CAPÍTULO 12 DAS CRUZADAS AO FIM DA IDADE MÉDIA

Analise as imagens desta página. Na gravura do século quinze, foi representada a cidade de Nuremberg no período medieval. Na imagem atual, o fotógrafo retratou a desigualdade social na cidade de São Paulo: de um lado, uma favela, a de Paraisópolis; do outro, um condomínio fechado, no bairro do Morumbi.

Existem diferenças entre essas imagens, que retratam dois lugares em períodos tão distintos da história. No entanto, apesar dessa distância temporal, há semelhanças entre as duas localidades.

Gravura. Cidade com um castelo no alto e diversas casas e construções com torres ao redor, cercada por uma muralha. Em primeiro plano, fora da muralha, vegetação rasteira com algumas casas esparsas, e uma cerca de madeira à esquerda, que leva a uma entrada da cidade, e, à direita, outra entrada da cidade.
Representação da cidade de Nuremberg, localizada no território correspondente ao da atual Alemanha, em gravura de cêrca de 1493.
Fotografia. À esquerda, casas simples aglomeradas em um morro e, à direita, separado por um muro, um prédio de alto padrão com uma piscina com jardim em cada sacada e um bosque no térreo. Ao fundo, mais prédios.
Vista da divisa entre a favela de Paraisópolis e o bairro do Morumbi, em São Paulo (São Paulo). Foto de 2019.
Ícone. Ilustração de ponto de interrogação indicando questões de abertura de capítulo.

Responda oralmente.

  1. Que elemento presente nas imagens é usado para separar um ambiente de outro?
  2. Qual é a diferença entre uma muralha de cidade medieval e os muros das cidades atuais?
  3. Em sua opinião, por que, nas duas cidades, alguns espaços foram fechados?

As mudanças na Europa a partir do século onze

Até aproximadamente o ano 1000, as técnicas e os equipamentos empregados na agricultura na Europa Ocidental eram muito parecidos com os usados pelos antigos romanos.

Por exemplo, ao preparar a terra para o plantio, os europeus utilizavam um arado de madeira, que era muito leve e, por isso, não revolvia profundamente o solo. Outra técnica usada tradicionalmente era a de alternar os períodos de cultivo e de descanso de um lote de terra para que o solo recuperasse os nutrientes.

Esses equipamentos e técnicas eram eficientes, mas, quando ocorriam mudanças no ambiente ou a população de uma região aumentava, a produção agrícola não era suficiente para suprir a falta de alimentos.

Por volta do século onze, transformações importantes começaram a ocorrer na Europa Ocidental. Uma delas, e talvez a mais significativa, foi o grande crescimento populacional.

Vários fatores contribuíram para esse crescimento. Um deles foi a diminuição das invasões de povos como os vikings, que ocorriam desde o século nove. Outro foi o uso de inovações tecnológicas – uma combinação de equipamentos e técnicas de plantio –, que possibilitou a ampliação das áreas cultiváveis e a melhora na produtividade do solo, aumentando a oferta de alimentos.

Dessa maneira, as taxas de mortalidade foram reduzidas, o que fez crescer a expectativa de vida da população ao longo dos séculos onze e doze.

Iluminura. Trabalhadores em uma área rural. Em primeiro plano, um homem conduz um arado puxado por dois cavalos. Ele está com um chicote na mão. Em segundo plano, um homem segura um saco de sementes com uma mão e joga sementes em uma terra já preparada, enquanto outro conduz dois cavalos que estão puxando outra estrutura sobre o solo. Há pássaros voando acima da área de terra sendo preparada para plantação. Do lado esquerdo, dois homens com varas na mão mexem na copa de uma árvore com porcos cercando-os. Do lado direito, uma casa com uma horta. Ao fundo, uma estrada com homens passando montados em cavalos.
Detalhe de Outubro: arar a terra e plantar, iluminura do Livro das horas, deSaímôn Benín, cêrca de 1540.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

A partir do século onze, no lugar do arado leve, os agricultores começaram a usar a charrua de ferro, ou arado pesado, capaz de revirar o solo de fórma mais profunda e eficiente. Além disso, o equipamento passou a ser atrelado ao peito dos animais, como bois e cavalos, e não mais ao pescoço, aumentando a fôrça de tração. Isso ajudou a aumentar a produtividade e a oferta de alimentos na Europa.

Os impactos do aumento populacional

Com o aumento populacional, ocorreram mudanças no funcionamento das comunidades medievais. Os servos, por exemplo, foram obrigados a cumprir mais obrigações e a trabalhar mais em virtude do aumento da demanda por alimentos. Quando não havia alimentos suficientes para a população de um senhorio, os servos abandonavam a terra em que viviam ou eram expulsos pelos senhores. Essa situação se tornava cada vez mais frequente.

A nobreza também sentiu o impacto dessas transformações. Como apenas o filho mais velho herdava a terra da família, muitos nobres ficavam sem propriedade. Isso aumentou os conflitos e as guerras entre eles.

A crise social atingiu, ainda, a Igreja: com o aumento da violência e da criminalidade, muitas de suas propriedades e templos foram saqueados.

Iluminura. Em primeiro plano, dois homens montados em cavalos duelam. Ambos usam armaduras e carregam um escudo e uma espada. À esquerda, homens assistem, alguns com armaduras e espada, e um deles, que usa uma coroa e um manto vermelho, está sentado em um trono.
Representação de confronto entre dois cavaleiros perante o rei em iluminura da obra francesa Roman du Saint Graal, século quinze.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Durante o período medieval, as justas – nome das competições entre cavaleiros como a representada na primeira imagem – eram comuns. Nesses jogos, havia uma simulação de confronto em que os participantes raramente morriam. Diferentemente dessas simulações, porém, as disputas reais por terras entre integrantes da nobreza ocasionaram caos social e muitas mortes.

No Oriente, o avanço dos turcos muçulmanos sobre áreas do Império Bizantino dificultava o acesso de cristãos a Jerusalém, cidade considerada sagrada pelos seguidores do cristianismo e do islamismo. Em 1095, sentindo-se ameaçado, o imperador bizantino Aleixo um enviou representantes a Roma na tentativa de se reconciliar com o papa Urbano dois e pedir seu auxílio.

Em resposta, naquele mesmo ano, o papa convocou um concílio na cidade de Clérmont. Nessa reunião, ele convenceu os nobres cristãos a armar-se e partir ao Oriente para enfrentar o que chamou de infiéis muçulmanos. Foi a primeira vez que um papa convocou uma guerra e disse que ela era santa.

Iniciaram-se, assim, as expedições militares promovidas por cristãos para, segundo a visão deles, recuperar a Terra Santa, região onde ficava a cidade de Jerusalém. Essas expedições eram denominadas Cruzadas.

Ilustração. No interior de uma construção com vários nichos nas paredes, em que estão colocadas esculturas. Homens com mantos e chapéus coloridos estão sentados, alguns nas laterais, e muitos no centro da sala. Ao fundo, um homem com chapéu e capa vermelha está em um púlpito, de pé.
Representação do Concílio de Clérmont em detalhe do Livro de histórias de além-mar, século quinze.

As Cruzadas

O chamado para as Cruzadas continha elementos políticos, religiosos, econômicos e sociais. Do ponto de vista político, o papa desviava as atenções dos conflitos internos da população da Europa Ocidental ao promover uma guerra que uniria os cristãos fóra do continente.

Do ponto de vista religioso, ele criava uma poderosa oposição entre muçulmanos e cristãos, que deveriam combater pela Terra Santa.

Por fim, do ponto de vista econômico e social, o papa prometia que as terras conquistadas e suas riquezas ficariam com os cruzados.

Do século onze ao treze, os cristãos realizaram oito Cruzadas oficiais. Participaram dessas expedições integrantes dos mais variados grupos sociais: nobres, camponeses, mendigos, mulheres e crianças.

A Primeira Cruzada, empreendida entre 1096 e 1099, foi organizada logo após o Concílio de Clérmont. Os integrantes da expedição partiram para Jerusalém em 1096.

A tomada da cidade foi muito violenta. De acordo com as crônicas cristãs desse evento, houve um banho de sangue justificado como guerra santa. Os muçulmanos também contaram que os franjglossário queimaram sinagogas e mataram idosos, mulheres e crianças já rendidos.

Cruzadas mais importantes – séculos onze-treze

Mapa. Cruzadas mais importantes - séculos onze a treze. Destaque para terras na Europa, na Ásia e no norte da África, ao redor do Mar Mediterrâneo. 
Legenda: Círculo lilás: Principais áreas de encontro da Primeira Cruzada.
Linha vermelha: Primeira Cruzada (1096 a 1099). Linha verde: Segunda Cruzada (1147 a 1149). Linha roxa: Terceira Cruzada (1189 a 1192). Linha rosa: Quarta Cruzada (1202 a 1204). Em amarelo: Cristãos latinos. Em verde: Cristãos do Oriente. Em rosa: Mundo muçulmano. Em marrom: Território disputado entre os turcos e os bizantinos em 1094. Em laranja: Reconquista cristã no século doze. Hachurado roxo: Latinos no Oriente. No mapa, as principais áreas de encontro da Primeira Cruzada localizam-se em Clermont e Paris, na França, e em Brindisi, na Península Itálica. A Primeira Cruzada tem como pontos de partida as cidades de Paris, Clermont, Roma, Brindisi e Worms. Essas rotas passam pelas cidades de Vézelay, Lyon, Milão, Pisa, Veneza, Spalato, Ragusa. Durazzo, Ohrid, Ratisbona, Viena e Nis e se encontram na cidade de Constantinopla. De lá os cruzados partem para Niceia, Antioquia, Trípoli, São João d’Acre e Jerusalém. A Segunda Cruzada parte de Vézelay, na França, e passa por Nis, Constantinopla, Niceia, Atalaia em direção a Antioquia, e de Constantinopla em direção a São João d’Acre. A Terceira Cruzada parte de Londres, avança pelo litoral norte e sul da Europa, passando por Marselha, Lyon, Vézelay, Messina, Candia (na ilha de Creta) em direção a São João d’Acre. Outra rota parte de Vézelay, passando por Gênova, Pisa, Roma, Messina e Candia em direção a São João d’Acre. Uma terceira rota parte de Ratisbona, no interior da Europa, para Viena, Gran e Nis, terminando no Mar Mediterrâneo. A Quarta Cruzada parte de Veneza, passando por Spalato, Durazzo, sul do Império Romano do Oriente até chegar a Constantinopla. Os cristãos latinos ocupam a maior parte do território europeu, incluindo os reinos de Leão, Castela e Navarra, a França, onde estão as cidades de Paris, Clermont, Lyon e Marselha, a Península Itálica, onde estão os Estados pontifícios e as cidades de Roma, Gênova, Milão, Veneza, Pisa, Brindisi e Messina, o Reino da Sicília, a Inglaterra, onde está a cidade de Londres, o Reino da Hungria e as cidades de Worms, Ratisbona, Viena e Gran. Os cristãos do Oriente localizam-se no nordeste e no sudeste da Europa, incluindo as cidades de Spalato e Ragusa e no Império Romano do Oriente, incluindo as cidades de Durazzo, Ohrid, Constantinopla, Niceia, Atalaia, Antioquia e a Ilha de Creta, onde está a cidade de Candia. O mundo muçulmano abrange todo o litoral norte da África, a porção oeste da Ásia, incluindo as cidades de Jerusalém, Damasco e Trípoli, e o sul da Península Ibérica, na Europa. O território disputado entre os turcos e os bizantinos em 1094 abrange uma faixa vertical de terra entre o Mar Negro até as proximidades do Mar Mediterrâneo. A Reconquista cristã no século doze ocorreu na Península Ibérica, em uma faixa de terra que abrange Portugal, incluindo a cidade de Lisboa, e o Reino da Catalunha. A área ocupada pelos latinos no Oriente abrange uma faixa de terra no litoral oeste da Ásia, incluindo as cidades de Jerusalém, Damasco, Trípoli e Antioquia. No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de 0 a 400 quilômetros.

FONTE: DUBY, G. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2003. página 66.

Ícone. Ilustração de um símbolo de localização sobre um folheto aberto e em branco, indicando o boxe Se liga no espaço!

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Responda no caderno.

Com base nos caminhos percorridos pelos integrantes das principais Cruzadas, que regiões foram conectadas por esse movimento?

Os reinos latinos e o contato com o Oriente

Com a vitória na Primeira Cruzada, os cristãos formaram quatro reinos principais nos territórios conquistados. O de Jerusalém foi o mais importante. Os demais foram o Condado de Trípoli, o Principado de Antioquia e o Condado de Edessa.

Esses reinos, apesar da intolerância religiosa dos cristãos latinos, eram habitados por turcos, árabes, cristãos bizantinos e judeus. A língua falada nesses locais continuou a ser a árabe. As moedas usadas continham cruzes rodeadas de inscrições em árabe ou se baseavam nas utilizadas pelos egípcios.

Apesar de terem conquistado facilmente esses territórios, os cristãos tiveram dificuldade para mantê-los.

Os líderes dos reinos latinos, como ficaram conhecidos, não reconheciam a autoridade do imperador bizantino nem de seus patriarcas, que foram substituídos por bispos católicos romanos. Com isso, eles perderam o apoio de Constantinopla.

Havia dificuldade também para manter exércitos, pois muitos cruzados voltaram aos reinos europeus e passaram a comercializar produtos adquiridos no Oriente ou a explorar terras em outros territórios.

Aos poucos, os cristãos foram perdendo os domínios que haviam conquistado. O Condado de Edessa, por exemplo, foi retomado pelos muçulmanos em 1144.

O papa Eugênio três convocou a Segunda Cruzada para recuperar Edessa, mas a empreitada, realizada entre 1147 e 1149, fracassou.

Reinos latinos – 1135

Mapa. Reinos latinos – 1135. Destaque para região no entorno do Mar Mediterrâneo.
Legenda:
Cruz vermelha: Principais domínios cristãos.
Duas espadas cruzadas: Batalhas entre cruzados e muçulmanos.
No mapa, em verde, áreas do Império Bizantino, ao norte do Mar Mediterrâneo, abrangendo o sul da atual Turquia e a Ilha de Chipre.
Em vermelho, o Principado Armênio da Cilícia, ao norte do Mar Mediterrâneo e à leste do Império Bizantino, abrangendo as cidades de Tarso e Sis.
Em roxo, o Condado de Edessa, abrangendo as cidades de Edessa e Turbessel, à leste do Principado Armênio da Cilícia.
Em marrom, o Principado de Antioquia, à nordeste do Mar Mediterrâneo e ao sul do Principado Armênio da Cilícia e do Condado de Edessa. 
Em verde-escuro, o Condado de Trípoli, à leste do Mar Mediterrâneo e ao sul do Principado de Antioquia.
Em verde-claro, o Reino de Jerusalém, à sudeste do Mar Mediterrâneo e ao sul do Condado de Trípoli, abrangendo as cidades de Jerusalém e Acre.
Em rosa, o Califado de Fatímida, ao sul do Mar Mediterrâneo e à sudoeste do Reino de Jerusalém. 
Em amarelo, o Sultanato de Rum, ao norte do Império Bizantino e do Principado Armênio da Cilícia, abrangendo a cidade de Icônio; e o Grande Império Seljúcida, à sudeste do Condado de Trípoli, do Principado de Antioquia e do Condado de Edessa, abrangendo as cidades de Harã e o Emirado de Damasco.
Os principais domínios cristãos compreendem o Reino de Jerusalém, o Condado de Trípoli, o Principado de Antioquia e o Condado de Edessa.
As batalhas entre cruzados e mulçumanos localizam-se em Ascalão (1099), no Reino de Jerusalém; e em Harã (1104), próximo ao Rio Eufrates, no Grande Império Seljúcida .
Na parte inferior, ao centro, rosa dos ventos e escala de 0 a 100 quilômetros.

FONTES: BARBER, M. The Crusader States. New Haven: London: Yale University Press, 2012. página 72, 80, 88; MORTON, N. The Crusader States and their neighbours. Oxford: Oxford University Press, 2020. página dezesseis.

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Responda no caderno.

No mapa são representados os reinos cristãos. O Condado de Edessa estava a cêrca de 80 quilômetros do Rio Eufrates e 240 quilômetros de Antioquia. Ao sul, na costa, localizava-se Trípoli. Ainda mais ao sul ficava Jerusalém. Como essas distâncias podem ter afetado a manutenção do condado?

Conflitos e negociações

Em 1187, os islâmicos reconquistaram o Reino de Jerusalém sob a liderança do sultão do Egito, Saladino. Ele era diplomata e um hábil estrategista, e foi capaz de unir os muçulmanos de vários grupos religiosos e etnias na luta contra os cruzados.

Cada derrota cristã impulsionava novas Cruzadas, arrastando o movimento por séculos. Na Terceira Cruzada, ocorrida entre 1189 e 1192, as fôrças de Saladino lutaram contra as de Ricardo primeira, possível herdeiro do trono inglês, que recebeu a alcunha de Coração de Leão em razão de sua bravura no campo de batalha. Após desgastantes lutas, ambos resolveram partir para a negociação de termos de paz.

Iluminura. Dois cavaleiros vestindo armaduras, segurando uma lança em uma mão e um escudo na outra, montados em cavalos vestidos com um pano cobrindo a cabeça e o corpo dos animais. Eles estão em uma batalha, um de frente para o outro. O cavaleiro da esquerda está com capacete que cobre o rosto todo e o da direita está com uma malha metálica na cabeça e seu rosto é azul e tem o nariz pontudo.
Representação do enfrentamento entre Ricardo Coração de Leão e Saladino em iluminura de cêrca de 1340.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Como você estudou, as fontes e os documentos históricos deixam expressas as versões da história de quem as produziu. Na imagem de 1340, elaborada por cristãos, Saladino foi representado com o rosto azul e grotesco, sendo atingido por uma lança. Entretanto, Ricardo e Saladino nunca se enfrentaram diretamente em campo de batalha.

Episódios como esse demonstram que, entre os séculos onze e treze, houve conflitos intensos entre muçulmanos e cristãos. Essas guerras, porém, foram exceção, pois entre os séculos sete e dez partidários das duas religiões conviveram de fórma pacífica.

Em geral, as expedições cristãs terminaram em fracasso, trocando o objetivo inicial de retomada da Terra Santa por atos de pilhagem e saques, inclusive contra alvos cristãos.

Apesar do fracasso, as Cruzadas garantiram outros resultados aos cristãos: possibilitaram aos nobres a aquisição de novas terras e ajudaram a fortalecer o comércio de longa distância e o intercâmbio cultural da Europa com o Oriente, principalmente pelo Mar Mediterrâneo.

Iluminura. À direita, homens em cima de um castelo com arco e flecha na mão apontados para os homens que estão em baixo, do lado esquerdo, que também estão com arco e flecha direcionados para os homens da torre. Alguns dos homens que estão no castelo e alguns dos que estão no chão seguram pedras. No centro, uma torre, mais baixa que o castelo, com homens em cima. Ao fundo, no alto, um homem sentado em cima de uma muralha com um escudo na mão.
Representação de cristãos em Jerusalém, em detalhe de iluminura de livro sobre o cruzado francês Godofredo de Bulhão, do século catorze.

Versões em diálogo

A seguir foram reproduzidas duas cartas. A primeira foi enviada por Ricardo um a Saladino, propondo uma negociação. A segunda é a resposta de Saladino, que marcou o início de um tenso, mas respeitoso, diálogo que demoraria para se concluir.

TEXTO 1

De Ricardo I a Saladino

“Os nossos e os vossos estão mortos, o país está em ruínas e o negócio nos escapou completamente, a nós todos. Não pensais que isto basta? No que nos concerne, há apenas três causas de discórdia: Jerusalém, a verdadeira cruz e o território.

No que diz respeito a Jerusalém, é nosso local de culto e jamais aceitaremos renunciar a ele, mesmo que tenhamos que combater até o fim. Quanto ao território, gostaríamos que nos fosse dado o que está a oeste do [Rio] Jordão. Com relação à cruz, ela representa para vós apenas um pedaço de madeira, ao passo que para nós seu valor é inestimável. Que o sultão no-la dê, e que se ponha fim a esta luta extenuante.”

ápud: Pedrêro sãntches, M. G. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Editora Unésp, 2000. página 89.

TEXTO 2

De Saladino a Ricardo I

“A Cidade Santa é tão importante para nós quanto para vós; ela é até mais importante para nós, pois foi em sua direção que nosso profeta realizou sua viagem noturna, e é ali que nossa comunidade irá se reunir no dia do julgamento final. Está, portanto, excluída a possibilidade de a abandonarmos. Jamais os muçulmanos o admitiriam. No que diz respeito ao território, ele sempre foi nosso, e vossa ocupação é apenas passageira. Vós conseguistes nele vos instalar em razão da fraqueza dos muçulmanos que então o povoavam, mas enquanto houver guerra não vos permitiremos privar de vossas possessões. Quanto à cruz, ela representa um grande trunfo em nossas mãos, e não nos separaremos dela senão quando obtivermos em contrapartida uma concessão importante em favor do islã.”

ápud: Pedrêro sãntches, M. G. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Editora Unésp, 2000. página90.

Responda no caderno.

  1. Segundo Ricardo um, quais eram as causas do desentendimento entre cristãos e muçulmanos?
  2. Saladino concordou com os argumentos de Ricardo um? Por quê?
  3. Com base na leitura das cartas, é possível afirmar que os líderes cristão e muçulmano desejavam a guerra? Justifique sua resposta.
  4. Em sua opinião, a correspondência entre Ricardo um e Saladino mostra mais desavenças ou proximidades entre as religiões cristã e islâmica?

As Cruzadas e as heresias

O ideal cruzadístico de afirmação do catolicismo não se dirigiu apenas às distantes regiões da Ásia banhadas pelo Mediterrâneo. Ele foi usado no combate às heresias na própria Europa.

Uma das heresias mais conhecidas e combatidas no período das Cruzadas foi a doutrina dos cátaros. O catarismo era um movimento de cristãos que acreditavam que Deus reinava em um mundo invisível, de luz, ao passo que este mundo, material, era diabólico.

De acordo com os cátaros, Jesus não era filho de Deus, mas um profeta. Além disso, eles acreditavam que o espírito das pessoas devia progredir na Terra até atingir o céu. Para eles, as mulheres eram iguais aos homens e podiam realizar cerimônias religiosas. Por defender essas ideias, os cátaros foram massacrados por cruzados no século treze.

Iluminura. À esquerda, um castelo com as paredes cor de rosa. No portão do castelo, soldados vestindo armaduras conduzem um grupo de pessoas seminuas para fora.
Representação da expulsão dos cátaros da cidade de Carcassonne em iluminura do século quinze.
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Os cátaros também eram conhecidos como albigenses, pois muitos deles viviam em Albi, no sudoeste do território correspondente ao da França atual. Parte dos que viviam nessa cidade, assim como os que moravam em Carcassonne, foram expulsos pelos cruzados sem poder levar nada.

O ideal cruzadístico e os judeus

A partir do século onze, os judeus passaram a ser considerados pelos cristãos da Europa Ocidental seres maus e responsáveis pela morte de Jesus (que era judeu).

Os cruzados diziam, de fórma preconceituosa, que os judeus envenenavam poços e realizavam rituais perversos, entre outros atos cruéis.

Diante dessa perseguição, os judeus foram obrigados a viver em bairros afastados (chamados juderias ou judarías, na Península Ibérica, Judenhof, na Alemanha, e Ghetto, na Itália) e a circular com distintivos nas roupas, como estrelas de Davi, círculos amarelos ou chapéus cônicos. Além disso, foram proibidos de exercer a maior parte das atividades liberadas aos cristãos.

Diante disso, muitos judeus se converteram ao cristianismo para viver sem tantas restrições, mantendo sua fé de fórma secreta.

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. Descreva os impactos do aumento populacional europeu sobre as comunidades medievais.
  2. Quais foram os elementos políticos, religiosos, econômico e sociais que influenciaram a realização das Cruzadas?
  3. De que modo as Cruzadas transformaram a vida dos judeus?

O renascimento comercial e urbano

O aumento das atividades mercantis propiciado pelas Cruzadas fortaleceu o comércio em algumas regiões da Europa. Nas proximidades do Mar do Norte, cidades como Bremen, Bruges e Lubeck desenvolveram uma associação comercial conhecida como Liga Hanseática.

Essa organização estabeleceu negócios em diversos locais: da Inglaterra até regiões como Novgorod, na Rússia. Seus integrantes comercializavam produtos de luxo, como peles, tecidos e especiarias. Com o tempo, passaram a incluir nas negociações cereais, peixes, sal, vinho, armamentos e até escravizados.

Pela proximidade com a Ásia e pelo intenso contato com os muçulmanos, moradores das cidades de Veneza, Gênova e Pisa também enriqueceram com o comércio marítimo. Por meio desse comércio, produtos como as especiarias passaram a ser consumidos na Europa.

As atividades comerciais eram realizadas em cidades ou nas feiras. Algumas feiras se tornaram famosas, como as da região de Champãnhe, na França, e elas conectavam as regiões ao norte, como Flandres (norte da atual Bélgica), com as da Península Itálica, ao sul.

Por extensão, uma rede de comércio voltou a funcionar com fôrça na Europa, ligando-a à África e à Ásia. Com o aumento na circulação de mercadorias e comerciantes de diversas origens, as feiras medievais se tornaram locais de intensas trocas monetárias e culturais.

Como cada mercador utilizava a moeda de sua região, nessas feiras começaram a se instalar bancos e agentes de câmbio, responsáveis por realizar a troca e converter os valores de uma moeda em outra.

Feiras e rotas comerciais – séculos onze-treze

Mapa. Feiras e rotas comerciais – séculos onze a treze. Apresenta o continente europeu, o norte da África e o leste da Ásia.
Legenda:
Área comercial
Em amarelo: Hanseática.
Em verde: Genovesa.
Em roxo: Veneziana.
Em laranja: Catalã.
Em rosa: De Champagne.
Rota comercial
Linha em vermelho: Terrestre.
Linha em verde: Marítima.
Linha tracejada vermelha: Caravanas.
Triângulo roxo: Feiras comerciais.
No mapa, a área comercial Hanseática engloba o sudeste da ilha da Grã-Bretanha, onde está a cidade de Londres; o noroeste da Europa continental, incluindo as cidades de Bruges, Leipzig, Riga e Novgorod; e o sul da Península Escandinava, incluindo a cidade de Estocolmo.
A área comercial genovesa compreende áreas próximas à cidade de Gênova, a ilha da Córsega e áreas no litoral do Mar Negro.
A área comercial Veneziana abrange as proximidades da cidade de Veneza até a faixa litorânea a leste do Mar Adriático; o sul da Grécia; a ilha de Creta; e o litoral leste da Ásia Menor.
A área comercial Catalã corresponde à costa leste espanhola, incluindo a cidade de Barcelona; e ao litoral do norte da África, na faixa que se estende da cidade de Ceuta até Túnis.
A área comercial de Champagne localiza-se no centro da atual França, entre as áreas comerciais Hanseática, Veneziana, Genovesa e Catalã. Engloba as cidades de Paris, Lagny e Bar-Sur-Aube.
Rotas comerciais terrestres interligam Londres ao interior da ilha da Grã-Bretanha, incluindo a cidade de York; as cidades de Riga, Moscou, Novgorod, Kiev, no norte da Europa, ao Mar Negro e às cidades de Cracóvia (na atual Polônia), Budapeste (na atual Hungria), Belgrado (na atual Sérvia) e Constantinopla (na atual Turquia); Paris a Flandres e Bruges (na atual Bélgica) e a Leipzig (na atual Alemanha); Paris a Lagny, Bar-Sur-Aube, Lyon, Marselha, Toulouse e Bordeaux  (na atual França); Paris a Barcelona, região de Medina do Campo, Cádiz, Porto e Lisboa, na Península Ibérica; Praga a Augsburgo e Frankfurt (na atual Alemanha); Viena a Milão, Veneza, Gênova, Florença, Pisa, Roma e Nápoles, na Península Itálica; Viena a Budapeste (na atual Hungria), a Belgrado (na atual Sérvia), e a Constantinopla (na atual Turquia); Constantinopla a Bagdá (no atual Iraque), e a Alexandria e Cairo (no atual Egito).
As rotas marítimas desenvolvem-se: no Mar do Norte, ligando as cidades de Estocolmo, Riga, Londres e Bruges; na costa do Oceano Atlântico, ligando Londres ao litoral próximo à Bordeaux, Porto e Lisboa, na Europa, e Ceuta, na África; no Mar Mediterrâneo, ligando Ceuta, Túnis e Alexandria, na África, a Barcelona, Gênova, Pisa, Nápoles e Constantinopla, na Europa, e ao litoral próximo a Damasco, na Ásia; no Mar Negro, ligando Constantinopla ao leste europeu e à Ásia. 
Rotas de caravanas ligam Bagdá a Damasco, seguindo pela Península Arábica, na Ásia;  também partem de Ceuta e de uma área à sudeste de Túnis para o interior da África.
As feiras comerciais localizam-se na região de Medina do Campo e nas cidades de Bar-Sur-Aube, Lagny, Troyes, Flandres, Bruges, Frankfurt e Augsburgo.
No canto inferior esquerdo, a rosa dos ventos e escala de 0 a 370 quilômetros.

FONTE: dubí, G. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2003. página 64-65.

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Responda no caderno.

Explique de que fórma a posição geográfica da região de Champãnhe contribuiu para a formação de feiras europeias.

Fotografia. Interior de uma construção com arcos e colunas de pedra e manequins representando artesãos e comerciantes. À esquerda, há um artesão sentado trabalhando e diversos objetos dispostos em uma bancada. À direita, duas pessoas em pé conversando. No centro, há uma mesa retangular com dois bancos compridos nas laterais. Ao fundo, uma comerciante atrás de um balcão.
Artesãos e comerciantes representados em uma casa do século décima segunda, transformada em museu, na cidade medieval de Provins, na França, onde eram realizadas, nas primaveras, as feiras tradicionais da região de Champãnhe. Foto de 2019.

O comércio no Mediterrâneo: circulação de saberes e pessoas

Nos capítulos anteriores, você estudou algumas das rotas de comércio que cruzavam o Mar Mediterrâneo em diferentes tempos. No século nove, a economia de Constantinopla melhorou muito com o aumento da circulação de mercadorias e metais preciosos promovido pelos muçulmanos. Por sua posição estratégica, muitas rotas comerciais passavam pela cidade, que era a capital do Império Bizantino.

A Península Itálica foi outro importante centro irradiador do comércio mediterrânico. Em seus portos e feiras eram comercializadas mercadorias produzidas em Constantinopla, especialmente artigos de luxo. Por lá também passavam as mercadorias produzidas na China e na Índia que eram transportadas pela Rota da Seda, como as especiarias, a seda e a porcelana. Dos portos italianos, esses produtos eram distribuídos por toda a Europa.

Pelo Mar Mediterrâneo, uma ampla rede de comércio do continente africano se conectou à Europa Ocidental. Caravanas que atravessavam o Deserto do Saara transportavam produtos até os reinos do norte da África. Os metais preciosos eram as mercadorias africanas mais desejadas pelos cristãos, além de outros produtos, como marfim e algumas especiarias. Por sua vez, comerciantes cristãos latinos revendiam nos mercados da África tecidos, perfumes, objetos de metal, cereais e outros produtos.

Para facilitar essas atividades, mercadores da Península Itálica e de regiões da França fundavam feitoriasglossário no norte africano. Nesses locais adquiriam os produtos que seriam revendidos com altos lucros na Europa Ocidental. Outras fórmas de obter lucro eram a cobrança de tributos sobre o transporte de pessoas.

Dica

LIVRO

Marco Polo e sua maravilhosa viagem à China: para crianças e jovens, de Janis Herbert. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

Nesse livro, são narradas as aventuras, repletas de curiosidades, do mercador veneziano Marco Polo durante sua viagem à China.

As novas cidades

As cidades não desapareceram durante a Antiguidade tardia, mas sua importância diminuiu em algumas regiões. Com as mudanças ocasionadas pelas Cruzadas e pelo aumento do comércio, antigos centros urbanos foram reformados, voltaram a ganhar destaque e cresceram, e outras cidades se formaram.

As cidades medievais eram protegidas por muralhas ou construídas ao redor dos castelos para garantir proteção aos moradores.

Os centros urbanos da Idade Média foram chamados burgos e seus habitantes, particularmente os comerciantes, receberam a denominação burgueses.

A partir do século onze, os burgos se tornaram cada vez mais importantes economicamente. A produção artesanal foi um dos ramos que se destacaram.

A fim de controlar a concorrência e a produção dos artigos em determinada cidade, das etapas iniciais até o preço final, os artesãos desenvolveram as corporações de ofício. Nas oficinas ligadas a essas corporações, a produção era realizada pelos mestres artesãos, proprietários do local e das ferramentas, e seus aprendizes.

Com o tempo se desenvolveram fórmas de trabalho assalariado, nas quais os artesãos recebiam um pagamento pelo serviço que faziam. Por negociar o pagamento por jornada (isto é, por dia), esses trabalhadores eram chamados jornaleiros.

Os comerciantes das cidades também queriam proteger seus negócios. Para isso, criaram as guildas, associações por meio das quais controlavam preços, negociavam tarifas, monopolizavam a compra e a venda de certos itens, entre outras ações.

Iluminura. Vista de uma cidade com uma igreja no centro, ao fundo, e diversas estruturas com telhados e bancadas para exibir produtos nas laterais. Em primeiro plano, duas barracas com tecidos pendurados. Há pessoas andando pela rua e outras conversando com as pessoas que estão nas bancadas.
Representação de feira em Bolonha, em iluminura da obra Marticola dei Mercati, de 1470.
Ilustração. Representação de construções em três níveis. Ao todo são seis construções, três à esquerda e três à direita, em formato quadrangular, com abertura frontal em arco, que permitem visualizar seu interior. Na parte superior, além das duas construções laterais há um pórtico no centro, e, debaixo do pórtico, três homens sentados à mesa comendo. À frente deles, um menino visto de costas caminha. À esquerda do pórtico, dentro de uma construção, um homem escreve sobre uma mesa; na construção à direita, um homem pinta uma espécie de oratório. No segundo nível, na construção à esquerda, duas pessoas estão produzindo instrumentos de metal; na construção à direita, um homem disseca um cadáver. No centro, entre as duas construções, duas pessoas cozinham em um fogão a lenha. No nível inferior, na construção à esquerda, duas pessoas montam armaduras; na construção à direita, um homem fabrica peças tubulares para um instrumento musical. No centro, há três homens circulando.
As profissões, ilustração de Cristóforo de Prêdis, século quinze.

Novos grupos sociais e urbanos

Com a renovação da economia nas cidades, a possibilidade de enriquecimento deixou de depender apenas da aquisição de terras.

Os novos grupos sociais, como o dos burgueses e o dos trabalhadores urbanos assalariados, podiam mudar sua condição de vida por meio de suas atividades, sem se sujeitar às obrigações que caracterizavam a servidão. Para muitos historiadores, essas mudanças deram início ao capitalismo, sistema econômico que lentamente substituiria as relações feudais durante a Idade Moderna.

Apesar de todas essas mudanças, os burgos não eram autônomos; submetiam-se à autoridade dos nobres e senhores de terras da região em que se localizavam. Em troca de proteção, os moradores das cidades pagavam impostos aos nobres e obedeciam às leis estabelecidas por eles.

Algumas cidades, no entanto, conseguiam escapar ao contrôle feudal por meio da compra das cartas de franquia. Ao adquirir esses documentos, obtinham o direito de se autogovernar.

Mudanças culturais

O desenvolvimento social e econômico trouxe profundas alterações na arquitetura, no pensamento medieval e nas artes plásticas. As igrejas, por exemplo, até o século dez, eram construídas em estilo românico, derivado dos modelos de edifícios greco-romanos. Elas eram relativamente baixas, tinham muitas colunas e paredes grossas, o que dificultava a iluminação. Muitas pareciam fortalezas.

Pintura. Vista de uma cidade. Ao fundo, construções coloridas, algumas com torres e, em primeiro plano, pessoas caminham pelas ruas, algumas conduzem burros carregados de mercadorias, outras estão montadas em cavalo, outras conduzem grupos de porcos e de ovelhas, outras conversam, algumas carregam cestos. No centro, em segundo plano, avista-se o interior de duas salas de aula com alunos e professores.
Efeitos do bom governo na cidade, pintura de ãmbródjio lorenzéti, 1338-1340.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Neste afresco do século catorze, o pintor italiano ãmbródjio lorenzéti retrata os grupos sociais urbanos e um conjunto de mudanças culturais observadas nos burgos. Note o ambiente de prosperidade e alegria no qual o comércio e o trabalho (na imagem, são representadas várias atividades urbanas) ajudam no crescimento da cidade. O local é ainda tomado pelo conhecimento (há salas de aula e professores) e pela abundância.

As catedrais góticas

A partir do século onze, começaram a se destacar nas cidades as grandes catedrais, construídas em estilo gótico. Elas refletiam uma visão sobrenatural da espiritualidade.

Em seu exterior, gárgulasglossário e outras criaturas lembravam que fóra delas não havia salvação e que o espaço terreno era um mundo de pecado. Do lado de fóra dessas construções, torres e campanáriosglossário , em fórma de agulha, apontavam para o céu, enquanto o interior, com vitrais coloridos e cheio de luzes e imagens sacras, simbolizava o encontro com a divindade.

Fotografia. Escultura de pedra de uma figura com tronco humano, asas, um chifre no alto do crânio, cabeça com feições monstruosas, com o cotovelo apoiado e levando uma mão ao queixo.
Gárgula na Catedral de Notre-Dame, em Paris, França. Foto de 2019.
Fotografia. Fachada de uma catedral gótica, com torres pontiagudas no centro, e as laterais formadas por torres menores, também pontiagudas. A entrada é formada por três arcos altos. As paredes são  cheias de detalhes. Há pessoas caminhando na entrada da catedral.
Catedral de Úlm, na Alemanha. Foto de 2019.
Universidades e artes plásticas

Nesse período, também foram fundadas as primeiras universidades da Europa Ocidental, em cidades como Bolonha e Salerno, na Península Itálica, óxfórd, na Inglaterra, Paris, na França, e Salamanca, na Espanha.

Essas universidades eram centros de estudo e formação em teologia, medicina e direito. Elas estavam ligadas às pessoas que exerciam funções impulsionadas pelo comércio nas cidades.

A maior parte da população medieval, porém, era analfabeta, principalmente as mulheres, que tinham de se dedicar ao cuidado da casa e dos filhos, e não às funções intelectuais ou públicas, para as quais era necessária a educação formal.

Mudanças profundas ocorreram também nas artes plásticas. Na pintura e na escultura se mantiveram as temáticas religiosas medievais, mas as técnicas usadas para fazer as obras de arte foram modificadas.

Ligados às igrejas franciscanas na região de Assis e Roma, na Itália, pintores como Dióto di Bondône e tchêni di pêtro tchímabuê retrataram, de fórma humanizada, cenas da vida de Francisco de Assis, frade católico que viveu entre os séculos doze e treze. Com eles, começou a ser divulgada paulatinamente uma fórma de pensar em que o ser humano era a medida de todas as coisas.

A busca por reformas na Igreja

Conforme se tornava cada vez mais complexa e poderosa, a Igreja passou a ser criticada na Europa por se afastar dos princípios idealizados pelos primeiros cristãos. Já antes das Cruzadas foram propostas soluções para alguns problemas da instituição.

Um desses problemas foi apontado por monges do Mosteiro de cluní, na França, por volta de 910. Eles acreditavam que os beneditinosglossário haviam deixado os valores espirituais de lado e se corrompido por influência dos grandes senhores de terras.

Os integrantes do movimento de cluní pretendiam mudar a vida espiritual nos mosteiros, afastando-a dos assuntos do mundo profanoglossário . Assim, eles deixaram de sair do mosteiro, ficando cada vez mais afastados da sociedade.

Já os frades eram pessoas que participavam de ordens religiosas, mas que tinham contato com a sociedade que os cercava. No século treze, ordens de frades, como a dos franciscanos e a dos dominicanos, ficaram conhecidas como mendicantes, pois muitos de seus membros viviam de doações e esmolas. Eles faziam um voto de pobreza para fugir das riquezas e da vida luxuosa nas quais enxergavam a fonte da corrupção dos integrantes da Igreja.

A reação da Igreja

Movimentos por reformas na Igreja podiam acabar de maneira mais ou menos pacífica, como ocorreu com as ordens religiosas mendicantes, ou ser considerados heréticos pelo papa ou por outra autoridade religiosa.

Para combater todas as fórmas de heresia e o que a Igreja considerava um desvio da fé, o papa Gregório nono criou, em 1231, o Tribunal do Santo Ofício, também conhecido como Tribunal da Inquisição. A função desse tribunal era investigar, julgar e punir os praticantes de heresias, judeus e outras pessoas que não viviam de acordo com o pretendido pela Igreja de Roma.

As punições da Inquisição variavam bastante, dependendo da gravidade das acusações: podiam ser brandas, como o confisco de bens, ou extremamente severas, como a condenação à morte em fogueira.

Iluminura. Duas mulheres usando vestidos longos e lenços na cabeça estão voando montadas em vassouras, uma de frente para a outra.
Representação de bruxas em iluminura francesa do século quinze.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Apesar de a Inquisição ser muitas vezes associada à Idade Média, foi na Idade Moderna que ela atuou de fórma mais ampla e violenta. A perseguição às mulheres foi constante. Aquelas que se desviavam minimamente dos padrões de comportamento considerados adequados pela Igreja eram vistas como suspeitas. Muitas acabavam julgadas, condenadas e mortas pelo crime que os inquisidores definiam como bruxaria.

Século catorze: tempo de fome, peste e guerras

Por razões ainda não muito bem conhecidas, no início do século catorze, a produção agrícola caiu drasticamente em muitas regiões da Europa Ocidental. Milhares de pessoas morreram por falta de alimentos e as que conseguiram sobreviver ficaram debilitadas. Propriedades foram abandonadas e milhares de famintos vagavam em busca de comida. Muitas cidades, dependentes da produção do campo para se sustentar, foram abandonadas.

No mesmo período, teve início um conflito entre os reinos da Inglaterra e da França. A chamada Guerra dos Cem Anos foi motivada por uma disputa pelo trono francês entre duas dinastias. Ela durou de 1337 a 1453 e devastou a produção de ambos os reinos, além de desarticular parte das rotas comerciais.

Colagem. Mulher usando armadura, malha metálica e um véu na cabeça. Ela está representada da cintura para cima. À sua frente, há a uma espada e uma lança dispostas em diagonal. Em primeiro plano, um cavalo de corpo inteiro em tamanho pequeno. Ao fundo, um castelo. A imagem é formada por pedaços de fotos retiradas de outros contextos.
Joana Dárc representada em colagem do artista uruguaio Mauricio Planel, 2018.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Joana Dárc, uma das importantes personagens da história da França, era uma jovem camponesa quando participou da Guerra dos Cem Anos, liderando as tropas de Carlos sete em várias conquistas.

Apesar da vitória francesa no conflito, ela foi capturada pelos ingleses e acusada de diversos crimes, sendo condenada à morte na fogueira, em praça pública, por bruxaria e por se vestir como homem.

Em meio à fome e às guerras generalizadas, entre 1347 e 1351, o continente europeu foi atingido pela peste negra, uma mortífera epidemia de peste bubônica proveniente da Ásia.

Na Europa medieval, especialmente nos burgos, em que os espaços eram fechados, as ruas eram estreitas e não havia tratamento de água ou esgoto, houve rápida disseminação da peste. Dependendo da gravidade da infecção, as pessoas contaminadas faleciam em apenas três dias após apresentar os primeiros sintomas da doença.

Acredita-se que a peste tenha se originado na China e alcançado a Europa por meio das rotas comerciais. O crescimento comercial do período e o aumento da população nos séculos anteriores contribuíram para a disseminação da doença.

No continente europeu, a peste atingiu, inicialmente, as localidades em que a população tinha mais contato com a Ásia, como as cidades da Península Itálica.

Calcula-se que, nos anos mais graves da peste, cêrca de um terço da população da Europa Ocidental morreu. De modo geral, a mortalidade foi maior nas cidades, por causa da aglomeração e das condições de higiene precárias. Surtos de peste bubônica voltariam a ocorrer muitas vezes nos séculos seguintes, ainda que de fórma mais isolada e com impacto mais reduzido.

Com a diminuição da mão de obra disponível, a exploração da população camponesa foi ampliada. Diante dessa situação, ocorreram várias revoltas no campo e nas cidades. No século catorze, no Reino da França, as rebeliões camponesas foram denominadas jacqueries. No reino inglês, houve a revolta de Wat Tyler, em 1381.

Iluminura. Homens com armaduras montados em cavalos, segurando lanças ou espadas invadem uma cidade composta de construções com torres e atacam as pessoas. Em primeiro plano, pessoas estão sendo jogadas de uma ponte em um rio.
Iluminura representando um massacre de jacqueries presente no livro Grandes crônicas da França, do século quinze.

Além disso, a relação das pessoas com a morte foi afetada pela peste. Criou-se a ideia da boa morte, ou seja, de que as pessoas deviam levar uma vida correta para, após a morte, obter uma possível salvação.

Em alguns lugares, como na França e no Sacro Império Romano-Germânico, artistas passaram a representar em pinturas a dança macabra, em que corpos decrépitosglossário e caveiras bailavam de mãos dadas com os vivos, mostrando a fragilidade da vida. As imagens mostravam todas as pessoas em pé de igualdade. Todos dançavam juntos, compartilhando o mesmo destino: a morte.

Pintura. Quatro homens, dois deles usando roupas religiosas (dos quais um carrega um bastão com uma cruz em cima), outro com uma coroa na cabeça e outro com roupas nobres, e uma mulher, com vestido e chapéu da nobreza, estão intercalados por esqueletos que vestem apenas pedaços de pano. Todos estão dançando. Um quinto homem à esquerda está em um palanque de madeira. Ao seu lado, um esqueleto está tocando gaita de fole sentado em uma pedra. Abaixo, há o desenho de um pergaminho com inscrições.
Dança macabra, pintura de Bernet Notke, século quinze.

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. Quais foram os impactos das Cruzadas para o Ocidente europeu?
  2. Explique o que eram os burgos e caracterize os grupos sociais que foram formados nesses espaços.
  3. Por que a peste negra se disseminou de maneira rápida nos burgos? De que modo ela transformou a relação das pessoas com a morte?

Atividades

Responda no caderno.

Organize suas ideias

  1. Anote no caderno as alternativas que indicam as principais mudanças ocorridas na Europa a partir do século dez.
    1. Desenvolvimento agrícola.
    2. Desenvolvimento técnico e de ferramentas.
    3. Aumento dos ataques de povos invasores.
    4. Aumento da oferta de alimentos.
    5. Aumento da estagnação econômica.
    6. Aumento populacional.
  2. Leia as afirmações a seguir sobre as Cruzadas. No caderno, identifique as que são verdadeiras e as que são falsas.
    1. Foram expedições realizadas por muçulmanos para retomar Jerusalém dos cristãos.
    2. Não produziram nenhum resultado econômico, pois os cruzados tinham apenas objetivos religiosos.
    3. Foram todas bem-sucedidas, demons­trando a superioridade da Europa Ocidental.
    4. Favoreceram importantes trocas culturais e comerciais.
    5. Por meio delas, os cristãos estabeleceram alguns domínios no Oriente.

Aprofundando

3. Analise a imagem e responda às questões.

Iluminura. Homens trabalhando em um campo. Em primeiro plano, à esquerda, um homem manuseia um arado puxado por um cavalo e outro está com um rastelo; à direita, outro homem com um saco joga sementes sobre o solo. Em segundo plano, à esquerda, outro homem, usando um capuz vermelho, colhe os frutos de uma árvore com o auxílio de uma foice; do seu lado, outro homem, com uma pá, revolve a terra. Ao fundo, no centro, dois homens trabalham como construtores, um deles segura um machado e outro, um malho.
Os trabalhadores, iluminura de Métre de Talbô, século quinze.
  1. Que categoria social da Idade Média está representada na imagem?
  2. Que atividades realizadas por esse grupo são representadas na imagem?
  3. Qual é a relação entre as pessoas representadas na imagem e os habitantes do castelo?
  4. Na imagem está representada uma importante inovação técnica desenvolvida durante a Idade Média. Que inovação é essa e o que ela possibilitou?

4. Analise a tirinha a seguir e faça o que se pede.

Quadrinho composto por 3 quadros. Apresenta um rato azul, uma pulga e algumas bactérias.
Quadro 1: Narrador em off, enquanto aparece a imagem de um rato: 'Quem causou a peste negra não foi o rato, mas a pulga que ficava no rato'.
Quadro 2: Narrador em off, enquanto aparece a imagem de uma pulga: 'Ou melhor: não foi a pulga, mas a bactéria que ficava na pulga'.
Quadro 3: Aparecem seis bactérias conversando. Uma delas diz: 'Não!! Não foi a bactéria!! Foi... ãnn... Deixa eu pensar...'. Outra diz: 'Droga! Fui eu mesma! E daí?'.
Níquel Náusea, tirinha de Fernando gonçales, 2006.
  1. A que doença a tirinha faz referência?
  2. Segundo a tirinha, quem teria causado essa doença?
  3. Por que os outros personagens teriam sido mencionados?
  4. Com base no que você estudou neste capítulo, explique como essa doença se disseminou e o impacto dela na Europa do século catorze.

5. Cristina de Pizãno foi uma das mais brilhantes poetas e filósofas da Idade Média. Sua obra contém textos de política, moral e educação. Ela se dedicou sobretudo à temática feminina, procurando mostrar que os preconceitos atribuídos às mulheres não eram naturais, mas criados pela sociedade. Analise a imagem e leia o texto a seguir.

Ilustração. Dentro de uma casa, mulher sentada diante de uma mesa com uma toalha verde, escrevendo em um caderno. Ela usa vestido longo azul e um chapéu branco na cabeça. Aos seus pés, há um pequeno cachorro sentado.
Ilustração do livro As obras de Cristina de Pisano, publicado em Paris no século quinze.

“Perguntava-me quais poderiam ser as causas e motivos que levavam tantos homens, clérigos e outros, a maldizer as mulheres e a condenar suas condutas em palavras, tratados, escritos [...]. Filósofos, poetas e moralistas reticências todos parecem falar com a mesma só voz para chegar à conclusão de que a mulher é profundamente má e inclinada ao vício.”

ápud: COSTA, M. R. N.; COSTA, R. F. Mulheres intelectuais na Idade Média: entre a medicina, a história, a poesia, a dramaturgia, a filosofia, a teologia e a mística. Porto Alegre: Fi, 2019. página 253.

  1. A atividade realizada por Cristina de Pisano, representada na imagem, era comum a todas as mulheres? Por quê?
  2. No texto, qual é a crítica que Cristina de Pizãno faz a filósofos, poetas e moralistas? A Igreja de alguma fórma justificava essa opinião?
  3. Em sua opinião, ainda há pessoas que pensam de maneira semelhante à dos filósofos, poetas e moralistas mencionados no texto? Explique.
  4. Com base na análise do texto de Cristina de Pisano, escreva uma redação sobre o tema do preconceito contra as mulheres. Estruture sua redação considerando as questões dos itens a seguir.
    • Qual é o tema da sua redação? Por que esse tema é importante?
    • No período medieval, qual era a condição das mulheres em geral? Havia exceções?
    • Houve mulher ou mulheres que lutou ou lutarampela igualdade de gênero? Qual(ais)? O que ela(s) defendia(m)?
    • A situação das mulheres nos dias de hoje é diferente da condição daquelas que viviam no período medieval? Por quê?
    • Qual é a sua opinião sobre preconceito de gênero?
    • Você considera a luta pela igualdade de gênero importante? Por quê?

Glossário

Franj
: nome usado pelos muçulmanos para se referir aos francos. Com o tempo, a denominação foi estendida aos demais europeus cristãos.
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Feitoria
: local normalmente fortificado onde funciona um entreposto comercial.
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Gárgula
: calha de telhado que escoa a água da chuva. Especialmente na Idade Média, as gárgulas eram ornadas com figuras monstruosas, humanas ou animais.
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Campanário
: torre de igreja onde ficam os sinos.
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Beneditino
: religioso que pertence à ordem de São Bento e vive em mosteiros.
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Profano
: que não pertence ao âmbito do sagrado ou da religião.
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Decrépito
: de aparência muito velha, arruinada.
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