CAPÍTULO 3 As reformas religiosas no século dezesseis
Você sabia que a maioria dos católicos do mundo vive no Brasil? Segundo o Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( í bê gê É), cêrca de 65% da população do país seguia a religião católica naquele ano. Desde a década de 1940, porém, as igrejas evangélicas têm atraído cada vez mais adeptos, que em 2010 eram aproximadamente 22% da população. Neste capítulo, você conhecerá a origem dessas igrejas cristãs.
Brasil: adeptos de diferentes religiões (%) – 1872-2010
FONTE: í bê gê É. Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião. Censo 2010. Disponível em: https://oeds.link/DxPjP6. Acesso em: 3 fevereiro 2022.
Responda oralmente.
- Com base no gráfico, explique: qual é a importância das religiões cristãs para a sociedade brasileira?
- No Brasil, há pessoas de diferentes religiões e outras que não têm religião. Em sua opinião, isso favorece a tolerância religiosa e a convivência pacífica com as diferenças? Por quê?
Hereges, reformadores e as controvérsias do mundo cristão
Desde a Antiguidade, parte dos cristãos discordava da Igreja sobre questões relativas à fé. As interpretações desses cristãos foram chamadas de heresias.
Ao mesmo tempo que combatia as heresias, a Igreja Católica enfrentava muitas críticas por causa das práticas dos religiosos que ocupavam os altos cargos eclesiásticos. O luxo e a riqueza do alto clero contrastavam com a situação do baixo clero e da maioria da população europeia, que vivia de maneira muito simples ou na pobreza.
Durante a Idade Média, essas críticas incentivaram algumas tentativas de reforma da Igreja. Uma delas foi a instituição das ordens mendicantesglossário , como a dos franciscanos e a dos dominicanos, que faziam votos de pobreza, pregando o retorno à simplicidade dos primeiros séculos do cristianismo e o desapego aos bens materiais.
No século catorze, foram formados outros movimentos em defesa da moralização da Igreja. Na Inglaterra, o teólogo e professor da Universidade de óxfórd Djon Uiclifi criticava a distância entre os ensinamentos de Jesus e seus apóstolos e a situação da Igreja.
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Djon Uiclifi era um pensador dedicado aos estudos de teologia, filosofia e direito canônico (área que abrange as leis e os regulamentos adotados pelos líderes da Igreja para o governo e a administração da instituição). Tornou-se sacerdote católico, depois bacharel e finalmente doutor em teologia, em 1372.
As propostas de Djon Uiclifi e Ian rãs
Djon Uiclifi acreditava que a Igreja precisava retornar à simplicidade e à pobreza entregando suas propriedades ao Estado. Além disso, ele defendeu o acesso de todas as pessoas à leitura dos Evangelhos e fez a primeira tradução do texto bíblico do latim para o inglês. Ao afirmar que a Bíblia era a única fonte de autoridade, uáiclifi se opôs ao poder do papa.
Outro defensor de mudanças na Igreja foi Ian rãs. Nascido na Boêmia, atual República Tcheca, ele foi influenciado pelas ideias de uáiclifi e fez críticas severas às práticas da Igreja, que considerava corruptas, defendendo a tradução da Bíblia do latim para o idioma dos fiéis.
Entre 1414 e 1418, os cardeais da Igreja se reuniram em um concílio na cidade de Constança, no Sacro Império Romano-Germânico. Nesse concílio, eles trataram de vários assuntos, entre eles o Cisma do Ocidenteglossário . Ian rãs foi convocado para a reunião, porém suas ideias foram rejeitadas e ele acabou preso e condenado à fogueira em 1415. Contudo, seus seguidores, os hussitas, continuaram a pregar suas ideias na Boêmia.
Imagens em contexto!
As ideias de Djon Uiclifi e Ian rãs foram consideradas heréticas pela Igreja; por isso, as obras deles foram banidas. O corpo de uáiclifi foi exumado e destruído na Inglaterra, enquanto rãs foi executado no Sacro Império Romano-Germânico. Com isso, a Igreja buscava enfraquecer outros movimentos que questionassem suas ideias e sua autoridade.
As críticas à Igreja no início da Idade Moderna
No início da Idade Moderna, a conduta de muitas pessoas do alto clero da Igreja era questionável. Inocêncio oitavo, por exemplo, que foi papa entre 1484 e 1492, quebrou o voto do celibatoglossário sacerdotal, ato denominado nicolaísmo, e teve filhos quando já pertencia ao clero.
Além disso, Inocêncio negociou o casamento de seu filho Francesco com Madalena, filha de Lourenço de Médici, um dos mais importantes e ricos banqueiros de Florença. Na negociação, o filho de Lourenço de Médici, João, de apenas 13 anos, foi nomeado cardeal, um dos mais altos postos da Igreja. Mais tarde, em 1513, ele se tornaria papa, com o nome Leão décimo. A prática de negociar cargos da Igreja em troca de favores ou dinheiro era considerada pecado e tinha o nome de simonia. Essas práticas eram consideradas impróprias e condenáveis por muitos cristãos, embora fossem realizadas por outros papas e integrantes do alto clero.
Na época, a Igreja defendia a ideia de que um fiel podia ter sua alma salva do inferno tanto pela fé quanto pela realização de obras de caridade. Entre essas obras estavam a realização de ações piedosas, a compra de objetos sagrados (as relíquias) e das indulgências (documentos da Igreja que concediam o perdão total ou parcial dos pecados aos fiéis que pudessem comprá-los). Nesse contexto, pensadores continuaram a fazer críticas ao comportamento dos integrantes do clero e à comercialização de artigos de fé. Humanistas, como Erasmo de Roterdã, propuseram o contato direto dos fiéis com a mensagem de Cristo, sem a intermediação da Igreja, considerada corrompida por vícios.
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No século , a cidade de Florença era um importante centro econômico e cultural, sobre o qual os Médici exerciam grande influência. Isso explica o interesse do papa Inocêncio quinze oito em obter o apoio dessa família.
A Reforma Luterana
O monge agostiniano Martinho Lutero é considerado o iniciador da Reforma Protestante. Ele nasceu na cidade de áislíbân, no território do Sacro Império Romano-Germânico, e foi teólogo e professor da Universidade de vitenberg.
Lutero acreditava que a salvação era alcançada apenas pela fé. Essa posição, baseada na leitura das obras de Santo Agostinho, era oposta à ideia dominante na Igreja Católica de que as contribuições, as orações, a veneração de relíquias e as indulgências contribuíam para a salvação da alma, como você estudou no item anterior.
A fim de arrecadar fundos para a conclusão da Basílica de São Pedro, em Roma, o papa Leão décimo determinou a venda de indulgências nos territórios cristãos, principalmente no Sacro Império Romano-Germânico.
Lutero se opôs abertamente a essa determinação e, em 1517, publicou um texto contendo 95 teses (argumentos) contrárias à venda de indulgências e a outras práticas da Igreja que ele considerava incorretas.
Suas ideias foram divulgadas muito rapidamente, chegando a Roma. O papa, então, exigiu que Lutero se retratasseglossário perante a Igreja. Lutero, por sua vez, continuou irredutívelglossário em suas posições e manteve uma longa disputa com o papado.
Nos anos que se seguiram à publicação das 95 teses, Lutero escreveu outros textos, que formaram a base de sua doutrina. Além de criticar as indulgências, ele afirmou que a Bíblia era a única fonte de autoridade e, por isso, devia ser lida e interpretada diretamente pelos cristãos, não havendo necessidade da mediação da Igreja.
Diante das recusas de Lutero em se retratar, em 1520, o papa publicou uma bula declarando-o herege. Lutero queimou publicamente o decreto e foi excomungado no ano seguinte.
O Sacro Império Romano‑Germânico e o luteranismo
Após a excomunhãoglossário de Lutero, o então imperador Carlos quinto, que também era rei da Espanha, convocou, em 1521, a Dieta de uórmis – uma assembleia da qual participavam integrantes da Igreja e nobres. A intenção era discutir a situação de Lutero, convocado para a reunião. Como ele não mudou de ideia, o imperador decretou sua expulsão do império e a proibição da divulgação de seus escritos.
Lutero, porém, teve ajuda de alguns príncipes alemães, que viram nessa ação uma fórma de aumentar seus poderes. Contando com a proteção de Frederico da Saxônia, Lutero traduziu a Bíblia para o alemão e continuou a formular a doutrina de uma Igreja reformada cristã, mas não católica.
O celibato dos padres e o culto aos santos e à Virgem Maria deixaram de fazer parte da doutrina; a fé em Cristo foi considerada o único caminho para a salvação; nos cultos, o latim foi substituído pela língua dos fiéis; os sacramentos foram simplificados, restando o batismo e a comunhão.
Em 1524, incentivados pelas críticas de Lutero à Igreja e sua hierarquia, camponeses liderados por Tômas Münzer iniciaram uma violenta revolta no Sacro Império. Insatisfeitos com os abusos sofridos, eles acreditavam que a reforma na Igreja se estenderia à sociedade, acabando com as obrigações servis e promovendo a igualdade.
Lutero, contudo, era ligado à nobreza alemã e se opôs à revolta, apoiando a repressão ao movimento. Em 1525, a revolta terminou com a maioria dos camponeses morta, incluindo Tômas Münzer. Apesar da dura repressão, o movimento deu origem a uma religião mais radical que o luteranismo nos ideais de reforma: o anabatismo.
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Até hoje há seguidores do movimento anabatista. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem milhares de pessoas que seguem as tradições âmish. Elas vivem em comunidades isoladas e têm costumes ultraconservadores, como a recusa ao uso de aparelhos eletrônicos e de automóveis.
A consolidação do luteranismo
A ligação da nobreza alemã com o luteranismo foi confirmada em 1529, na cidade de Espira, quando diversas cidades e reinos protestaram contra o decreto de expulsão de Lutero e a proibição de novas reformas. Esse fato deu origem ao termo protestantes para designar as religiões reformadas constituídas nos séculos dezesseis e dezessete.
A disputa entre as fôrças protestantes e católicas durou até 1555, quando foi assinado o tratado denominado Paz de Augsburgo. Com base nesse tratado, cada príncipe pôde escolher a religião de seu território. Dessa , fôrma o luteranismo passou a ser a religião de grande parte do Sacro Império Romano-Germânico. Depois, expandiu-se para outras regiões, concentrando-se principalmente no norte da Europa.
As mulheres e o luteranismo
Martinho Lutero casou-se com a ex-freira Catarina von borrá. O matrimônio chocou os católicos, que acusaram Catarina, sem nenhum fundamento, de cometer vários pecados e de ser defensora de valores que não eram cristãos. Os Lutero tiveram seis filhos e a casa deles serviu de abrigo a perseguidos religiosos, local de reuniões político-teológicas e pensionato para estudantes.
Martinho Lutero defendia a ideia de que a mulher foi criada para o casamento e a maternidade. Apesar disso, Catarina von borrá foi a administradora da propriedade do casal, comandando as finanças, produzindo cerveja, criando animais e cultivando um pomar que gerava renda ao movimento luterano. Ela também participou de discussões intelectuais sobre a Reforma e negociou publicações do marido com editores.
Outras mulheres do período também ajudaram a espalhar o luteranismo na Europa, como a francesa káterrine zêl e a bávara Árgula von grrumbárr.
De acordo com a doutrina luterana, todas as pessoas tinham o direito de ler a Bíblia; por isso, as mulheres podiam falar sobre o Evangelho. Isso talvez tenha contribuído para a adesão feminina a essa religião, na qual algumas mulheres possivelmente se sentiram mais acolhidas que no catolicismo.
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Catarina von borrá abandonou o convento em 1523 para se unir aos protestantes. Sem poder retornar para a família, ela foi morar de favor na casa de Lucas cránar, famoso pintor de vitenberg. Em vitenberg, Catarina conheceu Lutero e casou-se com ele, em 1525.
Dica
LIVRO
Dias de tempestades: Martim Lutero e Catarina de borrá, de Ueli Sonderegger. Belo Horizonte: Novimba, 2017.
Nesse livro em formato de quadrinhos, a Reforma Protestante é analisada com base na história do casal Martinho Lutero e Catarina von borrá.
O calvinismo
As ideias dos reformistas foram divulgadas rapidamente com a utilização da prensa móvel desenvolvida por Iorranes Gutembergue, em 1439. A rapidez e o barateamento das publicações impressas possibilitaram a ampliação do alcance das ideias de Lutero e de outros reformadores.
João Calvino foi um dos que aderiram às ideias protestantes. Assim como Lutero, Calvino reduziu os sacramentos, determinou o fim do culto aos santos e às imagens e pregou a livre interpretação da Bíblia. Uma das ideias centrais da doutrina calvinista é a da predestinação. Conforme essa ideia, a salvação é concedida por Deus apenas a alguns escolhidos, os chamados eleitos.
De acordo com o calvinismo, somente Deus sabe quem são os eleitos, mas alguns sinais podem identificá-los, como a prosperidade econômica, a perseverança na fé e a opção por uma vida disciplinada, rígida. Por não condenar o lucro e o enriquecimento, as ideias de Calvino foram bem recebidas pela burguesia.
Enquanto o luteranismo ficou restrito a certas regiões do norte da Europa, os seguidores de Calvino se espalharam para outros lugares, como a Escócia, onde eram chamados de presbiterianos, a Inglaterra, onde eram conhecidos como puritanos, os Países Baixos e a França, onde eram denominados huguenotes.
Agora é com você!
Responda no caderno.
- Identifique três práticas do alto clero católico que motivaram os movimentos reformistas.
- De que modo o luteranismo transformou o Sacro Império Romano-Germânico?
- Enumere três ideias da doutrina calvinista e explique por que ela agradava a burguesia.
Analisando o passado
Reformadores como Lutero e Calvino romperam com a Igreja Católica. Apesar das divergências teológicas, há vários elementos comuns entre as igrejas cristãs. A fé em Jesus e nos textos bíblicos é um exemplo. Outro elemento comum é a opinião sobre as mulheres.
Leia o que São Tomás de Aquino, importante filósofo da Igreja Católica do século treze, escreveu sobre a habilidade feminina de falar em público.
TEXTO 1
“ reticências Pela condição do seu sexo, que a torna sujeita ao homem, como se lê na Escritura. Ora, ensinar e persuadir publicamente, na Igreja, não pertence aos súditos, mas aos superiores. Contudo, mais que a mulher, os homens dependentes de um superior o podem por delegação; porque a sujeição deles ao superior não se funda naturalmente no sexo, como se dá com as mulheres reticências. Geralmente as mulheres não têm sabedoria perfeita a ponto de convenientemente se lhes poder cometer o ensino em público.”
AQUINO, T. Suma teológica. secunda secunde. Questão 177, Artigo 2. Aleteia, 17 abril 2017. Disponível em: https://oeds.link/lH3jhZ. Acesso em: 4 fevereiro 2022.
Leia agora a opinião de Martinho Lutero sobre a criação do homem e da mulher.
TEXTO 2
“A mulher certamente difere do homem, pois ela é mais fraca no corpo e no intelecto. No entanto Eva foi uma criatura excelente e igual a Adão reticências. Ainda assim, ela era apenas uma mulher. Como o Sol é muito mais glorioso do que a Lua (embora a Lua também seja gloriosa), a mulher é inferior ao homem em honra e dignidade, embora ela também seja uma excelente obra de Deus.”
citado por: tãquer, R. A.; láiféld, W. Daughters of the Church: women and ministry from New Testament times to the present. Grand Rapids: zondervân, 1987. página 174. Tradução nossa.
Responda no caderno.
- Qual é a base comum utilizada por Tomás de Aquino e Lutero para fundamentar suas opiniões sobre as mulheres?
- Analisando os textos, explique por que é possível afirmar que os reformadores mantiveram interpretações muito parecidas com as dos católicos em relação ao papel social feminino.
- Você já leu ou ouviu discursos em que as mulheres foram consideradas inferiores aos homens? Os argumentos usados foram parecidos com os dos textos citados? Justifique.
A Reforma Anglicana
Na Inglaterra, também foi fundada uma Igreja, mas por motivos políticos, não doutrinários.
O rei Henrique oitavo iniciou o processo de centralização política na Inglaterra no fim do século quinze, quando assumiu o trono. Ele era casado com Catarina de Aragão. O casal teve vários filhos, mas apenas Maria túdor sobreviveu à infância.
Como Catarina de Aragão tinha idade avançada e não podia mais gerar filhos, Henrique oitavo teve receio de que sua dinastia chegasse ao fim. Então, ele decidiu se casar com outra mulher e solicitou ao papa a anulação de seu compromisso com Catarina.
O pedido, porém, foi negado pelo papa Clemente sétimo. Contrariando o papa, o monarca se divorciou de Catarina e se casou com uma nobre chamada Ana Bolena. Em resposta, o papa o excomungou.
Inconformado com a decisão do papa, Henrique oitavo rompeu com a Igreja Católica. Em 1534, ele fundou a Igreja Anglicana por meio de um decreto chamado Ato de Supremacia, com apoio do Parlamento. O monarca se tornou, então, chefe da Igreja Anglicana. Logo depois, confiscou as propriedades da Igreja Católica e impôs o anglicanismo como religião oficial da Inglaterra.
Inicialmente, a Igreja Anglicana era muito parecida com a Católica. Os sacramentos, dogmas, ritos etcétera eram praticamente os mesmos. Os sucessores de Henrique oitavo, porém, promoveram mudanças mais significativas.
Durante o reinado de Elizabeth primeiro, o anglicanismo se consolidou na Inglaterra com a aprovação, em 1563, dos Trinta e nove artigos de religião. Por meio desses artigos, foi permitido o casamento para os membros do clero, foram reduzidos os sacramentos, foi determinada a utilização das línguas nacionais nos cultos e na Bíblia, defendeu-se a ideia da predestinação etcétera
Imagens em contexto!
Henrique oitavo se casou com Ana Bolena, mas não teve o filho que desejava, e sim uma filha, que se tornou rainha da Inglaterra: Elizabeth primeiro. A falta de um filho provocou o afastamento do casal, e Ana Bolena, acusada de traição, foi presa e executada a mando do rei, em 1536. A imagem faz referência ao conflito que resultou na execução da rainha.
A Reforma Católica
Os movimentos promovidos por Martinho Lutero, João Calvino e outros reformadores afetaram o poder da Igreja Católica. Apesar dos esforços em reprimir tais iniciativas, a Igreja não pôde evitar a formação de outras vertentes religiosas cristãs.
Com a perda de adeptos e de autoridade entre os cristãos, a Igreja Católica iniciou a chamada Reforma Católica (ou Contrarreforma). Para isso, o papa Paulo terceiro convocou o Concílio de Trento, em 1545.
Em diversas reuniões que se estenderam até 1563, os participantes do concílio reafirmaram princípios e dogmas católicos, especialmente os que haviam sido alvo das críticas da Reforma Protestante: a validade das obras para a salvação, a infalibilidade do papa, o celibato clerical, o culto aos santos e à Virgem Maria, a utilização de imagens, o emprego exclusivo do latim na missa e na Bíblia etcétera Reafirmaram também o papel fundamental da Igreja na interpretação da Bíblia, negando essa tarefa a pessoas leigas.
Além disso, a Igreja fundou seminários para aprimorar a formação intelectual e moral do clero e formulou catecismos (versões resumidas da doutrina católica) para auxiliar na catequese dos fiéis.
É importante ressaltar o fato de que a Reforma Católica não foi apenas uma reação aos protestantes. Significou também uma mudança na doutrina, nos dogmas e na organização da Igreja. Por exemplo, a venda de indulgências e a simonia, tão criticadas por reformadores como Lutero, foram condenadas no Concílio de Trento.
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No Concílio de Trento, as autoridades católicas determinaram a reativação do Tribunal da Inquisição para investigar, julgar e punir os crimes de heresia. A Inquisição atingiu protestantes, cristãos-novosglossário , hereges e mulheres acusadas de bruxaria. Sua atuação atingiu o auge em meados do século dezesseis, especialmente nas penínsulas Ibérica e Itálica.
A Companhia de Jesus
Apesar de não ter sido criada durante o Concílio de Trento, a Companhia de Jesus foi um instrumento importante na aplicação dos princípios da Reforma Católica.
Essa ordem religiosa foi fundada em 1534 pelo padre espanhol Inácio de loióla. Os jesuítas, como eram denominados os membros da companhia, além de combater os protestantes, tinham o objetivo de divulgar o catolicismo no mundo todo ( propáganda fîde, em latim).
Durante a expansão marítima europeia, os jesuítas foram fundamentais para promover a fé católica em outros continentes, como a África, a Ásia e a América.
O Barroco
Além de textos, as obras de arte foram poderosos instrumentos de disseminação de ideias religiosas. Como parte da estratégia de recuperar fiéis e fortalecer suas posições, a Igreja Católica passou a encomendar obras com características de um movimento artístico, político e sociocultural, iniciado na Península Itálica no fim do século dezesseis: o Barroco.
O Barroco se expandiu ao longo dos séculos dezessete e dezoito para as monarquias católicas e depois para regiões protestantes da Europa, atingindo também a América e a Ásia.
Diferentemente das obras renascentistas, as barrocas continham forte apelo emocional para incentivar a devoção religiosa. Os artistas barrocos empregavam em suas obras elementos exagerados e cheios de detalhes, cores vivas e jogos de luz e sombra para aumentar o contraste.
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Os jesuítas ajudaram a divulgar a arte barroca nos locais onde atuaram. No afresco de andréa pôdzo, Inácio de loióla é representado ao centro, perto do Cristo, de quem recebe raios de luz. A obra é uma pintura no teto da igreja e produz a ilusão de profundidade, como se os céus estivessem em comunicação direta com nosso mundo e o observador estivesse vivenciando um milagre. O dinamismo e a teatralidade são características marcantes do Barroco.
As guerras de religião
Com a formação de diferentes igrejas derivadas dos vários movimentos de reforma, católicos e protestantes envolveram-se em violentas guerras de religião ao longo dos séculos dezesseis e dezessete.
Na França, por exemplo, ocorreram intensos conflitos religiosos. Em um dos mais graves, católicos promoveram o massacre de huguenotes. Na ocasião, muitos huguenotes estavam em Paris para a comemoração do casamento de Henrique de Navarra, um nobre protestante, com a irmã do rei francês, Margarida de valoá. A união entre eles era uma tentativa de encerrar, ou ao menos diminuir, as tensões religiosas na França.
O que se passou, contudo, foi bem diferente. Seguindo ordens da realeza, em 23 de agosto de 1572, católicos iniciaram a execução dos huguenotes presentes em Paris. Esse episódio ficou conhecido como Massacre da Noite de São Bartolomeu.
A violência logo se espalhou para outras regiões da França. Ao final de meses de perseguição, milhares de protestantes foram mortos. Eventos de menor extensão continuaram ocorrendo até a assinatura do Edito de Nantes, em 1598, que estabeleceu a liberdade religiosa na França.
Imagens em contexto!
A obra de François Dubois representa o massacre de milhares de huguenotes na cidade de Paris, na noite de 23 de agosto de 1572. Às portas do Louvre (castelo real, ao fundo) estão a rainha Catarina de Médicis (de preto, na rua, ao lado dos soldados) e o rei Carlos nono (atirando da janela do castelo em seu próprio povo), como se fossem os instigadores de tamanha violência. Entre os massacrados retratados, mulheres e crianças.
Ações comuns nas guerras de religião na Europa foram reproduzidas do outro lado do oceano: em várias ocasiões, corsários e piratas ingleses e franceses, ao invadirem cidades coloniais espanholas, destruíram altares, queimaram imagens de santos e atacaram religiosos católicos.
Esse tipo de violência demonstrava a estreita relação entre questões de fé e disputas políticas e econômicas. Quando presos, esses piratas eram associados ao protestantismo e entregues à Inquisição para serem julgados como hereges.
Outro exemplo de conflito religioso foi a Guerra dos Trinta Anos, ocorrida entre 1618 e 1648. Iniciada em razão de uma disputa religiosa nas regiões da Alemanha e da Boêmia, ela envolveu praticamente todas as potências europeias. Nesse conflito, Filipe segundo, o rei da Espanha, comportava-se como o defensor do catolicismo que tinha a tarefa de reconquistar os fiéis – e os territórios – perdidos para os protestantes.
A guerra terminou apenas com os Tratados de Vestfália, assinados em 1648. Por meio desses tratados, foi garantida a tolerância religiosa entre cristãos: as minorias poderiam exercer sua fé sem sofrer represálias ou se converter contra a vontade.
Apesar de nem sempre ser respeitada, essa proposição de liberdade religiosa, ou seja, a ideia de que as diferentes vertentes cristãs poderiam coexistir, ajudou a encerrar as guerras de religião entre os países europeus.
Europa: distribuição de adeptos de diferentes religiões – século dezesseis
FONTE: dubí, G. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2003. página 78.
Se liga no espaço!
Responda no caderno.
Como os adeptos das diferentes religiões se distribuíam no continente europeu no século dezesseis?
Agora é com você!
Responda no caderno.
- Quais foram as motivações de Henrique oitavo ao elaborar o Ato de Supremacia?
- O que foi a Reforma Católica? Como o Barroco contribuiu para a divulgação das ideias desse movimento?
- Qual foi a importância dos Tratados de Vestfália para a diminuição dos conflitos entre os países europeus?
Atividades
Responda no caderno.
Organize suas ideias
- No caderno, relacione corretamente as colunas.
- Reforma Protestante.
- Anglicanismo.
- Calvinismo.
- Luteranismo.
- Reforma Católica.
- Instituído pelo Ato de Supremacia, em 1534, e causado por disputas entre o monarca inglês e o papa.
- Entre seus dogmas estão a predestinação e a salvação pela graça divina.
- Movimento, iniciado no século dezesseis, que provocou a ruptura entre os cristãos, com a formação de novas igrejas.
- O Concílio de Trento estruturou suas determinações centrais, reafirmando dogmas católicos, como o culto aos santos e a autoridade papal.
- Estabeleceu-se no Sacro Império Romano-Germânico com apoio de príncipes alemães.
- Analise as informações a seguir e, no caderno, identifique as afirmativas falsas e as verdadeiras. Corrija as que estiverem incorretas.
- Antes do protestantismo, a Igreja Católica se manteve fechada a qualquer tentativa de mudança.
- Integrantes de diversos grupos sociais, como nobres, burgueses e camponeses, aderiram ao movimento reformista.
- Os jesuítas atuaram na contenção do protestantismo e na expansão da fé católica fóra da Europa.
- No Concílio de Trento, reafirmou-se a necessidade da venda de indulgências.
Aprofundando
3. Analise a imagem para fazer as atividades dos itens a seguir.
- Descreva as ações representadas na imagem. Que princípio da Reforma Protestante pode ser observado nelas?
- Além das cenas representadas na imagem, quais foram os outros desdobramentos do movimento reformista para católicos e protestantes?
4. Segundo o texto a seguir, a posição de Lutero sobre as mulheres estava de acordo com as ideias de seu tempo. Qual das opiniões a respeito das mulheres pode ser identificada com “as sombras” e qual representa “as luzes” da época? Justifique sua resposta.
“Percebe-se que Lutero foi um homem do seu tempo. Ele atuou entre as luzes e as sombras da [época] reticências. Por um lado, em seus escritos ele defendeu o casamento, a maternidade e o governo da casa como lugar das mulheres, mas por outro ele elogiou as mulheres que atuaram corajosamente nos meios públicos e políticos.”
ulric, C. B. A atuação e a participação das mulheres na Reforma Protestante do século dezesseis. Estudos de Religião, São Paulo, volume 30, número 2, página 75, maio- agosto 2016.
5. Leia dois trechos das 95 teses, de Martinho Lutero, e faça as atividades dos itens a seguir.
“6. O papa não pode remitir [perdoar] culpa alguma se não declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus reticências.
reticências
21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.”
LUTERO, M. 95 teses. Portal Luteranos. Disponível em: https://oeds.link/n69xDM. Acesso em: 4 fevereiro 2022.
- Identifique as práticas da Igreja que são contestadas nesses trechos.
- Segundo a doutrina luterana, como a salvação pode ser alcançada?
- De que modo as ideias presentes nas 95 teses afetaram a autoridade do papa?
6. Leia o texto a seguir, escrito por João Calvino, e responda às questões.
“Deus chama cada um para uma vocação particular cujo objetivo é a glorificação dele mesmo. O comerciante que busca o lucro, pelas qualidades que o sucesso econômico exige: o trabalho, a sobriedade, a ordem, responde também ao chamado de Deus, santificando de seu lado o mundo pelo esforço, e sua ação é santa.”
CALVINO, J. ápud: muniê, R. Os séculos dezesseis e dezessete: os processos da civilização europeia. São Paulo: Difel, 1973. volume 1. página 90. (Coleção História geral das civilizações).
- Qual é a opinião de Calvino a respeito do trabalho do comerciante e do lucro?
- A posição de Calvino era a mesma defendida pela Igreja Católica? Justifique sua resposta.
- De acordo com as ideias do texto, é possível afirmar que a Reforma Protestante favoreceu o desenvolvimento da burguesia? Por quê?
Glossário
- Ordens mendicantes
- : associações religiosas constituídas no período medieval, compostas de membros que renunciavam à posse de bens, comprometendo-se a levar uma vida simples e humilde. Seus membros eram pregadores itinerantes, que viajavam de cidade em cidade evangelizando a população e se sustentando por meio de esmolas e doações.
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- Cisma do Ocidente
- : ruptura ocorrida na Igreja, entre os anos de 1378 e 1417, por conta de disputas políticas e divisões internas. Nesse período, chegaram a existir três papas (entre 1409 e 1417): um em Roma, outro em avinhon e outro em piza. A questão foi resolvida quando Martinho quinto foi reconhecido como o único papa e se instalou em Roma. O cisma causou um impacto negativo na autoridade e no prestígio da Igreja.
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- Celibato
- : estado de celibatário, ou seja, de pessoa solteira, de onde se entende que não poderia ter práticas sexuais.
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- Retratar-se
- : no contexto, desculpar-se; reconhecer que está errado.
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- Irredutível
- : que mantém sua opinião, sem aceitar nenhuma determinação para mudá-la.
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- Excomunhão
- : penalidade da Igreja Católica que exclui alguém dos ritos ou sacramentos comuns aos fiéis.
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- Cristão-novo
- : termo pejorativo, mas presente no direito da época, para o judeu ou descendente convertido ao cristianismo.
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