CAPÍTULO 11 Diáspora africana

Você já imaginou como seria perder sua liberdade, ter de trabalhar para outra pessoa durante longas horas, sem receber remuneração e com possibilidades remotas de se tornar livre novamente? Sabia que, ainda hoje, existem milhões de pessoas submetidas a essas condições?

Quadrinhos. História em três quadros. 
Apresenta Armandinho, um menino de cabelo curto e liso azul, bermuda azul e camiseta branca; e seu pai, de quem só aparecem as pernas e pés, usando calças e sapatos em tons de cinza. O pai de Armandinho segura um pacote branco com etiqueta colorida em tons de vermelho, amarelo e azul. 
Quadro 1. Imagem das pernas do pai  de Armandinho, segurando o pacote, com as pernas voltadas para a esquerda. Armandinho, fora do quadro, com o balão de fala: “Pai, pega de outra marca!”. O pai questiona, com um balão de fala: “Ué, mas por quê?”.
Quadro 2. Diante de um fundo branco, Armandinho ao lado de um carrinho de supermercado, lendo um panfleto, e com o balão de fala: “Essa empresa usa trabalho análogo ao de escravo!”.
Quadro 3. Diante de um fundo branco, Armandinho diante de um carrinho de supermercado, segurando um panfleto e olhando para o pai, cujas pernas estão voltadas para a direita, ainda segurando o mesmo pacote. Com um balão de fala, Armandinho complementa: “Não quero ser cúmplice nisso!”.
Armandinho, tirinha de Alexandre béc, 2018.
Ícone. Ilustração de um ponto de interrogação indicando questões de abertura de capítulo.

Responda oralmente.

  1. Com base no que você estudou até aqui, caracterize a escravidão.
  2. Você conhece o significado da palavra análogo? E de trabalho análogo ao de escravo? Quais são as condições de trabalho análogas às de escravidão?
  3. Com base na leitura da tira, responda: como suas escolhas de consumo podem ajudar no combate ao trabalho nessas condições?

Escravidão: presente e passado

É possível que você já tenha observado representações do trabalho escravo antigo e moderno em filmes, novelas, séries e quadrinhos. Além disso, provavelmente já entrou em contato com notícias sobre denúncias de trabalho em condições análogas às de escravidão no país. Você sabe quais são as diferenças entre a escravidão antiga, a moderna e o trabalho em condições análogas às de escravidão?

Trabalhadores resgatados de condições análogas às de escravidão por atividade no Brasil – 2018

Gráfico de setores. Trabalhadores resgatados de condições análogas às de escravidão por atividade no Brasil. 2018.
Na legenda:
Verde-claro corresponde à: pecuária.
Turquesa corresponde à: cana-de-açúcar.
Azul-escuro corresponde à: lavouras diversas.
Pink corresponde à: carvão vegetal.
Vermelho corresponde à: desmatamento.
Marrom corresponde à: construção civil.
Amarelo corresponde à:  atividades diversas.
Verde corresponde à:  reflorestamento.
Verde-água corresponde à:  extrativismo vegetal.
Roxo corresponde à: mineração.
Azul-marinho corresponde à:  confecção têxtil.
O gráfico representa que  31% dos trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão no Brasil, em 2018, trabalhavam em atividades ligadas a pecuária; 22% trabalhavam em atividades ligadas à cana-de-açúcar; 18% trabalhavam em lavouras diversas; 7% trabalhavam em atividades ligadas à produção de carvão vegetal;  5%  trabalhavam em atividades ligadas ao desmatamento; 5% trabalhavam em atividades ligadas à construção civil;  4% trabalhavam em atividades diversas;  3% trabalhavam em atividades ligadas ao reflorestamento; 2% trabalhavam em atividades ligadas ao extrativismo vegetal; 1%, trabalhavam em atividades ligadas à mineração e 1% trabalhavam em atividades ligadas à confecção têxtil.

FONTE: Trabalho escravo no Brasil. Jornal Joca, 3 maio 2018. Disponível em: https://oeds.link/EiJnC8. Acesso em: 9 fevereiro 2022.

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Em condições de trabalho análogo ao de escravizado, a pessoa é obrigada a viver em situação precária, submeter-se a jornadas exaustivas e a cobranças indevidas (pelo uso de instrumentos de trabalho, por exemplo). Geralmente, as pessoas aceitam essa condição por terem sido ameaçadas ou por terem contraído dívidas. No Brasil, essa prática é considerada crime.

A escravidão foi praticada por diversas sociedades antigas. No mundo greco-romano, por exemplo, pessoas de origens diversas eram privadas de liberdade e obrigadas a trabalhar para um senhor como pagamento por dívidas ou após terem sido aprisionadas em guerras.

Aos poucos, os escravizados foram transformados em mercadorias. Isso ocorreu em um processo com intensidade e alcance variados, em que a escravidão conviveu com outras fórmas de trabalho, livres e compulsóriasglossário .

Fotografia. Sob um céu acinzentado sem nuvens, diante do mar, um arco na cor vermelha com as bordas brancas, sustentado por duas colunas de cada lado. Na parte superior do arco, em formato retangular, há inscrições com duas fileiras de figuras humanas douradas, uma à direita outra à esquerda, elas estão amarradas umas às outras em fila, em direção à uma embarcação à vela sobre as águas, representada no centro da parte superior do monumento. Nas colunas, em relevo dourado, figuras humanas, homens e mulheres, de dois em dois, com as mãos para trás. Ao lado das colunas, em ambos os lados, esculturas metálicas em formato cônico, com pernas e braços humanos. Atrás do monumento, o mar. À frente, em primeiro plano, o chão de areia dourada e um caminho de postes brancos.
Portal do Não Retorno, em Ajudá, Benin. Foto de 2019.
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O monumento foi construído no local onde cêrca de 2 milhões de pessoas escravizadas foram embarcadas do Reino de Daomé para a América. No período moderno, o litoral do Benin ficou conhecido como Costa dos Escravos. Lá se encontrava o terceiro principal porto de embarque de escravizados.

Escravidão moderna

A escravidão moderna foi estabelecida nos períodos da história conhecidos como Idade Moderna e Idade Contemporânea. Ela foi parte fundamental da expansão ultramarina europeia, na qual a Europa, a África, a América e outras partes do planeta foram interligadas por redes comerciais. Essas redes favoreceram o enriquecimento dos traficantes de seres humanos.

A escravidão foi a base da formação da economia e das sociedades coloniais na América. Isso significa que o comércio de pessoas escravizadas foi essencial para a geração de lucro na etapa da economia mundial regida por um sistema que ficou conhecido como capitalismo comercial ou mercantilismo.

Diferente da escravidão antiga, a escravidão moderna foi racializada, isto é, baseou-se na falsa ideia de que haveria desigualdades inerentesglossário às supostas raças humanas, criando estereótipos e reforçando preconceitos a fim de justificar a sujeição de alguns grupos humanos a outros. A construção desses argumentos pseudocientíficosglossário ocorreu, sobretudo, no século dezenove. Antes disso, até discursos de ordem teológicaglossário foram usados para tentar legitimar a escravidão.

Fotografia. Em um palco escuro, um homem de cabelos compridos, sem camisa, usando uma saia feita de tiras longas de cor bege e tênis bege e branco, roda em um palco. Ele está com os braços flexionados, um deles à frente do rosto. Os fios da saia formam círculos ao redor dele. Nos dois cantos superiores, holofotes ligados com fortes luzes.
Cena do balé Árvore do Esquecimento, de Jorge Garcia, em São Paulo (São Paulo). Foto de 2021.
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A obra encena a importância da memória ancestral e os significados da Árvore do Esquecimento, localizada na cidade de Ajudá, atual República do Benin. Antes de embarcar para a América, os escravizados que eram levados do Porto de Ajudá, no Benin, deviam passar pela Árvore do Esquecimento. Os homens eram obrigados a dar nove voltas em torno da árvore e as mulheres, sete. Esse ritual era realizado para que eles se esquecessem de suas origens e memórias, importantes fórmas de resistência.

Escravidão: pretextos e consequências

No século quinze, com o apoio da Igreja Católica, os europeus alegavam que a escravidão era uma fórma de converter os pagãosglossário ao cristianismo e combater os infiéisglossário que viviam na África.

Além disso, difundiram a ideia de que a escravização dos africanos era decorrência de uma maldição original. Para justificar essa ideia, eles diziam que os africanos eram descendentes de Cam, personagem de uma história bíblica do Antigo Testamento. De acordo com essa história, Cam foi condenado a ser servo dos servos porque contou aos irmãos que viu seu pai, Noé, bêbado e nu.

Por séculos, tais pretextos foram utilizados para legitimar o comércio e a migração forçada de seres humanos à América, bem como a sujeição ao escravismo e a diversas fórmas de violência.

No Brasil, as consequências de mais de trezentos anos de escravidão são perceptíveis, por exemplo, nas diversas manifestações de racismo nas ruas e nas redes sociais e nos índices de desigualdade econômica entre a população negra (com ascendência de negros africanos) e a branca.

Inserção da população negra no mercado de trabalho no Brasil

Gráficos. Inserção da população negra no mercado de trabalho no Brasil.  Há quatro gráficos dispostos em uma linha horizontal. Dois, à esquerda, de setores, um pictograma e um gráfico de barras à direita. 
Primeiro gráfico: População total. 2018: gráfico de setores, com as informações: em azul, negros: 55,8%; em bege, brancos: 43,1%; em vermelho, outros: 1,1%.
Segundo gráfico: População desocupada. 2018: gráfico de setores, com as informações: em azul, negros: 64,2%; em bege, brancos: 34,6%; em vermelho, outros: 1,2%.
Terceiro gráfico: Rendimento médio. 2018. Média geral. Pictograma, com as informações:  
No alto, ilustração de um boneco azul e uma boneca azul, a boneca menor que o boneco. A ilustração representa proporcionalmente o rendimento médio da população negra: 1.608,00 reais; 
Abaixo, ilustração de um boneco bege e uma boneca bege, a boneca menor que o boneco; proporcionalmente os dois são maiores que os bonecos azuis. A ilustração representa o rendimento médio da população branca: 2.796,00 reais.
Quarto gráfico: Escolaridade. Número de negros e não negros com ensino superior – de 2012 a 2018. 
Gráfico de barras verticais. Na legenda, em azul, negros; em laranja, não negros.
2012: em azul, negros: 4 milhões de pessoas com Ensino Superior; em laranja, brancos: 12 milhões de pessoas com Ensino Superior. 
Os valores aumentam progressivamente de 2013 a 2017, sem especificação de números exatos, até chegar a 2018: em azul, negros: 8 milhões de pessoas com Ensino Superior; em laranja, brancos: 16 milhões de pessoas com Ensino Superior.

FONTE: í bê gê É. Desigualdades por cor ou raça no Brasil. Estudos e Pesquisas. Informação Demográfica e Socioeconômica. Rio de Janeiro: í bê gê É, número 41, 2019. página1-12.

Ilustração. À esquerda, uma jovem mulher negra com cabelo black power usando camisa branca e jaqueta jeans escura está com um braço erguido para o alto e com o punho cerrado. 
À direita, um homem jovem negro de cabelos raspados do lado e alto, crespo e castanho no topo da cabeça. Vestido com uma camiseta branca com listras horizontais vermelhas, ele segura um megafone e grita, com o rosto virado para a esquerda. Do megafone saem linhas onduladas coloridas. Ao fundo, plantas, flores e grafismos
Ilustração atual representando jovens negros se manifestando a fim de exigir direitos como o de igualdade salarial entre negros e brancos. Os movimentos antirracistas englobam conteúdos culturais, históricos, sociais e econômicos, como a inserção no mercado de trabalho.

A escravidão na África antes dos europeus

A África é um continente geográfica e culturalmente muito diverso. Antes da chegada dos europeus no século quinze, nesse continente havia escravidão, assim como em outras partes do mundo.

É incorreto, porém, dizer que os africanos escravizavam uns aos outros. Isso porque naquela época não existia um sentimento de identidade africana. Havia distintas aldeias, conjuntos de aldeias, reinos e impérios. Alguns deles compartilhavam costumes e culturas; outros não.

Como era comum no período, algumas dessas diferentes sociedades escravizavam povos inimigos em guerras e pessoas estranhas a seu universo político-cultural. Pessoas eram escravizadas também como pagamento por dívidas ou como punição por crimes e transgressões.

Nas aldeias que se desenvolveram na região ao sul do Deserto do Saara, conhecida como África Subsaariana, o trabalho escravo existia como no oîkosglossário grego. Os escravizados, na maioria das vezes mulheres (preferidas pela possibilidade de ter filhos), atuavam principalmente no serviço doméstico e na agricultura, realizando tarefas como a busca de água, o córte de lenha e o cultivo de produtos agrícolas. Os filhos de mulheres escravizadas com homens livres não eram escravizados, embora tivessem menos direitos que os nascidos de mães livres.

Fotografia. Dois homens negros em um deserto, com panos de cor branca cobrindo a cabeça, conduzindo animais: quatro pequenos burros, à frente, e quatro camelos em fila, atrás. Os animais estão com selas e levam suprimentos em seus lombos.
Ao fundo, montanhas altas. O solo  é formado por areia e pedras. Há apenas um pequeno arbusto à direita.
Integrantes da etnia afar conduzindo caravana de camelos para transportar sal obtido nas minas da depressão de danakíl, na Etiópia. Foto de 2020. Na África pré-colonial, a extração de sal das minas era uma tarefa delegada por berberes aos escravizados.

Nas cidades e nos reinos estabelecidos no Sael (faixa de transição entre o Deserto do Saara e a savana africana), o número de escravizados era maior. Além de realizar tarefas domésticas, eles atuavam nos exércitos, na produção de alimentos nas fazendas reais e na extração mineral de produtos, como ouro ou sal.

As condições de vida dos escravizados domésticos e daqueles que serviam o exército eram menos insalubresglossário que as dos demais. Eles recebiam alimentação e vestimentas melhores e, eventualmente, podiam conquistar a liberdade. Além disso, o trabalho nas fazendas reais e nas minas era mais pesado e submetido à vigilância constante.

Até a expansão islâmica pelo continente africano, iniciada no século sete, os principais meios para escravização de pessoas eram a guerra contra povos rivais, as raziasglossário e os sequestros. A ocupação islâmica no norte do continente, contudo, alterou profundamente essa situação.

As trocas comerciais na região foram intensificadas pela presença de mercadores, que passaram a comprar escravizados para depois vendê-los no Oriente Médio, na Ásia e na Europa. Com a crescente demanda por escravizados, aumentaram as guerras entre as sociedades africanas para capturar cativos, que se transformaram em importante mercadoria.

A partir do século quinze, as redes comerciais da região foram novamente redimensionadas com a presença dos europeus, que transformaram o tráfico de seres humanos em uma das atividades mais lucrativas da Idade Moderna.

Mapa histórico: Mapa representando a África, pequena parte do sul da Europa, da Ásia e da Península Arábica. 
Nos oceanos ao redor, embarcações à vela com bandeiras europeias, peixes gigantescos e monstros marinhos, um deles com a parte superior do corpo de cavalo e a parte inferior de peixe. 
No continente, o território está dividido politicamente, há o nome de reinos, rios e cidades e o desenho de alguns animais, como elefantes, leões e rinocerontes. Na altura do Deserto do Saara, o desenho de um homem vestido com turbante e túnica branca conduzindo um camelo.
No topo do mapa, em molduras redondas, a representação de diferentes locais na África: Tanger, Ceuta, Argel, Túnis, Alexandria, Moçambique, Mina, Canárias e outros.
Nas laterais, cinco duplas à direita e cinco duplas à esquerda, representando pessoas de regiões diferentes do continente vestindo roupas típicas. À esquerda:  marroquinos, senegaleses, mercadores da Guiné e outros. À direita: egípcios, abissínios, o rei de Madagascar e outros.
africae nóva descríptio, mapa do continente africano produzido por vílem iânson bláu, em 1648.
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As imagens produzidas pelos europeus sobre a África combinavam imaginação e estereótipos, destacando supostos “tipos” africanos, sem nome ou identidade, distinguindo os diferentes povos apenas por traços físicos, vestimentas ou costumes. Nas laterais deste mapa, por exemplo, foram representados, de maneira estereotipada, povos que vivem nos atuais Marrocos, Senegal, Congo e Moçambique, entre outros da África.

A diáspora africana e o tráfico transatlântico

Entre os séculos quinze e dezenove, aproximadamente 12 milhões de africanos foram conduzidos forçadamente, em embarcações que atravessaram o Oceano Atlântico, a diferentes partes do continente americano para trabalhar na condição de escravizados.

Na diáspora africanaglossário , a África, a América e a Europa foram interligadas. Mas como começou essa que pode ser considerada uma das piores tragédias da história?

As diferentes fases do tráfico de escravizados

A integração dos africanos escravizados aos circuitos comerciais europeus começou com as primeiras incursões dos portugueses na costa da África, em meados do século quinze, e se ampliou a partir do século dezesseis, com o início da colonização da América. Destacar esse momento é importante, porque reforça a especificidade histórica que o escravismo moderno assumiu com a expansão marítima europeia.

Quando os portugueses chegaram à África Subsaariana, atravessando o Cabo Bojador em 1434, a população local resistiu às incursões daquelas embarcações desconhecidas. Assim, os portugueses buscaram estabelecer trocas comerciais amistosas com a elite das sociedades africanas e construir feitorias que servissem de entreposto para o comércio de ouro e escravizados.

Inicialmente, os integrantes da elite das comunidades da África Ocidental trocaram os cativos que possuíam por contas de vidro, caurisglossário e manilhasglossário , além de outros objetos usados como moeda. Mais tarde, passaram a aceitar, em troca dos escravizados, armas de fogo, pólvora, cavalos e outras mercadorias.

Impressão digital sobre tecido. Obra artística composta de três colunas de imagens costuradas entre si com linha preta. Na coluna do meio, há quatro retângulos. Três deles (o primeiro, o segundo e o quarto) representam azulejos portugueses com fundo branco e desenhos florais azuis. O segundo azulejo tem o texto escrito em tinta vermelha espirrada: Atlântico Vermelho. O quarto azulejo tem gotas de tinta vermelha escorrendo. O terceiro quadrinho é branco e tem no centro a imagem de um fêmur retirada de uma gravura antiga. Nas laterais, fotografias em preto e branco. À esquerda, a coluna tem três imagens: no alto, fotografia de um homem negro, nu, de perfil, visto de corpo inteiro. Os olhos dele estão cobertos por uma tarja preta. No centro, a fotografia de dois navios à vela sobre o mar e, abaixo, o negativo de uma fotografia de uma mulher negra carregando um barril acima da cabeça e vestida com saia longa e blusa listrada. À direita, a coluna tem três imagens: no alto, a mesma imagem da mulher carregando um barril, mas revelada como fotografia e com o rosto da mulher recortado da foto. No centro, uma fotografia de uma mulher carregando feixes de cana com um menino ao lado dela, também carregando nos ombros feixes de cana. Os olhos da mulher estão cobertos por pontos dados com linha de cor preta. E, abaixo, o negativo da fotografia dos navios à vela.
Atlântico vermelho, obra de Rosana Paulino, 2017.
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O Atlântico vermelho corresponde a uma série de obras que combinam diferentes técnicas para abordar as cicatrizes geradas pelo tráfico de escravizados e afirmar a representatividade dos africanos e seus descendentes.

O crescente interesse dos europeus pelo comércio de escravizados transformou o funcionamento dessas sociedades, intensificando as guerras e as razias, bem como os sequestros e a aplicação da pena de escravização como punição. O uso das armas de fogo fornecidas pelos europeus dificultou a resistência de aldeias e pequenas cidades aos exércitos que se formaram para capturar pessoas. Assim, os conflitos se alastraram pelo interior do continente africano.

Os mais procurados eram homens e jovens, de 14 a 30 anos, mas a escravização atingia também mulheres, crianças e homens mais velhos, que eram vendidos a preços mais baixos.

Os europeus e seus descendentes nascidos na África atuaram como mercadores ao lado de africanos. Após a captura, esses mercadores, chamados pombeiros, transportavam os escravizados até as cidades costeiras, onde os vendiam a integrantes da elite local, que os comercializavam com os traficantes.

Com o tempo, até habitantes de grandes cidades e reinos passaram a ser capturados. Os conflitos pela busca de escravizados provocaram disputas internas e a fragmentação política de diversos Estados africanos. No interior da África, algumas regiões sofreram com o decréscimo de população. Em contrapartida, houve aumento populacional nas regiões litorâneas, onde ocorria o embarque de escravizados.

Gravura. Desenho da planta de um navio, visto de quatro pontos de vista, da esquerda para a direita: primeiro plano, segundo plano, entrada da ponte de comando e ponte de comando. No alto, o texto originalmente em língua francesa:  'Plano, perfil e distribuição do navio La Marie Seraphique'.  E mais abaixo, em letras menores: 'De Nantes, armada por M. Gruel para Angola, sob o comando de Gaugy, que tratou um empréstimo cuja visão está abaixo, a quantidade de 307 cativos diversos em três meses e vinte e seis dias. Partiu em 18 de dezembro de 1769.'. O texto continua em letras menores, parcialmente ilegíveis na reprodução. Os dois primeiros planos mostram barris de madeira armazenados por toda a extensão da proa e do centro no navio, com pequenas divisões na popa. A terceira ilustração, 'da entrada a ponte', mostra onde as pessoas negras escravizadas eram acomodadas, todas deitadas enfileiradas e amontoadas da proa a popa, com alguns barris na proa, e a quarta mostra a ponte de comando do navio, com alguns barris nas laterais e entradas gradeadas nas tábuas do convés.
Desenho da planta interna do navio negreiro francês La marrí serráfique, cêrca de 1770.
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Na Idade Moderna, foram produzidas muitas plantas de navios negreiros como esta, além de documentação de embarque e desembarque em portos diversos pelo mundo e até diários de bordo. Hoje, graças aos esforços de muitos estudiosos, é possível identificar, por meio dos arquivos, os portos de partida, de escala e de chegada de navios usados para transportar pessoas escravizadas, sendo possível estimar o número médio de africanos transportados.

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. Diferencie a escravidão antiga da escravidão moderna.
  2. Cite três consequências atuais da escravidão para a sociedade brasileira.
  3. Que relações podem ser estabelecidas entre a colonização da América e o tráfico transatlântico de africanos escravizados?

Cruzando fronteiras

O tráfico transatlântico de africanos escravizados para o Brasil durou aproximadamente três séculos, entre 1550 e 1850. De acordo com dados registrados, o primeiro desembarque de cativos no atual território brasileiro ocorreu em Pernambuco, na década de 1560.

As viagens eram realizadas por particulares, governos e companhias mercantis e deixaram numerosos registros navais, portuários, fiscais e contábeis. Por meio da consulta desses documentos, pode-se afirmar, com certo grau de precisão, o número de pessoas afetadas pela diáspora africana.

Entre a segunda metade do século dezesseis e a proibição do tráfico pela Lei Eusébio de Queirós, em 1850, aproximadamente 5,5 milhões de seres humanos foram vendidos no Brasil, que se tornou o maior importador de africanos escravizados da América.

Praticamente no mesmo período (entre 1500 e 1850), de acordo com estimativas do historiador Luiz Felipe de Alencastro, 750 mil portugueses vieram para o Brasil. Isso significa que, de cada grupo de cem pessoas que chegavam ao Brasil, 86 eram africanos escravizados e 14, colonos portugueses.

A tabela a seguir foi retirada do site Slave Voyages, dedicado a divulgar os estudos sobre a dispersão de africanos escravizados pelo mundo atlântico. Leia atentamente os dados e, em seguida, faça as atividades propostas.

Tráfico transatlântico de escravizados − 1501-1875

Região de desembarque/ Período

Europa

América do Norte

Caribe britânico e francês

América espanhola

Brasil

África

Total

1501-1525

637

0

0

12.726

0

0

13.363

1526-1550

0

0

0

50.763

0

0

50.763

1551-1575

0

0

0

58.079

2.928

0

61.007

1576-1600

266

0

0

120.349

31.758

0

152.373

1601-1625

120

0

681

167.942

184.100

0

352.803

1626-1650

0

141

34.673

86.420

193.549

267

315.050

1651-1675

1.597

5.508

135.527

41.594

237.860

3.470

425.556

1676-1700

1.922

14306

284.592

17.345

294.851

575

613.591

1701-1725

182

49.096

439.446

49.311

476.813

202

1.015.050

1726-170

4.815

129.004

689.950

21.178

535.307

612

1.380.866

1751-1775

1.230

144.468

1.071.814

25.129

528.156

670

1.771.467

1776-1800

28

36.277

1.117.127

79.820

670.655

1 967

1.905.874

1801-1825

0

93.000

279.571

286.384

1.130.752

39 034

1.828.741

1826-1850

0

105

38.453

378.216

1.236.577

111.771

1.765.122

1851-1875

0

476

0

195.989

8.812

20.332

225.609

Total

10.797

472.381

4.091.834

1.591.245

5.532.118

178.900

11.877.275

FONTE: Tráfico transatlântico de escravos. Slave Voyages. Disponível em: https://oeds.link/kmICx0. Acesso em: 10 fevereiro 2022.

Gravura. Porão de um navio com pessoas negras amontoadas, todas seminuas, apenas com panos coloridos cobrindo as partes íntimas. Uma, que parece doente, está deitada em uma espécie de rede, cobrindo-se com um pano verde; outras, atrás dessa pessoa deitada, à esquerda, estão sentadas em estruturas de madeira que formam dois andares; a maioria está deitada ou sentada no chão, ao fundo e à frente, na parte inferior da gravura. 
Em primeiro plano, há três mulheres,  duas deitadas e uma sentada amamentando. Do lado dela, outro bebê deitado. Ao redor delas, alguns homens. Algumas pessoas estão com uma corrente nos pés, presa nos tornozelos com algemas de metal. 
No canto direito, há três homens brancos vestidos com colete, camisa e calças coloridas (coletes amarelos e marrons e calças verdes e azuis). Um deles usa chapéu e segura um lampião; outros dois, um visto parcialmente e outro visto de costas, carregam um homem negro desfalecido. 
No centro, em uma abertura para o convés, um homem negro está em pé e estica as pernas e os braços. Ele recebe um prato de metal de um homem que está no convés, visto apenas parcialmente. Ao fundo, vista parcial do mastro do navio; à direita, encostado no mastro, um homem negro de braços cruzados e olhar desconfiado.
Negros no porão, gravura de iôrram mórritis ruguendás, 1835.
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Imagens em contexto!

Depois de uma viagem pelo Brasil, rugêndas, identificado com a causa abolicionista, realizou uma série de gravuras publicadas em 1835. Em Negros no porão, o artista denuncia o horror dos navios de transporte de escravizados. No século dezenove, à luz da sensibilidade da época, a imagem foi interpretada como propaganda abolicionista, pois retratava a desumanização e a insalubridade dos porões escuros apinhados de pessoas durante a longa travessia atlântica.

Responda no caderno.

  1. Identifique o período em que o tráfico transatlântico de escravizados ocorreu com mais intensidade.
  2. Elabore uma hipótese para explicar por que os números do tráfico começaram a crescer no Brasil a partir do início do século dezoito.
  3. Além do Brasil, que outros lugares receberam grande número de africanos escravizados? Por que isso ocorreu?
  4. Com base nos dados apresentados, elabore uma definição para o termo diáspora africana.

Origem e destino dos africanos escravizados

Na África Ocidental, a maior parte dos escravizados partiu dos portos de Cacheu, na Senegâmbia, de São Jorge da Mina, na Costa do Ouro, de Ajudá, no Golfo do Benin, e de Lagos e Cotonu, no Golfo da Guiné. Na África Centro-Ocidental, os principais portos eram os de Cabinda, Luanda e Benguela.

Embarcados em navios negreiros (também chamados tumbeiros), eles atravessavam o Oceano Atlântico em péssimas condições, sendo submetidos a violência, ambientes insalubres e alimentação precária. A taxa de mortalidade dos escravizados que embarcavam nos portos de Moçambique, na África Oriental, por exemplo, chegava a 44%.

Os principais destinos daqueles que sobreviviam eram o Brasil e o Caribe. Na América, os escravizados eram trocados por produtos tropicais e por prata peruana. As negociações envolviam riscos em razão das condições de segurança das viagens, da alta taxa de mortalidade e das revoltas dos escravizados a bordo, que frequentemente se rebelavam contra a situação a que eram submetidos.

Por causa de tais riscos, eram realizadas extensas operações de crédito para a compra de produtos na Europa, a construção de navios e o pagamento dos seguros das embarcações. Mesmo assim, o tráfico de escravizados, bem como a rede comercial na qual ele estava inserido, foi o negócio mais lucrativo da era moderna.

Tráfico de escravizados – 1501-1866

Mapa. Tráfico de escravizados. 1501-1866. Mapa representando a África, parte da Europa, parte da Ásia e parte da América, com setas indicando rotas. A espessura das setas simboliza o número de pessoas traficadas. Na legenda, há setas roxas variando de espessura indicando:  'Número de escravizados': A seta mais grossa indica: oito milhões de escravizados. Abaixo, uma seta de menor espessura indica: quatro milhões de escravizados. Abaixo, uma seta de menor espessura indica: dois milhões de escravizados. E, por fim, a seta mais fina indica: um milhão de escravizados. Logo abaixo, o texto: 'A espessura das setas indica a proporção do número de escravizados transportados'. De 1501 a 1866, o fluxo ocorre por vias marítimas. O maior fluxo, com a seta mais espessa, ocorre das regiões de Luanda e Benguela, da África Centro Ocidental, para Salvador e Rio de Janeiro. Há uma seta média saindo da região de Senegâmbia (incluindo as cidades de Cacheu e Bissau), se juntando a uma seta mais grossa com destino ao Atlântico Norte, que se divide em uma seta média com destino às Colônias Inglesas, uma seta um pouco mais espessa para Havana, em Cuba, uma seta de mesma espessura para Santo Domingo, uma seta de mesma espessura para as Antilhas e para Barbados e duas setas finas: uma para Vera Cruz, na região que hoje corresponde ao México, e outra para Cartagena, na região que hoje corresponde à Colômbia. Da região de Serra Leoa e de São Jorge da Mina, na África, saem duas setas médias que se juntam à seta mais espessa no centro do Atlântico. Da Costa do Ouro, do Golfo do Benin e do Golfo do Biafra, saem setas mais espessas para que se juntam ao fluxo mais espesso, no centro do Atlântico. Desse fluxo, sai uma seta fina para a Europa. Da Ilha de Madagascar e do Sudeste da África, saem setas finas com destino a Buenos Aires, na América do Sul. Da costa suaíli, de Moçambique e do centro da África partem setas médias com destino à Península Arábica, para Meca, Iêmen e Arábia (e da Arábia para o Cairo); bem como para a Índia. Da Costa Suaíli, parte uma seta para as Ilhas Mascarenhas, a leste de Madagascar. De 1700 a 1866, há fluxos terrestres de tráfico, com setas finas saindo da região do Sahel atravessando o norte da África até chegar em Marrakech, Argel e Trípoli, e uma seta mais espessa para o Cairo. Na América, há destaque para os portos de Vera Cruz, Havana, Santo Domingo, Cartagena, Salvador, Rio de Janeiro e Buenos Aires. Na África, há destaque para os portos de Cacheu, Bissau, São Jorge da Mina, Ajudá, Jakin, Cotonu/Porto Novo, Badagri, Lagos, Cabinda, Luanda, Benguela e Mombaça. E também para as cidades de Marrakech, Argel, Trípoli, Cairo, Timbuctu e para o Cabo da Boa Esperança. Na Arábia, há destaque para Meca e o Iêmen. No canto inferior direito, a rosa dos ventos e escala de 0 a 1450 quilômetros.

FONTES: TRÁFICO transatlântico de escravos – mapas introdutórios. Slave Voyages. Disponível em: https://oeds.link/1WnFEO. Acesso em: 10 fevereiro 2021; MELLO E SOUZA, M. África e Brasil africano. terceira edição São Paulo: Ática, 2012. página 57.

Culturas que cruzaram o Atlântico

O tráfico negreiro modificou drasticamente a composição das sociedades americanas. Os africanos escravizados que sobreviveram à travessia do Atlântico trouxeram diferentes culturas, religiões e modos de compreender o mundo.

Em um cotidiano hostil e marcado pela violência, eles redefiniram sua identidade, incorporando traços das culturas indígenas e europeia ressignificadas e contribuindo para o estabelecimento dos costumes e saberes presentes no Brasil atual.

Fotografia. Ponta de cachimbo, recipiente de cerâmica de cor cinza, semelhante a pequeno um vaso, com feições humanas talhadas. Os olhos são amendoados, os lábios espessos e o nariz, projetado para a frente.
Cachimbo talhado com feições humanas, de origem africana, do século dezenove, encontrado no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro).
Fotografia. Vista frontal de um sítio arqueológico escavado cercado por uma mureta baixa de cor cinza. No centro e à direita, o sítio arqueológico possui corredores escavados compostos por pedras grandes e quadrangulares, formando um pavimento de pedra parcialmente cercados de grama verde e, ao fundo, há um obelisco com uma esfera armilar.
Atrás, há uma praça com palmeiras e construções baixas. Em segundo plano, à esquerda, uma grande construção retangular de cinco andares e de cor marrom. Ao fundo, um prédio alto e outras construções mais baixas. E, no alto, o céu azul sem nuvens.
Ruínas do Cais do Valongo, na cidade do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro), local reconhecido como patrimônio mundial da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (unêsco) em 2017. Foto de 2018.
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Estima-se que cêrca de 15 mil viagens tenham sido realizadas para traficar africanos escravizados em direção ao Brasil. Nos três séculos em que durou, o tráfico transatlântico teve como principais portos no Brasil as cidades de Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Entre 1811 e 1831, o Cais do Valongo se tornou o mais importante entreposto de pessoas cativas da cidade do Rio de Janeiro, que foi considerada o maior mercado de escravizados da América.

Povos e grupos linguísticos africanos

Nos dois primeiros séculos de colonização, a maioria dos africanos que chegavam à América portuguesa falava idiomas pertencentes ao grupo linguístico banto, da família linguística nigero-congolesa, que incluía línguas como o umbundo, o quicongo e o quimbundo. Eles vinham principalmente das regiões do Congo e de Angola, na África Meridional, habitadas por povos como os ovimbundos, os dembos, os ambundos, os imbangalas, os lubas, os lundas e os congos.

Os bantos trouxeram consigo práticas que foram ressignificadas e hoje fazem parte da cultura brasileira. Uma dessas práticas foi a roda de capoeira, manifestação cultural que envolve canto, música, dança, golpes e rituais.

Diversos vocábulos bantos foram incorporados à língua portuguesa. O termo candomblé, utilizado para designar um conjunto de práticas religiosas de matriz africana, por exemplo, tem origem banto.

Já no século dezenove, os sudaneses eram a maioria dos africanos traficados para o Brasil. Eles também falavam idiomas da família linguística nigero-congolesa, vinham principalmente do Golfo da Guiné e eram, em sua maioria, iorubás (também conhecidos como nagôsglossário ), raussás e fons.

Povos e famílias linguísticas africanas

Mapa. Povos e famílias linguísticas africanas.
Mapa representando o continente africano. Diferentes territórios estão demarcados por cores distintas, outros estão contornados por diferentes cores. Há nomes de povos indicados por texto.
Legenda: 
Contorno azul: Sudaneses.
Contorno rosa: Bantos
Famílias linguísticas:
Amarelo: Afro-asiática.
Verde: Nigero-congolesa.
Roxo: Nilo-saariana.
Rosa: Coisã.
No mapa:
O território dos povos Sudaneses engloba parte da região do Sahel, ao sul do Deserto do Saara, acima da linha do Equador, estendendo-se da região que hoje corresponde ao Senegal, ao oeste, até o Sudão, a leste. Na costa oeste africana, sob o território dos sudaneses estão assinalados os seguintes povos: Jalofos, Tucolores, Soninqueses, Mandingas, Sererês, Bambaras, Beafadas, Banhuns, Acãs, Acuamus, Fons, Daomeanos, Fantes, Fulas, Oiós, Iorubás, Edos, Evés, Ijós, Ibibios, Ibos, Itsequiris, Hauçás, Nupes, Igalas e Baribas. 
O território dos povos Bantos comporta o centro e parte do sul do continente, ao redor e abaixo da Linha do Equador, de leste a oeste, estendendo-se por territórios que hoje compreendem o Gabão, o Congo e a Angola, a oeste, até o sul da Somália, o Quênia, a Tanzânia, Moçambique e o leste da África do Sul, a leste. No centro e no sul da África, sob o território dos povos bantos estão assinalados os seguintes povos: Tios, Congos, Jingas, Lubas, Dembos, Lundas, Ambumdos, Imbangalas, Cassanjes, Ovimbundos, Quiocos, Maraves, Iaôs, Xonas, Angunis e Zulus.
Territórios que correspondem à família linguística Afro-asiática estendem-se pela maior parte do norte da África, no litoral do Mediterrâneo, acima do Deserto do Saara, pela região do Saara, pela costa noroeste, norte e pela costa, nordeste do território, englobando territórios que hoje correspondem a Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia, parte da Líbia, O Egito, parte do Sudão, da Eritreia, da  Etiópia, da Somália  e do Quênia, entre outros países.  No centro-norte da África, estão destacados os povos Azenegues, Berberes e Tuaregues. Um pouco mais ao sul, na região entre o sul da atual Argélia, o Níger e o leste do Mali, próximo ao alto Rio Níger, estão destacados os povos Songais.
Territórios que correspondem à família linguística Nigero-congolesa estendem-se pela costa oeste da África englobando os territórios do Golfo da Guiné e do Golfo de Benguela, expandindo-se para o interior do continente, atravessando a Bacia do Congo, a Região dos Grandes lagos, e atingindo a costa leste da África e parte do sul da África oriental estendendo-se pela Baía da Somália, pelo canal de Moçambique e pela Ilha de Madagascar, englobando territórios que hoje correspondem ao Senegal, Guiné Bissau, Guiné, Serra Leoa, Libéria, Mali, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benin, Nigéria, Camarões, Gabão, litoral de Angola, República Centro Africana, República Democrática do Congo, Uganda, Quênia, Tanzânia, Moçambique, Zimbábue e outros países.  Nessa área destacam-se os povos bantos já mencionados.
Territórios que correspondem à família linguística Nilo-saariana estendem-se pela região central do norte do continente, englobando territórios que hoje correspondem a parte do Mali, ao Chade, parte da República Centro Africana e parte do Sudão, com destaque para os povos Tuaregues.
Territórios que correspondem à família linguística Coisã estendem-se pelo sul do continente, englobando territórios que hoje correspondem a parte da Namíbia, de Botsuana e da África do Sul, com destaque para os povos Bosquímanos e Hotentotes.
No canto inferior esquerdo, a rosa dos ventos e escala de 0 a 800 quilômetros.

FONTES: MELLO E SOUZA, M. África e Brasil africano. terceira ediçãoSão Paulo: Ática, 2012. página 20; CAMPOS, F. de; dounicóf, M. Atlas: história do Brasil. São Paulo: Scipione, 1993. página 9; VICENTINO, C. Atlas histórico: geral e Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. página 48, 67, 92.

Religiosidade e influências culturais de matriz africana

O candomblé se desenvolveu na Bahia como um sistema religioso baseado em diferentes tradições da África Ocidental, dos povos jejesglossário : e nagôs, servindo de elemento de unificação para integrantes das várias etnias africanas agrupadas no Brasil. A umbanda, por sua vez, é fruto do sincretismo de cultos africanos, da religião católica e de rituais indígenas.

As tradições iorubás tiveram papel fundamental no desenvolvimento do culto aos orixás no Brasil. É de origem iorubá, por exemplo, o culto a Oxum (divindade das águas doces, da beleza, da riqueza e do amor), a Logunedé (orixá guerreiro, divindade da pesca e da caça) e a Xangô (divindade da justiça, do fogo e do trovão).

Fotografia. Estatueta de madeira constituindo um machado de dois gumes, em cujo cabo há uma representação de uma figura humana masculina entalhada, sem cabelos, usando calças e com o torso nu. A parte cortante do machado saí da cabeça da figura, feita de madeira de cor marrom escura. A figura masculina está sobre um pequeno pedestal cilíndrico, e é parte do cabo do machado.
Oxê de Xangô, escultura em madeira da Nigéria produzida no século vinte. 

Além da religiosidade, foram influenciadas pelas diversas etnias africanas trazidas ao Brasil a culinária – em pratos como o acarajé, o vatapá e o caruru –, a música – em ritmos e danças como o samba, o axé, o frevo e o maracatu – e muitas festas e outras manifestações culturais.

O Brasil é o país com maior população negra fóra da África. Reconhecer e valorizar a herança cultural africana é fundamental para a compreensão da história do país e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Fotografia. Em uma praça com chão de areia, árvores com copas verdes e casas baixas ao fundo. No centro, uma mulher vista de lado e um homem visto de frente.  A mulher tem cabelos longos e pretos e usa um vestido longo, rodado, de fundo vermelho com bordados grandes e amarelos em formas sinuosas como as de uma serpente feitos com lantejoulas grandes e brilhantes. O vestido tem mangas bufantes e uma capa superior, com o mesmo padrão bordado do restante do vestido. Na cintura, usa uma ampla faixa de tecido amarelo com lantejoulas e franjas. A mulher usa brincos dourados e um chapéu vermelho com uma fita dourada e plumas vermelhas e amarelas. Calça alpargatas pretas e está dançando, girando sua saia.  
Atrás dela, há um homem de óculos escuros, vestido com um traje de caboclo de pena, com uma espécie de enorme chapéu de abas vermelhas, decorado com lantejoulas verdes, douradas e vermelhas, um círculo de penas de cor cinza e um círculo mais alto de penas de pavão. O chapéu está amarrado à cabeça dele por um cordão dourado, que termina em um nó no queixo dele, com as pontas soltas. 
Sobre o corpo ele usa uma espécie de manto curto e bordado com lantejoulas coloridas, em tons de verde, azul, rosa, amarelo e vermelho, além de franjas amarelas na barra. Ele veste uma espécie de calça recoberta por penas, vista apenas parcialmente. 
Atrás deles, há outras dezenas de pessoas, com vestes coloridas, bordadas com lantejoulas brilhantes e coloridas, e alguns outros homens usando chapéus de caboclo de pena, com longas penas de pavão que se destacam na multidão. Mais ao fundo, algumas pessoas usando trajes de caboclo de lança, com chapéus semelhantes a imensas perucas feitas com fitas brilhantes, longas e coloridas.
No canto direito, há um estandarte de fundo vermelho com flores coloridas no alto. À frente do estandarte, uma asa coberta de lantejoulas douradas e mais pessoas dançando.
Desfile de Maracatu Nação no carnaval de Olinda (Pernambuco). Foto de 2020.
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Diversos grupos saem às ruas para desfiles e apresentações do Maracatu de Baque Virado ou Nação no carnaval de Pernambuco. Esse tipo de maracatu é uma fórma de expressão cultural de raiz africana, repleta de musicalidade, danças e simbologias. O Maracatu de Baque Virado foi inscrito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (ifãn) no Livro de Registro das fórmas de Expressão em dezembro de 2014.

Cultura, resistência e escravidão

Juridicamente, os escravizados eram considerados bens e identificados como peças e com outros termos que indicavam a objetificaçãoglossário a que estavam sujeitos pelos traficantes e colonizadores. Apesar disso e das condições degradantes e adversas a que eram submetidos, eles empregaram a inteligência no trabalho, mas também para resistir, manter suas culturas e alcançar a liberdade de diversas fórmas, tanto na África quanto na América, local de destino da maior parte deles.

Formas de resistência na África

Diversos impérios e reinos africanos, como Oió, Axante e Daomé, localizados, respectivamente, nos territórios que hoje constituem Nigéria, Gana e Benin, participaram ativamente do comércio de escravizados com os europeus. No entanto, a maior parte das sociedades africanas foi vítima da escravização. Diante do avanço desse comércio, muitos povos migraram para outras partes do continente. Outros perderam a vida lutando pela liberdade.

Quando capturados, os cativos eram acorrentados uns aos outros e submetidos a longas jornadas a pé até chegar às cidades litorâneas, onde eram comercializados. Durante esse percurso, que podia durar semanas, as fugas eram a principal estratégia de resistência adotada por eles.

Gravura. Em um campo aberto, com chão de terra e poucas árvores ao fundo, à direita, um grande grupo de pessoas negras reunidas portando bandeiras e guarda-sóis coloridos. Elas formam duas grandes fileiras na parte inferior da imagem. Algumas, à direita, têm tambores e instrumentos feitos de chifre nas mãos e dançam. Outras, na fileira mais baixa, à esquerda e à direita, estão sentadas assistindo e portam lanças, erguidas para o alto.
Atrás delas, no canto direito, há um guarda-sol arredondado vermelho com um elefante dourado no topo e franjas douradas. Logo abaixo deste guarda-sol, há um homem negro com vestes cor de laranja, adereços dourados nos braços e colar dourado sobre o peito. Ao redor dele, há uma pessoa de cada lado, segurando um grande abanador.
No canto esquerdo, há uma pessoa em destaque no centro e outras em volta dela com tochas nas mãos, e muita fumaça ao redor. Atrás delas, há um guarda-sol arredondado vermelho com uma estrela dourada na ponta e bordas douradas.
No canto esquerdo, em meio à fumaça, há bandeiras do Reino Unido, dos Países Baixos e da Dinamarca. No centro, mais guarda-sóis coloridos, com figuras de animais no topo: um, listrado, tem duas aves douradas, uma de frente para a outra. Outro, azul, tem uma ave dourada e outro, no centro, com uma listra horizontal azul e outra vermelha, tem um felino dourado no topo. Mais à esquerda, um guarda-sol amarelo com uma serpente dourada e outra bandeira do Reino Unido.
Na segunda fileira, acima, as pessoas estão em pé, tocando instrumentos como tambores, dançando, ou levantando lanças para o alto.
Primeiro dia do festival axante iâm, gravura de tômas báudich, 1819.
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Na imagem, sob um guarda-sol de tom avermelhado decorado com a imagem de um elefante, o rei axante foi representado sentado em um trono de madeira e ouro. De caráter religioso, mas também econômico, o festival celebrava a colheita do inhame e envolvia diversas fórmas de homenagem ao rei, aos deuses e aos ancestrais. As bandeiras hasteadas ao longo da procissão representam os países com os quais o Império Axante negociava, como Reino Unido, Países Baixos e Dinamarca.

Assim que chegavam ao litoral, eles eram mantidos presos, sob vigilância constante, e as chances de fuga diminuíam. Isso, contudo, não os impedia de tentar. Alguns chegavam ao extremo de cometer suicídio.

Muitos dos que conseguiam fugir se juntavam em comunidades que receberam diversos nomes, como mutolos, ocilombos, kilombos, coutos e valhacoutos, e deram origem a refúgios como os que, no Brasil, ficaram conhecidos como quilombos.

Nzinga Mbande, negociação e resistência

Outro exemplo das fórmas da resistência africana ocorreu no Reino do indôngo, na África Centro-Ocidental. No final do século dezesseis, os portugueses tentaram dominar esse território, a fim de estabelecer no local rotas de tráfico de escravizados. Eles chegaram a conquistar uma parte do reino, onde fundaram a cidade de São Paulo de Luanda (atual Luanda, capital de Angola). No entanto, o rei do indôngo, ingóla kiluanji, impediu-os de avançar para o interior. Após a morte do rei, seu filho e sucessor ingóla mbânde buscou negociar a paz com os portugueses.

Ele foi representado por sua irmã, zínga mbânde, que conseguiu estabelecer um acordo para garantir o reconhecimento da soberania do Reino de indôngo pelos portugueses. Essa paz, porém, durou pouco e outros conflitos tiveram início.

Com a morte de ingóla mbânde, em 1628, inzínga tornou-se rainha e impôs sua autoridade aos chefes locais. Por meio de táticas de guerrilha e de espionagem, mas também mediante o exercício da diplomacia, ela conseguiu defender seu reino de sucessivos ataques dos portugueses.

Fotografia. Estátua cor de bronze representando uma mulher negra olhando para a esquerda com olhar destemido. Ela usa um colar no pescoço, um chapéu sem abas bordado, brincos de argolas, o cabelo arrumado em tranças curtas, tem um lenço enrolado cruzando o peito, usado sobre uma blusa curta mangas e uma saia de cintura alta. Ela segura um machado na mão.
Ao fundo, o céu sem nuvens, na cor azul claro.
Estátua em homenagem a zínga mbânde, rainha do indôngo e de Matamba, na Fortaleza de São Miguel, em Luanda, Angola. Foto de 2010.
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inzínga se transformou em símbolo de resistência contra a dominação portuguesa. Notícias sobre ela chegaram ao Brasil por meio dos africanos escravizados. Aqui, ela foi chamada de Rainha Ginga, ainda hoje lembrada na tradição das congadas.

Dica

LIVRO

injínga a Mbande: rainha do indôngo e do Matamba, editado por Edouard Joubeaud. Paris: Unesco, 2014. (Série Unesco Mulheres na história de África).

Esse livro apresenta a história de inzínga (grafada como injínga), da sua luta contra a dominação colonial portuguesa e a importância de sua trajetória como fonte de inspiração para as mulheres africanas.

Capa de livro. Sob um fundo azul, no canto superior esquerdo, um símbolo composto por uma construção com fachada de colunas, que representa a Unesco. No meio, o título, em laranja, ‘Njinga A Mbande – Rainha do Ndongo e do Matamba’. Ao lado, ilustração de uma mulher negra usando um manto laranja amarrado em um dos ombros, acessórios de penas e uma faixa na cabeça, colares de contas coloridas com um colar mais comprido com pingentes de dentes de algum animal no pescoço e adorno dourado em um dos braços. Na parte inferior, o texto: ‘Série UNESCO. Mulheres na História da África’ e logo abaixo pequenas fotografias e ilustrações em preto e branco retratando diferentes mulheres.
Capa do livro digital disponível no site da unêsco.

Formas de resistência no Brasil

No Brasil, os escravizados desenvolveram diversas fórmas de resistência à escravidão: fugas, rebeliões, violência contra os senhores, suicídios, tentativas de manter seus ritos e cultura, articulação pela obtenção de alforria etcétera

Uma das fórmas de resistência mais expressivas, como mencionado, era a formação de agrupamentos de escravizados que fugiam, reuniam-se e se fixavam para viver livres: os quilombos. O maior deles foi o dos Palmares, formado no fim do século dezesseis por escravizados fugidos de fazendas da capitania de Pernambuco, na região da Serra da Barriga, que atualmente corresponde à divisa entre os estados de Alagoas e Pernambuco.

Quilombo dos Palmares

No auge do Quilombo dos Palmares, em seus diversos mocambosglossário  viviam negros, indígenas, mestiços e judeus, formando uma sociedade complexa, com vários elementos considerados indesejados pela sociedade colonial.

Em 1612, o assentamento foi reconhecido pelos colonizadores como um refúgio perigoso de escravizados. Em meados do século dezessete, autoridades coloniais e senhores de engenho uniram fôrças para destruí-lo. Como resposta, os palmarinos atacaram fazendas para conseguir armas, libertar cativos e vingar-se de senhores e feitores.

Pintura. Sob um fundo azul turquesa, o retrato de uma mulher negra de cabelos curtos e grisalhos, usando um colar de contas brancas e uma blusa vermelha com gola branca com babados.
Dandara, pintura de Dalton Paula, obra da série Retratos, de 2020.
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Ao longo do século dezessete, Palmares abrigou um número considerável de habitantes. Muitas mulheres viviam nos inúmeros núcleos formados na Serra da Barriga. No entanto, sobre eles não restou qualquer registro histórico. Por isso, nos anos 1960 e nas décadas seguintes, o movimento negro transformou a personagem literária de Dandara em um símbolo da luta negra e da resistência à escravidão no Brasil. Seu nome representa as muitas mulheres que viveram, lutaram e resistiram em Palmares.

Dica

Capa de livro. Sob um fundo azul marinho, na parte superior, o título em branco: 'Cumbe'. Abaixo, ilustração em bege e preto, representando um homem negro de cabelos curtos e cacheados segurando uma lança e passando em uma região com vegetação rasteira.

LIVRO

cúmbe, de Marcelo disaléte. São Paulo: Veneta, 2018.

Em alguns países americanos, como a Venezuela, a palavra cúmbe é sinônimo de “quilombo”. Nas línguas do Congo e de Angola, tem o sentido de “sol”, “luz”, “dia” ou “fogo”. Esse livro em fórma de história em quadrinhos aborda algumas das estratégias de resistência à escravidão no Brasil.

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Transcrição do áudio

[LOCUTOR]: Quilombo: uma forma de resistência

[TRILHA SONORA]

[RODRIGO]: [TOM ANIMADO] Olá! Meu nome é Rodrigo, e este é o nosso podcast “De olho na História”.

[RENATA]: [TOM ANIMADO] E eu sou a Renata. Bem-vindos à nossa conversa!

[RODRIGO]: Neste episódio, vamos falar sobre os quilombos.

[RENATA]: Vamos tentar entender a importância deles para a formação de nosso país.

[RODRIGO]: [TOM EXPLICATIVO] Os dicionários costumam definir quilombo como um local escondido, onde se abrigavam os escravizados fugidos. Apesar de correta, essa definição diz pouco sobre o real significado dos quilombos.

[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] Sem dúvida! Bem mais do que meros esconderijos, essas comunidades eram formações complexas, com implicações decisivas para a população afrodescendente e a história do Brasil.

[RODRIGO]: A gente precisa entender que as fugas e a criação de quilombos foram as principais formas de resistência organizada pelos escravizados, durante os períodos colonial e imperial.

[RENATA]: O nome original desse tipo de comunidade era mocambo. Em algumas línguas africanas, como quimbundo e quicongo, essa palavra era usada para designar um suporte usado na construção de cabanas em acampamentos temporários. Somente mais tarde esses agrupamentos ficaram conhecidos no Brasil como quilombos.

[RODRIGO]: Os primeiros quilombos rurais foram formados pelos escravizados que conseguiam fugir das fazendas, onde o trabalho escravo se concentrava. O registro mais antigo que conhecemos é de um quilombo formado na Bahia em 1575.

[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] Essas comunidades costumavam se estabelecer em locais de difícil acesso para feitores e senhores. A existência delas era considerada uma grande ameaça à estrutura escravista.

[RODRIGO]: Claro, pois a influência sobre os outros escravizados era inevitável. As autoridades coloniais logo perceberam esse risco.

[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] Quanto mais quilombos havia, mais fugas e rebeliões aconteciam. E, quanto mais rebeliões e fugas ocorriam, mais quilombos se formavam.

[RODRIGO]: [TOM EXPLICATIVO] E os quilombos adotavam diferentes meios de sobrevivência, que variavam conforme o tamanho, a localização e a organização de cada agrupamento.

[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] O interessante é que cada comunidade possuía bases econômicas e estruturas sociais próprias.

[RODRIGO]: O funcionamento dos quilombos podia reproduzir algumas tradições das diversas sociedades de origem de seus habitantes. Ao mesmo tempo, eles procuravam se integrar à economia do local onde estavam instalados.

[RENATA]: Os agrupamentos menores podiam ser nômades, migrando pelo território e sobrevivendo majoritariamente do extrativismo.

[RODRIGO]: Já nos maiores, os quilombolas costumavam desenvolver atividades agrícolas, a produção de farinha de mandioca e a criação de animais.

[RENATA]: Era comum os quilombos estabelecerem comércio com as comunidades vizinhas, vendendo produtos mais baratos do que os encontrados em vilas e fazendas.

[RODRIGO]: Com isso, eles também passaram a representar um risco econômico, pois, em toda parte, havia quilombos que concorriam com o comércio oficial da colônia.

[RENATA]: Tanto que, desde o início do período colonial, as autoridades determinavam a perseguição e a destruição de quilombos.

[RODRIGO]: E, se em áreas rurais os quilombos ameaçavam a ordem colonial, nas áreas urbanas não foi diferente.

[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO] É verdade. Com o crescimento das vilas e cidades, no final do século XIX, os escravizados que fugiam começaram a se organizar em morros e encostas nas periferias urbanas.

[RODRIGO]: [TOM EXPLICATIVO] Esses quilombos urbanos eram menores que os quilombos rurais. Eram formados por pequenas comunidades móveis, próximas entre si, e costumavam se instalar perto de grandes cidades, como Recife, Rio de Janeiro e Salvador.

[RENATA]: Em geral, os quilombos urbanos eram pequenos povoados, com casas de taipa, roças de milho e mandioca e criação de animais, como cabras, galinhas e porcos.

[RODRIGO]: Mas boa parte dos moradores trabalhava nos mercados e portos das cidades, prestando serviços como carregadores, sapateiros e vários outros.

[RENATA]: Essas comunidades se localizavam em bairros marginais, afastadas das áreas mais nobres das cidades.

[RODRIGO]: Mas próximas o suficiente para que os quilombolas pudessem manter relações de trabalho, comércio e prestação de serviços com viajantes, taberneiros e escravos de ganho, não é?

[RENATA]: Isso mesmo. Muitos bairros atuais de cidades grandes tiveram origem em comunidades quilombolas. Um exemplo é a Bela Vista, em São Paulo.

[RODRIGO]: Já no Rio de Janeiro, a região da Tijuca era conhecida como “Serra dos Pretos Forros”, pela quantidade de quilombos que abrigava.

[RENATA]: Atualmente, ainda existem muitos territórios remanescentes dos quilombos no Brasil.

[RODRIGO]: Lembrando que, hoje, as comunidades remanescentes de quilombos são entendidas como comunidades que têm tradições e trajetórias históricas próprias, formadas por descendentes de escravizados que ofereceram resistência ao sistema escravista.

[RENATA]: Segundo dados do IBGE, existem quase 6 mil localidades quilombolas espalhadas pelo país.

[RODRIGO]: [TOM EXPLICATIVO, COM CERTA INDIGNAÇÃO] E pensar que só em 1988 os direitos das populações quilombolas foram reconhecidos por lei no Brasil.

[RENATA]: [TOM EXPLICATIVO, COM CERTA INDIGNAÇÃO] Pois é, exatamente 100 anos após o fim da escravidão.

[RODRIGO]: [TOM DE ENCERRAMENTO] Bem, chegamos ao final deste episódio.

[RENATA]: [TOM DE ENCERRAMENTO] Procurem pesquisar e saber mais sobre as formas de resistência contra a escravidão em nosso país.

[RODRIGO]: E aproveitem para refletir sobre a situação das pessoas negras no Brasil atual. Até a próxima!

[RENATA]: Tchau, pessoal!

[FIM DA TRILHA SONORA]

Em 1678, Ganga Zumba, chefe militar de Palmares, pretendia aceitar a proposta do governador da capitania de Pernambuco, Aires de Souza e Castro, de desarmar os quilombolas em troca do direito sobre as terras de Palmares e da garantia de liberdade. Além de se desarmarem, eles não poderiam aceitar a entrada de novos habitantes, e muitos quilombolas não concordaram com o acordo. Outro líder militar, Zumbi, comandou a oposição a Ganga Zumba e organizou a resistência de Palmares às fôrças coloniais.

No fim da década de 1680, o governador convocou o bandeirante Domingos Jorge Velho para liderar expedições contra os quilombolas. Após sete anos de tentativas, Jorge Velho, liderando um exército de colonos, indígenas e mestiços, destruiu Palmares. Zumbi foi capturado e morto em 20 de novembro de 1695, data que, hoje, marca o Dia Nacional da Consciência Negra.

Formas de resistência em outras partes da América

A constituição de quilombos não ocorreu apenas na parte da América que corresponde ao Brasil atual. Foram organizadas comunidades semelhantes, chamadas cimarronajes, cumbes ou palenques, nas colônias espanholas, e maroons, na Jamaica e em outras partes do Caribe e da América dominadas pelos britânicos e holandeses.

Nesses espaços alternativos ao escravismo, o trabalho em geral se baseava na retomada de tradições comunitárias ancestrais. Em algumas situações, porém, as comunidades de libertos se integravam marginalmente ao sistema, como fornecedoras de alimentos, por exemplo.

De qualquer fórma, tais experiências evidenciam que, em toda a América, os escravizados desenvolveram diversas maneiras de resistir à violência do sistema escravista moderno para estabelecer espaços e práticas de liberdade.

Fotografia. Em uma área aberta com árvores ao fundo, em primeiro plano, duas construções de alvenaria com paredes amarelas e telhados de palha. Há pessoas andando pelo local. Ao fundo, à esquerda, árvores de copa verde e, à direita, o céu azul com nuvens brancas.
Parque Memorial Quilombo dos Palmares, em União dos Palmares (Alagoas). Foto de 2019.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

O Parque Memorial Quilombo dos Palmares, dedicado à cultura afro-brasileira, foi construído na região que, no passado, abrigou o Quilombo dos Palmares. Desde 1986, a Serra da Barriga é considerada patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (ifãn).

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. Cite três manifestações culturais brasileiras que possuem herança cultural africana.
  2. Por que inzíngaMbande se tornou um símbolo de resistência contra a dominação portuguesa?
  3. O que foi o Quilombo dos Palmares? Explique a sua importância.

Atividades

Responda no caderno.

Organize suas ideias

(Unésp-São Paulo – adaptado) Leia o texto para responder no caderno às questões 1 e 2.

“As primeiras expedições na costa africana a partir da ocupação de Ceuta em 1415, ainda na terra de povos berberes, foram registrando a geografia, as condições de navegação e de ancoragem. Nas paradas, os portugueses negociavam com as populações locais e sequestravam pessoas que chegavam às praias, levando-as para os navios para serem vendidas como escravas. Tal ato era justificado pelo fato de esses povos serem infiéis, seguidores das leis de Maomé, considerados inimigos, e portanto podiam ser escravizados, pois acreditavam ser justo guerrear com eles. Mais ao sul, além do rio Senegal, os povos encontrados não eram islamizados, portanto não eram inimigos, mas eram pagãos, ignorantes das leis de Deus, e no entender dos portugueses da época também podiam ser escravizados, pois ao se converterem ao cristianismo teriam uma chance de salvar suas almas na vida além desta. reticências

Marina de Mello e Souza. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2007. página 51.

  1. O texto caracteriza:
    1. o mercado atlântico de africanos escravizados em seu período de maior intensidade e o contrôle do tráfico pelas Companhias de Comércio.
    2. o avanço gradual da presença europeia na África e a conformação de um modelo de exploração da natureza e do trabalho.
    3. as estratégias da colonização europeia e a sua busca por uma exploração sustentável do continente africano.
    4. o caráter laico do Estado português e as suas ações diplomáticas junto aos reinos e às sociedades organizadas da África.
    5. o pioneirismo português na expansão marítima e a concentração de sua atividade exploradora nas áreas centrais do continente africano.
  2. De acordo com o texto,
    1. a motivação da conquista europeia da África foi essencialmente religiosa, destituída de caráter econômico.
    2. os líderes políticos africanos apoiavam a catequização dos povos nativos pelos conquistadores europeus.
    3. os africanos aceitavam a escravização e não resistiam à presença europeia no continente.
    4. os povos africanos reconheciam a ação europeia no continente como uma cruzada religiosa e moral.
    5. a escravização foi muitas vezes justificada pelos europeus como uma fórma de redimir e salvar os africanos.

Aprofundando

3. Leia com atenção o texto a seguir.

reticências os indígenas foram também utilizados em determinados momentos, e sobretudo na fase inicial [da colonização]; nem se podia colocar problema nenhum de maior ou melhor ‘aptidãoglossário ’ ao trabalho escravo reticências. Mas na ‘preferência’ pelo africano revela-se reticências o tráfico negreiro, isto é, o abastecimento das colônias com escravos, abria um novo e importante setor do comércio colonial, enquanto o apresamento dos indígenas era um negócio interno da colônia. Assim, reticências a acumulação gerada no comércio de africanos reticências fluía para a metrópole; realizavam-na os mercadores metropolitanos, engajados no abastecimento dessa ‘mercadoria’ reticências.”

NOVAIS, F. A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1979. página 105.

  1. De acordo com o texto, os indígenas foram considerados inaptos para o trabalho escravo?
  2. Segundo o historiador Fernando Novais, qual teria sido a razão da preferência dos colonizadores pelo emprego de mão de obra africana escravizada?

4. O texto a seguir foi escrito por volta de 1789 pelos escravizados do Engenho de Santana, em Ilhéus, na Bahia.

“Meu senhor, nós queremos paz e não queremos guerra; se meu senhor também quiser nossa paz há de ser nessa conformidade reticências.

Em cada semana nos há de dar os dias de sexta-feira e de sábado para trabalharmos para nós reticências.

Na planta da mandioca, os homens queremos que só tenham tarefa de duas mãosglossário e meia e as mulheres de duas mãos reticências.

A tarefa da canaglossário há de ser de cinco mãos, e não de seis reticências.

A medida de lenha há de ser como aqui se praticava para cada medida um cortador, e uma mulher para carregadeira. […].

Os atuais feitores não os queremos, faça eleição de outros com a nossa aprovação. […]

A estar por todos os artigos acima, reticências estamos prontos para o servirmos como dantes, porque não queremos seguir os maus costumes dos mais Engenhos.

Poderemos brincar, folgar, e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos impeça e seja preciso licença.”

Tratado proposto a Manuel da Silva Ferreira pelos seus escravos durante o tempo em que se conservaram levantados, cêrca de 1789. ápud: REIS, J. J.; SILVA, E. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. página 123-124.

  1. Do que se trata o texto? A quem ele foi endereçado?
  2. Quais são as reivindicações presentes no texto com relação ao trabalho e ao lazer?
  3. O que as reivindicações sugerem sobre o cotidiano vivenciado pelos escravizados do Engenho de Santana?
  4. O que essas reivindicações revelam sobre os escravizados desse engenho? De que modo a experiência deles representou uma resistência à escravidão?

Glossário

Compulsório
: imposto, obrigatório.
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Inerente
: característica essencial de algo ou de alguém.
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Pseudocientífico
: que tem aparência de científico, mas se fundamenta em falsas afirmações.
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Teológico
: neste contexto, relativo aos princípios e às doutrinas de uma religião.
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Pagão
: neste caso, indivíduo que é adepto de religiões politeístas, que não foi batizado.
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Infiel
: termo usado na época por católicos para se referir ao seguidor da religião islâmica.
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Oîkos
: unidade social e de produção da Grécia antiga, que persistiu até o período clássico. De fórma simplificada, equivale à noção de casa. O óikos era composto da família nuclear (pai, mãe e filhos), outros parentes e serviçais, além das terras e dos demais bens do senhor, como os escravizados.
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Insalubre
: que não é saudável, doentio.
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Razia
: expedição militarizada de saque ao território inimigo, neste contexto, com o objetivo específico de obter cativos.
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Diáspora africana
: deslocamento em massa provocado pelo tráfico transatlântico. O termo também é usado para designar a redefinição da identidade das pessoas deslocadas.
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Cauri
: molusco cuja concha foi usada como moeda por povos da Ásia e da África.
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Manilha
: peça de metal usada como adorno nos pulsos ou tornozelos.
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Nagô
: nome dado pelos colonizadores aos africanos de origem iorubá oriundos da região de Oió. Os colonizadores identificavam os africanos conforme o porto, a feira ou a região de embarque em que os haviam adquirido, como Cabinda (porto) ou Angola (região).
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Jeje
: nome dado pelos colonizadores aos africanos da região do Daomé.
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Objetificação
: ato de tratar como objeto.
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Mocambos
: neste contexto, os diversos núcleos de povoamento que compunham o quilombo.
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Aptidão
: capacidade, disposição, vocação.
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Mão
: neste contexto, porção ou medida.
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Tarefa da cana
: porção de cana-de-açúcar que se mói em um dia de trabalho nos engenhos.
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