UNIDADE 4 A CONSTRUÇÃO E OS DESAFIOS DO MUNDO CONTEMPORÂNEO

A história e você: agir com responsabilidade no mundo digital

Nesta unidade, você estudará algumas das ditaduras militares implantadas na América Latina entre as décadas de 1960 e 1970. Além disso, analisará a ordem mundial que se estabeleceu após o fim da Guerra Fria, nos an os 1990, e conhecerá os principais desafios enfrentados pela sociedade brasileira após a redemocratização do país.

As primeiras décadas do século vinte e um caracterizaram-se por rápidas transformações tecnológicas e comportamentais. A internet, pouco difundida até o final dos anos 1990, tornou-se o principal meio de comunicação e de informação, conectando de fórma instantânea pessoas de todo o planeta.

A rede mundial de computadores democratizou o acesso à informação e sua difusão facilitou os intercâmbios culturais entre pessoas de diferentes países, o comércio e a prestação de serviços. Entretanto, a falta de leis e de regras de convívio no mundo virtual, que só recentemente começou a ser objeto de regulamentação, fez da internet uma “terra de ninguém”.

Embora existam mecanismos de rastreamento, é muito fácil agir anonimamente na rede, cometendo fraudes, difundindo informações falsas e divulgando conteúdos íntimos ou sigilosos. Entre as práticas ilícitas, a que mais atinge crianças e adolescentes é o cyberbullying, ou seja, o bullying realizado por meios digitais.

Ilustração. Menina cabisbaixa sentada em um canto escuro. Ela está com os joelhos dobrados e segura um celular com as duas mãos, à frente do rosto. A luz da tela ilumina seu rosto. Na parede atrás dela, uma sombra, representando ela presa dentro de uma gaiola.
Ilustração atual representando jovem vítima de cyberbullying.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ípsus em 2018 revelou que o Brasil é o segundo país do mundo com maior incidência de cyberbullying: 29% dos pais ou responsáveis entrevistados afirmaram que as crianças ou adolescentes com os quais convivem já foram vítimas de intimidações ou agressões on-line.

Espalhar mentiras ou ofensas sobre um indivíduo nas redes sociais, divulgar imagens constrangedoras de alguém, ameaçar quem quer que seja por meio de mensagens ou passar-se por outra pessoa divulgando informações ou mensagens no nome dela são alguns exemplos desse tipo de prática. Você já sofreu esse tipo de intimidação ou conhece alguém que passou por isso?

A fim de prevenir e combater esse tipo de atitude entre os estudantes da escola em que estudam, você e os colegas farão uma cartilhaglossário de combate ao cyberbullying, de acordo com as orientações a seguir.

Organizar

  • Reúnam-se em sete grupos para elaborar a cartilha, que será dividida em seis temas. Seis grupos elaborarão o conteúdo e o sétimo será responsável pela parte gráfica da cartilha.
  • Se você estiver em um dos grupos que elaborarão o conteúdo, junte-se a sua equipe e escolham um destes temas:
    • o cyberbullying e suas consequências para as vítimas;
    • como proteger-se do cyberbullying;
    • como comportar-se eticamente nas redes;
    • o que fazer ao identificar cyberbullying;
    • como ajudar as vítimas de cyberbullying;
    • as punições que podem ser aplicadas aos agressores.

Produzir

  • Os grupos responsáveis pelo conteúdo devem:
    • pesquisar, em sites confiáveis ou fontes impressas, informações sobre o tema escolhido;
    • com base na pesquisa, selecionar três ou quatro tópicos sobre o tema;
    • para cada tópico, redigir um parágrafo explicativo, fornecendo dados ou exemplos, sempre que possível;
    • criar uma lista de todas as fontes consultadas (sites, livros, revistas, documentos oficiais etcétera);
    • coletivamente, criar um título para a cartilha e revisar os textos uns dos outros antes de entregá-los ao grupo responsável pela parte gráfica.
  • O grupo responsável pela parte gráfica deve:
    • buscar, em sites confiáveis ou fontes impressas, imagens e gráficos relacionados aos seis temas para ilustrar a cartilha;
    • diagramar as páginas (uma para cada tema), criar uma capa (com o título da cartilha e a identificação da turma), um índice e uma página final, intitulada “Onde obter mais informações sobre o assunto?”. Nessa página, reúnam as fontes utilizadas por todos os grupos.

Compartilhar

  • No dia combinado com o professor, façam o lançamento da cartilha (que poderá ser impressa ou digital) para a comunidade escolar.
  • Após o evento, conversem sobre as reações dos estudantes, pais e professores ao material.
  • Ao final, avaliem o processo de produção da cartilha.

CAPÍTULO 10 Ditaduras na América Latina: Brasil, Chile e Argentina

Você já reparou que, diariamente, recebe muitas informações e opiniões de grupos com interesses diversos? Quando lê, na internet, um artigo de jornal ou o texto de um blog, ouve um podcast ou um programa de rádio ou assiste a um telejornal, você pode ter acesso a notícias do mundo todo. Muitas vezes, os assuntos são comentados por especialistas ou por formadores de opinião. Isso ocorre porque o Brasil é uma democracia, em que a liberdade de expressão e de pensamento, de associação e de imprensa é assegurada a toda a sociedade. No entanto, nem sempre foi assim.

Fotografia em preto e branco. Capa de jornal. Na parte superior a manchete: ULISSES APONTA A OPÇÃO: DEMOCRACIA OU REPRESSÃO. Abaixo uma coluna com texto e outra notícia: ARENISTAS BUSCAM CAUSA DO MALOGRO.
Fotografia em preto e branco. Capa de jornal. Em cima, a inscrição OS LUSÍADAS. Na coluna à esquerda, trechos do canto terceiro do poema dividido em tópicos. No centro, a notícia: ARENISTAS BUSCAM CAUSA DO MALOGRO.
Detalhes de duas versões da capa da edição do jornal O Estado de sem Paulo de 19 de novembro de 1974: a original e a que foi publicada, com uma das reportagens coberta por um trecho do poema épico Os Lusíadas, de Luís de Camões.
Fotografia em preto e branco. Grupo de pessoas vistas de frente em um protesto na rua. Na fileira da frente, mulheres de mãos dadas. Ao fundo, cartazes com os dizeres: GREVE, PROTESTO CONTRA CENSURA, EM DEFESA DA CULTURA. CONTRA A CENSURA PELA CULTURA, entre outros.
Na primeira fila, atrizes de teatro, cinema e televisão em protesto, na cidade do Rio de Janeiro, durante a ditadura civil-militar. Foto de 1968.
Ícone. Ilustração de um ponto de interrogação indicando questões de abertura de capítulo.

Responda oralmente.

  1. Analise as duas versões da capa do jornal reproduzidas. Há algo que lhe chama a atenção nelas? O quê?
  2. Você saberia dizer por que esse recurso foi utilizado pelos editores do jornal?
  3. O que as pessoas da foto estavam reivindicando? Você considera importante esse tipo de reivindicação?

A ditadura civil-militar no Brasil

Como você estudou no capítulo 9, em 1º de abril de 1964, uma ditadura civil-militar foi instaurada no Brasil por meio de um golpe de Estado. As fôrças armadas assumiram o contrôle do govêrno federal e o então presidente João gulár exilou-se no Uruguai.

Os militares receberam apôio logísticoglossário dos Estados Unidos, que pretendiam impedir o alinhamento de países latino-americanos ao bloco soviético e aumentar a área de influência do bloco capitalista no continente. Com esse intuito, durante a Guerra Fria os Estados Unidos desenvolveram o programa “Aliança para o Progresso”, idealizado pelo presidente Djón F. kenedí. Por meio desse programa, o país financiou diversos governos autoritários na América Latina. Além disso, a Agência Central de Inteligência estadunidense (cía – sigla do nome em inglês Central Intelligence Agency) colaborou para a divulgação de vários materiais de propaganda anticomunista no Brasil. Isso ajudou a espalhar o medo ao chamado “perigo vermelho”, contribuindo para que os militares anunciassem o golpe como necessário à manutenção da ordem e da segurança pública.

Além da ajuda dos Estados Unidos, os militares que instituíram a ditadura no Brasil receberam o apôio de pessoas civis; por isso, o govêrno que eles impuseram é considerado uma ditadura civil-militar. O período desse govêrno foi marcado pela privação de direitos políticos e de liberdades individuais, em que o Estado brasileiro realizou prisões arbitrárias, praticou tortura, assassinou muitas pessoas e espalhou desinformação. Embora aqueles que tomaram o poder no Brasil tenham afirmado inicialmente que a ditadura seria rápida e passageira, ela durou 21 anos.

Fotografia em preto e branco. Tanques de guerra passando em uma avenida em meio a pessoas nas calçadas acompanhando o ato.
Tanques ocupando as ruas da cidade do Rio de Janeiro. Foto de 1º de abril de 1964.

Os Atos Institucionais

Para dar aparência de legalidade ao regime, os militares criaram normas denominadas Atos Institucionais (a is). Os a is (foram dezessete) alteravam a Constituição de acordo com os interesses da junta militar que comandava o país.

O primeiro (o á í-1) foi publicado no dia 9 de abril de 1964. Por meio dele, os militares cassaramglossário mandatos, suspenderam direitos políticos de opositores por dez anos, instituíram eleições indiretas para presidente e fortaleceram o Poder Executivo federal.

O marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, eleito indiretamente para a Presidência da República, integrava a ala mais moderada dos militares. Por isso, inicialmente, certas liberdades foram mantidas, como a de imprensa e a realização de eleições diretas para o cargo de governador. Contudo, Castelo Branco ordenou expurgosglossário nas fôrças armadas e a prisão de muitas lideranças de movimentos sociais, rompendo a normalidade democrática.

Fotografia em preto e branco. Três homens vestidos socialmente conversam com mulheres e crianças de uma comunidade. Estão sentadas em frente a uma cerca feita com sarrafos de madeira. Francisco Julião, homem magro, cabelo curto e nariz grande está em pé com os braços para trás conversando com um menino descalço. Ao fundo, uma obra inacabada.
O deputado Francisco Julião (de calça e paletó escuros, no centro da imagem), líder das Ligas Camponesas, durante campanha eleitoral em Pernambuco. Foto de 1961. Em 1964, o mandato dele foi cassado.
Fotografia em preto e branco. Carlos Marighella, homem de rosto oval, cabelos curtos, nariz largo e boca grande. Tem uma placa pendurada no pescoço com a informação 3887 – 1964.
Reprodução do fichamento policial de Carlos Mariguéla, preso sem mandato em maio de 1964, pouco depois da publicação do á í-1.
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O ex-deputado do Partido Comunista Brasileiro (pê cê bê) Carlos Mariguéla foi baleado e preso por agentes da repressão em um cinema no Rio de Janeiro, em maio de 1964, sendo libertado no ano seguinte. Em 1968, ele se tornou um dos símbolos da resistência à ditadura ao ajudar a criar, e depois comandar, a Ação Libertadora Nacional (a éle êne), a maior organização de guerrilha urbana do país. Foi assassinado em uma emboscada em 1969.

O govêrno de Castelo Branco e a suspensão das eleições diretas

A adoção de medidas econômicas impopulares, como córte de gastos, aumento de impostos e redução dos salários, aliada à prorrogação do mandato de Castelo Branco até 15 de março de 1967, por meio de uma emenda constitucional, aumentou a desconfiança da população em relação ao regime ditatorial.

Antigos apoiadores do golpe de 1964, como Carlos Lacerda, da União Democrática Nacional (u dê êne), e Ademar de Barros, do Partido Social Progressista (pê ésse pê), passaram a criticar abertamente o govêrno. Essa movimentação de setores críticos ao regime contribuiu para a vitória da oposição nas eleições para governador em diversos estados. Isso ocorreu em outubro de 1965.

Como consequência, a linha mais severa dos militares ganhou fôrça. O govêrno decretou, então, o á í-2. Por meio desse ato, foram instituídas eleições indiretas para presidente, que obteve o poder, também, de fechar temporariamente o Congresso Nacional. Além disso, em 1966, os partidos políticos existentes foram extintos e se estabeleceu a legalidade de apenas dois: a Aliança Renovadora Nacional (Arêna), que apoiava o govêrno, e o Movimento Democrático Brasileiro (ême dê bê), representante da oposição, mas que não tinha condições de exercê-la de fato.

Ainda em 1966, foram decretados mais dois a is. Com o á í-3, o govêrno determinou a realização de eleições indiretas para governadores e os prefeitos das capitais passaram a ser nomeados. Dois meses depois, por meio do á í-4, o Congresso Nacional foi convocado para iniciar a elaboração de uma nova Constituição, que foi aprovada em 1967 e incorporou diversas decisões dos AIs anteriores.

Charge em preto e branco. Pessoa de corpo grande e arredondado. Tem pés e mãos bem grandes e pernas curtas e finas. Usa um quepe militar. Segura uma criança com uma caixa de balas. Ao fundo, algumas pessoas fugindo.
Avisei sem querer Só gritei “Olha o Drópis!, charge de Cláudius ironizando a truculência da ditadura civil-militar, publicada na revista Pif-Paf, em 21 de maio de 1964.
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O cartunista Cláudius foi preso por causa da publicação dessa charge. Lançada em maio de 1964, por Millôr Fernandes, em colaboração com Cláudius, Fortuna, Jaguar e Ziraldo, a revista Pif-Paf foi encerrada no mesmo ano do lançamento, por causa da perseguição da ditadura.

Fotografia em preto e branco. Três homens conversando. Da esquerda para a direita, Renato Archer, homem de cabelos longos e lisos, penteados para trás. Está de lado com a mão direita no rosto. No centro, João Goulart. Tem a testa grande e nariz largo. Está sorrindo com as mãos à frente do corpo. À direita, Carlos Lacerda de perfil. Ele é calvo e usa óculos.
Na foto, da esquerda para a direita, Renato Árcher (político maranhense), João gulár e Carlos Lacerda falando sobre a Frente Ampla. Foto de 1966.
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Com o objetivo de organizar a oposição, foi formada a Frente Ampla, movimento liderado por Juscelino cubishéqui, João gulár e Carlos Lacerda. Lançada em 28 de outubro de 1966, a Frente Ampla não conseguiu reunir apôio popular e foi declarada ilegal, em abril de 1968. Seus líderes foram perseguidos pelo govêrno e tiveram os direitos políticos cassados.

Lei de Imprensa e Lei de Segurança Nacional

Antes de deixar o cargo, Castelo Branco aprovou duas leis, que entraram em vigor em 1967: a Lei de Imprensa, que estabeleceu a censura de materiais publicados em jornais, revistas, rádio, televisão, teatro e cinema, e a Lei de Segurança Nacional, que restringiu manifestações, greves e qualquer tipo de oposição política ao govêrno.

Com o término de seu mandato, em 15 de março de 1967, o marechal foi substituído pelo general Artur da Costa e Silva, um dos líderes da chamada linha dura das fôrças armadas. Os instrumentos de repressão, que já eram usados pelo govêrno, ficariam ainda mais violentos nos anos seguintes.

Charge em preto e branco. Homem em pé segurando um jornal aberto na frente do corpo. Ele coloca o rosto em um buraco em uma das folhas do jornal, que foi recortado.
– Foi você, Maria, ou já começou a Lei de Imprensa?, charge do cartunista Fortuna sobre a Lei de Imprensa, publicada no Correio da Manhã, em 1966.

Contestação e resistência: greves e protestos

Diante do aumento do custo de vida e da desvalorização dos salários, ocorridos entre 1964 e 1967, os metalúrgicos de Contagem, em Minas Gerais, e de Osasco, em São Paulo, entraram em greve. Isso ocorreu, respectivamente, em abril e em julho de 1968, apesar das leis que reprimiam manifestações operárias.

Em outra frente, os estudantes protestaram contra as reformas educacionais impostas e o cerceamentoglossário da liberdade. Mesmo diante da dura repressão, as organizações estudantis se tornaram uma das principais frentes de oposição e enfrentamento à ditadura.

Em uma das manifestações mais emblemáticas, ocorrida em 28 de março de 1968, as fôrças policiais mobilizadas para dispersar o ato assassinaram o estudante Edson Luís de Lima Souto, de 17 anos. Esse foi o estopim para uma série de manifestações que se espalharam por diversas universidades brasileiras.

Fotografia em preto e branco. Grupo em um protesto. Carregam cartazes com os dizeres: SOMENTE UMA ESTRUTURA FALIDA MATA ESTUDANTES PARA SOBREVIVER. BASTA DA DITADURA CRIMINOSA e BASTA DITADURA CRIMINOSA, entre outros.
Manifestação na cidade de São Paulo (São Paulo) em repúdio ao assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto. Foto de 1968.

Diante da escalada da violência policial, outros grupos da sociedade se solidarizaram com os estudantes, como alguns setores da Igreja Católica, que passaram a participar dos movimentos, ampliando os protestos contra o regime. Em junho de 1968, no Rio de Janeiro, ocorreu a maior manifestação contra o govêrno realizada até então: a Passeata dos Cem Mil.

Em outubro do mesmo ano, a União Nacional dos Estudantes (Úni) organizou clandestinamente seu Trigésimo Congresso, em uma fazenda no município de Ibiúna, em São Paulo. Descoberto pela polícia, o evento foi encerrado com a prisão de muitos participantes.

O á í-5 e o recrudescimento da ditadura

As ações violentas do governo passaram a ser denunciadas pelos parlamentares no Congresso. Diante disso, o presidente Costa e Silva decretou, em dezembro de 1968, o á í-5. Por meio desse ato, ele fechou o Congresso Nacional e suspendeu todos os direitos políticos e constitucionais individuais, incluindo o direito ao habeas corpusglossário , o que possibilitou a prática de prisões sistemáticas.

Com o recrudescimentoglossário da repressão, o govêrno passou a censurar previamente os meios de comunicação com o objetivo de impedir a difusão de notícias sobre a corrupção, as prisões e a tortura praticadas por agentes do Estado, transmitindo à população uma falsa sensação de bem-estar social.

A violência aumentou ainda mais a partir de 1969, quando Emílio Garrastazú Médici assumiu a Presidência e intensificou as práticas de repressão e tortura. Por isso, o período de 1969 a 1974, em que Médici esteve no poder, ficou conhecido como anos de chumbo.

Fotografia em preto e branco. Multidão aglomerada em uma passeata. No centro, um grande cartaz com a frase: ABAIXO A DITADURA – POVO NO PODER.
Passeata dos Cem Mil, na cidade do Rio de Janeiro. Foto de 1968.

Repressão e resistência armada

Com o decreto do á í-5, a oposição ao govêrno, que era feita principalmente pelos movimentos estudantil e operário e por intelectuais, acabou se recolhendo. O recrudescimento do regime limitou as possibilidades de resistência no campo institucionalglossário . Parte de setores da esquerda, porém, engajou-se na luta armada por meio da organização de guerrilhasglossário .

Os organizadores da Guerrilha do Araguaia, que ocorreu no território correspondente ao do atual estado do Tocantins, pretendiam mobilizar os camponeses da região para dar início a uma revolução socialista nos moldes da Revolução Cubana. O movimento resistiu entre 1967 e 1974, quando foi destruído violentamente pelo exército nacional.

Os participantes das guerrilhas urbanas, por sua vez, adotaram como principais estratégias assaltos a bancos e sequestros de diplomatas estrangeiros em troca da libertação de presos políticos. Alguns grupos, como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (ême érre -8) e a a éle êne, liderada por Carlos Mariguéla, conseguiram resistir durante certo tempo, mas a desproporção entre os recursos e os métodos empregados pelos guerrilheiros e os usados pelas fôrças do Estado era muito grande.

Para combater as guerrilhas, o govêrno investiu na criação e no fortalecimento de diversos órgãos de informação, como o Serviço Nacional de Informações (ésse êne i) e o Departamento de Ordem Política e Social (dópis). Com o aumento da repressão, outras instituições de segurança foram instituídas, como o Departamento de Operações e Informações (Dói) e o Centro de Operações de Defesa (Codi), responsáveis pela Operação Bandeirante (Obán), que foi, em parte, financiada por doações de empresários. Por causa das torturas empregadas, odói códi tornou-se um dos principais símbolos de desrespeito aos direitos humanos no Brasil.

Fotografia em preto e branco. Treze pessoas de mãos algemadas, organizados em duas fileiras. As cinco pessoas na fileira da frente estão agachadas. Ao fundo, parte da fuselagem de um avião.
Na imagem, na base aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, estão treze dos quinze presos políticos trocados pelo embaixador dos Estados Unidos, Charles Búrqui Élbric, um pouco antes de embarcarem para o exílio, no México. Foto de 1969.
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Em setembro de 1969, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Búrqui Élbric, foi sequestrado por integrantes da a éle êne e do ême érre -8. Em troca de sua libertação, os militantes exigiram a soltura de quinze presos políticos e a divulgação em rádio e televisão de um manifesto revolucionário.

Muitos dos presos eram submetidos a choques elétricos, afogamentos, espancamentos e diversas outras torturas físicas e psicológicas pelos agentes do dói códi durante os interrogatórios. Quando morriam, tinham o corpo ocultado pelo govêrno, que divulgava versões falsas sobre a morte ou o desaparecimento forçado. Também era comum a falsificação de laudos médicos que atestavam outros motivos como causa da morte.

A violência sexual contra mulheres foi uma das características da ditadura brasileira: muitas prisioneiras foram estupradas, além de receber choques elétricos em todo o corpo e outros tipos de tortura.

Movimento negro e resistência

Além de reprimir a guerrilha e os movimentos de trabalhadores e estudantes, a ditadura perseguiu energicamente as manifestações antirracistas, entre outros motivos, por medo de que os movimentos negros no Brasil seguissem o exemplo dos Panteras Negras dos Estados Unidos (que você estudou no capítulo 7).

Os militares retomaram a falsa ideia de democracia racial e a exploraram amplamente para consolidar seu projeto autoritário e excludente de nação. Eles sustentavam o argumento de que qualquer posição contrária ou crítica à interpretação de que não havia racismo no Brasil era antipatriótica.

Na década de 1970, foram fundados diversos coletivos, como o Centro de Cultura e Arte Negra e o Grupo Palmares, e jornais, como o Árvore das Palavras e O Quadro, que divulgaram críticas à noção de democracia racial e promoveram a valorização da história e das raízes negras. Em 1978, foi organizado o Movimento Negro Unificado (ême êne u), que produziu duras críticas à violência policial e aos diversos tipos de discriminação social, econômica e cultural sofridos pela população negra.

Fotografia em preto e branco. Pessoas em uma manifestação. Carregam faixas com os dizeres: CONTRA DISCRIMINÇÃO RACIAL, POR IGUALDADE RACIAL e VIVA O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, entre outros.
Marcha do Movimento Negro Unificado, na cidade de São Paulo (São Paulo). Foto de 20 de novembro de 1979.
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O ême êne u organizou a manifestação retratada na imagem. O dia 20 de novembro é a data da morte de Zumbi dos Palmares, no ano de 1695. Por isso, foi escolhida pelo movimento negro para ser o Dia da Consciência Negra.

Imprensa satírica e arte engajada

A imprensa alternativa também foi um relevante meio de resistência à ditadura. Jornais como O Pasquim, O Lampião da Esquina e Movimento, entre diversos outros, denunciavam a violência cometida pelo govêrno por meio do humor em charges, caricaturas e sátiras.

No teatro, grupos como o Arena e o Oficina representaram em suas peças o ambiente político da época. No cinema, os participantes do movimento Cinema Novo procuraram afastar-se das referências estadunidenses e voltaram-se a temáticas políticas, sociais e culturais brasileiras. Um deles foi Glauber Rocha, que produziu filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol, em 1964, e Terra em Transe, em 1967.

Na música, artistas como Chico Buarque, Elis Regina, Nara Leão, Jair Rodrigues e Geraldo Vandré compuseram ou interpretaram canções com críticas à ditadura civil-militar. O meio musical foi um dos que mais se movimentaram no período da ditadura, apesar da censura. Os Festivais de Música Popular Brasileira, promovidos por grandes emissoras de televisão, viraram espaços de denúncia e resistência política.

Nesse contexto, teve início o Tropicalismo. Os participantes desse movimento cultural questionaram os comportamentos conservadores da sociedade brasileira e misturaram, em suas composições, ritmos e fórmas musicais originadas em outras partes do mundo. Essa expressão cultural foi reprimida pela ditadura e perdeu forçares, sobretudo, a partir de dezembro de 1968, quando importantes representantes do movimento, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, foram presos. Em 1969, os compositores partiram para o exílio.

Fotografia em preto e branco. No centro, cantando no microfone, Caetano Veloso, rapaz de rosto magro e cabelos grandes e cacheados. Ao seu lado direito, Gilberto Gil, rapaz de bigode e cavanhaque. À esquerda, Arnaldo Baptista, rapaz de cabelos compridos, camisa clara de mangas escuras, tocando contrabaixo. Ao fundo, Rita Lee tocando violão, e Sérgio Dias tocando guitarra. Ambos aparecem desfocados.
Caetano Veloso (no centro da imagem) e o grupo Os Mutantes durante a apresentação da canção É proibido proibir no Terceiro Festival Internacional da Canção, no teatro Tuca, em São Paulo (São Paulo). Vaiado pela plateia, o cantor recebeu o apôio de Gilberto Gil (último, da esquerda para a direita) e fez um longo discurso de protesto. Foto de setembro de 1968.

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. Como os Estados Unidos contribuíram para a instauração do golpe civil-militar no Brasil?
  2. O que foram os Atos Institucionais? Qual foi o impacto do á í-5 para a política e para a cultura?
  3. Explique os diferentes tipos de resistência ao governo ditatorial brasileiro abordados neste capítulo.

Vamos pensar juntos?

Você sabe o que é censura? Pode-se dizer que é uma proibição parcial ou total de divulgação de conteúdos considerados ofensivos por motivos religiosos ou por interesses políticos. Atuando em benefício de uma pessoa ou de um grupo, a censura e as tentativas de censurar podem ocorrer de maneira direta, por meio da legislação ou da ação de órgãos de repressão e contrôle, ou indireta, com intimidações a artistas, a manifestações políticas e a profissionais da imprensa, prejudicando o exercício do livre jornalismo.

A censura é uma das fórmas mais comuns de repressão e de cerceamento da opinião pública. Ela é considerada uma violação aos direitos humanos, pois envolve o desprezo ao direito constitucional à liberdade de opinião e de expressão. Durante a ditadura civil-militar, os censores eram enviados às redações dos jornais para censurar o que acreditavam ser críticas ao govêrno. Os veículos de comunicação (inclusive editoras e gravadoras) podiam ser obrigados a antecipar os livros, letras de canções e artigos de jornais e revistas para o departamento de censura do Ministério da Justiça. O govêrno apreendia as publicações e, além disso, ameaçava os jornais com a supressão da publicidade das empresas estatais caso publicassem artigos críticos a ele.

Conforme a doutrina de “segurança nacional”, qualquer oposição ao govêrno ditatorial ou manifestação por liberdade democrática podia ser considerada “subversiva” em razão da Lei de Segurança Nacional. Assim, essa justificativa foi utilizada para censurar e para empregar a ideia de que havia no país um “inimigo interno” a ser combatido, perseguido ou, até mesmo, exterminado, o que justificaria a adoção de medidas antidemocráticas.

Tirinha em dois quadros. Mônica, menina de cabeça arredondada, cabelos penteados de lado. Tem olhos grandes, dentes da frente em destaque. Usa um vestido vermelho. Ela conversa com o seu pai, que está sentado em uma poltrona lendo jornal. Ele usa camisa azul e calça azul escuro. Tem cabelos cacheados e nariz grande. Quadrinho 1: Ela perguntai: PAI... O QUE É CENSURA? E ele começa a responder: BEM... Quadrinho 2: Ele responde e tarjas pretas são colocadas sobre sua reposta, em seu balão de fala.
Turma da Mônica, tirinha de Mauricio de Sousa, 2010.

Responda no caderno.

  1. O que é a censura? A que grupos ela interessa?
  2. Como funcionava a censura durante a ditadura e quais eram os objetivos do govêrno ao utilizar esse instrumento de repressão?
  3. Descreva a tirinha. Como ela expressa a ideia da censura?

govêrno Médici: o auge da ditadura

No govêrno Médici, foi adotada uma política de crescimento econômico. A estratégia do govêrno era ampliar o processo de modernização do país mediante a entrada de empresas multinacionais atraídas pela isenção de impostos, matéria-prima abundante e mão de obra barata. Outra estratégia era o investimento do Estado em indústrias de base (como siderurgia, petroquímica e energia) e obras de infraestrutura (modernização e ampliação de portos e rodovias).

O chamado milagre econômico

O efeito imediato dessa política econômica foi a geração de muitos empregos e o crescimento acelerado do Produto Interno Bruto (Píbi) – que, em 1973, chegou a aumentar 14%. Como consequência, a ditadura passou a difundir a ideia de que estava em curso no país um milagre econômico.

Esse crescimento, no entanto, não foi acompanhado por reajustes salariais correspondentes. O resultado foi um acentuado processo de concentração de renda que aumentou as desigualdades sociais no Brasil. Na década de 1970, os 10% mais ricos do Brasil chegaram a concentrar mais da metade da renda nacional, como se pode notar no gráfico desta página.

Cartaz. Fotografia de um carro comprido e amarelo, com muitas janelas laterais. O para-choque é formado por uma grade com linhas horizontais na frente. Ao fundo, uma mulher na margem de um rio, e pessoas em um pequeno barco. Abaixo informações e uma fotografia do mesmo carro visto de trás com porta-malas aberto e cheio de bagagem. No centro do cartaz, a frase FIM DE SEMANA COM BELINA.
Propaganda de automóvel produzida na década de 1970.
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A indústria automobilística tornou-se um dos símbolos do chamado milagre econômico brasileiro. O aumento do Píbi foi acompanhado de forte incentivo ao consumismo. Propagandas veiculadas em revistas e na televisão incentivavam a classe média a comprar bens de consumo duráveis, como carros e eletrodomésticos. Esses produtos eram associados a uma vida feliz e realizada.

Brasil: distribuição de renda total da População Economicamente Ativa (péa) – 1960-1983

Gráfico de barras verticais. Brasil: distribuição de renda total da População Economicamente Ativa (PEA), de 1960 a 1983. No eixo vertical, Renda da População Economicamente Ativa, e as porcentagens de zero, dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta, sessenta, setenta, oitenta, noventa e cem por cento. No eixo horizontal, os anos de 1960, 1970, 1972, 1976, 1979, 1981 e 1983. No canto direito, a legenda. Barra azul: 60% mais pobres. Barra vermelha: 10% mais ricos. 1960: 60% mais pobres detinham 24,9% da renda total da população economicamente ativa; os 10% mais ricos, detinham 39,6%. 1970: 60% mais pobres detinham 20,9% da renda total da população economicamente ativa; os 10% mais ricos, detinham 46,7%. 1972: 60% mais pobres detinham 16,8% da renda total da população economicamente ativa; os 10% mais ricos, detinham 52,6%. 1976: 60% mais pobres detinham 18,3% da renda total da população economicamente ativa; os 10% mais ricos, detinham 50,1%. 1979: 60% mais pobres detinham 18,6% da renda total da população economicamente ativa; os 10% mais ricos, detinham 48,2%. 1981: 60% mais pobres detinham 19,1% da renda total da população economicamente ativa; os 10% mais ricos, detinham 46,7%. 1983: 60% mais pobres detinham 47,9% da renda total da população economicamente ativa; os 10% mais ricos, detinham 17,7%.

FONTE: singuer, P. Repartição da renda: pobres e ricos sob o regime militar. segunda edição Rio de Janeiro: Jorge zarrár, 1986. Apud: GOTO, F.êti ól Uma exposição sobre a concentração de renda no Brasil. Formação Econômica, Campinas, número 6, página 62, dezembro 2000.

Além disso, os empréstimos estrangeiros que o govêrno contraiu fizeram a dívida externa aumentar. O choque na economia mundial provocado pela Crise do Petróleoglossário , em 1973, agravou a situação.

Para solucionar o problema, o govêrno procurou aumentar as exportações por meio da desvalorização da moeda e do arrocho salarial. O resultado foi um grande aumento da inflação na década de 1980.

Comunicação e propaganda: o ufanismo

Apesar de comandar o pior período da repressão política da história brasileira, graças ao chamado milagre econômico, o govêrno Médici foi muito aplaudido. Peças publicitárias ufanistasglossário tiveram papel fundamental nisso, incentivando o sentimento de sucesso brasileiro.

Essa máquina de propaganda foi propiciada pela expansão dos meios de comunicação, como a imprensa, o rádio e a televisão. Isso decorreu da combinação de investimentos estatais e privados em redes de satélite, em retransmissão de rádio e em outras estruturas de comunicação. O objetivo do govêrno com esses empreendimentos era a integração nacional, a fim de assegurar desenvolvimento econômico e contrôle.

Ilustração. Cartaz com slogan. No canto esquerdo, a bandeira do Brasil. Ao lado, a frase: BRASIL, AME-O OU DEIXE-O.
Slogan difundido durante a ditadura no Brasil.
Fotografia. Pelé correndo no campo, com os braços erguidos para cima, comemorando. Ele veste camisa amarela e shorts azul da seleção brasileira. Ao seu lado, caído em campo, um jogador de camisa azul e calção branco da seleção italiana.
Pelé comemorando gol marcado contra a Itália na final da Copa do Mundo de Futebol, no México. Foto de 1970.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

A vitória da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo do México, em 1970, alimentou o sentimento ufanista. Vitórias esportivas eram representadas como conquistas da ditadura. As campanhas governamentais traziam slogans marcantes, com imagens cuidadosamente escolhidas e frases de efeito, como: “Brasil, ame-o ou deixe-o” ou “Este é um país que vai pra frente”.

A ditadura civil-militar e os povos indígenas

A política econômica do período gerou diversos problemas sociais e ambientais. Grandes obras, como a Rodovia Transamazônica (Brasil-230) – iniciada em 1970 e nunca finalizada –, ocasionaram o desmatamento de uma área imensa, além de afetar tragicamente dezenas de povos indígenas da região.

Considerados obstáculos ao desenvolvimento pela ditadura civil-militar, muitos indígenas foram expulsos ou deslocados de suas terras e submetidos a todo tipo de violência, como contágio por doenças (como varíola, tuberculose e sarampo), sequestro de crianças e tortura. A Fundação Nacional do Índio (Funái), órgão do Ministério do Interior (o mesmo que promovia a abertura de estradas e a política desenvolvimentista em geral), defendia mais os projetos do govêrno do que os interesses dos indígenas que deveria representar.

Um dos casos mais violentos de apropriação de terras indígenas ocorreu no processo de construção da Rodovia Manaus-Boa Vista (Brasil-174) na década de 1970. O povo Waimiri-Atroari (ou Quinhá), que habitava terras onde o govêrno queria construir a rodovia, foi atacado com tiros e bombardeios aéreos de veneno. Estima-se que duasmil pessoas foram mortas. Em 2019, ocorreu a primeira audiência judicial com seis sobreviventes.

Fotografia. Imagem de clareira em uma mata fechada. No primeiro plano, homem com trator utilizado para derrubar as árvores. No segundo plano, as árvores que ainda estão em pé.
Derrubada de floresta para a construção da Rodovia Transamazônica (Brasil-230), no Amazonas. Foto da década de 1970.
Fotografia em preto e branco. Capa do jornal Borduna. Manchete: fotografia de pessoas andando em uma área de mata. Sobre a fotografia, a inscrição DEIXEM VIVER OS YANOMAMI! Na parte inferior, textos.
Capa do jornal Borduna, de 1979. Na manchete, é citado o povo Ianomâmi, cujo território foi atravessado pela construção da Brasil-230.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Em 1970, com a criação do Plano de Integração Nacional (Pin), multiplicaram-se os conflitos pela posse da terra em áreas indígenas. O plano de ocupação da Amazônia, levado adiante pelo govêrno, causou a morte e a expulsão de muitos grupos étnicos de suas terras originais.

A política de distensão e a abertura política

Em 1974, o general Ernesto Gaisel, da linha moderada dos militares, assumiu o cargo de presidente e iniciou a distensãoglossário do regime por meio de uma abertura que o govêrno chamou de “lenta, gradual e segura” para a democracia.

O fim do chamado milagre econômico desgastou o govêrno militar, e a insatisfação de vários grupos aumentou. Nas eleições legislativas de 1974, nas grandes cidades, o ême dê bê, partido da oposição, derrotou a Arêna, partido do govêrno.

Diante dessa situação, a chamada linha dura dos militares entrou em estado de alerta, aumentando a repressão aos opositores do govêrno e perseguindo os militantes que haviam auxiliado na campanha do ême dê bê.

A repressão e o descontentamento se aprofundam

O clima social de insatisfação se agravou com o assassinato do diretor de jornalismo na tê vê Cultura de São Paulo, Vladimir Erzógui, em 1975, e do operário Manoel Fiel Filho, em 1976. Ambos foram encontrados mortos nas dependências do dói códi logo depois de serem presos.

O contexto de crise levou o govêrno a endurecer ainda mais o regime, controlando a abertura política por meio da censura a debates políticos e do lançamento do chamado Pacote de Abril, que determinava, entre outras coisas, que um terço dos senadores seria eleito de fórma indireta (os escolhidos dessa maneira foram chamados de senadores biônicosglossário ) e ampliava o mandato presidencial de cinco para seis anos.

Fotografia em preto e branco. Multidão na porta da Catedral da Sé, igreja com pé direito alto e porta central alta encimada por arco. Acima dela, um vitral circular. Tem duas grandes torres com o topo pontiagudo. Ao redor, alguns prédios.
Multidão durante culto ecumênico em homenagem a Vladimir Erzógui, na Catedral da Sé, em São Paulo (São Paulo). Foto de 31 de outubro de 1975.
Novas frentes de resistência: as greves do á bê cê

No ano de 1978, na região do á bê cê Paulista, o Sindicato dos Metalúrgicos iniciou uma série de greves, às quais aderiram trabalhadores de diversas outras categorias. As reivindicações centravam-se no reajuste dos salários e nas liberdades democráticas.

Com a pressão popular, Gaisel revogou o á í-5, que deixou de valer a partir de janeiro de 1979, e abrandou a Lei de Segurança Nacional, os mais duros instrumentos ditatoriais, iniciando assim a transição para a abertura democrática.

Fotografia em preto e branco. Multidão reunida. Todos estão com os braços levantados.
Assembleia de trabalhadores no Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo (São Paulo). Foto de 1980.

A Lei de Anistia e o processo de redemocratização

João Baptista de Oliveira Figueiredo assumiu a Presidência em um contexto agitado. Pressionado para prosseguir com a abertura do regime, o govêrno sancionou, em 1979, a polêmica Lei da Anistia, segundo a qual ficavam perdoados todos os acusados de crimes políticos.

A lei gerou um profundo debate e forte oposição, pois não anistiava os indivíduos acusados de participar da luta armada ou de atos terroristas contra o govêrno, ao passo que concedia perdão a qualquer tipo de crime cometido pelos militares. Por isso, até hoje muitos familiares de vítimas da ditadura e perseguidos políticos ainda pedem sua revisão. Para muitos especialistas, com o fim da ditadura, essa lei produziu obstáculos para o exercício da justiça.

Ainda em 1979, o govêrno deu continuidade à abertura política, extinguindo o bipartidarismo e propondo o retorno do multipartidarismo. Assim, a Arêna transformou-se no Partido Democrático Social (pê dê ésse), enquanto o ême dê bê tornou-se o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (pê ême dê BÊ). Nesse momento, formaram-se também o Partido Democrático Trabalhista (pê dê tê), o Partido Trabalhista Brasileiro (pê tê bê), o Partido Popular (pê pê) e o Partido dos Trabalhadores (pê tê).

Movimento negro e de mulheres: novas articulações

Nesse cenário de abertura política, o movimento negro se rearticulou. As experiências na área da educação, da cultura e da assistência social contribuíram para a discussão sobre a necessidade da criação de leis antirracistas no Brasil.

O papel das mulheres foi decisivo. Diversos grupos feministas, como o ésse ó ésse Mulher e a Associação Nós Mulheres, unificaram as reivindicações e foram fundamentais no movimento pela anistia.

O processo de redemocratização contou com a participação de vários movimentos e grupos sociais, como você estudará no capítulo 12. Seu legado está presente em conquistas na busca de igualdade de direitos sociais, econômicos e políticos, como a Constituição de 1988, a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006, e a regulamentação dos direitos das trabalhadoras domésticas, ocorrida em 2015.

Cartaz. À esquerda, ilustração de uma senhora sorridente, de cabelos curtos. À direita, as inscrições: UMA VIDA SEM VIOLÊNCIA É DIREITO DE TODA MULHER. 13 ANOS LEI MARIA DA PENHA. LIGUE 180. Abaixo outras informações.
Cartaz comemorativo da criação da Lei Maria da Penha, produzido em 2019.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Em 1983, Maria da Penha sofreu uma tentativa de assassinato por seu ex-companheiro, que a deixou paraplégica. Ela denunciou o crime à côrte Interamericana de Direitos Humanos, que pressionou o Brasil pela aprovação de uma legislação para combater a violência contra as mulheres.

O movimento Diretas Já e o fim da ditadura

No início da década de 1980, a oposição se organizou para articular uma eleição direta para o cargo de presidente, o que resultou, a partir de 1984, na campanha denominada Diretas Já. Ela se alastrou pelo país com grandes atos públicos, reunindo 1 milhão de pessoas no Rio de Janeiro, 300 mil em Belo Horizonte e 1,5 milhão em São Paulo.

O movimento popular ganhou fôrça com a proposta de emenda constitucional para eleições diretas para presidente. Contudo, a aprovação da emenda foi impedida por parlamentares ligados ao govêrno. Em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves para presidente, tendo José sarnêi como vice, chegava oficialmente ao fim a ditadura no Brasil.

Fotografia em preto e branco. Pessoas na rua em uma manifestação. Carregam faixas com os dizeres: POR ELEIÇÕES DIRETAS JÁ!.
Manifestantes em passeata pelas eleições diretas, em São Paulo (São Paulo). Foto de 1984.

A América Latina e os regimes ditatoriais

Você se recorda do que estudou sobre a Revolução Cubana? Em diversos países do continente americano, a experiência cubana serviu de inspiração para a discussão sobre projetos políticos que incluíam temas como a reforma agrária, a distribuição de renda e riquezas, a nacionalização e estatização de empresas, a educação e a cultura como bens acessíveis a todas as pessoas.

Alguns grupos defendiam a realização de reformas estruturais em um contexto democrático, respeitando as instituições e o processo legal; outros propunham a transformação radical e revolucionária dos sistemas político e econômico.

No contexto da Guerra Fria, contudo, era inaceitável para os Estados Unidos a possibilidade de outro país socialista na América. Isso explica, em parte, a constante interferência dos Estados Unidos na política latino-americana da segunda metade do século vinte, de fórma direita ou indireta, com apôio à instalação de ditaduras.

Nas décadas de 1960 e 1970, o país apoiou a instalação de governos repressores e autoritários não só no Brasil, mas também em nações como Argentina, Uruguai e Chile, com a justificativa de proteger a sociedade de uma suposta ameaça comunista.

Charge em preto e branco. Tio Sam, com a testa franzida e uma cartola comprida. Está apontando para frente com o dedo indicador. Abaixo, a informação: FAÇAM O QUE EU MANDO MAS NÃO OLHEM O QUE EU FAÇO!
Façam o que eu mando, mas não olhem o que eu faço!, charge de Ziraldo produzida em 1970.

Golpes de Estado e ditaduras na América Latina – década de 1930 a década de 1990

Mapa. Golpes de Estado e ditaduras na América Latina, década de 1930 a década de 1990. Destaque para as Américas Central e do Sul. Sem legenda. Guatemala, de 1954 a 1985; El Salvador, Guerra civil, de 1980 a 1994; Honduras, de 1972 a 1981; Nicarágua, de 1934 a 1979; Haiti, de 1957 a 1994; República Dominicana, intervenção dos Estados Unidos, 1961, e golpe de Estado e intervenção militar dos Estados Unidos, de 1965 a 1966; Panamá, de 1968 a 1989; Equador, de 1972 a 1979; Peru, de 1968 a 1980; Bolívia, de 1964 a 1982; Chile, de 1973 a 1989; Argentina, de 1976 a 1983; Uruguai, de 1973 a 1985; Paraguai, de 1954 a 1989; Brasil, de 1964 a 1985. No canto inferior esquerdo, rosa dos ventos e escala de 0 a 1.030 quilômetros.

FONTES: ATLAS da história do mundo. São Paulo: Times/Folha de São Paulo, 1995. página 285; JOFFILY, B. et al. Atlas histórico do Brasil. Rio de Janeiro: éfe gê vê, 2016. Disponível em: https://oeds.link/yfut4U. Acesso em: 13 abril 2021.

Ícone. Ilustração de um símbolo de localização sobre um folheto aberto e em branco, indicando o boxe Se liga no espaço!

Se liga no espaço!

Responda no caderno.

Segundo o mapa, que países latino-americanos não estavam sob uma ditadura durante o período de 1960 a 1994?

O govêrno de Salvador alênde e a instalação da ditadura no Chile

Em 1970, a população do Chile elegeu como presidente o socialista Salvador alênde, que se candidatou por uma coligação de diversos partidos de esquerda: a Unidade Popular. Seu programa de govêrno previa a nacionalização de grandes empresas multinacionais, do sistema financeiro e das minas de cobre, ferro, salitre e carvão, assim como o aumento do salário dos trabalhadores e o congelamento do preço de diversas mercadorias. Além disso, o govêrno de alênde tinha como objetivo aprofundar o processo da reforma agrária no país. Esses projetos causaram preocupação na elite e na classe média conservadora.

Inicialmente, as medidas tomadas pelo govêrno melhoraram a economia chilena, mas a retaliação dos Estados Unidos – que impuseram sanções econômicas ao país – provocou desequilíbrio na balança comercial e aumento da inflação, acirrando os ânimos da população, que sofreu com o desabastecimento de mercadorias e paralisações. Na campanha para desestabilizar o govêrno de alênde, os Estados Unidos fortaleceram o setor conservador chileno, do qual fazia parte a cúpula militar do país.

Cartaz. Ilustração de uma pessoa em uma colina levantando a bandeira do Chile.
Cartaz de 1971 em comemoração à nacionalização do cobre no Chile.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Na parte de cima do cartaz, está escrito: “O Chile veste calças compridas”, ou seja, atinge a maioridade. Na parte central, há a inscrição: “Agora, o cobre é chileno!!”.

O golpe de Estado

Nesse contexto, as fôrças armadas chilenas, apoiadas pelos Estados Unidos e pelo govêrno brasileiro, executaram um golpe de Estado. Em 11 de setembro de 1973, o Palácio de La Moneda, séde presidencial do país, foi bombardeado por setores das fôrças militares.

Apesar da resistência, alênde foi encontrado morto a tiros dentro do palácio invadido. Por meio de um exame realizado em 2011, verificou-se que a causa da morte foi suicídio.

Fotografia em preto e branco. No centro da imagem, Salvador Allende, senhor de óculos e capacete. Está em frente a uma grande porta escoltado por outros homens. À sua frente, um homem com a testa franzida e os dentes cerrados. Empunha uma grande. Ao redor, outros homens.
No centro da imagem, o presidente Salvador alênde tentando impedir a invasão do Palácio de La Moneda, em Santiago, Chile, durante o bombardeio pelos golpistas. Foto de 1973.
A ditadura de Pinochê

Após o golpe de Estado, o general Augusto Pinochê assumiu o poder no país, adotando um programa econômico muito diferente daquele implementado pelos militares no Brasil.

Enquanto o projeto de desenvolvimento econômico brasileiro foi marcado pela direção estatal, no Chile prevaleceu a lógica do Estado mínimo, pautado pela redução do gasto público e do papel do Estado, assim como pela ampliação das exportações e reformas trabalhistas.

A liberalização da economia, no entanto, não foi acompanhada pela liberdade política. A prosperidade econômica do Chile teve como contrapartida o cerceamento das liberdades individuais e a violação de direitos humanos em escala e intensidade sem precedentes na América Latina. No período, a repressão foi brutal. Mais de 40 mil pessoas foram presas, torturadas ou assassinadas pela ditadura chilena.

Aliados e membros do govêrno alênde que não conseguiram sair do país foram presos ou mortos e nem todos os que deixaram o Chile foram protegidos. Orlando Letelier, ministro de alênde, foi assassinado em um atentado a bomba a mando de Pinochê, mesmo estando exilado nos Estados Unidos.

O govêrno de Pinochê dissolveu os partidos políticos e reestruturou as fôrças armadas para garantir total contrôle sobre as tropas. Além disso, os jornais passaram a sofrer intensa censura, e os intelectuais oposicionistas foram afastados de seus cargos nas universidades. Sob o terrorismo de Estadoglossário , a prática da tortura disseminou-se atingindo não só chilenos, mas também estrangeiros exilados que fugiam de perseguições políticas em seus países de origem.

Panfleto. Folheto chileno com palavras de ordem contra a ditadura.
Panfleto de movimento feminista chileno da década de 1980.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

No panfleto utilizado para convocar manifestação contra a ditadura no Chile lê-se: “Terça-feira, 12 de julho. A mulher dá a vida. A ditadura a extermina. 3º Protesto Nacional/movimento feminista”.

Fotografia em preto e branco. Grupo de pessoas reunidas em um protesto. As mulheres à frente têm uma fita sobre a boca.
Integrantes do movimento Mulheres pela Vida protestando contra a censura durante a ditadura militar, em Santiago, Chile. Foto de 1987.
O retorno à democracia

O Chile foi um dos países em que o mesmo ditador permaneceu no poder por mais tempo: dezessete anos. Pinochê deixou a Presidência apenas em 1990, depois do plebiscito de 1988 e da eleição de 1989.

No plebiscito, a população deveria votar pela continuidade ou não do govêrno de Pinochê. As propagandas a favor do “sim” e do “não” foram veiculadas principalmente pela televisão, o que demonstra a influência desse meio de comunicação na política e na cultura da América Latina. Esse plebiscito pode ser entendido como um julgamento público da ditadura. A maioria da população votou “não”.

Fotografia. Grupo de homens e mulheres em uma celebração. Eles carregam uma bandeira branca com a palavra NO e um arco íris ao redor.
Chilenos comemorando a vitória do “não” (no) no plebiscito sobre a continuidade do govêrno Pinochê, em Santiago, Chile. Foto de 1988.

Dica

FILME

No

Direção: Pablo Larraím. Chile, 2012. Duração: 118 minutos

A campanha publicitária promovida pela oposição à ditadura na televisão chilena foi um dos fatores que contribuíram para a vitória do “não” no plebiscito nacional chileno. A história do publicitário Renê Savêdra e sua dedicação a essa campanha são o centro da narrativa desse filme.

A ditadura na Argentina

Entre 1930 e 1976, a Argentina sofreu seis golpes de Estado. No último deles, em março de 1976, Isabel Perón, presidente do país na época, foi obrigada a deixar o govêrno, iniciando-se uma violenta ditadura, que perdurou até 1983.

O govêrno ditatorial, constituído por uma junta militar, nomeou o general Jorge Rafael Videla presidente e estabeleceu um regime de terrorismo de Estado. Todos os que se opuseram ao govêrno – operários, estudantes, intelectuais, artistas ou profissionais liberais – foram perseguidos sistematicamente pelo govêrno militar, que se autointitulou Processo de Reorganização Nacional.

Organismos de direitos humanos calculam que cêrca de 30 mil pessoas morreram ou foram forçadamente desaparecidas nesse período, e outros milhares, presos e exilados. Os sindicatos e os partidos políticos foram impedidos de se manifestar, pois a censura se instalou no país.

Sequestros e desaparecimentos como políticas de Estado

Na Argentina, o govêrno raptou e sequestrou centenas de filhos de ativistas da oposição. Estima-se que 250 adolescentes desapareceram forçadamente e 500 crianças foram sequestradas, muitas delas separadas de seus pais logo após o nascimento.

Centenas de Centros Clandestinos de Detenção, onde se fazia o extermínio dos opositores ao govêrno, funcionavam tanto em instalações públicas (presídios, quartéis ou escolas) quanto em propriedades privadas. Nesses locais, as pessoas eram torturadas, assassinadas e dadas como “desaparecidas”.

Formas de resistência e o fim da ditadura

Entre os movimentos de resistência à ditadura, um dos mais emblemáticos é o das Madres y Abuelas de la Plaza de Mayo (Mães e Avós da Praça de Maio), que desde 1977 se dedica a obter informações sobre o paradeiro de crianças e jovens sequestrados durante a ditadura. Até o final de 2019, o grupo havia conseguido localizar 130 desaparecidos forçados.

Apenas em 6 de dezembro de 1983, a junta militar assinou a própria dissolução. Apesar dos esforços dos militares para destruir arquivos e anistiar-se, a Argentina é hoje o país sul-americano que mais se empenha em investigar os crimes do período ditatorial. Mais de mil indivíduos que participaram do sistema repressor foram condenados.

Fotografia. Pessoa reunidas em uma rua comprida. Entre elas, uma longa faixa estendida no chão. Nela estão diversos retratos de homens e mulheres.
Manifestação das Mães e Avós da Praça de Maio, em Buenos Aires, Argentina. Foto de 2019.
Ícone. Ilustração de uma lupa indicando o boxe Imagens em contexto!

Imagens em contexto!

Na faixa estendida no chão, há fotografias de pessoas assassinadas ou desaparecidas durante a ditadura argentina. No auge da repressão, as mulheres do movimento das Mães e Avós da Praça de Maio reconheciam umas às outras pelo lenço branco com que cobriam os cabelos.

Dica

FILME

O dia em que eu não nasci

Direção: Flôrian Cóssin. Alemanha, 2010. Duração: 94 minutos

O filme apresenta a história de Maria, uma alemã que, de passagem pela Argentina, durante uma escala de voo na cidade de Buenos Aires, ouve uma canção de ninar e a reconhece. Intrigada com a sensação, Maria inicia uma investigação sobre seu passado e a possível ligação de seus familiares com esse país no período da ditadura militar.

Cidadania, justiça e direito à memória

Ao longo do século vinte, comunidades do mundo inteiro passaram a resgatar memórias de eventos ou processos históricos traumáticos, como você estudou na abertura da unidade 2. Assim, estabeleceram-se fórmas de rememoração partilhada sobre a violência política e o terror de Estado.

As ditaduras argentina, brasileira e chilena foram encerradas na década de 1980 e passou-se a reivindicar, então, o direito e o dever da memória como condição para a vida democrática. Era preciso lidar com o passado violento e recente para que o Estado não voltasse a cometer crimes semelhantes, de modo que finalmente os direitos humanos fossem respeitados e a cidadania democrática fosse reconstruída.

Direito à verdade e à memória na América Latina

Diferentemente de outros países sul-americanos, o Brasil ainda caminha lentamente para o reconhecimento e a concretização do direito e do dever de memória.

O livro Brasil: nunca mais, produzido de fórma sigilosa com base em documentos oficiais e publicado em 1985, foi um dos primeiros a divulgar dados sobre torturas, desaparecimentos, assassinatos e demais fórmas de violência praticadas pela ditadura civil-militar no Brasil. Apesar disso, as condições da Lei de Anistia promulgada em 1979 impediram que se estabelecesse um trabalho profundo de investigação sobre os crimes dos agentes do Estado no Brasil.

Fotografia. Moça observando retratos em preto e branco colocados em um muro. Ao redor deles cravos vermelhos.
Parque da Paz, localizado na vila Grimaldi, na periferia de Santiago, Chile. Foto de 2013.
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Imagens em contexto!

O Parque da Paz, em Santiago, no Chile, foi construído no local onde, durante a ditadura chilena, funcionava um centro de aprisionamento, tortura e extermínio dos opositores do Estado. Hoje, o lugar presta homenagem às vítimas da ditadura, exibindo seus nomes e fotos aos visitantes.

Comissões da verdade

Uma das fórmas encontradas pelos governos que haviam acabado de sair de conflitos ou de regimes autoritários para assegurar o direito à memória e à verdade foi instituir comissões da verdade – órgãos oficiais, temporários e sem caráter judicial, que investigam abusos e violações aos direitos humanos cometidos ao longo de um período. Mais de trinta países de diversos continentes instituíram inquéritos, aprofundaram investigações e promoveram algum tipo de reparação simbólica ou material às vítimas da violência e da repressão política, ou a seus parentes.

No Brasil, somente em 1995 foi criada a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, para apurar minimamente as circunstâncias de assassinatos e desaparecimentos. Apesar de não apontar os agentes, a investigação favorecia a responsabilização geral do Estado pelos crimes.

Em 2012, o govêrno de Dilma russéf instituiu a Comissão Nacional da Verdade, para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, e “efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. Para a reparação simbólica, o relatório é muito relevante, mas a memória pública da ditadura e de seus crimes ainda parece interditada ou desprezada.

Fotografia. Senhores e senhoras sentados em cadeiras. Cada um levanta um retrato em preto e branco de uma pessoa.
Ato unificado Ditadura Nunca Mais, realizado em frente às dependências do antigo dói códi, em São Paulo (São Paulo). Os manifestantes solicitavam a transformação do prédio em um lugar de memória. Foto de 2019.

Agora é com você!

Responda no caderno.

  1. O que foi o chamado milagre econômico e quais foram as heranças deixadas por ele?
  2. Por que os Estados Unidos tinham interesse na instauração de ditaduras na América Latina? Justifique.
  3. O que são as comissões da verdade e qual é sua importância?

Dica

SITE

Memórias Reveladas

Disponível em: https://oeds.link/3POmJw. Acesso em: 13 abril 2022.

Por meio desse site, o Arquivo Nacional realiza um trabalho de divulgação histórica e educação patrimonial voltado para a memória da ditadura.

Analisando o passado

O texto a seguir, de Luis Fernando Verissimo, foi publicado pela primeira vez no jornal Zero Hora, no dia 4 de novembro de 1982. Nele, o escritor brasileiro reflete sobre os traumas coletivos e a política repressiva dos regimes ditatoriais latino-americanos. Leia-o atentamente. Em seguida, faça as atividades propostas.

“Não é fácil eliminar um corpo. Uma vida é fácil. Uma vida é cada vez mais fácil. Mas fica o corpo, como o lixo. Um dos problemas desta civilização: o que fazer com o próprio lixo. As carcaças de automóveis, as latas de cerveja, os restos de matanças. O corpo boia. O corpo vai dar na praia. O corpo brota da terra, como na Argentina. O que fazer com ele? O corpo é como o lixo atômico. Fica vivo. O corpo é como o plástico. Não desintegra. reticências. Ficam os dentes, ficam as cinzas. Fica a memória. Ficam as mães. Como na Argentina.

Seria fácil se o corpo se extinguisse com a vida. A vida é um nada, acaba-se com a vida com um botão ou com uma agulha. Mas fica o corpo, como um estorvo. Os desaparecidos não desaparecem. Sempre há alguém sobrando, sempre há alguém cobrando. As valas comuns não são de confiança. A terra não aceita cadáver sem documentos. Os corpos são devolvidos, mais cedo ou mais tarde. A terra é protocolar, não quer ninguém antes do tempo. A terra não quer ser cúmplice. Tapar os corpos com escombros não adianta. Sempre sobra um pé, ou uma mão. Sempre há um bisbilhoteiro, sempre há um inconformado. Sempre há um vivo.

Os corpos brotam do chão, como na Argentina. Corpo não é reciclável. Corpo não é reduzível. Dá para dissolver os corpos em ácido, mas não haveria ácido que chegasse para os assassinados do século. Valas mais fundas, mais escombros, nada adianta. Sempre sobra um dedo acusando. O corpo é como o nosso passado, não existe mais e não vai embora. Tentaram largar o corpo no meio do mar e não deu certo. O corpo boia. O corpo volta. Tentaram forjar o protocolo – foi suicídio, estava fugindo – e o corpo desmentia tudo. O corpo incomoda. O corpo faz muito silêncio. Consciência não é biodegradável. Memórias não apodrecem. Ficam os dentes.

Os meios de acabar com a vida sofisticam-se. Mas ainda não resolveram como acabar com o lixo. Os corpos brotam da terra, como na Argentina. Mais cedo ou mais tarde os mortos brotam da terra.”

VERISSIMO, L. F. Como na Argentina. In: VERISSIMO, L. F. A mãe do fróid. Porto Alegre: Ele e Pê ême, 1985. página 46.

Fotografia. Monumento feito com estruturas retangulares e verticais agrupadas.
Monumento em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos no Parque do Ibirapuera, São Paulo (São Paulo). Foto de 2014.

Responda no caderno.

  1. Defina o tema do texto e explique a relação entre a vida e o corpo estabelecida pelo autor.
  2. Que corpo é esse que o autor cita em seu texto? De que maneira ele é utilizado para denunciar os crimes cometidos pela ditadura?
  3. Uma frase, com suas variações, repete-se diversas vezes no texto de Luis Fernando Verissimo: “Os corpos brotam do chão, como na Argentina”. Levando em consideração a data em que o texto foi publicado e o que você estudou neste capítulo, explique os possíveis sentidos dessa afirmação.

Atividades

Responda no caderno.

Organize suas ideias

  1. (unicâmpi-São Paulo – adaptado) Copie no caderno a alternativa correta. O historiador Daniel Aarão Reis tem defendido que o regime instaurado em 1964 não seja conhecido apenas como “ditadura militar”, mas como “ditadura civil-militar”, pois contou com a participação civil. Para exemplificar o argumento do autor, é possível citar:
    1. as manifestações populares como a “passeata dos 100 mil”, a campanha pela anistia e as “Marchas da família com Deus e pela liberdade”.
    2. a atuação homogênea do clero brasileiro e da Associação Brasileira de Imprensa (a bê i), que temiam a instauração do comunismo no país.
    3. a participação da população nas eleições parlamentares, legitimando as decisões políticas por meio de referendos.
    4. o apôio de empresários, grupos midiáticos, políticos civis e classes médias urbanas que davam sustentação aos militares.
    5. o apôio dado por ex-presidentes do Brasil, como Juscelino cubishéqui, Jânio Quadros e João gulár, ao regime imposto a partir de 1964.
  2. Leia as afirmações a seguir sobre as ditaduras chilena e argentina. Na sequência, indique no caderno as verdadeiras e as falsas.
    1. A ditadura chilena foi caracterizada pela estatização da economia e a liberdade política dada aos opositores.
    2. A ditadura chilena foi encerrada por meio de um plebiscito, no qual a população julgou o govêrno ditatorial e decidiu que não queria mais sua continuidade.
    3. Foram práticas da ditadura argentina o sequestro e o rapto de crianças.
    4. A Argentina é um dos países sul-americanos que mais se empenharam em investigar os crimes do período ditatorial.

Aprofundando

3. Analise a tirinha a seguir. Na sequência, faça o que se pede.

Tirinha em preto e branco em dois quadros. Mafalda, menina de aproximadamente 8 anos, baixinha, de corpo e rosto arredondado. Tem os cabelos cheios e lisos, na altura dos ombros. Usa um laço no topo da cabeça. Quadrinho 1: Ela passa em frente a um muro com a frase inacabada: CHEGA DE CENSU. Quadrinho 2: Ela vai embora e pensa: OU ACABOU A PICHAÇ, OU NÃO PÔ TERMI POR MOTIV QUE SÃO DO DOMÍN PÚBLI.
Mafalda, tirinha de Quino, 1973.
  1. A tirinha foi produzida pelo cartunista argentino Quino em 1973, quando o govêrno de países como Brasil, Paraguai, Peru e Chile era ditatorial. Analise a tirinha e explique a crítica feita pelo cartunista.
  2. Explique por que a censura foi uma importante ferramenta para a manutenção dos regimes ditatoriais latino-americanos.

    4. Leia o texto a seguir e responda às questões.

reticências

Em seu Relatório Anual 2015-2016, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura aponta que durante suas visitas de monitoramento constatou reticências práticas de tortura cometidas por policiais em diversos estados brasileiros reticências. reticências a prisão arbitrária e a tortura reticências recaem de maneira acentuada sobre a população negra, pobre e que mora nas periferias das grandes cidades brasileiras. reticências o perfil da população prisional no país é majoritariamente jovem (55%) e negra (61%).

reticências o Brasil é o único país da América Latina que mantém em vigor uma autoanistia aprovada por militares durante um regime de exceção. Com duas sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos [...], o Brasil demonstra ainda não conseguir dar um passo decisivo no combate a este flagelo histórico reticências.”

COMBATE à tortura: o sistema prisional brasileiro de 1990 a 2016. Memórias da Ditadura. Disponível em: https://oeds.link/mrX4Cj. Acesso em: 14 abril 2021.

  1. Qual é o assunto do texto?
  2. Quais são as consequências da falta de responsabilização daqueles que praticaram crimes de tortura durante a ditadura civil-militar para o Brasil atual? Justifique.
  3. Retome o que você estudou sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos no capítulo 7 e explique como as ditaduras latino-americanas desrespeitaram vários artigos que a compõem.
  1. Neste capítulo, você estudou diversas manifestações artísticas produzidas durante a ditadura civil-militar brasileira. Entre elas, destacam-se os musicais. Para compreender a importância da arte como fonte histórica, você e os colegas vão criar um blog ou um painel físico com um infográfico em fórma de linha do tempo sobre canções de protesto desse período, comentando as características dessas obras e o contexto social e político em que elas foram produzidas. Para isso, sigam o roteiro:
    1. Analisem blogs, painéis e infográficos para conhecer a estrutura, o layout e o formato deles. Com base no que vocês descobrirem, produzam um manual para postagens no blog ou a confecção de painel, e para o de um infográfico.
    2. Na internet ou em obras impressas, façam uma pesquisa sobre as músicas de protesto produzidas durante a ditadura civil-militar no Brasil. Registrem as obras escolhidas e as fontes pesquisadas.
    3. Organizem-se em grupos. Dividam o projeto em partes menores e distribuam as tarefas entre os grupos. Um grupo deve ficar responsável pela montagem do suporte: blog ou painel. Os demais grupos devem escolher ao menos três canções de protesto.
      • Os grupos que escolheram as canções devem produzir fichas, físicas ou digitais, com dados sobre a composição. Vocês podem incluir imagens dos artistas e de apresentações, data de produção, autoria, intérprete, tema, contexto e repercussão da canção. 
      • O grupo responsável pelo suporte deve publicar as fichas no blog ou finalizar a montagem do painel, completando a linha do tempo desenhada com as fichas produzidas pelos grupos.
    1. Divulguem o blog nas redes sociais ou exponham o painel em um mural da escola.

Glossário

Cartilha
: material informativo no qual o conteúdo é exposto de fórma breve, leve e dinâmica, com introdução de um tema e compilação de informações.
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Logístico
: nesse contexto, relativo à organização da disposição, do transporte e do abastecimento de tropas durante uma operação militar.
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Cassar
: anular, revogar.
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Expurgo
: expulsão associada à ideia de “limpeza” e “purificação”.
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Cerceamento
: supressão, redução, limitação.
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Habeas corpus
: instrumento jurídico que protege o direito de liberdade de locomoção dos indivíduos, ou seja, previne a restrição ilegal do direito de ir e vir dos cidadãos.
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Recrudescimento
: aumento, agravamento, intensificação.
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Institucional
: nesse contexto, relativo às instituições do Estado.
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Guerrilha
: tipo de luta armada organizada com o objetivo de combater um govêrno estabelecido ou fôrças de ocupação por meio da mobilização da população (em especial, a rural), ações-surpresa e outras estratégias realizadas por pequenos grupos.
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Crise do Petróleo
: crise decorrente da alta do preço do barril de petróleo gerada pelo embargo promovido pelos países árabes exportadores de petróleo aos aliados de Israel na Guerra do iôn kipúr, que você estudou no capítulo 8.
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Ufanista
: que (ou quem) valoriza excessivamente o país de origem.
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Distensão
: nesse contexto, afrouxamento, relaxamento.
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Biônico
: nesse contexto, ocupante de cargo político nomeado pelos militares. O uso do termo tinha como referência o homem biônico, personagem de uma série de televisão dos Estados Unidos chamada O homem de seis milhões de dólares.
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Terrorismo de Estado
: ação repressiva intensa, regulada e autorizada pelo poder público e oficial.
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