CAPÍTULO 11 Diáspora africana
Você já imaginou como seria perder sua liberdade, ter de trabalhar para outra pessoa durante longas horas, sem receber remuneração e com possibilidades remotas de se tornar livre novamente? Sabia que, ainda hoje, existem milhões de pessoas submetidas a essas condições?
Responda oralmente.
- Com base no que você estudou até aqui, caracterize a escravidão.
- Você conhece o significado da palavra análogo? E de trabalho análogo ao de escravo? Quais são as condições de trabalho análogas às de escravidão?
- Com base na leitura da tira, responda: como suas escolhas de consumo podem ajudar no combate ao trabalho nessas condições?
Escravidão: presente e passado
É possível que você já tenha observado representações do trabalho escravo antigo e moderno em filmes, novelas, séries e quadrinhos. Além disso, provavelmente já entrou em contato com notícias sobre denúncias de trabalho em condições análogas às de escravidão no país. Você sabe quais são as diferenças entre a escravidão antiga, a moderna e o trabalho em condições análogas às de escravidão?
Trabalhadores resgatados de condições análogas às de escravidão por atividade no Brasil – 2018
FONTE: Trabalho escravo no Brasil. Jornal Joca, 3 maio 2018. Disponível em: https://oeds.link/EiJnC8. Acesso em: 9 fevereiro 2022.
Imagens em contexto!
Em condições de trabalho análogo ao de escravizado, a pessoa é obrigada a viver em situação precária, submeter-se a jornadas exaustivas e a cobranças indevidas (pelo uso de instrumentos de trabalho, por exemplo). Geralmente, as pessoas aceitam essa condição por terem sido ameaçadas ou por terem contraído dívidas. No Brasil, essa prática é considerada crime.
A escravidão foi praticada por diversas sociedades antigas. No mundo greco-romano, por exemplo, pessoas de origens diversas eram privadas de liberdade e obrigadas a trabalhar para um senhor como pagamento por dívidas ou após terem sido aprisionadas em guerras.
Aos poucos, os escravizados foram transformados em mercadorias. Isso ocorreu em um processo com intensidade e alcance variados, em que a escravidão conviveu com outras fórmas de trabalho, livres e compulsóriasglossário .
Imagens em contexto!
O monumento foi construído no local onde cêrca de 2 milhões de pessoas escravizadas foram embarcadas do Reino de Daomé para a América. No período moderno, o litoral do Benin ficou conhecido como Costa dos Escravos. Lá se encontrava o terceiro principal porto de embarque de escravizados.
Escravidão moderna
A escravidão moderna foi estabelecida nos períodos da história conhecidos como Idade Moderna e Idade Contemporânea. Ela foi parte fundamental da expansão ultramarina europeia, na qual a Europa, a África, a América e outras partes do planeta foram interligadas por redes comerciais. Essas redes favoreceram o enriquecimento dos traficantes de seres humanos.
A escravidão foi a base da formação da economia e das sociedades coloniais na América. Isso significa que o comércio de pessoas escravizadas foi essencial para a geração de lucro na etapa da economia mundial regida por um sistema que ficou conhecido como capitalismo comercial ou mercantilismo.
Diferente da escravidão antiga, a escravidão moderna foi racializada, isto é, baseou-se na falsa ideia de que haveria desigualdades inerentesglossário às supostas raças humanas, criando estereótipos e reforçando preconceitos a fim de justificar a sujeição de alguns grupos humanos a outros. A construção desses argumentos pseudocientíficosglossário ocorreu, sobretudo, no século . Antes disso, até discursos de ordem dezenove teológicaglossário foram usados para tentar legitimar a escravidão.
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A obra encena a importância da memória ancestral e os significados da Árvore do Esquecimento, localizada na cidade de Ajudá, atual República do Benin. Antes de embarcar para a América, os escravizados que eram levados do Porto de Ajudá, no Benin, deviam passar pela Árvore do Esquecimento. Os homens eram obrigados a dar nove voltas em torno da árvore e as mulheres, sete. Esse ritual era realizado para que eles se esquecessem de suas origens e memórias, importantes fórmas de resistência.
Escravidão: pretextos e consequências
No século , com o apoio da Igreja Católica, os europeus alegavam que a escravidão era uma quinze fórma de converter os pagãosglossário ao cristianismo e combater os infiéisglossário que viviam na África.
Além disso, difundiram a ideia de que a escravização dos africanos era decorrência de uma maldição original. Para justificar essa ideia, eles diziam que os africanos eram descendentes de Cam, personagem de uma história bíblica do Antigo Testamento. De acordo com essa história, Cam foi condenado a ser servo dos servos porque contou aos irmãos que viu seu pai, Noé, bêbado e nu.
Por séculos, tais pretextos foram utilizados para legitimar o comércio e a migração forçada de seres humanos à América, bem como a sujeição ao escravismo e a diversas fórmas de violência.
No Brasil, as consequências de mais de trezentos anos de escravidão são perceptíveis, por exemplo, nas diversas manifestações de racismo nas ruas e nas redes sociais e nos índices de desigualdade econômica entre a população negra (com ascendência de negros africanos) e a branca.
Inserção da população negra no mercado de trabalho no Brasil
FONTE: í bê gê É. Desigualdades por cor ou raça no Brasil. Estudos e Pesquisas. Informação Demográfica e Socioeconômica. Rio de Janeiro: í bê gê É, número 41, 2019. página1-12.
A escravidão na África antes dos europeus
A África é um continente geográfica e culturalmente muito diverso. Antes da chegada dos europeus no século quinze, nesse continente havia escravidão, assim como em outras partes do mundo.
É incorreto, porém, dizer que os africanos escravizavam uns aos outros. Isso porque naquela época não existia um sentimento de identidade africana. Havia distintas aldeias, conjuntos de aldeias, reinos e impérios. Alguns deles compartilhavam costumes e culturas; outros não.
Como era comum no período, algumas dessas diferentes sociedades escravizavam povos inimigos em guerras e pessoas estranhas a seu universo político-cultural. Pessoas eram escravizadas também como pagamento por dívidas ou como punição por crimes e transgressões.
Nas aldeias que se desenvolveram na região ao sul do Deserto do Saara, conhecida como África Subsaariana, o trabalho escravo existia como no oîkosglossário grego. Os escravizados, na maioria das vezes mulheres (preferidas pela possibilidade de ter filhos), atuavam principalmente no serviço doméstico e na agricultura, realizando tarefas como a busca de água, o córte de lenha e o cultivo de produtos agrícolas. Os filhos de mulheres escravizadas com homens livres não eram escravizados, embora tivessem menos direitos que os nascidos de mães livres.
Nas cidades e nos reinos estabelecidos no Sael (faixa de transição entre o Deserto do Saara e a savana africana), o número de escravizados era maior. Além de realizar tarefas domésticas, eles atuavam nos exércitos, na produção de alimentos nas fazendas reais e na extração mineral de produtos, como ouro ou sal.
As condições de vida dos escravizados domésticos e daqueles que serviam o exército eram menos insalubresglossário que as dos demais. Eles recebiam alimentação e vestimentas melhores e, eventualmente, podiam conquistar a liberdade. Além disso, o trabalho nas fazendas reais e nas minas era mais pesado e submetido à vigilância constante.
Até a expansão islâmica pelo continente africano, iniciada no século , os principais meios para escravização de pessoas eram a guerra contra povos rivais, as sete raziasglossário e os sequestros. A ocupação islâmica no norte do continente, contudo, alterou profundamente essa situação.
As trocas comerciais na região foram intensificadas pela presença de mercadores, que passaram a comprar escravizados para depois vendê-los no Oriente Médio, na Ásia e na Europa. Com a crescente demanda por escravizados, aumentaram as guerras entre as sociedades africanas para capturar cativos, que se transformaram em importante mercadoria.
A partir do século quinze, as redes comerciais da região foram novamente redimensionadas com a presença dos europeus, que transformaram o tráfico de seres humanos em uma das atividades mais lucrativas da Idade Moderna.
Imagens em contexto!
As imagens produzidas pelos europeus sobre a África combinavam imaginação e estereótipos, destacando supostos “tipos” africanos, sem nome ou identidade, distinguindo os diferentes povos apenas por traços físicos, vestimentas ou costumes. Nas laterais deste mapa, por exemplo, foram representados, de maneira estereotipada, povos que vivem nos atuais Marrocos, Senegal, Congo e Moçambique, entre outros da África.
A diáspora africana e o tráfico transatlântico
Entre os séculos quinze e dezenove, aproximadamente 12 milhões de africanos foram conduzidos forçadamente, em embarcações que atravessaram o Oceano Atlântico, a diferentes partes do continente americano para trabalhar na condição de escravizados.
Na diáspora africanaglossário , a África, a América e a Europa foram interligadas. Mas como começou essa que pode ser considerada uma das piores tragédias da história?
As diferentes fases do tráfico de escravizados
A integração dos africanos escravizados aos circuitos comerciais europeus começou com as primeiras incursões dos portugueses na costa da África, em meados do século quinze, e se ampliou a partir do século dezesseis, com o início da colonização da América. Destacar esse momento é importante, porque reforça a especificidade histórica que o escravismo moderno assumiu com a expansão marítima europeia.
Quando os portugueses chegaram à África Subsaariana, atravessando o Cabo Bojador em 1434, a população local resistiu às incursões daquelas embarcações desconhecidas. Assim, os portugueses buscaram estabelecer trocas comerciais amistosas com a elite das sociedades africanas e construir feitorias que servissem de entreposto para o comércio de ouro e escravizados.
Inicialmente, os integrantes da elite das comunidades da África Ocidental trocaram os cativos que possuíam por contas de vidro, caurisglossário e manilhasglossário , além de outros objetos usados como moeda. Mais tarde, passaram a aceitar, em troca dos escravizados, armas de fogo, pólvora, cavalos e outras mercadorias.
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O Atlântico vermelho corresponde a uma série de obras que combinam diferentes técnicas para abordar as cicatrizes geradas pelo tráfico de escravizados e afirmar a representatividade dos africanos e seus descendentes.
O crescente interesse dos europeus pelo comércio de escravizados transformou o funcionamento dessas sociedades, intensificando as guerras e as razias, bem como os sequestros e a aplicação da pena de escravização como punição. O uso das armas de fogo fornecidas pelos europeus dificultou a resistência de aldeias e pequenas cidades aos exércitos que se formaram para capturar pessoas. Assim, os conflitos se alastraram pelo interior do continente africano.
Os mais procurados eram homens e jovens, de 14 a 30 anos, mas a escravização atingia também mulheres, crianças e homens mais velhos, que eram vendidos a preços mais baixos.
Os europeus e seus descendentes nascidos na África atuaram como mercadores ao lado de africanos. Após a captura, esses mercadores, chamados pombeiros, transportavam os escravizados até as cidades costeiras, onde os vendiam a integrantes da elite local, que os comercializavam com os traficantes.
Com o tempo, até habitantes de grandes cidades e reinos passaram a ser capturados. Os conflitos pela busca de escravizados provocaram disputas internas e a fragmentação política de diversos Estados africanos. No interior da África, algumas regiões sofreram com o decréscimo de população. Em contrapartida, houve aumento populacional nas regiões litorâneas, onde ocorria o embarque de escravizados.
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Na Idade Moderna, foram produzidas muitas plantas de navios negreiros como esta, além de documentação de embarque e desembarque em portos diversos pelo mundo e até diários de bordo. Hoje, graças aos esforços de muitos estudiosos, é possível identificar, por meio dos arquivos, os portos de partida, de escala e de chegada de navios usados para transportar pessoas escravizadas, sendo possível estimar o número médio de africanos transportados.
Agora é com você!
Responda no caderno.
- Diferencie a escravidão antiga da escravidão moderna.
- Cite três consequências atuais da escravidão para a sociedade brasileira.
- Que relações podem ser estabelecidas entre a colonização da América e o tráfico transatlântico de africanos escravizados?
Cruzando fronteiras
O tráfico transatlântico de africanos escravizados para o Brasil durou aproximadamente três séculos, entre 1550 e 1850. De acordo com dados registrados, o primeiro desembarque de cativos no atual território brasileiro ocorreu em Pernambuco, na década de 1560.
As viagens eram realizadas por particulares, governos e companhias mercantis e deixaram numerosos registros navais, portuários, fiscais e contábeis. Por meio da consulta desses documentos, pode-se afirmar, com certo grau de precisão, o número de pessoas afetadas pela diáspora africana.
Entre a segunda metade do século dezesseis e a proibição do tráfico pela Lei Eusébio de Queirós, em 1850, aproximadamente 5,5 milhões de seres humanos foram vendidos no Brasil, que se tornou o maior importador de africanos escravizados da América.
Praticamente no mesmo período (entre 1500 e 1850), de acordo com estimativas do historiador Luiz Felipe de Alencastro, 750 mil portugueses vieram para o Brasil. Isso significa que, de cada grupo de cem pessoas que chegavam ao Brasil, 86 eram africanos escravizados e 14, colonos portugueses.
A tabela a seguir foi retirada do site Slave Voyages, dedicado a divulgar os estudos sobre a dispersão de africanos escravizados pelo mundo atlântico. Leia atentamente os dados e, em seguida, faça as atividades propostas.
Região de desembarque/ Período |
Europa |
América do Norte |
Caribe britânico e francês |
América espanhola |
Brasil |
África |
Total |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1501-1525 |
637 |
0 |
0 |
12.726 |
0 |
0 |
13.363 |
1526-1550 |
0 |
0 |
0 |
50.763 |
0 |
0 |
50.763 |
1551-1575 |
0 |
0 |
0 |
58.079 |
2.928 |
0 |
61.007 |
1576-1600 |
266 |
0 |
0 |
120.349 |
31.758 |
0 |
152.373 |
1601-1625 |
120 |
0 |
681 |
167.942 |
184.100 |
0 |
352.803 |
1626-1650 |
0 |
141 |
34.673 |
86.420 |
193.549 |
267 |
315.050 |
1651-1675 |
1.597 |
5.508 |
135.527 |
41.594 |
237.860 |
3.470 |
425.556 |
1676-1700 |
1.922 |
14306 |
284.592 |
17.345 |
294.851 |
575 |
613.591 |
1701-1725 |
182 |
49.096 |
439.446 |
49.311 |
476.813 |
202 |
1.015.050 |
1726-170 |
4.815 |
129.004 |
689.950 |
21.178 |
535.307 |
612 |
1.380.866 |
1751-1775 |
1.230 |
144.468 |
1.071.814 |
25.129 |
528.156 |
670 |
1.771.467 |
1776-1800 |
28 |
36.277 |
1.117.127 |
79.820 |
670.655 |
1 967 |
1.905.874 |
1801-1825 |
0 |
93.000 |
279.571 |
286.384 |
1.130.752 |
39 034 |
1.828.741 |
1826-1850 |
0 |
105 |
38.453 |
378.216 |
1.236.577 |
111.771 |
1.765.122 |
1851-1875 |
0 |
476 |
0 |
195.989 |
8.812 |
20.332 |
225.609 |
Total |
10.797 |
472.381 |
4.091.834 |
1.591.245 |
5.532.118 |
178.900 |
11.877.275 |
FONTE: Tráfico transatlântico de escravos. Slave Voyages. Disponível em: https://oeds.link/kmICx0. Acesso em: 10 fevereiro 2022.
Imagens em contexto!
Depois de uma viagem pelo Brasil, rugêndas, identificado com a causa abolicionista, realizou uma série de gravuras publicadas em 1835. Em Negros no porão, o artista denuncia o horror dos navios de transporte de escravizados. No século dezenove, à luz da sensibilidade da época, a imagem foi interpretada como propaganda abolicionista, pois retratava a desumanização e a insalubridade dos porões escuros apinhados de pessoas durante a longa travessia atlântica.
Responda no caderno.
- Identifique o período em que o tráfico transatlântico de escravizados ocorreu com mais intensidade.
- Elabore uma hipótese para explicar por que os números do tráfico começaram a crescer no Brasil a partir do início do século dezoito.
- Além do Brasil, que outros lugares receberam grande número de africanos escravizados? Por que isso ocorreu?
- Com base nos dados apresentados, elabore uma definição para o termo diáspora africana.
Origem e destino dos africanos escravizados
Na África Ocidental, a maior parte dos escravizados partiu dos portos de Cacheu, na Senegâmbia, de São Jorge da Mina, na Costa do Ouro, de Ajudá, no Golfo do Benin, e de Lagos e Cotonu, no Golfo da Guiné. Na África Centro-Ocidental, os principais portos eram os de Cabinda, Luanda e Benguela.
Embarcados em navios negreiros (também chamados tumbeiros), eles atravessavam o Oceano Atlântico em péssimas condições, sendo submetidos a violência, ambientes insalubres e alimentação precária. A taxa de mortalidade dos escravizados que embarcavam nos portos de Moçambique, na África Oriental, por exemplo, chegava a 44%.
Os principais destinos daqueles que sobreviviam eram o Brasil e o Caribe. Na América, os escravizados eram trocados por produtos tropicais e por prata peruana. As negociações envolviam riscos em razão das condições de segurança das viagens, da alta taxa de mortalidade e das revoltas dos escravizados a bordo, que frequentemente se rebelavam contra a situação a que eram submetidos.
Por causa de tais riscos, eram realizadas extensas operações de crédito para a compra de produtos na Europa, a construção de navios e o pagamento dos seguros das embarcações. Mesmo assim, o tráfico de escravizados, bem como a rede comercial na qual ele estava inserido, foi o negócio mais lucrativo da era moderna.
Tráfico de escravizados – 1501-1866
FONTES: TRÁFICO transatlântico de escravos – mapas introdutórios. Slave Voyages. Disponível em: https://oeds.link/1WnFEO. Acesso em: 10 fevereiro 2021; MELLO E SOUZA, M. África e Brasil africano. terceira edição São Paulo: Ática, 2012. página 57.
Culturas que cruzaram o Atlântico
O tráfico negreiro modificou drasticamente a composição das sociedades americanas. Os africanos escravizados que sobreviveram à travessia do Atlântico trouxeram diferentes culturas, religiões e modos de compreender o mundo.
Em um cotidiano hostil e marcado pela violência, eles redefiniram sua identidade, incorporando traços das culturas indígenas e europeia ressignificadas e contribuindo para o estabelecimento dos costumes e saberes presentes no Brasil atual.
Imagens em contexto!
Estima-se que cêrca de 15 mil viagens tenham sido realizadas para traficar africanos escravizados em direção ao Brasil. Nos três séculos em que durou, o tráfico transatlântico teve como principais portos no Brasil as cidades de Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Entre 1811 e 1831, o Cais do Valongo se tornou o mais importante entreposto de pessoas cativas da cidade do Rio de Janeiro, que foi considerada o maior mercado de escravizados da América.
Povos e grupos linguísticos africanos
Nos dois primeiros séculos de colonização, a maioria dos africanos que chegavam à América portuguesa falava idiomas pertencentes ao grupo linguístico banto, da família linguística nigero-congolesa, que incluía línguas como o umbundo, o quicongo e o quimbundo. Eles vinham principalmente das regiões do Congo e de Angola, na África Meridional, habitadas por povos como os ovimbundos, os dembos, os ambundos, os imbangalas, os lubas, os lundas e os congos.
Os bantos trouxeram consigo práticas que foram ressignificadas e hoje fazem parte da cultura brasileira. Uma dessas práticas foi a roda de capoeira, manifestação cultural que envolve canto, música, dança, golpes e rituais.
Diversos vocábulos bantos foram incorporados à língua portuguesa. O termo candomblé, utilizado para designar um conjunto de práticas religiosas de matriz africana, por exemplo, tem origem banto.
Já no século , os sudaneses eram a maioria dos africanos traficados para o Brasil. Eles também falavam idiomas da família linguística nigero-congolesa, vinham principalmente do Golfo da Guiné e eram, em sua maioria, iorubás (também conhecidos como dezenove nagôsglossário ), raussás e . fons
Povos e famílias linguísticas africanas
FONTES: MELLO E SOUZA, M. África e Brasil africano. terceira ediçãoSão Paulo: Ática, 2012. página 20; CAMPOS, F. de; dounicóf, M. Atlas: história do Brasil. São Paulo: Scipione, 1993. página 9; VICENTINO, C. Atlas histórico: geral e Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. página 48, 67, 92.
Religiosidade e influências culturais de matriz africana
O candomblé se desenvolveu na Bahia como um sistema religioso baseado em diferentes tradições da África Ocidental, dos povos jejesglossário : e nagôs, servindo de elemento de unificação para integrantes das várias etnias africanas agrupadas no Brasil. A umbanda, por sua vez, é fruto do sincretismo de cultos africanos, da religião católica e de rituais indígenas.
As tradições iorubás tiveram papel fundamental no desenvolvimento do culto aos orixás no Brasil. É de origem iorubá, por exemplo, o culto a Oxum (divindade das águas doces, da beleza, da riqueza e do amor), a Logunedé (orixá guerreiro, divindade da pesca e da caça) e a Xangô (divindade da justiça, do fogo e do trovão).
Além da religiosidade, foram influenciadas pelas diversas etnias africanas trazidas ao Brasil a culinária – em pratos como o acarajé, o vatapá e o caruru –, a música – em ritmos e danças como o samba, o axé, o frevo e o maracatu – e muitas festas e outras manifestações culturais.
O Brasil é o país com maior população negra fóra da África. Reconhecer e valorizar a herança cultural africana é fundamental para a compreensão da história do país e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
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Diversos grupos saem às ruas para desfiles e apresentações do Maracatu de Baque Virado ou Nação no carnaval de Pernambuco. Esse tipo de maracatu é uma fórma de expressão cultural de raiz africana, repleta de musicalidade, danças e simbologias. O Maracatu de Baque Virado foi inscrito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ( ifãn) no Livro de Registro das fórmas de Expressão em dezembro de 2014.
Cultura, resistência e escravidão
Juridicamente, os escravizados eram considerados bens e identificados como peças e com outros termos que indicavam a objetificaçãoglossário a que estavam sujeitos pelos traficantes e colonizadores. Apesar disso e das condições degradantes e adversas a que eram submetidos, eles empregaram a inteligência no trabalho, mas também para resistir, manter suas culturas e alcançar a liberdade de diversas fórmas, tanto na África quanto na América, local de destino da maior parte deles.
Formas de resistência na África
Diversos impérios e reinos africanos, como Oió, Axante e Daomé, localizados, respectivamente, nos territórios que hoje constituem Nigéria, Gana e Benin, participaram ativamente do comércio de escravizados com os europeus. No entanto, a maior parte das sociedades africanas foi vítima da escravização. Diante do avanço desse comércio, muitos povos migraram para outras partes do continente. Outros perderam a vida lutando pela liberdade.
Quando capturados, os cativos eram acorrentados uns aos outros e submetidos a longas jornadas a pé até chegar às cidades litorâneas, onde eram comercializados. Durante esse percurso, que podia durar semanas, as fugas eram a principal estratégia de resistência adotada por eles.
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Na imagem, sob um guarda-sol de tom avermelhado decorado com a imagem de um elefante, o rei axante foi representado sentado em um trono de madeira e ouro. De caráter religioso, mas também econômico, o festival celebrava a colheita do inhame e envolvia diversas fórmas de homenagem ao rei, aos deuses e aos ancestrais. As bandeiras hasteadas ao longo da procissão representam os países com os quais o Império Axante negociava, como Reino Unido, Países Baixos e Dinamarca.
Assim que chegavam ao litoral, eles eram mantidos presos, sob vigilância constante, e as chances de fuga diminuíam. Isso, contudo, não os impedia de tentar. Alguns chegavam ao extremo de cometer suicídio.
Muitos dos que conseguiam fugir se juntavam em comunidades que receberam diversos nomes, como mutolos, ocilombos, kilombos, coutos e valhacoutos, e deram origem a refúgios como os que, no Brasil, ficaram conhecidos como quilombos.
Nzinga Mbande, negociação e resistência
Outro exemplo das fórmas da resistência africana ocorreu no Reino do indôngo, na África Centro-Ocidental. No final do século dezesseis, os portugueses tentaram dominar esse território, a fim de estabelecer no local rotas de tráfico de escravizados. Eles chegaram a conquistar uma parte do reino, onde fundaram a cidade de São Paulo de Luanda (atual Luanda, capital de Angola). No entanto, o rei do indôngo, , ingóla kiluanji impediu-os de avançar para o interior. Após a morte do rei, seu filho e sucessor ingóla mbânde buscou negociar a paz com os portugueses.
Ele foi representado por sua irmã, zínga mbânde, que conseguiu estabelecer um acordo para garantir o reconhecimento da soberania do Reino de indôngo pelos portugueses. Essa paz, porém, durou pouco e outros conflitos tiveram início.
Com a morte de ingóla mbânde, em 1628, inzínga tornou-se rainha e impôs sua autoridade aos chefes locais. Por meio de táticas de guerrilha e de espionagem, mas também mediante o exercício da diplomacia, ela conseguiu defender seu reino de sucessivos ataques dos portugueses.
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inzínga se transformou em símbolo de resistência contra a dominação portuguesa. Notícias sobre ela chegaram ao Brasil por meio dos africanos escravizados. Aqui, ela foi chamada de Rainha Ginga, ainda hoje lembrada na tradição das congadas.
Dica
LIVRO
injínga a Mbande: rainha do indôngo e do Matamba, editado por Edouard Joubeaud. Paris: Unesco, 2014. (Série Unesco Mulheres na história de África).
Esse livro apresenta a história de inzínga (grafada como injínga), da sua luta contra a dominação colonial portuguesa e a importância de sua trajetória como fonte de inspiração para as mulheres africanas.
Formas de resistência no Brasil
No Brasil, os escravizados desenvolveram diversas fórmas de resistência à escravidão: fugas, rebeliões, violência contra os senhores, suicídios, tentativas de manter seus ritos e cultura, articulação pela obtenção de alforria etcétera
Uma das fórmas de resistência mais expressivas, como mencionado, era a formação de agrupamentos de escravizados que fugiam, reuniam-se e se fixavam para viver livres: os quilombos. O maior deles foi o dos Palmares, formado no fim do século dezesseis por escravizados fugidos de fazendas da capitania de Pernambuco, na região da Serra da Barriga, que atualmente corresponde à divisa entre os estados de Alagoas e Pernambuco.
Quilombo dos Palmares
No auge do Quilombo dos Palmares, em seus diversos mocambosglossário viviam negros, indígenas, mestiços e judeus, formando uma sociedade complexa, com vários elementos considerados indesejados pela sociedade colonial.
Em 1612, o assentamento foi reconhecido pelos colonizadores como um refúgio perigoso de escravizados. Em meados do século dezessete, autoridades coloniais e senhores de engenho uniram fôrças para destruí-lo. Como resposta, os palmarinos atacaram fazendas para conseguir armas, libertar cativos e vingar-se de senhores e feitores.
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Ao longo do século dezessete, Palmares abrigou um número considerável de habitantes. Muitas mulheres viviam nos inúmeros núcleos formados na Serra da Barriga. No entanto, sobre eles não restou qualquer registro histórico. Por isso, nos anos 1960 e nas décadas seguintes, o movimento negro transformou a personagem literária de Dandara em um símbolo da luta negra e da resistência à escravidão no Brasil. Seu nome representa as muitas mulheres que viveram, lutaram e resistiram em Palmares.
Dica
LIVRO
cúmbe, de Marcelo disaléte. São Paulo: Veneta, 2018.
Em alguns países americanos, como a Venezuela, a palavra cúmbe é sinônimo de “quilombo”. Nas línguas do Congo e de Angola, tem o sentido de “sol”, “luz”, “dia” ou “fogo”. Esse livro em fórma de história em quadrinhos aborda algumas das estratégias de resistência à escravidão no Brasil.
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Transcrição do áudio
[LOCUTOR]: Quilombo: uma forma de resistência
[TRILHA SONORA]
[RODRIGO]: [TOM ANIMADO] Olá! Meu nome é Rodrigo, e este é o nosso podcast “De olho na História”.
[RENATA]: [TOM ANIMADO] E eu sou a Renata. Bem-vindos à nossa conversa!
[RODRIGO]: Neste episódio, vamos falar sobre os quilombos.
[RENATA]: Vamos tentar entender a importância deles para a formação de nosso país.
[RODRIGO]: [TOM EXPLICATIVO] Os dicionários costumam definir quilombo como um local escondido, onde se abrigavam os escravizados fugidos. Apesar de correta, essa definição diz pouco sobre o real significado dos quilombos.
[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] Sem dúvida! Bem mais do que meros esconderijos, essas comunidades eram formações complexas, com implicações decisivas para a população afrodescendente e a história do Brasil.
[RODRIGO]: A gente precisa entender que as fugas e a criação de quilombos foram as principais formas de resistência organizada pelos escravizados, durante os períodos colonial e imperial.
[RENATA]: O nome original desse tipo de comunidade era mocambo. Em algumas línguas africanas, como quimbundo e quicongo, essa palavra era usada para designar um suporte usado na construção de cabanas em acampamentos temporários. Somente mais tarde esses agrupamentos ficaram conhecidos no Brasil como quilombos.
[RODRIGO]: Os primeiros quilombos rurais foram formados pelos escravizados que conseguiam fugir das fazendas, onde o trabalho escravo se concentrava. O registro mais antigo que conhecemos é de um quilombo formado na Bahia em 1575.
[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] Essas comunidades costumavam se estabelecer em locais de difícil acesso para feitores e senhores. A existência delas era considerada uma grande ameaça à estrutura escravista.
[RODRIGO]: Claro, pois a influência sobre os outros escravizados era inevitável. As autoridades coloniais logo perceberam esse risco.
[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] Quanto mais quilombos havia, mais fugas e rebeliões aconteciam. E, quanto mais rebeliões e fugas ocorriam, mais quilombos se formavam.
[RODRIGO]: [TOM EXPLICATIVO] E os quilombos adotavam diferentes meios de sobrevivência, que variavam conforme o tamanho, a localização e a organização de cada agrupamento.
[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] O interessante é que cada comunidade possuía bases econômicas e estruturas sociais próprias.
[RODRIGO]: O funcionamento dos quilombos podia reproduzir algumas tradições das diversas sociedades de origem de seus habitantes. Ao mesmo tempo, eles procuravam se integrar à economia do local onde estavam instalados.
[RENATA]: Os agrupamentos menores podiam ser nômades, migrando pelo território e sobrevivendo majoritariamente do extrativismo.
[RODRIGO]: Já nos maiores, os quilombolas costumavam desenvolver atividades agrícolas, a produção de farinha de mandioca e a criação de animais.
[RENATA]: Era comum os quilombos estabelecerem comércio com as comunidades vizinhas, vendendo produtos mais baratos do que os encontrados em vilas e fazendas.
[RODRIGO]: Com isso, eles também passaram a representar um risco econômico, pois, em toda parte, havia quilombos que concorriam com o comércio oficial da colônia.
[RENATA]: Tanto que, desde o início do período colonial, as autoridades determinavam a perseguição e a destruição de quilombos.
[RODRIGO]: E, se em áreas rurais os quilombos ameaçavam a ordem colonial, nas áreas urbanas não foi diferente.
[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] É verdade. Com o crescimento das vilas e cidades, no final do século XIX, os escravizados que fugiam começaram a se organizar em morros e encostas nas periferias urbanas.
[RODRIGO]: [TOM EXPLICATIVO] Esses quilombos urbanos eram menores que os quilombos rurais. Eram formados por pequenas comunidades móveis, próximas entre si, e costumavam se instalar perto de grandes cidades, como Recife, Rio de Janeiro e Salvador.
[RENATA]: Em geral, os quilombos urbanos eram pequenos povoados, com casas de taipa, roças de milho e mandioca e criação de animais, como cabras, galinhas e porcos.
[RODRIGO]: Mas boa parte dos moradores trabalhava nos mercados e portos das cidades, prestando serviços como carregadores, sapateiros e vários outros.
[RENATA]: Essas comunidades se localizavam em bairros marginais, afastadas das áreas mais nobres das cidades.
[RODRIGO]: Mas próximas o suficiente para que os quilombolas pudessem manter relações de trabalho, comércio e prestação de serviços com viajantes, taberneiros e escravos de ganho, não é?
[RENATA]: Isso mesmo. Muitos bairros atuais de cidades grandes tiveram origem em comunidades quilombolas. Um exemplo é a Bela Vista, em São Paulo.
[RODRIGO]: Já no Rio de Janeiro, a região da Tijuca era conhecida como “Serra dos Pretos Forros”, pela quantidade de quilombos que abrigava.
[RENATA]: Atualmente, ainda existem muitos territórios remanescentes dos quilombos no Brasil.
[RODRIGO]: Lembrando que, hoje, as comunidades remanescentes de quilombos são entendidas como comunidades que têm tradições e trajetórias históricas próprias, formadas por descendentes de escravizados que ofereceram resistência ao sistema escravista.
[RENATA]: Segundo dados do IBGE, existem quase 6 mil localidades quilombolas espalhadas pelo país.
[RODRIGO]: [TOM EXPLICATIVO, COM CERTA INDIGNAÇÃO] E pensar que só em 1988 os direitos das populações quilombolas foram reconhecidos por lei no Brasil.
[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO, COM CERTA INDIGNAÇÃO] Pois é, exatamente 100 anos após o fim da escravidão.
[RODRIGO]: [TOM DE ENCERRAMENTO] Bem, chegamos ao final deste episódio.
[RENATA]: [TOM DE ENCERRAMENTO] Procurem pesquisar e saber mais sobre as formas de resistência contra a escravidão em nosso país.
[RODRIGO]: E aproveitem para refletir sobre a situação das pessoas negras no Brasil atual. Até a próxima!
[RENATA]: Tchau, pessoal!
[FIM DA TRILHA SONORA]
Em 1678, Ganga Zumba, chefe militar de Palmares, pretendia aceitar a proposta do governador da capitania de Pernambuco, Aires de Souza e Castro, de desarmar os quilombolas em troca do direito sobre as terras de Palmares e da garantia de liberdade. Além de se desarmarem, eles não poderiam aceitar a entrada de novos habitantes, e muitos quilombolas não concordaram com o acordo. Outro líder militar, Zumbi, comandou a oposição a Ganga Zumba e organizou a resistência de Palmares às fôrças coloniais.
No fim da década de 1680, o governador convocou o bandeirante Domingos Jorge Velho para liderar expedições contra os quilombolas. Após sete anos de tentativas, Jorge Velho, liderando um exército de colonos, indígenas e mestiços, destruiu Palmares. Zumbi foi capturado e morto em 20 de novembro de 1695, data que, hoje, marca o Dia Nacional da Consciência Negra.
Formas de resistência em outras partes da América
A constituição de quilombos não ocorreu apenas na parte da América que corresponde ao Brasil atual. Foram organizadas comunidades semelhantes, chamadas cimarronajes, cumbes ou palenques, nas colônias espanholas, e maroons, na Jamaica e em outras partes do Caribe e da América dominadas pelos britânicos e holandeses.
Nesses espaços alternativos ao escravismo, o trabalho em geral se baseava na retomada de tradições comunitárias ancestrais. Em algumas situações, porém, as comunidades de libertos se integravam marginalmente ao sistema, como fornecedoras de alimentos, por exemplo.
De qualquer fórma, tais experiências evidenciam que, em toda a América, os escravizados desenvolveram diversas maneiras de resistir à violência do sistema escravista moderno para estabelecer espaços e práticas de liberdade.
Imagens em contexto!
O Parque Memorial Quilombo dos Palmares, dedicado à cultura afro-brasileira, foi construído na região que, no passado, abrigou o Quilombo dos Palmares. Desde 1986, a Serra da Barriga é considerada patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ( ifãn).
Agora é com você!
Responda no caderno.
- Cite três manifestações culturais brasileiras que possuem herança cultural africana.
- Por que inzíngaMbande se tornou um símbolo de resistência contra a dominação portuguesa?
- O que foi o Quilombo dos Palmares? Explique a sua importância.
Atividades
Responda no caderno.
Organize suas ideias
( Unésp- São Paulo – adaptado) Leia o texto para responder no caderno às questões 1 e 2.“As primeiras expedições na costa africana a partir da ocupação de Ceuta em 1415, ainda na terra de povos berberes, foram registrando a geografia, as condições de navegação e de ancoragem. Nas paradas, os portugueses negociavam com as populações locais e sequestravam pessoas que chegavam às praias, levando-as para os navios para serem vendidas como escravas. Tal ato era justificado pelo fato de esses povos serem infiéis, seguidores das leis de Maomé, considerados inimigos, e portanto podiam ser escravizados, pois acreditavam ser justo guerrear com eles. Mais ao sul, além do rio Senegal, os povos encontrados não eram islamizados, portanto não eram inimigos, mas eram pagãos, ignorantes das leis de Deus, e no entender dos portugueses da época também podiam ser escravizados, pois ao se converterem ao cristianismo teriam uma chance de salvar suas almas na vida além desta. reticências”
Marina de Mello e Souza. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2007. página 51.
- O texto caracteriza:
- o mercado atlântico de africanos escravizados em seu período de maior intensidade e o contrôle do tráfico pelas Companhias de Comércio.
- o avanço gradual da presença europeia na África e a conformação de um modelo de exploração da natureza e do trabalho.
- as estratégias da colonização europeia e a sua busca por uma exploração sustentável do continente africano.
- o caráter laico do Estado português e as suas ações diplomáticas junto aos reinos e às sociedades organizadas da África.
- o pioneirismo português na expansão marítima e a concentração de sua atividade exploradora nas áreas centrais do continente africano.
- De acordo com o texto,
- a motivação da conquista europeia da África foi essencialmente religiosa, destituída de caráter econômico.
- os líderes políticos africanos apoiavam a catequização dos povos nativos pelos conquistadores europeus.
- os africanos aceitavam a escravização e não resistiam à presença europeia no continente.
- os povos africanos reconheciam a ação europeia no continente como uma cruzada religiosa e moral.
- a escravização foi muitas vezes justificada pelos europeus como uma fórma de redimir e salvar os africanos.
Aprofundando
3. Leia com atenção o texto a seguir.
“ reticências os indígenas foram também utilizados em determinados momentos, e sobretudo na fase inicial [da colonização]; nem se podia colocar problema nenhum de maior ou melhor ‘aptidãoglossário ’ ao trabalho escravo reticências. Mas na ‘preferência’ pelo africano revela-se reticências o tráfico negreiro, isto é, o abastecimento das colônias com escravos, abria um novo e importante setor do comércio colonial, enquanto o apresamento dos indígenas era um negócio interno da colônia. Assim, reticências a acumulação gerada no comércio de africanos reticências fluía para a metrópole; realizavam-na os mercadores metropolitanos, engajados no abastecimento dessa ‘mercadoria’ reticências.”
NOVAIS, F. A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1979. página 105.
- De acordo com o texto, os indígenas foram considerados inaptos para o trabalho escravo?
- Segundo o historiador Fernando Novais, qual teria sido a razão da preferência dos colonizadores pelo emprego de mão de obra africana escravizada?
4. O texto a seguir foi escrito por volta de 1789 pelos escravizados do Engenho de Santana, em Ilhéus, na Bahia.
“Meu senhor, nós queremos paz e não queremos guerra; se meu senhor também quiser nossa paz há de ser nessa conformidade reticências.
Em cada semana nos há de dar os dias de sexta-feira e de sábado para trabalharmos para nós reticências.
Na planta da mandioca, os homens queremos que só tenham tarefa de duas mãosglossário e meia e as mulheres de duas mãos . reticências
A tarefa da canaglossário há de ser de cinco mãos, e não de seis reticências.
A medida de lenha há de ser como aqui se praticava para cada medida um cortador, e uma mulher para carregadeira. […].
Os atuais feitores não os queremos, faça eleição de outros com a nossa aprovação. […]
A estar por todos os artigos acima, reticências estamos prontos para o servirmos como dantes, porque não queremos seguir os maus costumes dos mais Engenhos.
Poderemos brincar, folgar, e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos impeça e seja preciso licença.”
Tratado proposto a Manuel da Silva Ferreira pelos seus escravos durante o tempo em que se conservaram levantados, cêrca de 1789. ápud: REIS, J. J.; SILVA, E. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. página 123-124.
- Do que se trata o texto? A quem ele foi endereçado?
- Quais são as reivindicações presentes no texto com relação ao trabalho e ao lazer?
- O que as reivindicações sugerem sobre o cotidiano vivenciado pelos escravizados do Engenho de Santana?
- O que essas reivindicações revelam sobre os escravizados desse engenho? De que modo a experiência deles representou uma resistência à escravidão?
Glossário
- Compulsório
- : imposto, obrigatório.
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- Inerente
- : característica essencial de algo ou de alguém.
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- Pseudocientífico
- : que tem aparência de científico, mas se fundamenta em falsas afirmações.
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- Teológico
- : neste contexto, relativo aos princípios e às doutrinas de uma religião.
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- Pagão
- : neste caso, indivíduo que é adepto de religiões politeístas, que não foi batizado.
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- Infiel
- : termo usado na época por católicos para se referir ao seguidor da religião islâmica.
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- Oîkos
- : unidade social e de produção da Grécia antiga, que persistiu até o período clássico. De fórma simplificada, equivale à noção de casa. O óikos era composto da família nuclear (pai, mãe e filhos), outros parentes e serviçais, além das terras e dos demais bens do senhor, como os escravizados.
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- Insalubre
- : que não é saudável, doentio.
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- Razia
- : expedição militarizada de saque ao território inimigo, neste contexto, com o objetivo específico de obter cativos.
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- Diáspora africana
- : deslocamento em massa provocado pelo tráfico transatlântico. O termo também é usado para designar a redefinição da identidade das pessoas deslocadas.
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- Cauri
- : molusco cuja concha foi usada como moeda por povos da Ásia e da África.
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- Manilha
- : peça de metal usada como adorno nos pulsos ou tornozelos.
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- Nagô
- : nome dado pelos colonizadores aos africanos de origem iorubá oriundos da região de Oió. Os colonizadores identificavam os africanos conforme o porto, a feira ou a região de embarque em que os haviam adquirido, como Cabinda (porto) ou Angola (região).
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- Jeje
- : nome dado pelos colonizadores aos africanos da região do Daomé.
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- Objetificação
- : ato de tratar como objeto.
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- Mocambos
- : neste contexto, os diversos núcleos de povoamento que compunham o quilombo.
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- Aptidão
- : capacidade, disposição, vocação.
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- Mão
- : neste contexto, porção ou medida.
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- Tarefa da cana
- : porção de cana-de-açúcar que se mói em um dia de trabalho nos engenhos.
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