CAPÍTULO 13 A resistência contra a ditadura

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Questão 1.

De que maneiras é possível resistir a uma ditadura? Converse com os colegas.

Desde a instauração do govêrno ditatorial, houve resistência por parte de diversos grupos da sociedade. Eram operários, camponeses, estudantes, artistas, indígenas, negros, feministas que faziam oposição ao regime, denunciando, entre outros problemas, a falta de liberdade de expressão, as condições de pobreza e miséria de grande parte da população, a violência e o autoritarismo do govêrno.

Mobilização social

Nesse período, apesar de toda a violência e repressão das fôrças militares do govêrno, os grupos de oposição resistiam de diversas maneiras, organizando passeatas, greves, protestos e outros tipos de manifestações. Havia também a produção cultural de vários artistas que contestavam o regime, muitos deles exilados. Além disso, houve a mobilização de grupos de oposição armada ao regime militar.

O Movimento Negro Unificado (ême êne u), por exemplo, reivindicava o fim da discriminação racial e apoiava a organização da comunidade afro-brasileira. Seus integrantes eram considerados subversivos pêlo govêrno e foram perseguidos.

Fotografia em preto e branco. Diversas pessoas em uma rua segurando cartazes e placas.
Manifestação em defesa da igualdade racial, organizada pêlo Movimento Negro Unificado (ême êne u), na cidade de São Paulo, 1978.

O movimento estudantil

O movimento estudantil, representado principalmente pêla União Nacional dos Estudantes (Úni), exerceu importante papel de oposição à ditadura civil-militar. No final de 1964, mesmo com a proibição do govêrno, os estudantes mantiveram várias atividades políticas e realizaram congressos e encontros clandestinos.

Um dos eventos que marcaram o movimento estudantil foi o assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos, por policiais. O assassinato ocorreu durante a ação repressiva de um grupo de militares em um restaurante conhecido como Calabouço, na cidade do Rio de Janeiro, em 1968, onde os estudantes estavam reunidos para organizar uma passeata pacífica.

A reação à morte do estudante deu origem a diversas mobilizações populares contra o regime, como a Passeata dos Cem Mil, realizada em 1968, com a participação de artistas, professores, operários, intelectuais, entre outros membros da sociedade.

Fotografia em preto e branco. Milhares de pessoas segurando cartazes e placas. Em algumas placas, há o texto: ABAIXO A DITADURA. POVO NO PODER.
Foto retratando manifestantes com faixas e cartazes contra a ditadura durante a Passeata dos Cem Mil, na cidade do Rio de Janeiro, em 1968.

A luta armada

A luta armada foi considerada por alguns grupos uma alternativa para se opor ao regime militar, principalmente durante os “anos de chumbo”. Houve oposição armada nas áreas urbanas e rurais, envolvendo, entre outros, a participação de estudantes, de operários, de camponeses e de ex-militares.

Sob forte influência dos ideais de esquerda e de movimentos revolucionários, a oposição armada deu origem a grupos de guerrilha, que foram combatidos com violência pelos governos militares. Entre essas organizações, estavam o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (ême érre -8), a Guerrilha do Araguaia, a Ação Libertadora Nacional (a éle êne) e a Vanguarda Popular Revolucionária (vê pê érre).

A resistência indígena na ditadura

Durante a ditadura, a política de Estado voltou-se também para a expansão econômica do interior do país. Essas medidas faziam parte do Plano de Integração Nacional (Pin), lançado pêlo govêrno em 1970.

A construção de grandes obras, como rodovias e hidrelétricas, a concessão de áreas para empresas de mineração e o desmatamento de enormes extensões de terras para a agropecuária provocavam a expulsão dos povos indígenas que habitavam esses locais.

Vários deles acabaram vítimas de atos criminosos, como torturas e assassinatos. Por causa da censura, esses crimes não eram divulgados na imprensa.

Um recente estudo sôbre a resistência indígena durante o período da ditadura é o livro do jornalista Rubens Valente, intitulado Os fuzis e as flechas: a história de sangue e resistência indígena na ditadura. O livro tem como base pesquisa nos arquivos oficiais abertos a partir de 2008, além de entrevistas com indígenas e ex-funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (ésse pê ih), criado em 1910, e de sua sucessora criada em 1967, a Fundação Nacional do Índio (Funái).

Um dos casos abordados pêlo autor foi a construção da Bê érre-174 no território de Roraima, cujo traçado cortaria o território indígena uaimirí atroarí. Conforme fontes consultadas pêlo autor, as obras foram marcadas pêla violência contra os indígenas e por uma série de epidemias causadas pêlo contato com os trabalhadores.

Como fórma de resistência, em 1980, lideranças indígenas formaram a União das Nações Indígenas (Úni), a primeira organização indígena de caráter nacional em prol da luta pêla demarcação de terras e da garantia de direitos dos povos indí­genas. Uma das principais lideranças indígenas durante a ditadura civil-militar no Brasil foi Mário Juruna (1943-2002). êle foi o primeiro indígena eleito deputado federal no país, cargo que exerceu entre 1983 e 1987.

Fotografia em preto e branco. Um homem indígena com cabelos lisos, usando óculos e terno. Ele está de pé com uma mão no peito e a boca perto de um microfone.
Mário Juruna discursando na Câmara dos Deputados, em Brasília, Distrito Federal, 1986.

A resistência negra

Na política, como vimos, o Movimento Negro Unificado (ême êne u), fundado em 1978, desempenhou um importante papel na resistência e na luta pêla igualdade racial no Brasil.

êsse movimento unificou várias organizações negras e tinha em sua pauta, entre outras questões, a luta contra a discriminação racial, contra a violência policial e pêlas liberdades democráticas. Após a criação do ême êne u, outros movimentos surgiram e se fortaleceram em todo o país.

Já no campo cultural, em 1974, em Salvador, Bahia, foi fundado o primeiro bloco de carnaval afro do Brasil, o Ilê aiê (expressão em iorubá que significa “o mundo negro”). A proposta do bloco era celebrar o carnaval por meio da valorização da cultura e da identidade afro-brasileiras, sem deixar de lado o protesto contra o preconceito e o racismo, disfarçados ou explícitos, que marcavam a sociedade da época.

Imprensa negra

A resistência negra também teve forte presença na imprensa. Desde o século dezenove, escritores, militantes e jornalistas negros usaram o jornalismo para denunciar o racismo e lutar pêla cidadania da população negra no Brasil.

A imprensa teve início no Brasil em 1808, após a chegada da família real portuguesa ao país. Já em 1833 teve início a chamada Imprensa Negra, com a publicação do jornal O Homem de côr.

Desde então, tivemos a circulação de diversas revistas e jornais que buscavam combater o racismo e a discriminação no Brasil. Muitos periódicos tinham o objetivo de valorizar a cultura africana e afro-brasileira.

Durante a ditadura, a Imprensa Negra continuou resistindo, denunciando o racismo e a situação de exclusão da população negra no país, como a publicação mostrada nesta página, a revista Tição, de Pôrto Alegre (Rio Grande do Sul).

Capa de revista. Na parte superior, o nome da revista: TIÇÃO. Abaixo, fotografia destacando o rosto de uma criança negra. Na parte inferior, o texto: RACISMO DIZ PRESENTE NA ESCOLA. ESCURINHO: 'O NEGRO TEM QUE EVOLUIR POLITICAMENTE'. A MULHER NEGRA CANSOU DE SER DOMÉSTICA.
Reprodução da capa da revista Tição, publicada em 1978.

Produção cultural brasileira e resistência

Durante o período de ditadura civil-militar no Brasil, diversos artistas tornaram-se cada vez mais engajados politicamente. Houve intensa e diversificada produção cultural direcionada às questões políticas e sociais. As críticas promovidas pelos artistas contribuíram amplamente para desgastar a ditadura perante a opinião pública.

A música

Diversas canções foram compostas para fazer oposição ao regime militar. Por seu caráter político, elas eram conhecidas como “canções de protesto”. Na década de 1960, os festivais de música promovidos pêlas emissoras de televisão garantiram grande difusão de algumas delas.

Muitos compositores, como Chico Buarque e Geraldo Vandré, foram censurados, perseguidos e até presos durante a ditadura.

A partir de 1968, alguns compositores passaram a mudar a maneira de escrever suas canções para confundir os censores, por exemplo, com obras mais complexas, nas quais as críticas eram apresentadas de modo menos explícito.

Fotografia em preto e branco. Um homem com cabelos ondulados, usando camisa e calça. Ele está sentado, segurando com as mãos um violão e a boca perto de um microfone.
Geraldo Vandré se apresentando no 3º Festival da Canção Popular, na cidade do Rio de Janeiro, em 1968.

O teatro

Diversos espetáculos fizeram oposição ao regime militar. O espetáculo Opinião, por exemplo, dirigido por Augusto Boal (1931-2009), em 1964, foi considerado uma das primeiras reações à ditadura, apresentando canções com temáticas políticas intercaladas com cenas teatrais que abordavam problemas sociais do país.

Após o á í-5, diversos autores, diretores e atores foram presos, e muitos deles, como Augusto Boal, precisaram se exilar. Entretanto, mesmo com todas as proibições, o teatro continuou denunciando a violência e a repressão praticadas pelos militares, assim como a exclusão das classes populares do processo de modernização e de crescimento econômico do país.

O cinema

No início da década de 1960, o cinema brasileiro passava por um período bastante criativo e de intensa produção, conquistando grande prestígio internacional.

Parte da produção cinematográfica brasileira dêsse período buscava revelar as contradições do país, mostrando a convivência entre aspectos tradicionais da cultura brasileira, ainda muito ligada às origens rurais de nossa sociedade, e aspectos modernos, promovidos pêla industrialização e pêla urbanização de algumas regiões.

Após o golpe de 1964, a censura promovida pêla ditadura passou a proibir a veiculação de filmes que abordavam conteúdos considerados subversivos. Assim, os censores vetavam filmes que abordassem questões políticas, criticassem o govêrno e até mesmo os que tratassem de temas considerados “imorais”, relacionados ao comportamento sexual das personagens. Naquela época, os censores chegaram a ordenar a completa destruição de muitos filmes.

As artes plásticas

Após o endurecimento do regime, em 1968, muitos artistas encontraram fórmas alternativas para se expressar. Cildo Meireles, por exemplo, em seu Projeto Cédula, carimbou a pergunta “Quem matou Erzógui?” em notas de dinheiro, colocando-as para circular em seguida. Com isso, o artista conseguiu despistar a censura, levando sua crítica a um público diverso.

Outros artistas, como Antonio Henrique Amaral e Alex flêmin, denunciaram a violência e a tortura praticadas pelos militares com séries de pinturas sôbre o tema.

Ilustração. Nota de 1 Cruzeiro. À esquerda, o número 1. No canto superior, à direita, o texto: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Abaixo, o texto: UM CRUZEIRO. Ao lado, ilustração do busto de uma mulher de perfil usando chapéu. No canto inferior, número de série e assinaturas. No meio, um carimbo com o texto: QUEM MATOU HERZOG?
Nota de dinheiro carimbado pêlo Projeto Cédula, de Cildo Meireles, de 1975.

Abertura política

A partir de meados da década de 1970, após o curto período de “milagre econômico”, a economia brasileira entrou em crise. A dívida externa, a inflação, o desemprêgo e a concentração de renda passaram a crescer ano após ano.

Durante o govêrno do general Ernesto Geisel, entre 1974 e 1979, os militares sinalizaram que estavam dispostos a promover uma abertura política, a qual seria realizada de maneira “lenta, gradual e segura”.

Nesse período, o Movimento Democrático Brasileiro (ême dê bê) ganhou fôrça e se tornou uma forte oposição à ditadura. Em resposta, em abril de 1977, os militares fecharam temporariamente o Congresso e instituíram um conjunto de medidas que ficaram conhecidas como “Pacote de Abril”. êsse pacote garantia o domínio da Arena (partido alinhado aos militares) no Congresso e no govêrno dos estados, conferindo aos militares maior contrôle sôbre o processo de redemocratização do país.

Crescimento da oposição à ditadura

Mesmo com os esforços dos militares para reprimir o avanço da oposição, as manifestações de contestação à ditadura cresceram e ganharam fôrça popular.

Em 1977, o movimento estudantil organizou grandes manifestações pedindo a redemocratização. Outros setores da sociedade, como a Igreja católica e o ême dê bê, declararam seu apôio aos estudantes.

Em 1978, os operários da região do á bê cê paulista, insatisfeitos com o arrocho salarial ocorrido nos anos anteriores, entraram em greve. No ano seguinte, uma nova greve, maior e mais organizada, teve início na mesma região.

As greves, organizadas por sindicatos de diversas categorias profissionais, foram amplamente noticiadas pêla imprensa, alcançando grande visibilidade em todo o país. Assim, a organização dos trabalhadores teve um papel importante no processo de desgaste da ditadura, pois questionou a política econômica desenvolvida pelos militares, que favorecia a concentração de renda, prejudicando as camadas mais pobres da população.

Fotografia em preto e branco. Diversas pessoas segurando um cartaz com o texto: A. B. C – UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO.
Grevistas realizam assembleia em estádio de futebol em São Bernardo do Campo, São Paulo, 1979.

O movimento pêla anistia

A partir de 1977, diversos movimentos sociais começaram a se organizar em tôrno de uma grande campanha que pedia anistia a todos os que haviam sido punidos pêla ditadura civil-militar.

Em 1979, durante o govêrno de João Figueiredo, os militares aprovaram a Lei da Anistia. Ela não atendia todas as reivindicações dos movimentos sociais, pois parte das pessoas punidas pêla ditadura não foi anistiada. Além disso, essa lei concedeu perdão aos que atuaram ao lado da ditadura e haviam praticado crimes como torturas e assassinatos.

Diretas Já

No final de 1979, os militares decretaram o fim do bipartidarismo no país, permitindo a criação de outros partidos políticos, como Partido Democrático Social (pê dê ésse), Partido do Movimento Democrático Brasileiro (pê ême dê BÊ), Partido Democrático Trabalhista (pê dê tê) e o Partido dos Trabalhadores (pê tê). A partir de 1983, alguns dêsses novos partidos começaram a organizar uma campanha pedindo eleições diretas para a presidência da República, a qual passou a ser chamada de Diretas Já.

No ano seguinte, a campanha pêlas Diretas Já reuniu centenas de milhares de pessoas em comícios e manifestações, tornando-se extremamente popular, indo muito além do esperado pêlas organizações dos partidos políticos.

No entanto, as eleições para presidente da República ocorridas em janeiro de 1985 foram indiretas. Quem venceu essas eleições foi o candidato civil do pê ême dê BÊ Tancredo Neves, colocando fim na ditadura civil-militar no Brasil depois de 21 anos. Porém, Tancredo faleceu antes de tomar posse da presidência, que foi assumida pêlo seu vice, José Sarney, em março de 1985.

Fotografia. Muitas pessoas segurando cartazes com o texto: DIRETAS, e bandeiras vermelhas e do Brasil..
Comício da campanha Diretas Já, que reuniu 300 mil pessoas, na cidade de São Paulo, no dia 25 de janeiro de 1984.