CAPÍTULO 8 A sociedade do açúcar e a expansão da América portuguesa

Em 1954, ano em que São Paulo completava 400 anos, foi inaugurado na cidade o Monumento às bandeiras, de Victor brêchêrê. A obra foi encomendada para homenagear os bandeirantes, que, desde o fim do século dezenove, passaram a ser considerados responsáveis pela grandeza territorial do Brasil e, por isso, celebrados como heróis paulistas. Nas últimas décadas, no entanto, a memória sobre eles tem sido questionada.

Em 2013, quando o Congresso se preparava para votar uma proposta de emenda constitucional que alterava as regras para a demarcação de terras indígenas, líderes de alguns movimentos sociais jogaram tinta vermelha sobre o monumento e registraram as seguintes palavras: “bandeirantes assassinos”. Esse tipo de intervenção revela a importância do debate sobre a memória e a história.

Fotografia. No centro e na parte inferior da imagem vista de um monumento feito de pedra esculpida representando um grupo de homens indígenas que puxam uma canoa usando cordas, enquanto outros dois homens indígenas na popa do barco, o empurram. No canto, esquerdo um homem de barba, representando um homem branco, se mistura ao grupo. O monumento foi pichado com tinta nas cores vermelho e branco. Os homens estão sujos com tinta vermelha e no barco foi escrito com tinta branca: 'Tupi Sétimo. Bandeirantes assassinos'. Ao fundo, prédios altos, o céu acinzentado e uma árvore à direita.
Monumento às bandeiras, de Victor brêchêrê, em São Paulo (São Paulo). Foto de 2013.
Ícone. Ilustração de um ponto de interrogação indicando questões de abertura de capítulo.

Responda oralmente.

  1. Quem são os personagens da obra? Como eles foram representados no monumento?
  2. Por que algumas pessoas jogaram tinta vermelha sobre o monumento? Relacione esse gesto à frase pichada na canoa.
  3. Como monumentos históricos podem ser ressignificados ao longo do tempo?

O cultivo de açúcar na América portuguesa

As primeiras mudas de cana-de-açúcar chegaram à América portuguesa em 1530, com a expedição de Martim Afonso de Souza, e foram plantadas no litoral de São Vicente.

A escolha desse produto não foi aleatória. Além de o açúcar ser consumido na Europa como artigo de luxo, a Coroa portuguesa tinha experiência no plantio da cana nas ilhas do Atlântico (arquipélagos de Açores, Cabo Verde e São Tomé) e na comercialização do produto, distribuído pela Europa com o auxílio de comerciantes neerlandesesglossário .

Ao longo dos séculos dezesseis e dezessete, a lavoura canavieira tornou­‑se a principal atividade econômica da América portuguesa. A grande procura pelo produto na Europa tornava seu comércio altamente lucrativo.

Os engenhos do Nordeste

A cana-de-açúcar foi amplamente explorada, sobretudo no território correspondente ao da atual Região Nordeste. O açúcar era produzido nos engenhos, as unidades produtivas que caracterizavam as condições de riqueza, poder e prestígio na América portuguesa dos primeiros séculos de colonização.

A abertura de campos de cultivo era feita com a derrubada de árvores e a queima da floresta, causando danos à vegetação nativa, principalmente na Mata Atlântica. A madeira extraída nesse processo era empregada na construção dos engenhos, nas fornalhas que transformavam o caldo de cana, extraído na moenda, em melaço, e no cozimento de alimentos consumidos no engenho.

Outro recurso natural importante era a água, utilizada para a produção de alimentos, a criação de animais e o consumo humano.

Pintura. Há elementos da pintura destacados por setas verdes e texto na cor branca com indicações dos nomes das construções.
Vista de um engenho. À esquerda e à direita, há pessoas trabalhando. Em primeiro plano, à esquerda, há um grande barracão com paredes abertas, telhado sustentado por vigas de madeira, com telhas de terracota. Nele há, no canto à esquerda, uma parede vista de frente, com alguns fornos em forma de arco e pessoas trabalhando diante deles. Uma seta verde indica o nome da estrutura: Casa das fornalhas.
À esquerda, sob o mesmo barracão, na parte sem paredes, há um conjunto de engrenagens grandes dispostas na horizontal e, ao lado delas, uma engrenagem maior, na vertical, movida pela força humana: dois homens negros estão girando a estrutura de madeira. Uma seta verde indica o nome da estrutura: Moenda. 
No fundo, há vegetação com árvores altas e um coqueiro. No alto de um morro, há um grande sobrado de dois andares, com paredes brancas e telhado coberto por telhas de cor alaranjada. Uma seta verde indica o nome: Casa-grande. 
Do lado direito da casa-grande, ainda no alto do morro, há uma pequena construção de paredes brancas com uma cruz no topo da fachada. Uma seta verde indica o nome: Capela. 
Na parte direita da pintura, em terreno mais baixo e plano, em frente à moenda e a casa das fornalhas, há um pátio com chão de terra e, do lado direito, um palanque de madeira sobre o qual há dois homens negros com o torso nu e panos brancos ao redor do quadril formando pequenos cones brancos de açúcar. Uma seta verde indica o nome da estrutura: Balcão de secagem e separação.  
Na parte inferior da imagem, na área central, sobre o chão de terra, há um grupo formado por quatro pessoas adultas e um jovem. Eles estão de costas. Uma dessas pessoas, vestida com camisa branca, colete marrom e calças vermelhas, está carregando um grande cesto de palha sobre sua cabeça. As demais pessoas ao redor dela estão com o torso nu e com tecidos brancos ao redor dos quadris.
Ao fundo, à direita, há um lago com um a pequena ilha no centro, e, em primeiro plano, vegetação, incluindo um coqueiro alto. Ao fundo, o horizonte revela uma área plana coberta de vegetação. No alto, o céu azul com nuvens esparsas brancas.
Engenho, pintura de frãns pôst, século dezessete. Textos inseridos posteriormente para fins didáticos.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Além das áreas de cultivo, faziam parte das instalações de um engenho as estruturas necessárias à moagem da cana e à produção do açúcar, a residência do senhor (conhecida como casa-grande), o alojamento dos trabalhadores (a maioria escravizada) e, muitas vezes, uma capela.

O trabalho e os trabalhadores nos engenhos

Nos engenhos coloniais havia trabalhadores livres e escravizados. Entre os trabalhadores livres (que recebiam remuneração), estavam o mestre de açúcarglossário , o purgadorglossário , os carpinteiros, os pedreiros, os vaqueiros e os feitores. Eles atuavam nas diferentes etapas de preparação do açúcar e na manutenção e supervisão dos engenhos.

A maioria dos escravizados, por sua vez, trabalhava na lavoura, na moenda e nos serviços domésticos. No século dezessete, os engenhos possuíam em média 65 escravizados, sendo que nas grandes propriedades esse número poderia chegar a 200. No início, foi empregada essencialmente a mão de obra indígena. Contudo, a Igreja e a Coroa portuguesa condenaram a escravização dos indígenas, limitando sua incorporação à lavoura canavieira.

Mesmo sendo proibida, a escravização indiscriminada dos nativos continuou a ocorrer na América portuguesa até o início do século dezenove. Para justificar essa situação, os europeus usaram o argumento da guerra justaglossário , segundo o qual era permitido aprisionar e escravizar os povos hostis aos colonizadores ou que não aceitassem a religião católica.

Na segunda metade do século dezessete, os portugueses passaram a explorar principalmente o trabalho de africanos escravizados, trazidos em larga escala para a colônia em função da ampliação da lavoura açucareira e da descoberta do ouro na região das Minas Gerais.

Os locais onde eles viviam, chamados senzalas, eram precários e pouco ventilados. Os escravizados eram obrigados a trabalhar durante muitas horas, recebendo pouca alimentação, e estavam sujeitos à violência, incluindo castigos físicos.

Fotografia. Sobre um fundo branco, há dez instrumentos de metal de vários tipos. No alto, um instrumento de tortura conhecido como vira-mundo, composto por dois conjuntos de algemas acoplados em duas estruturas horizontais de ferro, usado para prender punhos e tornozelos e imobilizar a pessoa torturada. 
Logo abaixo, à direita, uma gargalheira, espécie de coleira feita de ferro com duas alças nas laterais e uma haste vertical com um gancho na ponta. No centro, uma palmatória, peça circular na ponta de um cabo de madeira. 
Ao lado, à direta, uma máscara de flandres, espécie de máscara composta por círculos de metal (usados presos por cadeados atrás da cabeça) com uma máscara que cobria a parte frontal do rosto, com alguns orifícios dispostos em forma de círculo. 
No centro da imagem, há um grosso cinto feito de ferro. À direita, um conjunto de instrumentos de ferro com base de madeira, usados para marcar os corpos das pessoas a ferro quente. Na parte inferior, há algemas e gargalheiras de ferro de diferentes tamanhos. E, no canto inferior direito, uma algema com um cadeado de ferro.
Instrumentos dos séculos dezoito e dezenove utilizados para o castigo de escravizados.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

O emprego de instrumentos de castigo, como algemas, gargalheira, palmatória, ferro para marcar o corpo, entre outros, fez parte do cotidiano da colônia e continuou também no Brasil independente até o final do século dezenove.

A sociedade do açúcar

Além de unidades produtoras de açúcar, os engenhos eram locais onde se desenvolviam as relações sociais, celebrações e festividades da colônia. Era neles que conviviam o senhor, sua família, seus agregados e os trabalhadores livres e escravizados.

Os senhores compunham a aristocracia local, formando o grupo de maior destaque econômico e político. Nos engenhos, contudo, as condições de vida eram muito simples. Na residência da maioria dos senhores, o chão era de terra batida e havia poucos móveis e utensílios.

O chefe da família, quase sempre um homem branco, determinava a organização interna de sua casa e as pessoas que dela faziam parte: mulher, filhos, agregados e trabalhadores do engenho. Esse tipo de organização familiar ampliada, cujos membros ficam submetidos ao poder quase absoluto do chefe da casa, é denominado família patriarcal.

Gravura. Em primeiro plano, à frente da entrada de uma casa, à direita e vista parcialmente, há um grupo de pessoas em fila, vistas de lado, caminhando da direita para a esquerda, formando uma linha horizontal.
À esquerda, o primeiro da fila é um homem branco de cabelos brancos curtos, usando chapéu de abas largas na cor preta, vestido com camisa branca, colete, casaco, calça e botas de cano alto pretos. Ele segura uma vara apoiada sobre o ombro e olha para a frente. 
Atrás dele, há duas meninas brancas usando vestidos brancos, longos, de mangas longas. Ambas usam cintos feitos de fita, meias brancas e sapatinhos brancos. Estão com os cabelos castanhos presos em um coque. Uma delas, mais baixa, à frente, usa um xale azul sobre os ombros. A outra, atrás dela, mais alta, segura um leque fechado em suas mãos, à frente de seu corpo.
Atrás delas, no centro da gravura, uma mulher branca de cabelos pretos presos em um coque, cobertos por um véu longo, transparente e rendado. Ela usa um vestido longo, com saia armada e mangas longas bufantes. O vestido é branco com listras verticais amarelas. A barra do vestido é decorada com faixas azuis e rosas. Ela usa meias longas brancas e sapatos brancos. Em sua cintura, usa um cinto feito de fita azul, com um grande laço nas costas. 
Em seguida, atrás dela, à direita, há uma mulher negra com os cabelos castanhos presos em um coque enfeitado com uma flor, trajando um vestido longo, branco, rendado e um casaco amarelo, comprido, com detalhes pretos, aberto e por cima do vestido. À frente do corpo, ela leva uma pequena bolsa quadrada de fundo branco e detalhes amarelos.
Atrás delas, mais à direita, há uma mulher negra de cabelos castanhos e curtos, usando um vestido azul  longo, com babados no decote. Ela está descalça e segura um bebê no colo, envolvido por um manto branco.
Atrás dela, à direita, há uma jovem  mulher negra de cabelos castanhos e curtos, usando um vestido longo cor de rosa e de mangas compridas. Ela está descalça. 
Atrás dela, à direita, há um homem negro usando um chapéu preto de copa alta enfeitado com uma pluma. Ele veste uma camisa branca, um casaco preto, uma calça justa amarela e está descalço, segurando uma sombrinha fechada em seus braços.
No final da fila, no canto direito, há dois meninos negros. Um deles, é visto apenas parcialmente.  O primeiro tem cabelos castanhos e curtos e veste uma camisa branca de mangas compridas e uma calça amarela. Ele está descalço. Atrás dele, há outro menino negro e descalço, esse usa uma camisa de mangas curtas bege e uma bermuda bege. 
A casa, à direita, tem paredes brancas, apenas um andar,  uma porta grande em forma de arco, acessada por alguns poucos degraus, e uma janela em forma de arco, fechada, na cor verde. Há alguns ornamentos em relevo na fachada.
Ao fundo, morros e o céu encoberto, em tons de branco e azul claro. 
No chão, o calçamento é feito de pedras na cor bege e há uma tira horizontal de pedras de cor cinza.
Funcionário público saindo de casa com a família, gravura de Jãn Batiste Dêbret, 1835.
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Imagens em contexto!

Na imagem foi representado um homem branco (o patriarca) conduzindo familiares e criados. Nessa sociedade, pautada pela lógica do patriarcalismo, o casamento significava a garantia de respeitabilidade, segurança e ascensão para muitas famílias.

Dica

LIVRO

Mulher e família na América portuguesa, de Luciano Figueiredo. São Paulo: Atual, 2004. (Coleção Discutindo a História do Brasil).

O autor traça nesse livro um panorama dos diferentes tipos de família existentes na América portuguesa dos três primeiros séculos, com destaque para o protagonismo de mulheres.

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. O que era o princípio da guerra justa? De que modo ele foi apropriado pelos colonizadores portugueses na América?
  2. Qual foi a importância do açúcar para a organização da sociedade e da economia coloniais na América portuguesa? Cite exemplos e comente-os.
  3. Defina o que era uma família patriarcal no contexto da sociedade do açúcar.

Analisando o passado

A seguir, são reproduzidos trechos de testamentos e inventáriosglossário glossário produzidos entre 1643 e 1690. Eles revelam diversos aspectos da sociedade colonial portuguesa na América, como a estruturação das famílias e o conceito de propriedade. Leia os textos atentamente e depois faça o que se pede.

TEXTO 1

“Declaro que tenho um moço do gentio da terraglossário da minha obrigação que é meu tio, irmão de minha mãe, casado com uma índia da aldeia e assim por bons serviços que me tem feito reticências o deixo forroglossário glossário e livre.”

Testamento de Antonio Nunes, 1643. In: MONTEIRO, J. Alforrias, litígios e a desagregação da escravidão indígena em São Paulo. Revista de História, número 120, página 49, 1989.

TEXTO 2

“CATARINA RIBEIRO

Inventário e Testamento

saéspi [Sistema de Arquivos do Estado de São Paulo], cx 21, não publicados

Ano: 1690

Documento escrito com tinta ocreglossário já desbotada, com poucas folhas, trechos ilegíveis e outros atacados por traçasglossário .

Anotações de: Regina Moraes Junqueira

Em seu testamento, além de invocaçõesglossário piasglossário , refere-se ao filho André Mendes que tinha lhe dado algum dinheiro. Declarou que a filha Clara Domingues estava inteiradaglossário de seu dote.

Legouglossário a moça Antonia para a filha Maria.

Deixou à neta Ana Luiz um sítio onde ela já morava. Legou um sítio em Boigimirim à neta Ana Vidigal. Declarou que possuía gentios da terra dados a ela pelo neto Diogo Domingues.

Pediu para ser sepultada na Matriz ‘donde tenho cova própria onde estão meus defuntos enterrados’, envolta no hábito de São Francisco.”

Catarina Ribeiro: inventário e testamento, 1690. Projeto Compartilhar. Disponível em: https://oeds.link/YllkUp. Acesso em: 3 fevereiro 2022.

Fotografia. Vista parcial de um manuscrito. Folha de papel amarelada com texto manuscrito em tinta preta, ilegível.
Testamento de Fernão Dias Leme e de sua esposa, Catharina Camacho, escrito em 1632.
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A maioria dos manuscritos produzidos nesse período se parece com esse documento. Por isso, no início do texto 2, há informações registradas em arquivo sobre o estado de conservação do testamento de Catarina Ribeiro, de 1690, guardado no Acervo do Museu de Arte Sacra, em São Paulo (São Paulo).

Responda no caderno.

  1. Do que tratam os textos apresentados?
  2. Com base na análise do texto 1, é possível afirmar que durante o período colonial houve casos de parentesco entre senhores e escravizados? Justifique.
  3. Com base na análise do texto 2, indique a importância da religião para a sociedade colonial.
  4. É comum considerar que a sociedade colonial era centrada no homem, como se apenas ele pudesse ser proprietário e desfrutar de direitos legais. Entretanto, com base em um desses documentos, pode-se observar que a mulher também fazia parte dessa organização. Qual é esse documento? Justifique sua resposta.

A interiorização do território colonial português

Ao longo do século dezessete, a conquista e a exploração econômica do sertão eram importantes atividades dos colonos da vila de São Paulo de Piratininga. Mas o que era o sertão?

Se hoje esse termo geralmente é associado ao semiárido nordestinoglossário , na época da colonização, os portugueses utilizaram essa palavra com um sentido muito diferente. Inicialmente, sertão designava terras consideradas desabitadas e, frequentemente, inóspitasglossário .

No território brasileiro, porém, aquilo que chamavam de sertão compreendia áreas consideradas atraentes pelos portugueses, pela possibilidade de encontrar ouro e pedras preciosas, e perigosas, por causa do medo da natureza selvagem.

Além disso, as terras do sertão não eram desabitadas, pois compreendiam os territórios de povos indígenas que tradicionalmente ocupavam essas áreas.

Gravura. Envolta em uma borda sinuosa, composta de frisos representando flores e ramos, sobre um fundo de papel amarelado, no centro da moldura, uma paisagem em tons de bege.
No centro da gravura, uma pequena cidade com diversas casas e outras construções baixas. Três torres se destacam acima da linha dos telhados das demais construções. Ao fundo, uma serra com vários morros arredondados. 
Em primeiro plano, alguns caminhos de terra, alguns arbustos esparsos e um rio sinuoso. 
A gravura está emoldurada por frisos com flores e há uma placa no centro, na parte superior, com a inscrição: 'Desenho por ideia da cidade de São Paulo'.
Cidade de São Paulo, gravura do século dezoito.

A entrada dos colonizadores no interior do território foi narrada como a história do povoamento português. Ao longo desse processo, milhares de indígenas foram escravizados e mortos para serem substituídos por algumas centenas de brancos.

Em razão disso, a conquista do chamado sertão não foi povoadora, mas um violento processo de despovoamento do território de seus habitantes originários.

Lembra-se da imagem reproduzida na abertura deste capítulo? Do Monumento às bandeiras, erguido em 1954 para celebrar os feitos daqueles que eram tidos como pioneiros e heróis paulistas? Talvez, agora, ele apresente para você outro significado e possa ser encarado como um monumento que narra a violência presente em nossa sociedade contra os povos originários desde o passado colonial.

Jesuítas e bandeirantes

No processo de interiorização do território colonial português, o contrôle sobre a população indígena foi estratégico e causou muitas disputas. Por meio da atividade missionária e das ações conduzidas pelos colonos com o objetivo de apresamento dos nativos, muitas áreas até então desconhecidas pelos portugueses foram incorporadas ao império.

Na ocupação da Amazônia, que você estudará adiante, as duas atividades estiveram presentes, destacando-se as ações conduzidas pelos padres jesuítas e pelos bandeirantes paulistas.

Fotografia. Escultura de uma criança indígena segurando o focinho de um tamanduá. A escultura foi feita em metal de cor preta. A luz do sol incide sobre ela. A peça está sobre um pedestal composto de tijolos de pedra, e há uma pequena placa preta com o texto: 'O índio e o tamanduá'. E abaixo, o nome do artista.
O índio e o tamanduá, escultura de Ricardo sipíquia, da década de 1940. São Paulo (São Paulo). Foto de 2009.
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A escultura retrata uma criança indígena com um tamanduá, mostrando a intensa relação que existe entre os indígenas e a natureza, seu território. Essa obra também se localiza em São Paulo, mas não está em um ponto de grande visibilidade da cidade, como ocorre com o Monumento às bandeiras. A escultura de temática indígena também está muito longe de possuir as grandes dimensões da obra dedicada aos bandeirantes. Perceba como monumentos são escolhas daquilo que, em determinado momento da história, se quer celebrar ou não sobre um povo, uma cultura.

As missões jesuíticas

Como você estudou no capítulo 7, os primeiros jesuítas chegaram à América portuguesa na comitiva do governador-geral Duarte da Costa com a tarefa de manter a fé dos colonos e catequizar os indígenas.

O projeto de cristianização da América ocorreu no contexto das Reformas Religiosas, como você estudou no capítulo 3. Para os padres missionários, os indígenas eram como uma “folha em branco”, na qual os cristãos europeus poderiam gravar a palavra de Deus.

Com essa ideia, os jesuítas organizaram aldeias chamadas missões (algumas vezes também chamadas de aldeamentos ou reduções) com o objetivo de reunir indígenas, convertê-los ao cristianismo e mudar seus hábitos.

Nas missões organizadas pelos jesuítas, os indígenas trabalhavam para produzir o próprio sustento e viviam sob as ordens e os ensinamentos dos padres.

Por estarem separados de vilas e aldeias portuguesas, esses territórios das missões foram alvo de muitos ataques de bandeirantes paulistas.

Fotografia. Construção de pedras de cor marrom, formada por colunas nas laterais, à direita, e uma torre quadrada, à esquerda, em meio a um campo plano coberto por grama verde.
Ruínas da igreja de São Miguel Arcanjo, localizada no Parque Histórico Nacional das Missões, em São Miguel das Missões (Rio Grande do Sul). Foto de 2019.
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Localizada no atual território do Rio Grande do Sul, São Miguel Arcanjo era uma das missões jesuíticas que, com outras seis, formavam os Sete Povos das Missões, onde viviam grupos catequizados jesuítico-guaranis. O sítio histórico foi tombado como Patrimônio Cultural em 1938 e declarado Patrimônio da Humanidade, pela unêsco, em 1983. Já o Parque Histórico Nacional das Missões foi instituído pelo governo brasileiro em 2009.

No processo de catequese, os jesuítas empregaram várias estratégias, que envolviam o uso do teatro, o ensino de música e a realização de autos religiosos e procissões.

Apesar de todo o esforço empregado, os jesuítas encontraram a resistência dos próprios povos indígenas, que, de diversos modos, recusaram-se a seguir os padres.

A oposição vinha também dos colonos interessados em ter os indígenas como mão de obra cativa nos engenhos açucareiros e nas demais atividades coloniais.

É importante destacar que muitos padres jesuítas, como Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, eram favoráveis à dominação dos indígenas. Entretanto, eles afirmavam que os paulistas conseguiam indígenas de fórma ilegal, fóra do princípio da guerra justa.

Por isso, nesse sentido, eles se opunham aos colonos da vila de São Paulo, responsáveis pela organização das bandeiras.

Fotografia. Sobre um fundo de papel amarelado, a planta de um aldeamento jesuíta. Na parte superior, uma grande construção retangular com três pátios internos com uma torre e a fachada principal triangular. 
À frente dela, um grande pátio externo contornado por muitas construções retangulares dispostas em quatro fileiras verticais. As duas fileiras laterais têm cerca de catorze construções. As duas fileiras centrais têm cerca de dez construções, deixando espaço para o pátio, ao centro.
Todas as construções têm paredes brancas, telhados de cor avermelhada e muitas janelas.
Abaixo, no canto esquerdo, dois anjos seguram uma bandeira com inscrições à mão, em tinta preta. No canto direito, algumas construções a partir de outro ponto de vista, lateral e diagonal.
Planta da missão jesuíta de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões Rio Grande do Sul, cêrca de 1756.
Fotografia. Construção branca, retangular, com dois pavimentos, composta de muitas janelas, à esquerda; no centro, há uma torre quadrada de quatro pavimentos, cada pavimento tem um tipo de janela. No primeiro pavimento, uma janela quadrada. No segundo, uma janela retangular, no terceiro, uma minúscula janela redonda, e no quarto, duas janelas em forma de arco. O telhado da torre é triangular coberto por telhas cor de terracota e encimado por uma cruz.
À direita, a construção apresenta três pavimentos, com um frontão triangular com uma cruz em cima. No primeiro pavimento há uma grande porta retangular, onde há algumas pessoas. No segundo, três janelas retangulares. No terceiro, uma pequena janela redonda no centro. 
À frente da construção, um pátio com piso de pedras e duas pessoas, à esquerda, vistas de costas, montando estruturas baixas de metal. Ao fundo, à esquerda, duas árvores. No alto, o céu azul sem nuvens.
Vista da praça do Pátio do Colégio, em São Paulo (São Paulo). Foto de 2019. Os jesuítas fundaram o Colégio de São Paulo nesse local.
As bandeiras

No início do século dezessete, a economia da vila de São Paulo dependia da escravização de indígenas. Para capturar e escravizar os nativos, os colonos paulistas, chamados bandeirantes, organizaram expedições conhecidas como bandeiras.

Nessas expedições, os bandeirantes ultrapassaram os limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, colaborando para ampliar os domínios portugueses na América.

As bandeiras paulistas eram organizadas normalmente por particulares, mas também podiam ser contratadas por autoridades coloniais para combater povos indígenas hostis ou destruir quilombosglossário . Nesses casos, eram chamadas de expedições de sertanismo de contrato. Havia ainda as entradas, expedições financiadas com o apoio da Coroa portuguesa.

Para desbravar o sertão, os bandeirantes se beneficiaram dos conhecimentos da cultura indígena e aprenderam a identificar os potenciais da flora e da fauna. Criaram, assim, uma espécie de cultura híbrida própria da sociedade colonial paulista.

Ilustração. Em uma região de mata, dois homens brancos segurando armas de cano longo, um à esquerda, outro à direita, cercam um grupo de seis pessoas indígenas, homens, mulheres e crianças, no centro da imagem. Vistas de lado, as pessoas indígenas estão seminuas com as mãos amarradas à frente do corpo, atravessando uma ponte feita com um tronco caído. Ao fundo, árvores altas e o céu azul com nuvens brancas.
Ilustração atual, feita com base em gravura do século dezenove de Jãn Batiste Dêbret, representando a captura e o comércio de indígenas escravizados praticados pelos chamados bandeirantes.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

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Na capitania de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo, desenvolveu-se uma economia de subsistência baseada no cultivo de trigo, algodão, uva e outras frutas mediterrânicas e na criação de gado.

O interesse inicial pela escravização de indígenas estava vinculado ao cultivo de trigo na região. Com o tempo, os bandeirantes passaram a ter outros objetivos, como o de encontrar metais e pedras preciosas.

De fórma ilegal, mas constante, essas explorações criavam caminhos que interligavam São Paulo ao Guairá (atual estado do Paraná) e chegavam até as minas de Potosí, controlada pelos espanhóis, no território correspondente ao da atual Bolívia.

No final do século dezessete, foram encontradas as primeiras reservas de ouro na região das Minas Gerais. Devido à rápida urbanização em Minas Gerais, foram organizadas várias viagens para atender à crescente demanda por mantimentos, armas, ferramentas e escravizados.

A descoberta do ouro, como você estudará no capítulo 10, acelerou o processo de ocupação do interior e contribuiu para a ampliação dos territórios portugueses na América.

Analise a trajetória de algumas bandeiras paulistas indicadas no mapa a seguir: a expedição chefiada por Antônio Raposo Tavares foi até a região amazônica, chegando em Belém no ano de 1651.

Bandeiras e missões – 1550-1720

Mapa. Bandeiras e missões. De 1550 a 1720. Mapa representando os limites atuais do Brasil em cor de laranja. Há alguns rios demarcados, setas indicando rotas e ícones espalhados pelo território. Na legenda, uma cruz vermelha indica:  'Missões portuguesas'. Uma cruz verde indica: 'Missões espanholas'. Linhas de cor cinza indicam os 'Limites do Brasil atual'. Setas cor de rosa indicam: 'Grande bandeira de Antônio Raposo Tavares'. Linhas vermelhas indicam: 'Rota de Manuel Preto'. Linhas verdes indicam: 'Rota de Fernão Dias'. No mapa, há  cruzes vermelhas indicando as Missões portuguesas localizadas, sobretudo, no norte do território, ao longo dos rios Madeira e Amazonas até a ilha de Marajó; nos arredores da cidade de Belém; na região ao redor da cidade de São Luís; e algumas na região que hoje corresponde ao Rio Grande do Norte. Há cruzes verdes indicando as Missões espanholas na região entre os rios Guaporé e Mamoré; na região de Itatim, no território que hoje corresponde ao Mato Grosso do Sul; na região que hoje corresponde ao oeste dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em Guairá, Tape e Sete Povos das Missões; e na Colônia do Sacramento, no atual Uruguai. Uma seta rosa, indica a Grande bandeira de Antônio Raposo Tavares, saindo da cidade de São Paulo na direção oeste, passando por Itatim, na região que hoje corresponde ao Mato Grosso do Sul, seguindo até Santa Cruz de la Sierra, na atual Bolívia. De lá, sobe o Rio Madeira e o Rio Amazonas até a foz desse último, perto da Ilha de Marajó. Linhas vermelhas indicam a Rota de Manuel Preto, saindo da cidade de São Paulo na direção oeste até a região entre o Rio Paranapanema e o Rio Paraná. Uma linha verde representa a Rota de Fernão Dias, saindo da região do Rio Doce, no território que hoje corresponde ao território de Minas Gerais, passando pela cidade de São Paulo, atravessando a região que hoje corresponde ao estado do Paraná e seguindo até o oeste do território que hoje corresponde ao Rio Grande do Sul, passando pelos Sete Povos das Missões até encerrar-se na região da Colônia do Sacramento. No canto inferior direito, rosa dos ventos e escala de 0 a 340 quilômetros.

FONTES: VICENTINO, C. Atlas histórico: geral & Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. página 105; Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: fei , 1991. página 24, 58.

Ícone. Ilustração de um símbolo de localização sobre um folheto aberto e em branco, indicando o boxe Se liga no espaço!

Se liga no espaço!

Responda no caderno.

Analise o mapa: onde se concentrava a maior parte das missões portuguesas? Elabore uma hipótese para justificar essa concentração. Depois, explique como a ação de bandeirantes e jesuítas ajudou a ampliar as áreas de domínio português na América.

Vamos pensar juntos?

Você já deve ter lido textos ou assistido a vídeos sobre o Quilombo dos Palmares. Localizado na Serra da Barriga, na então capitania de Pernambuco, o local chegou a abrigar milhares de pessoas por volta de 1670, entre escravizados africanos e indígenas e indivíduos de diversas outras origens.

Você vai estudar melhor esse quilombo no capítulo 11, mas o que você talvez não saiba é que a repressão a Palmares contou com a participação de um bandeirante paulista: Domingos Jorge Velho.

Conhecido como caçador de indígenas e africanos escravizados, ele viveu entre os anos de 1641 e 1705. Morreu, portanto, no início do século dezoito e nunca foi retratado em vida. Quase dois séculos depois, o governo de São Paulo ordenou a elaboração de um quadro do bandeirante para ser exposto no recém-criado Museu Paulista. A tarefa foi confiada ao pintor Benedito Calixto, que finalizou a obra em 1903.

Na imagem inventada pelo pintor brasileiro, a pose altivaglossário e os trajes suntuososglossário de Domingos Jorge Velho contribuíram para imortalizar o personagem como símbolo de uma geração de paulistas responsáveis pela grandeza territorial do Brasil. Sobre o processo de elaboração do quadro, leia o que o historiador Paulo César Garcez escreveu.

“Benedito calísto, autor da pintura, utilizou para a composição formal do protagonista uma pose característica dos reis franceses da dinastia Bourbon, inaugurada por riassãnti rigô nos célebres retratos em que representara a majestade monárquica de Luís catorze. Esta solução pictórica adotada por Calixto ligava-se à necessidade de conferir ao retratado a maior dignidade possível, de maneira a evidenciar seu caráter altivo, atributo daquele que passava ser compreendido como um dos heróis da saga histórica simultaneamente paulista e brasileira.”

MARINS, P. C. G. Nas matas com pose de reis: representação de bandeirantes e a tradição retratística monárquica europeia. Revista do iébi, número 44, página 79, fevereiro 2007.

Outros pintores, como Miguel antónio do Amaral, utilizaram a técnica de riassãnti rigô para retratar monarcas europeus.

Para pintar seu quadro, Benedito calísto baseou-se em um dos mitos da historiografia paulista, criado entre o final do século dezenove e o início do século vinte: o dos bandeirantes como desbravadores do sertão, heróis que contribuíram para a construção da grandeza do país ampliando as fronteiras territoriais.

Esse mito de origem paulista conferia ao estado de São Paulo pioneirismo e protagonismo na formação do Brasil.

Pois bem, de lá para cá, essa imagem heroica passou a ser sistematicamente questionada por causa da crueldade e da violência da ação dos bandeirantes, responsáveis pela escravização e pela morte de milhares de indígenas.

Pintura. Retrato de um um homem visto de corpo inteiro, em pé, em uma sala ricamente decorada.  O homem está com o corpo levemente voltado para a direita. Uma mão na cintura e a outra estendida para o lado, apoiada em um cetro apoiado no chão e disposto verticalmente. Um dos pés está à frente do outro. A cabeça está levemente voltada para a direita com uma expressão altiva e serena. Ele foi representado no centro da imagem.
É um homem de cabelos compridos, encaracolados e brancos, usando um longo manto vermelho com aspecto aveludado e forro branco com pintinhas pretas preso na altura do peito com um broche com pedras brilhantes, um casaco vermelho escuro adornado com bordados dourado usado por cima de uma camisa branca de gola alta e punhos rendados, uma calça de aspecto aveludado vermelha escura  com bordados dourados nas laterais, meias brancas longas té a altura dos joelhos usadas por cima da calça, sapatos pretos de salto com fivela quadrada. Preso ao pescoço por uma fita vermelha, há um grande crucifixo vermelho com pedras brilhantes.
No fundo da sala, há uma espécie de cortina feita com um tecido verde de aspecto aveludado pendurado na parede à esquerda; atrás do homem, à esquerda, há um trono dourado forrado com tecido vermelho e detalhes dourados. Do lado direito, há uma coluna cinza ao fundo, e, logo abaixo, uma mesa coberta por uma toalha de aspecto aveludado vermelha escura. Sobre a mesa, há uma coroa dourada e vermelha decorada com pérolas, com uma cruz no topo colocada em cima de uma almofada vermelha. Ele tem a mão esquerda apoiada em um cetro firmado no chão e disposto verticalmente.
Retrato de José primeiro de Portugal, pintura de Miguel António do Amaral, cêrca de 1773.
Pintura. Em um local aberto, dois homens vistos dos joelhos para cima. Um deles, em primeiro plano, à esquerda, e o outro em segundo plano, à direita. Eles estão em uma região de mata, com uma montanha no fundo à esquerda e árvores e vegetação à direita.  
O homem à esquerda está com o corpo levemente voltado para a direita. Um braço escondido sob um casaco em seus ombros e o outro estendido para o lado, com a mão apoiada no cano de uma arma colocada verticalmente. A cabeça está  voltada para a frente com uma expressão altiva e severa.
Ele tem cabelos curtos e brancos, uma longa barba branca, um bigode espesso na cor marrom, usa um chapéu de abas largas na cor marrom, camisa azul com punhos brancos, calças marrons e botas de cano alto marrons até a altura das coxas.  Sobre um dos ombros, à esquerda, ele leva um casaco preto de aspecto aveludado com lapela e bordas vermelhas, seu braço está oculto sob o casaco. Tem um cinto marrom e uma pistola presa ao cinto. Atravessando o peito, usa uma faixa diagonal marrom, sobre a qual está preso um facão. Ele tem um dos braços apoiado em uma arma de cano longo firmada no chão à direita.
O homem à direita, mais ao fundo tem cabelos até a altura do queixo, lisos e pretos, um bigode preto e o rosto redondo. Ele usa um chapéu de abas de cor marrom, uma blusa azul de mangas compridas com gola e punhos brancos, uma proteção de metal cobrindo os ombros e a parte superior do peito,  calças de cor bege e botas marrons de cano alto até a altura das coxas. Tem uma faixa marrom atravessando o peito na diagonal e usa um cinto marrom em que está presa uma espada atada à sua cintura.
O mestre de campo Domingos Jorge Velho e seu lugar-tenente Antônio Fernandes de Abreu, pintura de Benedito Calixto, 1903.

A representação desses personagens em diversos monumentos no estado de São Paulo alimenta um importante debate sobre a questão da memória histórica. O que é lembrado e o que é esquecido quando são resgatados personagens e eventos do passado?

Responda no caderno.

  1. Identifique e caracterize duas visões conflitantes sobre os bandeirantes paulistas.
  2. Quais são as semelhanças entre o quadro de Benedito calísto e o de Miguel antónio do Amaral?
  3. De acordo com o que você estudou neste capítulo, elabore uma hipótese para explicar a aproximação feita por Benedito calísto entre a imagem de Domingos Jorge Velho e a do rei José primeiro de Portugal.

Outras atividades econômicas nos primeiros séculos de colonização

Além da produção do açúcar para exportação, outras atividades econômicas se desenvolveram na América portuguesa. Nesse período, a exploração das chamadas drogas do sertão – produtos como cravo, baunilha, pimenta e urucum – cumpriu o importante papel de evitar a invasão da região amazônica por europeus de outros países.

O governo português tomou, ainda, outras medidas de ocupação do território, como a construção de fortificações e a fundação de vilas em diferentes partes da América portuguesa.

Além da produção do açúcar e da extração das chamadas drogas do sertão, muitas outras atividades estavam relacionadas ao abastecimento da população local, como a criação de gado para obtenção de carne, leite e couro e o cultivo de trigo, mandioca, milho e feijão.

A pecuária avançou pelo interior da colônia, principalmente no Nordeste, a partir do século dezessete e, depois, desenvolveu-se no Sul e no Sudeste, o que contribuiu para a expansão da ocupação do território pelos portugueses.

Fotomontagem. Sobre tábuas de madeira de cor marrom avermelhada com folhas verdes, acima e abaixo, há seis vegetais dispostos em duas fileiras horizontais, cada uma delas com  três produtos. 
Na primeira fileira, no alto, sobre círculos cor de abóbora, há dois frutos de cacau, um fechado (de formato oval, com linhas verticais e tons de verde, amarelo e marrom) e outro, à direita, parcialmente aberto, revelando sementes brancas de tamanho médio dispostas em duas fileiras de gomos, à esquerda, há uma cumbuca com muitas sementes de cacau secas, torradas, na cor marrom. 
No centro, sobre círculos cor de abóbora, há frutos de guaraná. Há um ramo central marrom com diversos frutinhos arredondados em tons de cor de laranja e vermelho, alguns deles têm um centro branco e uma ponta arredondada preta. 
À direita, sobre círculos cor de abóbora, há uma porção de cravos-da-índia, pequenos botões de flor, secos, com a base marrom e um centro amarelado. 
Abaixo, na segunda fileira, à esquerda, sobre círculos cor de abóbora, há três metades de frutos abertos de castanha. Os frutos estão cortados ao meio e têm a aparência de ouriços marrons. Dentro deles, há uma fina camada de polpa branca e diversas castanhas com casca espessa, de aparência dura e cor marrom.
No centro, sobre círculos cor de abóbora, há uma porção de favas de baunilha, frutos semelhantes a vagens finas e compridas de cor marrom. 
À direita, sobre círculos cor de abóbora, há três frutos de urucum, dois deles abertos ao meio, e um fechado. Também há um montinho de pó de urucum vermelho abaixo. Os frutos parecem pequenos ouriços de cor marrom avermelhada, têm uma polpa branca espessa e muitas pequenas sementes vermelhas em seu interior. O pó tem um aspecto fino e um tom vermelho alaranjado.
Fotomontagem atual com imagens de algumas das chamadas drogas do sertão: acima, da esquerda para a direita, cacau, guaraná e cravo; abaixo, da esquerda para a direita, castanha, baunilha e urucum.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

As chamadas drogas do sertão formavam um amplo conjunto de espécies vegetais aromáticas, raízes e frutos (nativos ou aclimatados) da região dos atuais estados do Amazonas, do Pará e do Maranhão, que eram consumidos na Europa como drogas medicinais, temperos ou tinturas. Para a extração desses produtos da floresta, o trabalho e o conhecimento dos indígenas eram indispensáveis.

Também eram relevantes a produção de fumo, aguardente e farinha de mandioca, muito utilizados nas negociações estabelecidas na costa da África para a compra de escravizados.

O cultivo de trigo ocorria principalmente nos arredores da vila de São Paulo e se destinava, sobretudo, às cidades do litoral, cujos principais consumidores eram senhores de engenho, comerciantes e funcionários do Estado português que viviam no Rio de Janeiro.

Essa produção interna era crescente e ganharia novos contornos com a exploração do ouro no século dezoito. Mas esse tema será aprofundado adiante.

Pintura. Sobre um fundo representando um céu nublado, em tons de cinza com muitas nuvens, na parte inferior da imagem, sobre uma bancada em tons de cinza, há algumas raízes de mandioca. Umas inteiras (à direita), outras cortadas no meio, (à esquerda). 
As raízes tem casca marrom e polpa em tons de amarelo claro e branco. 
Do lado direito, ocupando desde o alto até a base da pintura: a planta da mandioca. Com ramos finos de cor marrom, caules finos verdes caindo para as laterais e ramos verdes compostos por cerca de cinco folhas finas e compridas.
Natureza morta com vegetais, pintura de álbert équirráut , 1640.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

O consumo de mandioca foi muito importante para a sociedade colonial. A farinha obtida de seu processamento durava bastante e podia ser transportada em longas viagens. Além do milho e do feijão, ela abastecia o mercado interno colonial. No século dezessete, os pintores frãns pôst e álbert équirráut , encarregados de retratar a América portuguesa para os europeus, registraram em suas telas a raiz americana.

Dica

LIVRO

Farinha, feijão e carne-seca: um tripé culinário, de Paula Pinto e Silva. São Paulo: Senac, 2005.

Nessa obra de linguagem acessível, é apresentado um panorama da cozinha na sociedade colonial da América portuguesa. Você poderá perceber por que a alimentação é um dos principais aspectos da cultura de um povo.

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. Explique o papel dos jesuítas na colonização da América portuguesa.
  2. De que modo os bandeirantes se beneficiaram dos conhecimentos indígenas? Cite exemplos.
  3. Além do açúcar, cite outras duas atividades econômicas desenvolvidas nos primeiros séculos de colonização da América portuguesa. Explique a importância de cada uma delas.

Atividades

Responda no caderno.

Organize suas ideias

1. (enêm-Méqui-adaptada) Em seu caderno, identifique a alternativa correta.

“O açúcar e suas técnicas de produção foram levados à Europa pelos árabes no século oito, durante a Idade Média, mas foi principalmente a partir das Cruzadas (séculos onze e treze) que a sua procura foi aumentando. Nessa época passou a ser importado do Oriente Médio e produzido em pequena escala no sul da Itália, mas continuou a ser um produto de luxo, extremamente caro, chegando a figurar nos dotes de princesas casadoiras.”

CAMPOS, R. Grandeza do Brasil no tempo de Antonil (1681-1716). São Paulo: Atual, 1996.

Considerando o conceito do Antigo Sistema Colonial, o açúcar foi o produto escolhido por Portugal para dar início à colonização brasileira, em virtude de
  1. o lucro obtido com o seu comércio ser muito vantajoso.
  2. os árabes serem aliados históricos dos portugueses.
  3. a mão de obra necessária para o cultivo ser insuficiente.
  4. as feitorias africanas facilitarem a comercialização desse produto.
  5. os nativos da América dominarem uma técnica de cultivo semelhante.
  1. Em seu caderno, identifique quais dos objetivos a seguir faziam parte das expedições dos bandeirantes paulistas:
    1. a expansão das fronteiras territoriais da América portuguesa.
    2. a procura por novas áreas de plantio.
    3. a conversão e a catequese de indígenas.
    4. o apresamento de indígenas.
    5. a procura por metais preciosos.

Aprofundando

  1. Nos séculos dezenove e vinte, em muitos livros sobre o período colonial brasileiro (a chamada América portuguesa) o papel da escravidão indígena foi reduzido, sustentando-se até mesmo a ideia de que os indígenas não haviam sido escravizados por serem “preguiçosos” ou “inaptos para o trabalho”. Como base no que você estudou, elabore um pequeno texto que ofereça argumentos que questionem essa visão.
  2. A Mata Atlântica é o bioma brasileiro mais ameaçado pela ação predatória humana desde o primeiro período da colonização europeia no território do atual Brasil. Sobre esse assunto, leia o texto a seguir e depois faça o que se pede.

“Amplos espaços cobertos de florestas virgens e solo fértil possibilitaram a crescente expansão da agricultura em novas áreas, movida pelo desmatamento e pelas queimadas. Uma vez instalados, os engenhos de açúcar demandavam grandes quantidades de lenha para as caldeiras e de madeira para a construção e reparos de equipamentos e instalações. reticências O baixo nível técnico, sob o qual desenvolveu-se a agricultura na colônia, completou o desgaste e a esterilização dos solos.”

MARTINEZ, P. H. História ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006. página 77.

  1. Qual é o gênero agrícola a que o texto faz referência?
  2. A qual atividade econômica ele está ligado?
  3. A expansão da agricultura ocorreu em quais áreas? Quais foram as técnicas empregadas?
  1. Explique o emprego da lenha e da madeira nos engenhos de açúcar.
  2. Quais foram as consequências dessa atividade econômica para o bioma da Mata Atlântica no período colonial?

5. (Fuvésti-São Paulo - adaptada) Analise as seguintes fotos.

Fotografia. Diante de um fundo preto com um arco de cor bege em relevo na parede, no centro, há uma escultura representando um homem visto de corpo inteiro. A estátua foi esculpida em mármore de cor branca. O homem está com os dois pés paralelos fixados sobre um pedestal do mesmo material, uma das pernas levemente flexionada, o quadril levemente flexionado lateralmente, um dos ombros abaixado, o braço flexionado segurando um canudo de papel com a mão. O outro ombro elevado, o cotovelo flexionado e a lateral da mão apoiada na testa, como se estivesse avistando algo.
Ele tem cabelos ondulados, cheios e curtos, sob um chapéu de abas largas. Usa um casaco comprido até os quadris, fechado por botões, um cinto na cintura, uma arma presa na cintura, uma faixa cruzando o peito diagonalmente, calças compridas  e botas de cano alto logo abaixo dos joelhos. Nas costas, usa uma espécie de capa, esvoaçando à esquerda.
Fotografia. Diante de um fundo preto com um arco de cor bege em relevo na parede, no centro, há uma escultura representando um homem visto de corpo inteiro. A estátua foi esculpida em mármore de cor branca. O homem está com os dois pés paralelos fixados sobre uma base do mesmo material, um dos joelhos levemente flexionado, um dos braços flexionado à frente do corpo e apoiado em uma arma de cano longo firmada no pedestal, o outro flexionado na altura do peito segurando um objeto pequeno, como uma pedra média arredondada.
Ele tem a cabeça levemente inclinada para a direta e os olhos baixos, observando a pedra que segura em uma das mãos. 
O homem tem cabelos cheios, curtos, encaracolados, usa uma barba comprida até o peito, usa um chapéu de abas largas viradas para cima. Veste um casaco comprido até os quadris, fechado por botões, uma faixa cruzando o peito diagonalmente, calças compridas e botas de cano alto logo abaixo dos joelhos. Nas costas, usa uma espécie de capa, drapeada.
Na primeira imagem, estátua de Antônio Raposo Tavares; na segunda, estátua de Fernão Dias Paes Leme. Ambas estão no salão de entrada do Museu Paulista, São Paulo.
Essas duas estátuas representam bandeirantes paulistas do século dezessete e trazem conteúdo de uma mitologia criada em torno desses personagens históricos.
  1. Caracterize a mitologia construída em torno dos bandeirantes paulistas.
  2. Indique dois aspectos da atuação dos bandeirantes que, em geral, são omitidos por essa mitologia.

6. No contexto da colonização da América portuguesa, havia leis que legitimavam a posse de pessoas. Essas leis foram desconstruídas com a Lei de 6 de junho de 1755 e com a abolição do cativeiro negro (1888). A extinção legal da escravidão, no entanto, não garantiu a superação das práticas escravistas em território nacional. Só no ano de 2020, o Ministério Público do Trabalho (ême pê tê) recebeu mais de 6 mil denúncias de trabalhos forçados e em condições degradantes. Leia a seguir a definição de trabalho análogo à escravidão presente no Código Penal.

Artigo. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou prepostoglossário .”

BRASIL. Lei número .10803, de 11 de dezembro de 2003. Disponível em: https://oeds.link/4wYHCk. Acesso em: 3 fevereiro 2022.

Faça uma pesquisa e produza um texto argumentativo-dissertativo sobre o assunto, propondo soluções para esse problema.

Glossário

Neerlandês
: nascido nos Países Baixos (Holanda). No Brasil, os termos Holanda e holandês são mais difundidos, embora se refiram apenas a uma das regiões dos Países Baixos. Em razão de ser mais usual, nos livros desta coleção foi empregado o termo holandês.
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Mestre de açúcar
: responsável pela qualidade do produto e pela supervisão de todo o processo de produção.
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Purgador
: responsável pelo processo de clareamento do açúcar.
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Guerra justa
: princípio estabelecido por Santo Agostinho, com base no qual se determinavam os casos em que o cristão podia recorrer às armas. A guerra justa devia ser defensiva e destinar­‑se à reparação de uma injustiça. Na América, ela foi justificada diante da aliança de indígenas com povos europeus inimigos dos portugueses, por exemplo.
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Inventário
: levantamento dos bens de uma pessoa, feito após sua morte.
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Gentio da terra
: expressão utilizada antigamente para se referir aos indígenas.
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Forro
: alforriado, liberto da condição de escravizado.
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Ocre
: cor alaranjada.
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Traça
: neste caso, traça de livro, inseto de coloração acinzentada, de hábito noturno, que come papel.
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Invocação
: neste caso, um manifesto de fé e de boas intenções antes de passar a mencionar bens materiais.
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Pio
: religioso.
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Inteirar
: saber, estar ciente.
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Legar
: deixar como herança.
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Semiárido nordestino
: região em que predomina o bioma da Caatinga e que apresenta clima seco e quente e chuvas concentradas em poucos meses do ano.
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Inóspito
: que apresenta características consideradas inadequadas à sobrevivência do ser humano.
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Quilombo
: território escondido e fortificado onde viviam, entre outras pessoas, africanos escravizados que fugiam do cativeiro.
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Altivo
: ilustre, pomposo.
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Suntuoso
: luxuoso.
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Preposto
: pessoa nomeada para dirigir uma empresa.
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