CAPÍTULO 2 Movimentos sociais e resistência

A modernização e as melhorias ocorridas nas grandes cidades do Brasil não eram partilhadas por todas as camadas da sociedade. Os grandes centros urbanos atraíam populações que vinham de diferentes regiões do país em busca de trabalho e de melhores condições de vida. No entanto, o número de pessoas desempregadas era cada vez maior. Assim, muitas famílias tinham que viver em cortiços e em outras moradias precárias. Para agravar ainda mais a situação, havia problemas de saúde e higiene.

Mobilizações nas cidades

Como vimos no capítulo anterior, a cidade do Rio de Janeiro, no comêço do século vinte, estava passando por um intenso processo de reformas urbanas. Além disso, para combater as frequentes epidemias, como a febre amarela, a varíola e a peste bubônica (também conhecida como peste negra), doenças que causavam grande número de mortes, foi colocada em prática uma política de saneamento e higienização.

O médico sanitarista osvaldo Cruz foi o encarregado de promover uma série de medidas de combate e erradicação dessas doenças. Entre essas medidas, estava a criação da Brigada Mata-Mosquitos, formada por grupos de funcionários que vistoriavam as moradias da cidade com o objetivo de identificar e eliminar focos de doenças. Os agentes sanitários eram acompanhados de policiais, que muitas vezes utilizavam a violência para, se preciso, invadir as moradias, causando grande insatisfação nas pessoas.

Charge. Quatro pessoas estão em fila com um dos braços erguidos e presos em uma lança. Dos braços, por onde a lança atravessa, escorrem gotas de sangue. Atrás, o texto: AVENIDA.
O espeto obrigatório, charge publicada na revista A Avenida, em 1904.

Outra medida foi a criação de uma lei, no início de novembro de 1904, que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola. No entanto, o govêrno não informou adequadamente a população sôbre a vacinação. Assim, a população do Rio de Janeiro, que já estava insatisfeita com as reformas urbanas e com a ação da Brigada Mata-Mosquitos, acabou revoltando-se.

A revolta da vacina

Nos dias seguintes à instituição dessa lei, as ruas da cidade tornaram-se palco de diversas manifestações e protestos que exigiam o fim da obrigatoriedade da vacinação. Foi a chamada Revolta da Vacina, ocorrida entre os dias 10 e 16 de novembro de 1904, em que a população derrubou e incendiou bondes, depredou lojas, quebrou postes, montou barricadas com pedras e paus que estavam nas ruas, como pode ser observado nas fotos apresentadas a seguir. A fôrça policial e militar reagiu violentamente, atirando contra os populares.

Após violentos conflitos nas ruas da cidade, a revolta popular foi controlada pêlas fôrças do govêrno e a obrigatoriedade da vacina foi suspensa. No final do conflito, contabilizou-se um saldo de 30 mortos, 110 feridos e 945 presos que foram deportados para trabalhar nos seringais, no estado do Acre, ou enviados para a prisão na ilha das Cobras, no Rio de Janeiro.

Os conflitos se estenderam a diferentes regiões do centro da cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Fotografia em preto e branco. Vista de uma rua com construções em volta. Ao centro, um bonde caído no chão. Ao redor, várias pessoas usando chapéus e ternos. Elas estão caminhando.
Na foto, bonde tombado na praça da República, esquina com a rua da Alfândega, em 1904.

A população resistiu de diversas maneiras, construindo barricadas, usando armas de fogo ou atirando objetos contra as autoridades.

Fotografia em preto e branco. No meio de uma rua, pessoas estão empilhando caixas para construir uma barricada. Nas laterais moradias e prédios.
Barricada no bairro da Gamboa, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, em novembro de 1904.

A importância da vacina

Atualmente, a vacinação continua sendo um dos principais e mais eficazes métodos de prevenção de doenças no mundo todo. Isso acontece porque, além de nos proteger contra determinadas doenças, protege também a comunidade em que vivemos, impedindo que as doenças se espalhem e se tornem epidemias.

No Brasil, há cêrca de 10 vacinas obrigatórias, além de outras opcionais que devem ser aplicadas nas pessoas desde o seu nascimento. Essas vacinas ajudam a controlar os casos de contágio e, mesmo com o passar dos anos, a erradicar doenças como a varíola, que vitimava pessoas no mundo todo desde a Antiguidade.

Embora algumas pessoas ainda resistam a tomar vacinas, o govêrno e vários profissionais da saúde alertam para a importância da vacinação de pessoas de todas as idades contra as mais diversas doenças que ainda preju­dicam a população. Conheça dados estatísticos sôbre a incidência de algumas doenças pêlo mundo, ao longo dos anos, e como as vacinas, que nos casos dessas doenças passaram a ser amplamente adotadas em âmbito mundial a partir de meados da década de 1970, foram determinantes no combate a cada uma delas.

Incidência de poliomielite no mundo (1980 - 2020)

Gráfico. Incidência de poliomielite no mundo (1980 - 2020). Gráfico em linha de Número de casos por ano. Os dados são: 1980: Entre 52500 e 70000 casos. 1985: Entre 35000 e 52500 casos. 1990: Queda acentuada, entre 17500 e 35000 casos. 1995: Queda, com variação média, entre 17500 até perto de 0 casos. Do ano de 2000 até 2020, há baixa variação, chegando perto de 0 casos

Incidência de sarampo no mundo (1980 - 2020)

Gráfico. Incidência de sarampo no mundo (1980 - 2020). Gráfico em linha de Número de casos por ano. Os dados são: 1980: Entre 3375000 e 4500000 casos. 1985: Entre 2250000 e 3375000 casos. 1990: entre 1125000 e 2250000 casos. 1995: Queda, com variação média, entre 1125000 e 0 casos. Do ano de 2000 até 2020, há baixa variação, chegando perto de 0 casos.

Fonte de pesquisa: Organização Mundial da Saúde.

Agora, responda às questões a seguir.

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1. De acôrdo com os gráficos, o que aconteceu com a incidência dessas doen­ças entre os anos de 1980 e 2020?

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2. Qual é a importância das vacinas para a saúde pública? Converse a respeito disso com os colegas.

A vacinação e o controle de pandemias

No início do ano de 2020, o mundo foi surpreendido pêla rápida propagação da côvid dezenóve, síndrome respiratória aguda grave causada pêlo vírus sárs cóv dois, e a doença foi categorizada como uma pandemia.

A preocupação com a alta taxa de mortalidade mobilizou a comunidade científica mundial na busca por fórmas de tratamento para as pessoas contaminadas e visando à contenção da pandemia. Com isso, diversos grupos de cientistas e laboratórios no mundo passaram a se dedicar à pesquisa e aos testes de vacinas contra o sárs cóv dois.

Após serem cumpridos os protocolos científicos necessários, a vacinação contra a côvid dezenóve teve início em 8 de dezembro de 2020, no Reino Unido, seguido por outros países, como Estados Unidos e Canadá, além da União Europeia. No Brasil, a vacinação teve início em 17 de janeiro de 2021.

Fotografia. Uma mulher negra, usando óculos, máscara cobrindo o nariz e a boca, blusa azul e crachá no pescoço. Ela está sentada. Ao lado, uma mulher, com cabelos presos, máscara cobrindo o nariz e a boca e jaleco branco, está de perfil, segurando uma seringa com as mãos na direção do braço da mulher negra.
Enfermeira Mônica Calazans ao receber a primeira dose da vacina contra côvid dezenóve, aplicada no Brasil, na cidade de São Paulo, São Paulo, em 2021.

Já em 2021, a eficácia da vacinação se comprovou, demonstrando a redução da média de mortes, como evidencia o gráfico a seguir.

Mortes por Coronavírus (COVID-19)

Gráfico. Mortes por Coronavírus (COVID-19). Gráfico em colunas de Quantidade de pessoas por data. Os dados são: 20/04/2020: Pouco acima de 0 pessoas. 10/08/2020: Pouco mais de 1000 pessoas. 30/11/2020: Pequena queda, com variação média, entre 1000 e 0 pessoas. 22/03/2021: Aumento acentuado ultrapassando a marca de 4000 pessoas. 12/06/2021: Pouco mais de 2000 pessoas. 01/11/2021: Queda, chegando a média entre 1000 e 0 pessoas. 21/02/2022: Aumento, ultrapassando a marca de 1000 pessoas.

Fonte de pesquisa: Johns rrópquins Whiting School of Engineering, côvid dezenóve. Casos e mortes. Disponível em: https://oeds.link/NCvq5Y. Acesso em: 2 fevereiro 2022.

A Revolta dos Marinheiros

Outra mobilização que aconteceu no Rio de Janeiro, no comêço do século vinte, foi a Revolta dos Marinheiros, também conhecida como Revolta da Chibata, em novembro de 1910. Naquela época, o Brasil era uma das maiores potências navais do mundo, e a Marinha acabara de reaparelhar sua frota com modernos navios, como torpedeiros, cruzadores e encouraçadosglossário .

A modernização da Marinha, porém, não foi acompanhada por melhorias nas condições de trabalho dos marinheiros, os quais, de maioria afrodescendente, sofriam com a má alimentação, com o trabalho excessivo e com os baixos salários. Além disso, as normas disciplinares da Marinha ainda eram as mesmas dos tempos da Monarquia, com a aplicação de castigos físicos, como a chibatada, em caso de desrespeito às regras.

Por conta disso, os marinheiros planejaram uma revolta, que eclodiu quando Marcelino Rodrigues Menezes foi punido com 250 chibatadas a bordo do encouraçado Minas Gerais. Os revoltosos, então, ocuparam os navios de guerra e apontaram os canhões para a capital, ameaçando bombardear o Rio de Janeiro. O movimento, que teve a participação de cêrca de .2300 marinheiros, exigia o fim dos castigos físicos, o aumento dos salários e melhores condições de trabalho.

Após alguns dias, a revolta terminou vitoriosa: os castigos físicos e o uso da chibata foram abolidos. Os envolvidos na revolta renderam-se e foram anistiadosglossário . Porém, pouco tempo depois, em represália, o govêrno baixou um decreto permitindo que êles fossem expulsos da Marinha. Com isso, muitos marinheiros foram presos e deportados, sendo muitos deles executados ainda no caminho.

Fotografia em preto e branco. Homens negros. Alguns estão usando chapéus, roupas brancas e lenços no pescoço e outros usando terno preto e gravata.
Participantes da Revolta da Chibata a bordo do encouraçado São Paulo, na cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, em 1910. No centro, o principal lider da revolta, João Cândido, conhecido como “almirante negro”.

O trabalho nas fábricas

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Questão 1.

Qual é a importância dos direitos trabalhistas na atualidade?

No início do período republicano no Brasil, o setor industrial intensificou as suas atividades, atraindo pessoas de diferentes regiões do país, que partiam em busca de emprêgo e de melhores condições de vida nas cidades industrializadas, principalmente São Paulo. Assim, essas pessoas passaram a trabalhar como operários nas fábricas.

A falta de leis para regulamentar a rotina de trabalho deixava os operários sujeitos às arbitrariedades dos patrões, que estabeleciam as jornadas de trabalho, os salários e os regulamentos internos nas fábricas.

Os operários chegavam a realizar jornadas de catorze horas diárias, seis dias por semana. Às vezes, trabalhavam também em horários noturnos. Algumas fábricas aplicavam multas ou mesmo castigos corporais como fórma de punição, caso os operários não cumprissem as metas ou desrespeitassem as regras impostas pelos donos das fábricas.

A remuneração do trabalho nas fábricas era baixa, e mulheres e crianças recebiam salários inferiores aos dos homens. Além dos baixos salários, as condições de trabalho eram bastante difíceis, com longas jornadas e ambientes insalubres.

Muitas crianças, por terem de trabalhar nas fábricas para complementar a renda familiar, não tinham acesso ao ensino, e às vezes passavam a vida toda sem frequentar a escola. Mulheres e crianças trabalhavam em diferentes setores da indústria, sobretudo tecelagem, vestuário, confecções e alimentos.

Fotografia em preto e branco. No primeiro plano, mulheres usando vestido, sentadas em bancos e com as mãos sobre uma pequena máquina de tecido. Ao fundo, homens, com terno, em pé.
Mulheres trabalhando em uma fábrica de tecidos em Uruguaiana, Rio Grande do Sul, em 1916.

A formação de sindicatos

Para garantir seus direitos, no início do século vinte, muitos trabalhadores passaram a se organizar em sindicatos. Essas associações de trabalhadores atuavam na luta por direitos como regulamentação da jornada de trabalho, salários dignos e melhores condições de trabalho dentro das fábricas.

As maneiras mais comuns de mobilização eram por meio da imprensa escrita; de manifestações, como comícios e passeatas; e de greves, que atingiam diretamente os interêssis dos patrões com a paralisação das atividades nas fábricas.

Os sindicatos chegaram a ser perseguidos pêlas autoridades policiais, que os viam como organizações que visavam perturbar a ordem, com seus associados sendo considerados “agitadores” e “baderneiros”, muitos dos quais foram presos como criminosos.

Apesar das dificuldades, a atuação dos sindicatos foi importante na conquista de direitos e na regulamentação do trabalho nas fábricas. Direitos como férias e licença-maternidade só foram alcançados por causa da ação dos sindicatos.

O país em greve

Em 1917, os operários conseguiram organizar uma greve geral, que atingiu várias cidades do país e teve a participação de aproximadamente 70 mil trabalhadores. A greve começou em São Paulo e teve a adesão de trabalhadores de outros estados, como Rio de Janeiro, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Entre as reivindicações dos operários e das operárias, estavam: a proibição do trabalho para menores de 14 anos; a abolição do trabalho noturno para mulheres; a redução da jornada de trabalho para oito horas; o aumento de salários; e o respeito ao direito de associação para os trabalhadores.

Fotografia em preto e branco. Vista de uma praça. Diversas pessoas, usando chapéu, casaco e vestido, estão em pé em uma rua. À esquerda, pessoas sobre uma estrutura elevada.
Grevistas no Largo do Palácio, na cidade de São Paulo, São Paulo, em 1917.

Mobilizações no campo

No interior do país, o isolamento e a falta de políticas específicas para o campo levaram à exclusão da população sertaneja do projeto de modernização republicano.

A concentração de terras nas mãos de latifundiários dificultava o acesso à propriedade rural. Muitos camponeses sofriam com a exploração da mão de obra, além de suportarem maus-tratos e péssimas condições de vida. Na região Nordeste atual, essa situação era pior com o problema da sêca, que resultava em fome e miséria, gerando conflitos entre camponeses e latifundiários.

Essa situação contribuiu para a eclosão de movimentos sociais no campo em várias regiões, entre êles, a Guerra de Canudos e a Guerra do Contestado.

A Guerra de Canudos

A Guerra de Canudos, considerada um dos conflitos mais violentos da história do país, aconteceu na Bahia entre os anos de 1896 e 1897.

Canudos foi um povoado no interior da Bahia onde Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro, passou a viver com seus seguidores em 1893. Conselheiro, que era um peregrino e pregador da região, mudou o nome do povoado para arraial de Belo Monte. Em suas pregações, êle fazia várias críticas à República, principalmente com relação ao aumento de impostos e à situação de miséria do povo.

A comunidade chegou a abrigar cêrca de 20 mil moradores. O crescimento do povoado incomodou os latifundiários, pois muitas famílias deixavam suas moradias e seu trabalho para viver em Canudos, provocando a diminuição da mão de obra nas fazendas da região.

Gravura. Vista de uma cidade. No primeiro plano, à esquerda, um pequeno morro com cabanas de palha e canhões. Ao fundo, diversas moradias e construções. Entre elas, uma construção em formato retangular e com teto em formato triangular, com uma cruz na ponta. À frente, outra cruz.
Gravura representando o arraial de Canudos, em 1897. Em Canudos, a economia era baseada no uso comum da terra e no trabalho comunitário.

Assim, logo começou a ser difundida a ideia de que Canudos era um reduto onde viviam milhares de “fanáticos”, inimigos da República e de seus ideais de “ordem e progresso”.

Em resposta, o govêrno enviou para o arraial três expedições militares com o objetivo de destruir Canudos, mas o Exército encontrou forte resistência dos sertanejos. Somente na quarta expedição, em 1897, após utilizar quase metade do efetivo do Exército (que era de 20 mil soldados na época), além de homens das polícias estaduais da região, o arraial de Canudos foi completamente destruído e sua população, massacrada.

Fotografia em preto e branco. Várias pessoas, com tecidos ao redor do corpo, estão sentadas no chão de terra. Algumas estão com a cabeça baixa e outras com as mãos na face. Ao fundo, alguns homens em pé.
Mulheres e crianças aprisionadas no arraial pêlas fôrças militares nos últimos dias de conflito, em Canudos, Bahia, em 1897.

A Guerra do Contestado

O Contestado era uma região disputada entre os estados do Paraná e de Santa Catarina. Nessa região, entre os anos de 1912 e 1916, ocorreu outro violento conflito, que ficou conhecido como Guerra do Contestado.

O movimento era formado por seguidores do monge e curandeiro José Maria e por um grupo de posseiros, pequenos lavradores, peões, opositores dos coronéis e pessoas que haviam sido expulsas de suas terras por causa da construção de uma ferrovia ligando os estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul.

A empresa que recebeu concessão para a construção e a exploração da estrada de ferro foi a estadunidense Brazil Railway Company. O govêrno brasileiro cedeu a essa empresa até 15 quilômetros de terra para cada margem da linha férrea. êsse território foi utilizado pêla empresa para extração de madeira. Assim, muitos sertanejos que viviam havia décadas naquelas terras foram expulsos e obrigados a procurar outros meios de sobrevivência.

Glossário

Encouraçado
: navio de guerra armado com canhões.
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Anistiar
: ato que anula punições e condenações por motivos políticos praticadas em determinado período.
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