CAPÍTULO 3 México e Rússia no início do século vinte

O direito à vida, ao corpo, à terra e ao trabalho é garantido em documentos, códigos e leis de diversos países. Na prática, porém, muitos direitos são negados a grande parte da população mundial. Diante dessa situação, vários grupos organizam movimentos para lutar por justiça social e acesso à plena cidadania, como os que participaram das manifestações registradas nas imagens desta página.

Fotografia. Grupo de homens e mulheres em uma manifestação na rua. Alguns usam máscara facial. Carregam cartazes com os dizeres: AGROECOLOGIA JÁ NÃO É UMA ALTERNATIVA, É A ÚNICA POSSIBILIDADE e AGROECOLOGIA CONTRA O RACISMO AMBIENTAL.
Manifestação de integrantes do ême ésse tê em Brasília (Distrito Federal). Foto de 2022.
Fotografia. Indígenas reunidos em um protesto. Alguns usam cocares sobre a cabeça. À frente, um grande cartaz vermelho com os dizeres: SANGUE INDÍGENA, NENHUMA GOTA A MAIS.
Protesto de grupos indígenas em Brasília (Distrito Federal). Foto de 2019.
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O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (ême ésse tê), responsável pela manifestação retratada na foto de 2022, é uma organização de ativismo político e social que tem como foco a resolução de problemas enfrentados pelos camponeses. Também no campo são comuns conflitos que afetam os mais diversos povos indígenas. Um exemplo disso são as constantes tensões envolvendo seus territórios.

Ícone. Ilustração de um ponto de interrogação indicando questões de abertura de capítulo.

Responda oralmente.

  1. Que relação é possível estabelecer entre os movimentos sociais e os processos revolucionários?
  2. Em sua opinião, por que as revoluções acontecem?
  3. Uma revolução pode ter como motivo o retorno a uma situação anterior ou sempre está ligada à ideia de mudança para algo novo? Justifique.

A Revolução Mexicana

Entre 1910 e 1917, o México foi palco da primeira revolução do século vinte. Esse movimento colocou em evidência alguns dos problemas da América Latina: a luta pelo direito à terra, o autoritarismo político e os conflitos étnicos.

Homens e mulheres camponeses, trabalhadores urbanos e rurais, muitos deles indígenas ou descendentes de indígenas, que até aquele momento se viam excluídos pelo govêrno mexicano, ocuparam o centro do debate político no país.

Embora não tenha sido exclusivamente popular, a Revolução Mexicana deu origem a uma nova relação entre o Estado e os setores da sociedade historicamente excluídos. Frutos de debates e lutas ocorridos no período, as leis do México pós-revolução foram as primeiras do mundo a incluir direitos trabalhistas e a prever um amplo programa de reforma agrária.

O porfiriato

Entre o final do século dezenove e o início do século vinte, viviam no México aproximadamente 14 milhões de pessoas. O país estava passando por um acelerado processo de urbanização, mas a maior parte da população vivia no campo. Na época, o presidente da república era Porfirio Díaz, um veterano das guerras civis que assolaram o país na segunda metade do século dezenove. Seu govêrno, chamado porfiriato, durou mais de três décadas e foi marcado por muitas tensões políticas e sociais.

Fotografia em sépia. Porfirio Díaz, senhor de cabeça arredondada, cabelos curtos brancos, olhos pequenos e bigode branco e longo. Veste farda militar com ombreiras e broches.
Porfírio Dias na Cidade do México, cêrca de1910.
Pintura. Grupo de pessoas reunidas. À direita, mulheres e homens não armados. No centro, homens armados, usando grandes chapéus e carregando cartucheiras penduradas no corpo.
Detalhe do mural Do porfirismo à revolução: o povo em armas, de Deivid Alfaro Siqueiros, produzido entre 1957 e 1966.
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Deivid Alfaro Siqueiros foi um dos principais participantes do muralismo mexicano, movimento artístico que começou após a Revolução Mexicana. Com temática fortemente social, os muralistas produziram obras em que camponeses, indígenas e trabalhadores eram os protagonistas. Na parte do mural Do porfirismo à revolução: o povo em armas reproduzida na imagem são representados os vários exércitos envolvidos na Revolução Mexicana.

Modernização e contradições no México de Porfírio

Durante o porfiriato, em razão do investimento de capitais e empresas estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos, ocorreu grande desenvolvimento econômico no México. Milhares de quilômetros de ferrovias foram construídos no país. Além disso, o crescimento do comércio exterior e a exploração de petróleo e de metais como o cobre, o chumbo e o zinco impulsionaram a industrialização.

Entretanto, o processo de expansão das linhas ferroviárias e da agricultura de exportação foi marcado por concentração de riquezas e expropriação dos camponeses de suas terras. Em 1906, oito pessoas eram donas de mais de 10% das terras mexicanas. Nesse cenário, os trabalhadores rurais foram obrigados a deixar o campo ou a trabalhar como peões nas fazendas agroexportadoras.

Porfirio e o autoritarismo

Porfírio Dias comandava o país de fórma autoritária. Reprimia com violência as contestações organizadas por trabalhadores urbanos e do campo, além de agir para desarticular a oposição política. Em 1910, momento em que o México se preparava para celebrar seu centenário de independência, Porfírio Dias apresentou-se novamente como candidato à Presidência da República. Ele estava no poder desde 1884 e somava seis mandatos consecutivos.

O candidato da oposição era Francisco Madero. Embora ligado a setores latifundiários do norte do México não alinhados ao govêrno, Madero contava com o apôio e a simpatia de muitos mexicanos descontentes com a situação política do país.

As eleições estavam marcadas para julho de 1910. No entanto, um pouco antes do processo eleitoral, Madero foi preso por ser acusado de incentivo à rebelião. días foi eleito mais uma vez e Madero, posto em liberdade condicional. Com ajuda de ferroviários simpatizantes de sua causa, ele cruzou clandestinamente a fronteira do México com os Estados Unidos e se instalou em sân Antonio, no Texas. De lá, começou a organizar uma rebelião armada.

Fotografia em preto e branco. Pessoas reunidas em frente a um prédio. Eles observam alguns homens na sacada, no andar de cima.
Trabalhadores do setor têxtil durante greve emRio Blanco, no estado de Veracruz, México. Foto de 1907.
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O grande crescimento observado em algumas cidades mexicanas era acompanhado da alta constante nos preços de alimentos. Diante desse cenário e das condições precárias de trabalho, jornais e publicações anarquistas promoveram a organização dos operários no México, no início do século vinte.

O início da revolução

Você já imaginou uma revolução com dia e hora certos para começar? Pois foi o que aconteceu no México! No exílio, Madero escreveu um manifesto convocando todos os mexicanos para pegar em armas e derrubar o porfiriato no dia 20 de novembro de 1910, às 6 horas da tarde.

Diferentes setores da sociedade mexicana atenderam ao chamado. Ocorreram, então, revoltas em todo o país. Diante da situação, em 1911, Porfírio Diasrenunciou e Francisco Madero foi eleito presidente.

As muitas faces da revolução

O gatilho da revolução foi acionado por uma questão eleitoral, porém foram as demandas sociais, especialmente as do campo, que lhe deram sustentação. Nesse aspecto reside uma das características mais importantes da Revolução Mexicana: ela foi um movimento plural, formado por diferentes líderes, com expectativas distintas.

Para o círculo mais imediato de Madero, a revolução significava o restabelecimento de eleições periódicas. Com a renúncia de Porfírio Dias, era chegado o momento de deixar as armas e retornar à normalidade.

Mas uma parte considerável dos mexicanos acreditava que o processo revolucionário não devia ser interrompido. Era o caso de um grupo de trabalhadores rurais do estado de Morélos. Seu líder, Emiliano Zapata, homem de origem indígena para quem a garantia do direito à terra era central, manteve suas forças mobilizadas mesmo sem o consentimento de Madero.

Fotografia em preto e branco. Emiliano Zapata ao centro, sentado de pernas cruzadas. Veste camisa clara e um terno escuro aberto. Usa um grande chapéu redondo. Sentados ao lado dele um militar e um homem de bigode e chapéu grande.  Ao redor deles, em pé, outros homens de chapéu. Alguns seguram armas.
Emiliano Zapata (sentado ao centro) e outros combatentes durante a Revolução Mexicana. Foto de 1914.
Fotografia. Jornais antigos sobrepostos. Na parte superior o título. Abaixo colunas com textos.
Exemplares do jornal mexicano La Regeneración, publicados em 1914.
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Em 25 de novembro de 1911, Zapata, com ajuda de um professor chamado Otilio Montaño, redigiu o Plano de Ayala. No texto, ele exigia a recuperação imediata das terras tomadas dos camponeses durante o porfiriato. Percebem-se na liderança de Zapata princípios do anarquismo mesclados a tradições indígenas locais, como a posse comunitária da terra e a autogestão. Ideias como essas circulavam pelo México por meio da imprensa.

Violência e pacificação no México revolucionário

Em 1913, Madero sofreu um golpe de Estado e foi fuzilado. Viquitoriano Uêrta, com apôio direto dos Estados Unidos, assumiu o govêrno e promoveu o retorno ao poder de grupos ligados ao porfiriato. Contra ele, outras lideranças se insurgiram. No norte do país, destacaram-se as forças comandadas por Pancho Villa, que reunia milhares de pessoas (militares e trabalhadores rurais e urbanos), e as de Venustiano Carranza, representantes dos grandes fazendeiros.

A união entre Zapata, Villa e Carranza derrotou as forças de . Em 1914, esses líderes se reuniram na cidade de Aguascalientes para discutir o futuro político do México. Carranza esperava ser aclamado presidente, mas foi desautorizado por vila e Zapata, cada vez mais próximos por causa de objetivos comuns, como a reforma agrária.

Apesar da aliança inicial, vila e Zapata também se desentenderam. Isso abriu espaço para o projeto de Carranza, que, com a ajuda de Álvaro Obregôn, consolidou sua autoridade sobre o México.

Entre 1915 e 1916, Obregón perseguiu e reprimiu a oposição, levando à morte milhares de pessoas, incluindo vila e Zapata.

Fotografia em preto e branco. Grupo de mulheres na parte baixa de uma colina. Estão empunhando e apontando armas de cano longo para o alto, à direita.
Grupo de soldaderas conhecido como Las Adelítas, durante a Revolução Mexicana. Foto de 1911.
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Durante a revolução, as mulheres desempenharam papel fundamental nos campos de batalha, como soldadas, ou atuaram como cozinheiras e auxiliares das tropas. Muitas indígenas, mestiças e camponesas endossaram a luta por terra e a reforma agrária no México. Na foto foi retratado um grupo de soldaderas. Apesar de ocupar cargos subalternos na hierarquia militar, nos exércitos zapatistas elas chegaram a desempenhar funções como a de coronel.

Dica

póde kést

Mulheres e relações de gênero na América Latina do século dezenove, com Stella Maris Franco (úspi)

Canal Hora Americana, 9. Brasil, 3 outubro 2020. Duração: 55 minutos Disponível em: https://oeds.link/Xdphgz. Acesso em: 6 abril 2022.

Nesse podcast, abordam-se aspectos da Revolução Mexicana e a participação das mulheres em processos revolucionários e políticos da América Latina.

A Constituição de 1917 e o fim da revolução

Em setembro de 1916, Venustiano Carranza convocou eleições para um Congresso Constituinte. Também procurou atrair trabalhadores urbanos e rurais com propostas de leis trabalhistas para o campo e para a cidade. Assim, em 1917, a Revolução Mexicana teve um desfecho institucional: a elaboração da Constituição de 1917.

O documento determinou a volta de um sistema democrático com eleições periódicas, instituiu um Poder Executivo forte e interventor e incorporou demandas sociais importantes da revolução. Foi a primeira carta constitucional do mundo a incluir leis trabalhistas regulamentando o trabalho infantil, o feminino, e o direito de greve. Além disso, determinou jornada de oito horas, descanso obrigatório aos domingos e instituiu o salário mínimo. Também instituiu o ensino laico e obrigatório, retirando da Igreja as prerrogativas sobre a educação. Seus artigos previam ainda a realização de uma grande reforma agrária e o pleno contrôle do Estado sobre as riquezas do subsolo, como os minerais e o petróleo. A reeleição para presidente da república foi proibida.

Apesar das conquistas alcançadas, o conflito armado no México se estendeu até pelo menos 1920. Nesse ano, Carranza foi assassinado. As circunstâncias do crime nunca foram esclarecidas. Em seu lugar, Álvaro Obregôn assumiu a Presidência e governou o México entre 1920 e 1924. Ao final de dez anos de revolução, o país contava um saldo de quase 1 milhão de pessoas desaparecidas. Muitas foram mortas em razão da guerra; outras tantas, pela incidência de doenças como o tifo e a febre amarela.

Pintura. À esquerda, estudante de perfil, com uma mochila nas costas e camiseta azul, está com a boca aberta e o braço direito esticado para frente, com o dedo indicador apontando. Atrás dele, outro estudante, de camiseta amarela, está com o braço esticado e o dedo indicador apontando para frente. Ao fundo, grupo de estudantes. Entre eles um cartaz com dizeres em espanhol cuja tradução é: Educação sem discriminação.
Pintura mural em defesa da educação para todos, com a inscrição “Educação sem discriminação”, na Cidade do México, México. Foto de 2016.
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Apesar de garantir muitos direitos e de ser inovadora para o período de sua promulgação, a Constituição de 1917 não solucionou os problemas sociais do México, principalmente os relacionados à desigualdade socioeconômica e à pobreza. Esses problemas atingem até hoje vários grupos sociais, como o dos camponeses e o dos indígenas, que continuam a lutar pela garantia de seus direitos.

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. Explique as contradições que se desenvolveram na sociedade mexicana antes da revolução.
  2. Que grupos se envolveram na Revolução Mexicana e quais eram seus interesses?
  3. Liste os principais pontos da Constituição de 1917 do México.

O Império Russo e a dinastia Romanov

No começo do século vinte, com 22 milhões de quilômetros quadrados, o território da Rússia imperial ocupava quase um sexto da superfície da Terra. Viviam nesse território aproximadamente 130 milhões de pessoas, o que equivalia à soma dos habitantes do Reino Unido, da França e da Alemanha. Apesar desses números grandiosos, a densidade populacional do país era uma das mais baixas da Europa e 80% dos russos viviam no campo, em condições de miséria. Além disso, apenas 20% deles eram alfabetizados na virada do século dezenove para o vinte.

No plano político, o império era governado por um czarglossário . Os czares baseavam seu státus no fato de se considerarem herdeiros legítimos do Império Bizantino. Desde 1894, quem ocupava a posição de czar era Nicolau segundo, da dinastia romanóv, que governava a Rússia desde o século dezessete.

Pintura. Nicolau II de coroa e manto vermelho em pé. Ao redor dele sua mulher, quatro filhas e um filho. Todos têm uma auréola atrás da cabeça.
Pintura do século vinte representando a família de Nicolau dois com símbolos da Igreja Ortodoxa, no Mosteiro da Trindade-São Sérgio, em Sêrguif Póssád, Rússia.

Império Russo: formação – 1689-1900

Mapa. Império russo: formação de 1689 a 1900. Destaque para o território russo. Legenda: Amarelo: A Rússia em 1689. Expansão do império Russo. Amarelo escuro: De 1689 a 1725. Laranja: De 1726 a 1800. Rosa: De 1801 a 1815. Vermelho: De 1816 a 1860. Marrom: De 1861 a 1900. Verde: Estados submissos. Linha cinza: Limites do Império Russo em 1900. No mapa: A Rússia em 1689: território ao norte da Ásia, banhada em sua maioria pelo Oceano Glacial Ártico. Expansão do Império Russo: De 1689 a 1725: território de Kamtchatka, abrangendo a cidade de Petropavlovsk; região de São Petersburgo e pequeno território ao sul. De 1726 a 1800: região da Bessarábia, abrangendo a cidade de Odessa; pequeno trecho ao norte de São Petersburgo e ao sul da Rússia. De 1801 a 1815: região do Cáucaso, abrangendo a cidade de Baku, no Mar Cáspio; pequeno trecho a oeste da Bessarábia; região da Polônia, abrangendo a cidade de Varsóvia; e a Finlândia. De 1816 a 1860: pequenos trechos na região do Cáucaso; região de Khabarovsk, na região sudeste; norte da Ilha Sacalina; e região do Canato Cazaque, abrangendo a cidade de Kuriev. De 1861 a 1900: pequenos trechos na região do Cáucaso, abrangendo a cidade de Batumi, no Mar Negro; pequeno trecho a oeste da Bessarábia; regiões ao sul da Rússia, incluindo as cidades de Merv e Kokand; e sul da Ilha Sacalina. Estados submissos: região do Uzbequistão, abrangendo a cidade de Khiva. Limites do Império Russo em 1900: linha cinza que abrange todo o território descrito acima. No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de 0 a 600 quilômetros.

FONTE: dubí, G. Atlas historique mondial Paris: Larousse, 2003. página 149.

Ícone. Ilustração de um símbolo de localização sobre um folheto aberto e em branco, indicando o boxe Se liga no espaço!

Se liga no espaço!

Responda no caderno.

Analise o mapa. O território do Império Russo em 1900 englobava áreas que hoje correspondem à Finlândia, à Polônia, à Ucrânia e ao Cazaquistão, entre outros países. Todos esses lugares eram habitados por populações que tinham língua e costumes diferentes dos russos. Que características esse mapa revela sobre o Império Russo?

O governo de Nicolau segundo

A Rússia foi governada de fórma absolutista pela dinastia romanóv. O govêrno de Nicolau segundo herdou de seus antecessores boa parte dos focos de conflito e tensão observados no país. Eles estavam ligados principalmente a uma massa de camponeses, recém-saída da servidão, e a uma classe operária em formação nos grandes centros urbanos. Diferentemente do que aconteceu no México, a oposição ao govêrno vinha, sobretudo, do movimento operário, e não do campo.

Assim como nos países da Europa Ocidental, as condições de trabalho nas fábricas russas eram precárias. Salários baixos, riscos de acidente e longas jornadas de trabalho estavam entre os problemas mais comuns dos operários. Em razão disso, muitas vozes descontentes começaram a se organizar em cidades como Quiévi, São Petersburgo e Moscou. Nesses locais, alguns grupos formaram partidos políticos. Entre os mais importantes estavam o Partido Operário Social-Democrata Russo, fundado em 1898, e o Partido Socialista Revolucionário, de 1902.

Em 1903, o Partido Operário Social-Democrata Russo dividiu-se em dois grandes agrupamentos políticos: o dos bolcheviques (termo que significa “maioria” em russo), liderados por Vladimir íliti ulianóv (conhecido como Lênin), que defendiam a revolução imediata, com o apôio camponês, e o dos mencheviques (“minoria” em russo), liderados por Iulí Ocipovíti Tiderbáum (conhecido pelo pseudônimo Július Mártóf), que apoiavam a passagem lenta e democrática para o socialismo, por meio de eleições parlamentares.

Esses grupos de oposição ao quizarismo foram duramente reprimidos e, em 1905, a situação de enfrentamento político atingiu níveis alarmantes: houve revolta social no campo e nas cidades, especialmente em São Petersburgo, capital do império. Lá, começaram a se formar os primeiros sovietes, conselhos de trabalhadores urbanos que coordenavam as greves e os movimentos antiquizaristas. Apesar da forte repressão do exército, fiel ao czar, a situação se tornou incontrolável.

A mais imediata fonte dos protestos que levaram ao movimento de 1905 foi a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), quando os japoneses ocuparam a Manchúria (atual China) e consolidaram sua influência no Oriente, contrariando os interesses do Império Russo.

Ilustração. Pássaro com um rosto humano oriental com as patas cravadas nas costas de um grande urso branco. O pássaro segura um boneco e uma espada ensanguentada, e usa farda e quepe militares. O urso está com os olhos baixos e a língua de fora. Está caído sobre um caçador. Ele tem nas mãos uma lança e uma arma.
Ilustração que satiriza a Guerra Russo-Japonesa publicada no periódico francês Le Rire, em março de 1904.
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Os russos foram representados na imagem como um urso-polar, animal presente em seu território, derrotado e abatido (perceba a expressão do animal com a língua para fóra). Apesar de o urso ser maior (assim como o território do Império Russo era muito maior que o japonês), é derrotado pelo surú (pássaro). Essa vitória japonesa foi um grande golpe na confiança russa, que seria ainda mais prejudicada com o advento da Primeira Guerra Mundial, como você estudou no capítulo 1.

A revolta no inverno de 1905

Em 9 de janeiro de 1905, uma grande manifestação pacífica ocorreu em frente ao Palácio de Inverno, com o objetivo de entregar uma petição ao czar. As forças de Nicolau segundo, no entanto, reagiram atirando contra os manifestantes, ferindo e causando a morte de centenas deles. Esse episódio ficou conhecido como Domingo Sangrento e despertou ondas de protesto em todo o país.

Um onda de greves maciças e manifestações eclodiu por todo o império, articulada por sovietes (conselhos de trabalhadores), como o de Petrogrado. Ações como a da tripulação do encouraçado pôtenquín, que se amotinou contra seus oficiais, tornaram-se famosas. No campo, trabalhadores também protestaram: arrendatários exigiam aluguéis mais baixos e pequenos proprietários rurais pediam mais terras. Durante os protestos, houve ocupação e invasão de terras, além de pilhagem e incêndio de grandes propriedades.

Diante das pressões, Nicolau segundo tomou medidas para tornar o regime menos autoritário, com a implantação de um Parlamento, a Duma. Com essas concessões, o govêrno quizarista pretendia acabar com os movimentos e ganhar tempo para contornar o problema. No entanto, a adoção de um regime supostamente constitucional não se concretizou. As Dumas eleitas entre 1905 e 1912 não tinham a autonomia que se esperava e não ofereceram solução para as crises políticas e econômicas que atingiram o Império Russo.

O descontentamento cresceu ainda mais com a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial. Em 1915, os problemas enfrentados pelo czar Nicolau segundo pareciam insuperáveis. Diante da crise econômica e social, das derrotas sucessivas para a Alemanha e da violenta repressão política exercida pelo govêrno, a Rússia chegou a uma situação extrema. Assim, nada pareceu menos surpreendente e inesperado do que a Revolução de 1917, que derrubou a monarquia e foi universalmente saudada por trabalhadores e movimentos políticos progressistas como uma alternativa ao modelo político e econômico do capitalismo.

Ilustração. Região com o chão claro com manchas vermelhas. O céu é vermelho. No centro um símbolo de um 9 sobreposto a uma cruz e inscrições em russo.
Ilustração sobre o Domingo Sangrento publicada na capa do jornal satírico russo Nagática, em 1906, um ano após o massacre do inverno de 1905.
Cartaz de filme. Destaque para um marinheiro com a boca aberta, testa franzida e olhos cerrados. Ao fundo, um marinheiro no topo de uma estrutura semelhante a um canhão, e outro caindo no mar. Entre eles uma bandeira vermelha.
Cartaz do filme soviético O encouraçado pôtenquín, do cineasta Serguei Isenstím, lançado em 1925.
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Representando a rebelião ocorrida em Odessa, em 1905, o filme O encouraçado pôtenquín, de 1925, foi utilizado como propaganda revolucionária, mobilizando a simpatia dos espectadores para a causa dos marinheiros amotinados. Anos depois, os eventos ocorridos em 1905 foram interpretados, principalmente por líderes da Revolução Russa como Lênin, como uma espécie de ensaio geral do que ocorreria em 1917. É importante entender, porém, que, em 1905, nenhum dos envolvidos tinha dimensão do curso que os eventos tomariam na Rússia.

A Revolução Russa

O Império Russo era repleto de contradições e focos de tensão social. Há pelo menos dois elementos importantes a serem considerados como gatilhos para a revolução. Um deles foi o agravamento da crise política, econômica e social ocorrida no país com a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial.

A estagnação econômica, consequência direta da guerra, gerava desemprego e um forte clima de tensão social. Greves e manifestações operárias se espalhavam pelo país, e nelas reside o segundo elemento importante: a centralidade da participação feminina nos eventos que deram origem à revolução.

As mulheres foram as principais responsáveis pela organização e pela articulação do movimento. Com o mundo em guerra e os homens no frôn, muitas delas assumiram postos na indústria e tornaram-se responsáveis pelo sustento da família.

Se em 1914 as mulheres representavam apenas 26,6% da fôrça de trabalho nas fábricas, em 1917 somavam 43,4% do operariado fabril. Eram elas que reivindicavam o direito ao pão, o fim da guerra e melhores condições de vida e trabalho, articulando trabalhadores de diferentes setores, como o da indústria têxtil e o da metalurgia.

Em fevereiro de 1917, a situação chegou a níveis extremos: pelas ruas de São Petersburgo espalhou-se o boato de que o trigo disponível na capital duraria apenas doze dias. Uma onda de pânico tomou conta da cidade e resultou em confrontos com a polícia.

O govêrno do czar desmoronou em 8 de março de 1917, quando uma manifestação de operárias se combinou com uma paralisação industrial, tornando-se uma greve geral, durante a qual a população invadiu o centro da capital para exigir pão. A fragilidade do regime se revelou quando as tropas do czar se recusaram a reprimir a multidão e passaram a confraternizar com ela. Nicolau segundo abdicou quatro dias depois, sendo substituído por um govêrno provisório.

Fotografia em preto e branco. Pessoas na rua, em sua maioria mulheres, em um protesto. Usam roupas escuras e carregam uma faixa com dizeres em russo.
Protesto das trabalhadoras da indústria têxtil em São Petersburgo, Rússia. Foto de 8 de março de 1917.
Pôster. À esquerda, mulher de blusa de mangas curtas e um lenço vermelho na cabeça, está com um dos braços estendidos para cima. Abaixo, em tamanho menor, grupo de pessoas. Ao fundo, fábricas. No alto, à direita, escritos em russo.
Pôster soviético da década de 1920 celebrando a participação das mulheres nos eventos de 8 de março (habitual “Dia da Mulher” do movimento socialista), que levaram à queda do czarismo na Rússia.
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Além de se dirigir às portas das fábricas com o objetivo de convocar os operários para a greve, as mulheres russas compunham, durante a Primeira Guerra Mundial, boa parte da fôrça de trabalho urbana. Anos depois, o Estado bolchevique, dominado por homens, esforçou-se para esconder o protagonismo feminino na Revolução Russa. Somente com a Segunda Guerra Mundial, que você estudará no capítulo 6, o govêrno soviético voltou, por necessidade, a valorizar a participação feminina em eventos associados à política.

A Revolução de Fevereiro

Os eventos que ocorreram no dia 12 de março de 1917 (27 de fevereiro pelo calendário julianoglossário , usado na Rússia naquele ano) ficaram conhecidos como Revolução de Fevereiro. O govêrno provisório era liderado por grupos políticos identificados com o movimento dos mencheviques, comandados naquele momento por Alequissânder Querênsqui. O govêrno provisório buscou apôio dos países capitalistas e não retirou os exércitos russos da Primeira Guerra Mundial. Além disso, decretou anistia aos presos políticos do regime czarista (incluindo antigos líderes bolcheviques) e concedeu liberdade à imprensa.

Com isso, em abril de 1917, Lênin retornou do exílio na Suíça imposto pelo regime czarista e publicou as Teses de Abril. Nesse texto, ele defendeu lemas como “todo poder aos sovietes” e “paz, terra e pão”. O líder bolchevique engrossava o coro daqueles que desejavam um govêrno controlado pelos trabalhadores e, sobretudo, a retirada imediata da Rússia da Grande Guerra.

Na mesma época, León Trótisqui, presidente do soviete de Petrogrado, organizou uma milícia popular conhecida como Guarda Vermelha, que foi fundamental para a consolidação do regime socialista nos anos que se seguiram.

A Revolução de Outubro

Em outubro de 1917 (levando em consideração, mais uma vez, o calendário juliano), Lênin convocou os operários a tomar o poder na Rússia e realizar uma revolução socialista. Os participantes da chamada Revolução de Outubro ocuparam pontos estratégicos de São Petersburgo e passaram a controlar o acesso a pontes, estradas e ferrovias. Em apenas dois dias, eles tomaram o Palácio de Inverno, utilizado como séde pelo govêrno provisório, marcando o início do govêrno socialista na Rússia.

Em 26 de outubro, já como líder do govêrno bolchevique, Lênin promulgou uma série de decretos com o objetivo de cumprir as promessas feitas meses antes, em suas Teses de Abril. Uma dessas promessas era a de assinar um armistício com a Alemanha e a Áustria-Hungria para sair da Primeira Guerra Mundial.

Ilustração. Homem de terno escuro e boina xadrez está varrendo o globo terrestre. Sobre o globo dois imperadores de coroa e manto vermelho. Um veste verde, está com os braços levantados, saltando. O outro veste azul e está descendo do globo, abaixado. Caídos do globo, um homem de túnica preta e chapéu comprido, e um homem de roupa social preta e cartola, segurando um saco de dinheiro.
Pôster revolucionário soviético da década de 1930, com a inscrição: “O camarada Lênin limpa a sujeira do planeta”.
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Preste atenção aos personagens representados. Com uma vassoura, o líder dos bolcheviques empurra para longe do globo terrestre a monarquia (há dois imperadores representados na imagem), o clero (personagem vestido de preto, à esquerda) e o capitalismo (personagem de preto, à direita, com cartola e um saco de dinheiro).

A tão desejada paz se concretizou em 1918, com o Tratado de Brêst Litôvisqui. Ao sair da Primeira Guerra Mundial, porém, a Rússia não estava em condições de ditar as regras da negociação ou exigir os termos da paz. Em razão disso, pelo acordo firmado, o país perdeu o domínio sobre vários territórios, como o da Finlândia, o da Estônia, o da Letônia, o da Lituânia, o da Polônia, o da Bielorrússia e o da Ucrânia. Nessas regiões, vivia aproximadamente um terço da população russa e se concentravam 50% de sua indústria e 90% de suas minas de carvão.

Fotografia em preto e branco. Homens reunidos em um salão amplo. Estão sentados em um grande círculo. Alguns usam roupas militares, outros, roupas sociais.
Assinatura do Tratado de Brêst Litôvisqui, na cidade de mesmo nome, atualmente chamada de Brêst , na Bielorrússia. Foto de 1918.

O govêrno bolchevique também cumpriu a promessa de confiscar indústrias e grandes propriedades rurais, distribuindo terra aos camponeses e repassando o contrôle das fábricas aos sovietes (conselhos operários).

Fotografia. Grande praça. À direita, muralha com uma grande torre. No centro dela dois grandes relógios e no topo uma estrutura verde e dourada em formato de cone.  À esquerda, catedral com diversas torres ornamentadas de dourado e cúpulas coloridas. Entre as duas construções, área aberta com muitas pessoas.
Praça Vermelha, na cidade de Moscou, capital da Rússia. Foto de 2020.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

A Praça Vermelha foi usada no período da revolução e depois dele para que líderes como Lênin discursassem ao povo. A vitória dos revolucionários bolcheviques transformou o cenário político do mundo todo, pois a Rússia se tornou referência para o movimento socialista mundial, como você estudará a seguir.

O impacto da revolução socialista na Europa

A Revolução de Outubro foi reconhecida como um acontecimento que abalou o mundo, despertando ondas de simpatia, adesão e rejeição. Ela produziu, nas palavras do historiador francês Françuá Furré, uma espécie de feitiço universal na cultura moderna. Assim como a Revolução Francesa, do final do século dezoito, o movimento ocorrido na Rússia se converteu em símbolo da mudança mundial. Espalhados mundo afora, muitos operários saudaram os acontecimentos da Rússia bolchevique com entusiasmo e passaram a sonhar em replicar a revolução socialista. Em países como a Alemanha, houve grande mobilização da classe trabalhadora, guiada pelo desejo de uma revolução socialista nesse período.

Do início de 1918 até a década de 1930, o medo do chamado “perigo vermelho” se alastrou pela Europa. Governos, marcados pela instabilidade do pós-guerra, temiam o avanço do comunismo em seu território. Em razão disso, entre outras ações, perseguiram associações de trabalhadores, além de produzir e divulgar campanhas anticomunistas e antissocialistas.

Cartaz. Ilustração de um militar cravando uma lança em criatura grande e vermelha. Ela está com o braço esticado na direção de uma família. Na parte superior do cartaz, há uma mensagem em espanhol.
Cartaz de propaganda anticomunista, divulgado na Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola, em cêrca de 1937.
Cartaz. À direita, homem de rosto largo, barba e uniforme militar. Tem um sorriso sarcástico. Em seu quepe, uma foice e um martelo. Ao seu lado a palavra MOSCOU e o desenho de uma catedral. Ele manipula, à distância, fantoches de três homens de terno preto. Um carrega sacos de dinheiro, o do meio tem a barriga saliente, e o terceiro é bem magro e usa óculos. Ao lado dos três, uma palavra cuja tradução é França.
Cartaz de propaganda dos republicanos nacionais franceses contra a Frente Popular, influenciada pelo comunismo soviético, de cêrca de1936.
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Imagens em contexto!

Considerada uma alternativa às injustiças do capitalismo pela classe operária, a revolução socialista foi encarada pelos governos dos países europeus como um mal a ser combatido em todo o continente. No cartaz de 1937, lê-se a palavra “jamais”. No cartaz de 1936, em que os políticos socialistas franceses são representados como fantoches, está escrito: “São os soviéticos que puxam as cordas da Frente Popular”.

A guerra civil

Assim que os bolcheviques chegaram ao poder, forças contrarrevolucionárias se organizaram, formando o chamado Exército Branco, em oposição ao vermelho comunista. Financiados ou incentivados por países estrangeiros como Estados Unidos, França, Reino Unido e Japão, vários exércitos ingressaram em território russo e deram origem a uma violenta guerra civil, entre os anos de 1918 e 1921.

Nesse contexto tenso, marcado pela guerra civil e pelo levante de forças que desejavam o retorno do antigo regime czarista, a família romanóv foi executada na cidade de Ecaterimburgo, em julho de 1918.

Contra todas as expectativas, com o Exército Vermelho (originado da Guarda Vermelha, de trótisqui), os bolcheviques não apenas mantiveram o poder, como foram capazes de ampliá-lo. A guerra, entretanto, terminou apenas em 1921, deixando o país devastado e cêrca de 10 milhões de pessoas mortas.

Enquanto durou o conflito, o govêrno adotou o comunismo de guerra, com o contrôle do Estado sobre todos os meios de produção. Terras e cereais que haviam sido colhidos foram confiscados. A propriedade privada e a economia de mercado foram abolidas. Com o aumento do poder do Estado, liberdades individuais foram ameaçadas. Operários e camponeses resistiram a esse processo e se rebelaram. Para completar o quadro de crise, a fome, o tifo e a cólera ceifaram a vida de milhares de pessoas.

Fotografia em preto e branco. Pessoas em duas longas filas ao redor de um trem. À esquerda, elas recebem comida de uma pessoa em um dos vagões do trem. No centro da imagem, trilhos.
Distribuição de comida para a população faminta na região do Volga, na Rússia. Foto de 1921.
Fotografia em preto e branco. Soldados reunidos em uma grande área aberta e plana. Alguns estão perfilados no centro. Ao fundo, à esquerda, uma grande catedral com a fachada em arcos. A porta central é alta. No topo, uma cúpula.
Tropas do Exército Vermelho bolchevique concentradas na cidade russa de Ircútisqui, na Sibéria. Foto de 1920.

A Nova Política Econômica

Em 1921, com o objetivo de superar a crise provocada por anos de guerra civil, o govêrno de Lênin adotou a Nova Política Econômica (népi). Para aumentar a produtividade do país, ele retomou elementos da economia capitalista, como a possibilidade da existência de propriedade privada, da criação de empresas e da tomada de empréstimos internacionais. Além da entrada de capitais estrangeiros, investidos, sobretudo, na expansão das indústrias de base, organizaram-se cooperativas agrícolas e comerciais que possibilitaram a retomada do comércio interno. Apesar das mudanças, o Estado continuou sendo o principal agente econômico, controlando setores estratégicos, como o bancário, o das indústrias de base, o de transportes e comunicações e o do comércio internacional.

Fotografia em preto e branco. Mulher de roupa escura despejando o conteúdo de um balde dentro de uma máquina. A outra usa roupa clara e tem as mãos sobre a máquina.
Mulheres em fazenda coletiva na União Soviética usando máquinas para limpar grãos. Foto de 1930.

Dessa fórma, as reformas na economia não influenciaram a política do Estado. O poder, que durante a guerra civil foi transferido das associações sindicais e dos sovietes para o partido bolchevique, continuou centralizado. Esse processo de centralização foi intensificado em 1922, quando Jôsef Istálin assumiu o cargo de secretário-geral do Partido Comunista (nova designação política dos bolcheviques). Nesse ano foi oficialmente criada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (u érre ésse ésse). Além da Rússia, a Ucrânia, a Bielorrússia, a Transcaucásia (atuais Geórgia, Azerbaijão e Armênia), o Uzbequistão e o Turcomenistão passaram a integrar o bloco (consulte o mapa).

União Soviética: território – 1924

Mapa. União Soviética: território, 1924. Destaque para o território soviético. Sem legenda. Abrange República Federativa Socialista Soviética da Rússia, incluindo as cidades de Moscou, Leningrado e Vladvostok; República Socialista Soviética do Uzbequistão, incluindo a cidade de Tachkent; República Socialista Soviética do Turcomenistão, incluindo a cidade de Achkhabad; República Federativa Socialista Soviética da Transcaucásia, incluindo a cidade de Baku; República Socialista Soviética da Ucrânia, incluindo a cidade de Kiev; e a República Socialista Soviética da Bielorrússia. No canto inferior direito, rosa dos ventos e escala de 0 a 670 quilômetros.

FONTE: dubí, G. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2003. página 151.

O futuro da revolução e o comando da União Soviética: Istálin versus trótisqui

Em 1924, enquanto a népi e a reconstrução soviética estavam em andamento, Lênin morreu, o que desencadeou uma luta pelo poder. A disputa ocorreu entre duas das figuras mais importantes da revolução: trótisqui, líder do Exército Vermelho, eJôsef Istálin, secretário-geral do Partido Comunista. A grande questão que movimentava os dois lados em disputa era: qual deveria ser o futuro da revolução?

Para trótisqui, a União Soviética deveria difundir o movimento revolucionário no mundo todo. A internacionalização da revolução era ponto fundamental da ideologia marxista e, segundo ele, necessária para evitar o isolamento do país. Já Istálin era favorável à consolidação interna da revolução, identificada no lema “socialismo em um só país”.

Istálin venceu a disputa e consolidou sua liderança na estrutura partidária soviética. Com a justificativa de preservar a revolução, perseguiu violentamente dissidências políticas e calou vozes opositoras. trótisqui, derrotado, exilou-se na Turquia e depois no México, onde, em 1940, foi assassinado.

Um dos primeiros gestos de Istálin como ditador foi apagar a memória de trótisqui na revolução, adulterando fotos e retirando de fórma sistemática sua imagem dos documentos oficiais soviéticos. O período de ditadura stalinista, que durou longas décadas, pode ser classificado como um dos mais brutais do século vinte.

Fotografia. Ambiente com paredes em tons de verde claro. O chão é vermelho. No canto direito, um móvel vertical comprido com gavetões, um abajur e uma mesinha. No canto esquerdo, duas mesinhas com objetos em cima. Na parede, uma estante com papéis. No centro, três mesas. Uma tem uma máquina de escrever e dois livros. A mesa do meio tem dois livros e a última mesa tem uma caixa e um livro. Ao fundo, uma porta dupla com vidro.
Fotografia. Escultura em pedra. Tem estrutura retangular disposta verticalmente. Nela o nome, LEON TROSTSKY e o desenho em baixo relevo de um martelo sobreposto a uma foice. Abaixo, na base, uma placa de bronze com os nomes LEON TROTSKY e NATALIA SEDOVA.
Cômodo preservado e mausoléu no Museu Casa de León Trótisqui, na Cidade do México, México. Fotos de 2020 e 2019.

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. Explique como os desdobramentos da Primeira Guerra Mundial impactaram a Revolução Russa de 1917.
  2. O que foi a chamada Revolução de Fevereiro e que medidas o governo provisório adotou diante da crise que se espalhava pela Rússia?
  3. Explique a importância de Lênin na organização da chamada Revolução de Outubro e liste as medidas adotadas pelo governo bolchevique.

Cruzando fronteiras

Na segunda metade da década de 1940, o escritor e jornalista britânico Diórdi Or uél publicou duas de suas obras mais famosas: os romances A revolução dos bichos, em 1945, e 1984, no ano de 1949.

No primeiro livro, o escritor fez uma crítica contundente ao modo pelo qual a Revolução Russa (simbolizada na luta dos animais contra o fazendeiro) desembocou em autoritarismo e repressão. O conflito entre os porcos Bola de Neve e Napoleão é bem característico das disputas que envolveram trótisqui e Istálin na União Soviética. De acordo com o romance, após a tomada da fazenda, os animais publicaram um manifesto com as seguintes diretrizes:

Ilustração. Ilustração de um recorte de papel-cartão na cor bege no qual está escrito em preto, em forma de lista, o seguinte texto: Os sete mandamentos. 1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo. 2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo. 3. Nenhum animal usará roupas. 4. Nenhum animal dormirá em cama. 5. Nenhum animal beberá álcool. 6. Nenhum animal matará outro animal. 7. Todos os animais são iguais.

ôr-uél, G. A revolução dos bichos. São Paulo: Globo, 1996. página 23.

Com o desenrolar da narrativa e das ações colocadas em prática por Napoleão, esses mandamentos foram sendo gradativamente alterados:

“Nenhum animal dormirá em cama com lençóis”; “nenhum animal matará o outro sem motivo”; “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.

ôr-uél, G. A revolução dos bichos. São Paulo: Globo, 1996. página 52, 67, 93. Adaptado/Grifos nossos.

Quatro anos depois, Diórdi Or uél voltou a ter na história uma fonte de inspiração para suas ficções. No romance 1984, ele imaginou uma distopiaglossário em que a figura do Grande Irmão, por meio do Ministério da Verdade, falsificava notícias sobre o passado para conformá-lo ao presente. Personagens e eventos que caíssem em desgraça eram deliberadamente apagados nos “buracos da memória”; números eram adulterados e novas versões dos documentos eram fabricadas para que se registrasse apenas aquilo que interessava ao govêrno. Leia este trecho:

“E se todos os outros aceitassem a mentira imposta pelo Partido – se todos os registros contassem a mesma história –, a mentira tornava-se história e virava verdade. ‘Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado’, rezava o lema do Partido. E com tudo isso o passado, mesmo com sua natureza alterável, jamais fôra alterado. Tudo o que fosse verdade agora fôra verdade desde sempre, a vida toda. Muito simples. O indivíduo só precisava obter uma série interminável de vitórias sobre a própria memória”.

ORWELL, G. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. página 47.

Tendo como ponto de partida as narrativas de Diórdi Or uél e o que você estudou neste capítulo, analise as imagens a seguir. Depois, faça as atividades propostas.

Duas fotografias em preto e branco. Em ambas, Lênin sobre um palanque de madeira. Ele usa terno e gravata. Segura o chapéu em uma das mãos. Ao redor, pessoas assistem. Na imagem da esquerda, há dois homens ao lado do palanque onde Lênin discursa. Na imagem da direita, a lateral do palanque está vazia.
Lênin discursando para uma multidão em Moscou, Rússia. Fotos de 1920.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Na primeira imagem, nas escadas da tribuna, do lado direito, um pouco abaixo do púlpito onde se encontra Lênin, estão camenév e trótisqui, principais adversários políticos de Istálin. Note esse lugar na segunda imagem. Algo mudou, certo?

Responda no caderno.

  1. Como os eventos da Revolução Russa podem ter inspirado o escritor Diórdi Or uél a escrever o romance A revolução dos bichos?
  2. Como a mudança nos sete mandamentos em A revolução dos bichos pode estar relacionada a uma visão crítica da Revolução Russa? Em sua resposta, indique os possíveis sentidos do mandamento “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.
  3. Que diferenças você consegue identificar entre as duas versões da foto apresentada?
  4. Levando em consideração o trecho do romance 1984, escreva um pequeno texto analisando as duas versões da foto. Explique como a narrativa do romance pode ser entendida à luz dos acontecimentos históricos na União Soviética.

Atividades

Responda no caderno.

Organize suas ideias

  1. Anote no caderno a resposta correta. A Revolução Mexicana de 1910, do ponto de vista social, caracterizou-se:
    1. pela intensa participação camponesa.
    2. pela aliança entre operários e camponeses.
    3. pela liderança de grupos socialistas.
    4. pelo apôio da Igreja aos rebeldes.
    5. pela forte presença de combatentes estrangeiros.
  2. (Unésp-São Paulo – adaptado)

“A Nação terá em qualquer tempo o direito de impor à propriedade privada as modalidades ditadas pelo interesse público reticências. Com esse objetivo serão determinadas as medidas necessárias ao fracionamento dos latifúndios reticências. Os povoados, vilarejos e comunidades que careçam de terras e águas ou não as tenham em quantidades suficientes para as necessidades de sua população terão direito a elas, tomando-as das propriedades vizinhas, porém respeitando, sempre, a pequena propriedade.”

Artigo 27 da Constituição mexicana de 1917. In: Équitor H. Brút. Revoluções na América Latina, 1988.

Anote no caderno a resposta correta. O artigo 27 da Constituição elaborada ao final da Revolução Mexicana dispõe sobre a propriedade de terra e:
  1. contempla parcialmente as reivindicações dos movimentos camponeses e indígenas, por distribuição de terras.
  2. representa a vitória dos projetos defendidos pelos setores operários e camponeses vinculados a grupos socialistas e anarquistas.
  3. expõe o avanço do projeto liberal burguês e de sua concepção de desenvolvimento de uma agricultura integralmente voltada à exportação.
  4. restabelece a hegemonia sociopolítica dos grandes proprietários rurais e da Igreja Católica, que havia sido abalada nos anos de luta.
  5. corresponde aos interesses dos grandes conglomerados norte-americanos, que se instalaram no país durante o período do porfirismo.
  1. Sobre a guerra civil na Rússia, identifique, no caderno, as alternativas verdadeiras e as falsas.
    1. No contexto dessa guerra, a família romanóv foi executada na cidade de Ecaterimburgo, em julho de 1918.
    2. A guerra durou de 1918 a 1921, deixando aproximadamente 10 milhões de mortos e o país destruído e em crise social e econômica.
    3. Apesar do comunismo de guerra, a propriedade privada e a economia de mercado não foram abolidas no país; apenas regulamentadas.
    4. O govêrno bolchevique adotou o comunismo de guerra, com o contrôle do Estado sobre todos os meios de produção, incluindo terras.
    5. Na guerra, enfrentaram-se o Exército Branco, liderado por contrarrevolucionários com ajuda de países estrangeiros, e o Exército Vermelho bolchevique, liderado por trótisqui e outros.

Aprofundando

4. (Unicamp-SP)

“A Primeira Guerra Mundial abalou profundamente todos os povos envolvidos, e as revoluções de 1917-1918 foram, acima de tudo, revoltas contra aquele holocausto sem precedentes, principalmente nos países do lado que estava perdendo. Mas em certas áreas da Europa, e em nenhuma outra mais que na Rússia, foram mais que isso: foram revoluções sociais, rejeições populares do Estado, das classes dominantes e do istátus quó.

Adaptado de Eric Hobsbawm. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. página 262-263.

  1. Relacione a Primeira Guerra Mundial e a situação da Rússia na época.
  2. Cite e explique um princípio da Revolução Russa de 1917.

5. (Fuvésti-São Paulo – adaptado) Anote no caderno a resposta correta. Neste mural, o pintor mexicano retratou a morte de Emiliano Zapata. Observando a pintura, é correto afirmar que Rivera:

Pintura. Dois corpos enterrados embaixo de uma plantação. O corpo à esquerda é de um homem de bigode com o corpo todo enrolado em um tecido vermelho. O corpo à direita está parcialmente enrolado com um tecido vermelho.
Mural O sangue dos mártires revolucionários fertilizando a terra, de Diego Rivera, 1926-1927.
  1. foi uma rara exceção, na América Latina do século vinte, pois artistas e escritores se recusaram a relacionar arte com problemas sociais e políticos.
  2. retratou, no mural, um tema específico, sem semelhanças com a situação dos camponeses de outros países da América Latina.
  3. quis demonstrar, no mural, que, apesar da derrota armada dos camponeses na Revolução Mexicana, ainda permaneciam esperanças de mudanças sociais.
  4. representou, no mural, o girassol e o milharal como símbolos religiosos cristãos, próprios das lutas camponesas da América Latina.
  5. transformou-se numa figura única na história da arte da América Latina, ao abandonar a pintura de cavalete e fazer a opção pelo mural.

6. Emiliano Zapata se tornou um dos líderes mais importantes da Revolução Mexicana, sendo celebrado como herói ainda em vida. No entanto, sua imagem despertou desconfiança e medo em muitos setores da sociedade. Leia a seguir dois textos. O primeiro é a letra de uma música mexicana datada de 1934; o segundo foi extraído de uma notícia de jornal que circulou no Brasil em 1913.

“Enterraram Zapata

Em uma tumba profunda

Pois acreditavam que sairia

Para voltar a luta

Continuava vivo nos índios

A verdade de sua palavra:

‘A terra não pertence

Mais do que aquele que a trabalha’

Nove anos lutou Emiliano

Pelo ideal agrarista

E jamais tremeu a sua mão”

A MORTE de Emiliano Zapata.. In: DROMUNDO, B. Emiliano Zapatabiografía. Clásicos del ZapatismoSecretaria de Cultura, México, 2019. página 334. Tradução nossa.

“Entre os exércitos que se dilaceram no México, um existe, certamente, o mais estranho que se conhece encerrando o poder supremo do terror. Trata-se de um exército composto exclusivamente de soldados leprosos. É o exército do famoso general Zapata reticências. Sabe-se que a lepra no sul do México é uma moléstia comum, encontram-se lá leprosos com rostos horrivelmente mascarados de branco ou de vermelho ou de negro. Desses homens, reunidos, resolveu fazer uma fôrça o general revolucionário, que mantém em permanente terror e sobressalto o govêrno da convulsionada república.”

Texto publicado no jornal Minas Gerais, 15 julho 1913. Apud: DIAS, N. V. O Brasil no “espelho do México”: visões da Revolução Mexicana na imprensa brasileira (1910-1914). Revista Espaço Acadêmico, Maringá, número 114, novembro 2010, página 40.

  1. Como Emiliano Zapata é descrito no primeiro texto? Como seu exército é descrito no segundo texto?
  2. Com base no que você estudou até agora, elabore uma hipótese que justifique essas diferentes versões da imagem de Zapata.
  3. Em sua opinião, por que no texto do jornal brasileiro Zapata e seu exército são descritos de fórma pejorativa?

Glossário

Czar
: palavra derivada do termo latino caézar, título dado aos imperadores romanos.
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Calendário juliano
: calendário elaborado pelo astrônomo Sosígenes e instituído na Roma antiga por Júlio César, em 45antes de CristoDe acordo com os cálculos de Sosígenes, um ano tinha 365 dias e 6 horas. Ao formular o calendário solar, ele considerou um ano com 365 dias, divididos em 12 meses. Para corrigir o tempo que sobrava em cada ano (6 horas), criou o ano bissexto, com 366 dias, que se repetiria a cada intervalo de quatro anos com 365 dias. O calendário juliano foi usado na Europa Ocidental até 1582, sendo substituído pelo gregoriano, que é o utilizado no Brasil atualmente. O calendário juliano continua a ser usado pelos cristãos ortodoxos.
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Distopia
: nesse contexto, lugar hipotético onde se vive sob sistemas de privação, perda ou desespero; antiutopia.
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