando habitação de alguns milhares de pessoas.

Como lógica administrativa, não há cousa mais perfeita!

O mundo passa por tão profunda crise, e de tão variados aspectos, que só um cego não vê o que há nesses projetos de loucura, desafiando a miséria geral.

Remodelar o Rio! Mas como? Arrasando os morrosreticências Mas não será mais o Rio de Janeiro; será toda outra qualquer cidade que não êle.

É caso de apelar para os ditados. Vão dois: cada louco com a sua mania; sua alma, sua palma.

BARRETO, Lima. Megalomania. ín: SANTOS, Afonso Carlos Marques dos (coordenação). O Rio de Janeiro de Lima Barreto. Rio de Janeiro: Rioarte, 1983. volume 2. página 269-270.

Agora, converse com os colegas sôbre as questões a seguir.

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1. Depois de lida a crônica, foi possível compreender melhor a que se refere o título? Explique-o.

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2. Explique o que é tratado nessa crônica. Você já leu algum texto parecido com êsse? Comente com os colegas.

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3. Com qual objetivo essa crônica foi escrita?

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4. De acôrdo com a crônica, a modernização do Rio de Janeiro foi favorável a toda a população?

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5. Baseando-se no estudo dêste capítulo e na crônica lida, é possível estabelecer relações entre o assunto da crônica e a realidade atual nos grandes centros urbanos?

Viver com dignidade

Observe a charge a seguir, feita pêlo artista Jean Galvão.

Charge. Dividido em dois quadrinhos. Q1. Duas crianças olhando para um homem. Uma delas pergunta: PAPAI, LÊ AQUELE CONTO DE FADAS PRA GENTE DORMIR? Ao lado, o homem responde: CLARO! Q2. As duas crianças cobertas por jornais estão deitadas embaixo de uma ponte. Ao lado, o homem está sentado segurando um livro com o texto na capa: CONSTITUIÇÃO. Ele diz para as crianças: 'TODO BRASILEIRO TEM DIREITO A MORADIA...'

GALVÃO, Jean. Folha de S.Paulo, São Paulo, 7 novembro 2008. Opinião, página A2.

Ícone ‘Atividade oral’. Ícone ‘Ciências Humanas em foco’.

Questão 2.

O direito à moradia está previsto na Constituição brasileira vigente, promulgada em 1988. êsse direito é plenamente respeitado em nosso país atualmente?

Ícone ‘Atividade oral’. Ícone ‘Ciências Humanas em foco’.

Questão 3.

Você já viu famílias em situação semelhante à que foi representada na charge de Jean Galvão?


Atualmente, há milhares de brasileiros que ainda não possuem uma habitação adequada e são obrigados a morar em locais precários. A situação faz com que essas pessoas vivam sem dignidade, pois o direito à moradia, um de seus direitos fundamentais, é desrespeitado.

Por meio da empatia somos capazes de nos colocar no lugar do outro, percebendo seus sentimentos e necessidades e, consequentemente, buscar maneiras de ajudá-lo.

As primeiras favelas no Brasil

As primeiras favelas do Brasil surgiram no final do século dezenove. No contexto das reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro, no início do século vinte, houve um grande aumento na quantidade de favelas. Por causa das obras, a população pobre que habitava a região central da cidade foi expulsa e teve suas moradias destruídas.

A maioria das pessoas passou a viver em locais precários, muitas vezes nas periferias, em colinas e morros, formando assentamentos que ficaram conhecidos como favelas. As habitações, como barracos e casebres, geralmente eram improvisadas, feitas com materiais dos edifícios demolidos no centro da cidade.

Glossário

Insalubre
: que prejudica a saúde, que pode causar doenças.
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Cortiço
: habitação coletiva na qual diversas famílias dividem os cômodos.
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Civilização
: nesse sentido, refere-se à urbanização e a práticas consideradas refinadas.
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Montra
: vitrine de loja.
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