Apresentação

caro ou cara professor ou professora:

O exercício pleno da cidadania e a construção de identidades livres pressupõem a autonomia de agir e de pensar. Foi considerando isso que fizemos esta coleção: para ajudar os ou as estudantes a desenvolverem capacidades que lhes permitam adquirir cada vez mais autonomia de ação e de pensamento e também para garantir a você, professor ou professora, essa mesma autonomia em seu trabalho.

Você notará que cada volume desta coleção está organizado em quatro unidades, com três capítulos, cada um priorizando frentes diferentes do ensino de Língua Portuguesa: Leitura e Produção, Práticas de Literatura, Estudos Linguísticos e Gramaticais.

Apesar dessa fórma de organização dos saberes desse componente curricular, o objetivo não é tratar leitura, produção textual, oralidade, análise linguística e semiótica de maneira estanque. Cada capítulo prioriza um deles, mas sempre buscando estabelecer relações com os demais. Essa divisão garante sua liberdade de escolher e explorar os capítulos na ordem em que se apresentam ou escolher outros caminhos a seguir com sua turma, ora dando ênfase a um aspecto do uso da língua, ora enfatizando outros.

É porque acreditamos em você, professor ou professora, na sua capacidade de discernir quais são as necessidades da sua turma, quais são os objetivos a serem alcançados e em que ritmo, que lhe apresentamos esta coleção.

Esperamos estar com você, lado a lado, apoiando-o ou apoiando-a nessa caminhada.

O Manual do Professor

Este Manual do Professor contém:

  • explicitação dos pressupostos teórico-metodológicos nos quais se baseou a obra;
  • textos de referência para compreender melhor os pressupostos da obra;
  • explicação da estrutura da obra;
  • orientações sobre as atividades e respostas;
  • textos complementares de subsídio teórico ou temático para o trabalho com as unidades.

Pressupostos teórico-metodológicos

Ensino e aprendizagem de língua materna

Nas orientações destinadas ao ensino de Língua Portuguesa que compõem a Base Nacional Comum Curricular (Bê êne cê cê), para a educação básica, ensino fundamental, aprovada em 2017, declara-se que para a elaboração da proposta nesse componente, a Bê êne cê cê dialoga com documentos e orientações curriculares produzidos nas últimas décadas, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (pê cê êne).

Por essa razão, para tratarmos dos pressupostos para o ensino e aprendizagem de língua materna, resgatamos dos pê cê êne o trecho que segue:

reticências podem-se considerar o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa, como prática pedagógica, resultantes da articulação de três variáveis:

  • o aluno;
  • os conhecimentos com os quais se opera nas práticas de linguagem;
  • a mediação do professor.

O primeiro elemento dessa tríade – o aluno – é o sujeito da ação de aprender, aquele que age com e sobre o objeto de conhecimento. O segundo elemento – o objeto de conhecimento – são os conhecimentos discursivo-textuais e linguísticos implicados nas práticas sociais de linguagem. O terceiro elemento da tríade é a prática educacional do professor e da escola que organiza a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento. (BRASIL/Méqui/sébi, 1998: 22)

Mais do que se articularem, os elementos dessa tríade estudante conhecimento mediação dô ou dá professor ou professora dialogam e se confrontam num movimento contínuo. Para compreendermos melhor essas relações é necessário entendermos a natureza do ser humano, do conhecimento e da linguagem. Especialmente nos últimos vinte anos, as teorias de aprendizagem de cunho socioconstrutivista – baseadas nos estudos de vigótisqui – e as teorias enunciativo‑discursivas sobre língua e linguagem – que têm em Báquitin o seu precursor  vêm nos ajudando nessa tarefa.

Tanto as teorias de aprendizagem socioconstrutivistas quanto as de linguagem enunciativo-discursivas têm como pano de fundo a concepção do ser humano como um ser social e histórico que se constitui nas e pelas relações com os outros, que se dão em certo tempo e espaço, por meio da linguagem.

Para vigótisqui (1992), se somos sujeitos que nos construímos nas relações com os outros, é no tempo e no espaço em que essas relações acontecem que apreendemos e produzimos conhecimento, que desenvolvemos a nossa consciência como sujeitos. O conhecimento, portanto, é também um produto dessas relações. Como reitera Cavalcanti (2005: 189),

reticências o conhecimento na perspectiva histórico-cultural de vigótisqui é uma produção social que emerge da atividade humana, que é social, planejada, organizada em ações e operações e socializada (Pino, 2001). Essa ação humana está subordinada à criação de meios técnicos e semióticos, estes últimos particularmente destacados por vigótisqui. A atividade humana é produtora, por meio dela o homem transforma a natureza e a constitui em objeto de conhecimento (produção cultural) e, ao mesmo tempo, transforma a si mesmo em sujeito de conhecimento.

A construção do conhecimento que acontece nas relações sociais só é possível porque mediada por meios técnicos e semióticos – também criados socialmente –, que são os signos, constituídos como linguagem:

Pela linguagem os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura. (BRASIL/Méqui/sébi, 1998: 22)

Se a nossa consciência se constitui nas relações sociais, por meio da linguagem, a apropriação de todo e qualquer conhecimento se dá de fóra para dentro, sendo resultado de um processo de internalização que é longo e tem início no momento em que tomamos contato com o novo conhecimento, na relação com o outro: a apreensão do conhecimento surge e se constitui na tensão, no conflito entre o que vem do outro e o que está no pensamento daquele que irá apreendê-lo. Em outras palavras, essa apreensão não se dá de fórma passiva, automática, transmissiva, mas de modo conflituoso, como resultado de um processo de reconstrução interna, de transformação, em que cada um de nós imprime sua marca ao que recebe de fóra. Esse processo de internalização – que resulta na aprendizagem do novo conhecimento – é o que impulsiona o desenvolvimento das funções psicológicas.1nota de rodapé

Assim sendo, se o conhecimento se constrói nas relações sociais, os ou as estudantes, como sujeitos da ação de aprender, que agem com e sobre o objeto de conhecimento, o fazem nas trocas verbais, nas interações de sala de aula, seja com seus pares, seja com seu ou sua professor ou professora, seja, ainda, com os diferentes textos dos diferentes autores que leem. Portanto, é a qualidade dessas trocas verbais em sala de aula que possibilitará aos ou às estudantes a aprendizagem de novos conhecimentos.

Desse modo, ao ou à professor ou professora, como sujeito da ação de ensinar, cabe planejar como se darão essas trocas. Para tanto é necessário que, de um lado, ele ou ela tenha o domínio do conhecimento sobre o objeto de ensino – no nosso caso, os saberes da Língua Portuguesa – e, de outro, o conhecimento didático que lhe possibilitará planejar a transposição desses saberes, traduzida em situações didáticas que sejam desafiadoras, que favoreçam aos ou às estudantes o contato com os novos conhecimentos, antecipando necessidades de mais apoio e colaboração entre os pares, visando à potencialização da aprendizagem.

Para compreender a perspectiva da qual os documentos referenciais entendem que ô á professor ou professora de língua materna deve partir para ensinar os conhecimentos discursivo-textuais e linguísticos implicados nas práticas sociais de linguagem é necessário abordar a concepção de linguagem como produto e fórma de interação verbal.

Para Báquitin e seu círculo (1953), a linguagem, como produto das relações sociais e como fórma de interação, só existe e se realiza na interação entre, no mínimo, duas consciências (os interlocutores da situação), e seu uso está sempre orientado no sentido de um querer dizer do locutor (intencionalidade), em uma determinada situação social concreta de comunicação (situação enunciativa). Quer dizer, ao nos comunicarmos com o outro, o fazemos em situações específicas e produzimos os nossos textos (enunciados) atribuindo às palavras sentidos muito próprios, em função das intenções do nosso dizer. Portanto, cada enunciado produzido (o texto oral ou escrito), em certo contexto, leva o acento do locutor (suas apreciações valorativas sobre o que está sendo objeto da conversa/do diálogo). Por isso diz-se que um enunciado é sempre único, não se repete.

É a isso que volóchinóvi (1929: 95) se refere quando afirma  que a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou sentido ideológico ou vivencial resultante da orientação que lhe foi conferida por um contexto e uma situação precisos.

Para Báquitin (1953), os enunciados se realizam na fórma de gêneros do discurso fórmas de uso da língua –, surgidos no âmbito das diversas esferas de atividade humana (literária, jornalística, artística, do trabalho etcétera), e, por isso, constituídos sócio-historicamente.

Sob a perspectiva das concepções de ser humano, conhecimento e linguagem aqui apresentadas, pensar o ensino e a aprendizagem de língua materna é planejar situações didáticas em que os ou as estudantes façam uso da língua nas mais diferentes situações comunicativas e analisem esses usos (que estão em constante modificação) visando à aprendizagem das diferentes práticas sociais da leitura e da escrita que favoreçam a formação de um sujeito para os multiletramentos.2nota de rodapé

É essa a dinâmica das relações dos elementos que compõem a tríade estudante conhecimento mediação dô ou dá professor ou professora no ensino da Língua Portuguesa. E é considerando essa dinâmica que esta coleção se coloca como um material de apoio a você, professor ou professora. O conjunto de atividades que compõe cada volume da coleção – nos capítulos de Leitura e Produção, Práticas de Literatura e Estudos Linguísticos e Gramaticais – é resultado de um recorte dos conhecimentos da língua que leva em conta tanto os conhecimentos que se espera que os ou as estudantes construam ao longo dos Anos Finais do Ensino Fundamental quanto o modo como os sujeitos aprendem. Leva em conta, ainda, as orientações da Bê êne cê cê para uma educação integral, em que importa o desenvolvimento do sujeito nas dimensões intelectual, física, emocional, social e cultural.

Você encontrará na coleção uma diversidade de tipos de atividades e proposição de modos de organização da turma que favorecem a interação e a colaboração entre estudantes, em pequenos grupos ou no coletivo, e entre estudantes ou estudante e professor ou professora; verá sugestões de distribuição de atividades diferentes para grupos diferentes para serem realizadas em sala de aula ou como lição de casa, apostando no desenvolvimento da autonomia dôs ou dás estudantes; verá momentos em que o foco são os conhecimentos que os ou as estudantes têm construídos e que, posteriormente, serão confrontados com os novos conhecimentos tomados como objeto de ensino e aprendizagem por meio de problematizações; verá, ainda, momentos em que o registro escrito será fundamental e outros em que o que mais importa será a troca, a discussão oral, visando ao exercício da escuta respeitosa, de um lado e de outro, ao posicionamento sustentado, de modo a desenvolver o pensamento crítico e a postura ética.

Nessa perspectiva, a coleção oportuniza a aquisição das competências gerais, especialmente (mas não exclusivamente) da competência geral 9, por meio da promoção da troca de ideias entre professor ou professora-estudante e entre os ou as estudantes. Isso porque as modalidades didáticas estão em articulação com seções e boxes que têm como objetivo promover o diálogo, exercitar a empatia, promover a resolução de conflitos e trabalhar por meio da cooperação, como nas propostas iniciais de discussão oral para negociação de sentidos; durante propostas de leitura coletiva; e na formação de grupos para a realização de rodas de conversa e debates. Além disso, há momentos diferenciados de organização física da sala, que favorecem a colaboração por meio de trabalhos coletivos e em grupo.

Enfim, nosso propósito é que a coleção o/a apoie em seu planejamento, de modo que você, nas relações sociais de sua sala de aula, possa transformar as sequências propostas em efetivas situações didáticas, no momento em que promover o trabalho com elas junto aos ou às estudantes, de acordo com o modo como planejar usá-las.

A leitura, a escuta e a produção de textos sob a perspectiva dos multiletramentos

Assume-se aqui a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, já assumida em outros documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (pê cê êne), para os quais a linguagem é “uma fórma de ação interindividual orientada para uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes numa sociedade, nos distintos momentos de sua história” (BRASIL, 1998, página 20).

Tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de trabalho e as perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de fórma a sempre relacionar os textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e semioses.

reticências

Na esteira do que foi proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, o texto ganha centralidade na definição dos conteúdos, habilidades e objetivos, considerado a partir de seu pertencimento a um gênero discursivo que circula em diferentes esferas/campos sociais de atividade/comunicação/uso da linguagem. Os conhecimentos sobre os gêneros, sobre os textos, sobre a língua, sobre a norma-padrão, sobre as diferentes linguagens (semioses) devem ser mobilizados em favor do desenvolvimento das capacidades de leitura, produção e tratamento das linguagens, que, por sua vez, devem estar a serviço da ampliação das possibilidades de participação em práticas de diferentes esferas/campos de atividades humanas. (Bê êne cê cê, 2017: 65)

Como se pode constatar pela epígrafe, a orientação da Bê êne cê cê para o ensino de Língua Portuguesa continua sendo o ensino voltado para os usos sociais situados que fazemos da língua em articulação com outras linguagens. Esses usos sociais das linguagens se configuram como situações enunciativas em que o texto falado/escrito (enunciado) é resultante de um processo de interação entre ao menos dois sujeitos: quem fala/escreve e quem constrói sentidos sobre o falado e o escrito (lê/escuta).

Esses textos/enunciados são produzidos em certo contexto, situados em determinada esfera ou campo de atividade humana, envolvendo certos interlocutores e objetivos específicos, e são constituídos de fórma multimodal (com uso de diferentes linguagens e mídias): são fórmas específicas do uso da língua, a que Báquitin (1953) chamou de gêneros do discurso. Esses gêneros são, portanto, modos de interação verbal criados no âmbito das diversas esferas (ou campos) de atividade humana, constituídas sócio-historicamente, e cada qual reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma das suas esferas de origem, através de seu tema (o que é dito), de seu estilo verbal (os recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais usados para dizer o que se quer dizer) e de sua construção composicional (o modo de organizar esse dizer).

Essas fórmas de uso situado da língua, articulada com outras linguagens – a que passaremos a denominar de práticas de linguagens –, é o nosso objeto de ensino, portanto. O compromisso desse componente curricular (e da escola, em última instância) é com a ampliação do conhecimento que os ou as estudantes têm dessas várias práticas: de como podem, por um lado, “configurar” os textos em determinados gêneros, e por outro, construir sentidos sobre aqueles que são dados à leitura/escuta nas mais variadas esferas (ou nos campos de atuação) nas quais interagimos.

Mas que práticas são essas? O que caracterizam as práticas contemporâneas de linguagem? E o que muda em relação ao compromisso de Língua Portuguesa com a formação dô ou dá estudante?

Sabemos que com as tecnologias digitais da informação e da comunicação (Tê dê i cês) cada vez mais essas práticas de linguagem envolvem textos “multi”: que se configuram em gêneros multissemióticos e mutimidiáticos, porque convocam várias linguagens (linguísticas, visuais, corporais, sonoras) que suportam diferentes mídias (impressa, radiofônica, televisiva, digital) para construir sentidos; e multiculturais, porque as interações favorecem o convívio com repertórios culturais diversificados que ampliam a convivência entre culturas (embora nem sempre seja uma convivência respeitosa e ética), e possibilitam intercâmbios e hibridismos nos modos de dizer e nos modos de pensar e de ser dos sujeitos.

Referimo-nos aqui a práticas que os estudos anteriores sobre letramentos não contemplavam, visto que até então as práticas de letramentos tratavam da multiplicidade e da variedade de práticas que privilegiavam o escrito/impresso (o chamado letramento da letra). O reconhecimento dos novos letramentos, que implicam novos arranjos de linguagens, novos comportamentos, novas fórmas de produzir e fazer circular os textos, levou à formulação do conceito de multiletramentos que veio agregar esses novos “multi” que cada vez mais caracterizam os textos: as multissemioses (linguagens e mídias) e a multiculturalidade (multiplicidade de culturas), que, segundo Garcia Canclini (2004, página14), é “a justaposição de etnias ou grupos em uma cidade ou nação”. Nesse contexto, o conceito de multiculturalidade promove uma diversidade de opções simbólicas, propiciando fusões e produções híbridas, distanciando-se da ideia do multiculturalismo, que exalta um grupo étnico sem problematizar a inserção de outros grupos em unidades sociais e culturais complexas e de larga escala.

Considerar na prática de sala de aula os estudos sobre os novos e multimetramentos, significa definitivamente ultrapassar os limites das práticas de letramentos escolares, restritas à leitura de textos expositivos comuns aos livros didáticos e afins, e à produção de respostas às perguntas feitas em exercícios de leitura ou à produção de resumos e redações escolares que não encontram outros fins, senão a avaliação e não encontram outros leitores, senão ô á professor ou professora; significa também ir além das práticas de letramento da letra, do impresso.

Eis, então, a demanda que se coloca para a escola: contemplar de fórma crítica essas novas práticas de linguagem e produções, não só na perspectiva de atender às muitas demandas sociais que convergem para um uso qualificado e ético das tê dê i cê – necessário para o mundo do trabalho, para estudar, para a vida cotidiana etcétera. –, mas de também fomentar o debate e outras demandas sociais que cercam essas práticas e usos. É preciso saber reconhecer os discursos de ódio, refletir sobre os limites entre liberdade de expressão e ataque a direitos, aprender a debater ideias, considerando posições e argumentos contrários.

reticências

Sem aderir a um raciocínio classificatório reducionista, que desconsidera as hibridizações, apropriações e mesclas, é importante contemplar o cânone, o marginal, o culto, o popular, a cultura de massa, a cultura das mídias, a cultura digital, as culturas infantis e juvenis, de fórma a garantir uma ampliação de repertório e uma interação e trato com o diferente. (Bê êne cê cê, 2017: 67-8)

O ensino de Língua Portuguesa passa a ter, portanto, o compromisso de ampliar o repertório dô ou dá estudante, incorporando essas práticas de linguagem contemporâneas, marcadas pela diversidade de linguagens, mídias e culturas, e com clareza sobre as implicações pedagógicas dessa ação.

Uma delas é reconhecer o que significa a inserção nessas práticas: novos saberes e fazeres são necessários. Investir no desenvolvimento e aprimoramento de competências e habilidades necessárias para a inserção nessas práticas, visando à formação do sujeito de fórma integral, envolve ter esses novos saberes e fazeres como objetos e objetivos de ensino e de aprendizagens.

O primeiro passo nessa direção é tornar a sala de aula de Língua Portuguesa um espaço que propicie a ação de linguagem em práticas sociais diversas, um lugar onde os sujeitos interajam com e pelas linguagens, construindo, coconstruindo e reconstruindo conhecimentos e identidades.

Isso significa que as situações didáticas envolvendo a leitura/escuta e a produção de textos em sala de aula devem favorecer a experiência com uma diversidade de gêneros próprios de práticas de diferentes campos de atuação, em especial os privilegiados pela Bê êne cê cê para o Ensino Fundamental – Anos Finais, quais sejam: o jornalístico-midiático, o artístico-literário, o de práticas de estudo e pesquisa, e o de atuação na vida pública (conforme Bê êne cê cê, 2017: 82-4). A essas práticas devem, ainda, estar associadas a prática de análise e reflexão linguística sobre esses gêneros e as práticas em que estão inseridos.

Para o trabalho com o eixo Leitura, a Bê êne cê cê propõe o seguinte:

O Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras literárias; pesquisa e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos; realização de procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a reivindicação de algo no contexto de atuação da vida pública; ter mais conhecimento que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras possibilidades. (Bê êne cê cê, 2017: 69)

Para tanto, a Bê êne cê cê (2017: 70-2) orienta que o tratamento das práticas leitoras deve supor uma articulação com as práticas de uso e reflexão sobre a língua e apresenta a seguinte proposta de abordagem dos textos nas atividades de leitura:

  • Resgatar as condições de produção e recepção dos textos.
  • Perceber o diálogo entre textos.
  • Reconstruir a textualidade, recuperar e analisar a organização textual, a progressão temática e estabelecer relações entre as partes do texto.
  • Refletir criticamente sobre as temáticas tratadas e sobre a validade das informações apresentadas.
  • Compreender os efeitos de sentido provocados pelos usos de recursos linguísticos e multissemióticos nos textos.
  • Fazer uso de estratégias e procedimentos de leitura.
  • Favorecer a adesão às práticas de leitura.

No eixo de Produção de textos (Bê êne cê cê, 2017:74-5), em que estão relacionadas as práticas de linguagem de cunho autoral individual ou coletivo, envolvendo gêneros escritos, orais e multissemióticos, espera-se também uma articulação com as práticas de uso e reflexão sobre a língua, em que sejam objeto de conhecimento, assim como nas atividades de leitura, as condições de produção dos textos; a importância do diálogo e da relação entre textos na constituição do conteúdo temático. A esse propósito ressalta-se a importância de favorecer a alimentação temática sobre o assunto a ser tratado, com leituras e discussões que possibilitem selecionar informações, dados e argumentos necessários à construção da textualidade em que se respeita o grau de informatividade que se espera do texto. Cabe ainda trabalhar com outros elementos que ajudam a construir a textua­lidade, levando em conta a fórma composicional – como organizar/hierarquizar as informações –, articulando-as de modo coerente, usando para isso recursos linguísticos e muitissemióticos que também marcam o estilo dos gêneros. Os aspectos notacionais e gramaticais e as estratégias de produção (as ações envolvidas no processo de produção, como planejar, textualizar, revisar, editar – com uso de softwares –, reescrever e avaliar os textos) são também relacionados como objetos de conhecimento.

Ao referir-se ao eixo da Oralidade, a Bê êne cê cê (2017: 77) acrescenta que, quando estiver em foco a escuta ou a produção de textos orais (em situações de interação face a face ou não), é preciso investir na compreensão das especificidades desses gêneros, investigando e compreendendo os efeitos de sentidos provocados pelos usos de recursos linguísticos e multissemióticos (dentre os quais o timbre, o volume, a intensidade, a pausa, o ritmo e a expressividade da fala, a gestualidade que acompanha a fala), bem como os efeitos sonoros, a sincronização, nos casos em que o gênero pede.

Merece destaque a abordagem da relação entre fala e escrita nesse eixo. Para as recentes teorias de letramento, assim como acontece com as práticas de leitura e de produção de textos que têm seus limites atenuados – uma vez que, num processo de compreensão de um texto, podemos mobilizar práticas e procedimentos de escrita (como a produção de marginálias, esquemas e resumos, por exemplo), assim como em um processo de produção lemos textos para saber mais sobre o assunto que será tratado na produção –, a distinção entre oralidade e escrita é bastante relativizada.

Se, por um lado, encontrarmos afirmações de que a escrita pressupõe mais planejamento que a fala, por outro, uma observação mais atenta demonstra que há eventos falados mais planejados do que alguns escritos. De fato, há gêneros mais cotidianos, que circulam em esferas mais familiares e, portanto, requerem uma linguagem mais informal, menos planejada. Contudo, há também gêneros, tanto escritos quanto orais, típicos de situações mais formais e que exigem mais cuidado e planejamento por parte do locutor. Comparem-se, por exemplo, a fala preparada para uma palestra e a espontaneidade do texto de um bilhete ou de uma carta pessoal. Assim, apesar de apresentarem uma fórma de exteriorização oral, muitos gêneros presentes em situações mais formais não são mais “simples” do que qualquer fórma de escrita, nem menos importantes para a construção da cidadania. É o caso, por exemplo, dos vários gêneros orais formais e públicos, como os debates, as palestras, os seminários, as entrevistas de emprego, entre outros.

Na realidade, nem sempre é possível isolar um tipo de linguagem de outro. Na palestra, por exemplo, apesar de estar falando, o palestrante normalmente tem como base um texto pré-preparado para apoiar sua fala. O mesmo acontece nos telejornais ou no teatro, que contam com um roteiro escrito a ser seguido. Ou seja, nessas situações, apesar de orais, esses gêneros estão sempre intrinsecamente ligados à linguagem escrita que, em geral, lhes serve de apoio.

Por essa razão, as práticas de linguagens orais exigem a mesma atenção, como objetos de conhecimento, quanto qualquer outra prática.

Como a coleção organiza o trabalho com a leitura/ escuta e a produção de textos orais e escritos

As atividades de leitura/escuta e produção de textos orais e escritos são os eixos centrais nos capítulos de Leitura e Produção e de Práticas de literatura. Nos capítulos de Estudos Linguísticos e Gramaticais, aparecem sempre que possível, como apoio ao trabalho de reflexão metalinguística lá priorizado. Embora boa parte do que apresentaremos aqui seja válida para as práticas propostas nesses dois tipos de capítulos referidos, daremos destaque ao trabalho proposto nos capítulos de Leitura e Produção de textos. Para o tratamento dos capítulos de práticas do campo artístico-literário, será destinado um tópico específico logo adiante.

Nos capítulos de Leitura e Produção de textos, a seleção textual varia quanto aos gêneros e esferas/campos em que circulam e o trabalho proposto procura atender às orientações dispostas na Bê êne cê cê, quanto à abordagem das práticas e dos textos.

As atividades voltadas para a leitura/escuta de textos cumprem diferentes finalidades, como: ler/escutar para se posicionar em relação ao dito, para estudar o gênero do texto, para fruí-lo esteticamente; para saber mais sobre o tema abordado (em geral servindo de alimentação temática para a produção do texto sugerida no capítulo); para refletir sobre o uso de certos recursos na produção de efeitos de sentido e ler para se preparar para uma apresentação. Nesse processo, promovem o desenvolvimento de capacidades de compreensão e de apreciação e réplica3nota de rodapé , bem como o aprendizado de procedimentos de leitura4nota de rodapé variados, como os envolvidos no processo de pesquisa para seleção de textos, considerando os objetivos e o recorte da pesquisa, tais como busca de palavras-chave, leitura inspecional dos textos/livros (leitura do índice, de títulos, subtítulos, leitura de apresentações ou primeiros parágrafos, observação de imagens etcétera.); ou os envolvidos no estudo de um texto, como sublinhar palavras-chave e trechos significativos, fazer anotações à margem do texto (produzir marginálias) ou em caderno a parte sobre o que ouviu ou assistiu, elaborar resumos ou esquemas que ajudem a sintetizar o que foi lido/entendido e que também poderá ser usado como apoio à fala em uma apresentação oral ou um debate.

As capacidades de leitura/escuta são solicitadas:

  1. nas aberturas dos capítulos, em que se convida ô á estudante a ler e discutir textos multimodais (gráficos e infográficos, anúncios e cartazes publicitários, pôsteres, charges, ilustrações artísticas etcétera) que, em geral, favorecem a ativação do conhecimento prévio dô ou dá estudante sobre o conteúdo temático e/ou o gênero abordados no capítulo;
  2. na seção Leitura, em questões propostas para a exploração do texto a ser lido, que podem aparecer em diferentes subseções e boxes, com diferentes objetivos, como:
    1. antecipar o conteúdo do texto ou levantar hipóteses (no boxe Antecipando a leitura com a turma), que podem solicitar a leitura inspecional do texto ou promover uma discussão que também favoreça a ativação de conhecimentos prévios sobre o assunto abordado ou o gênero oferecido à leitura;
    2. compartilhar com os ou as colegas as primeiras compreensões e impressões sobre o que leram, por meio de uma discussão oral (na subseção Primeiras Impressões, que permite a negociação de sentidos entre pares, potencializando o exercício do diálogo, da empatia e da cooperação). As questões podem solicitar localização de informações, inferências, checagem de hipóteses levantadas antes da leitura, generalizações e mesmo apreciações éticas ou resgate do contexto de produção;
    3. estudar o texto, aprofundando a análise sobre o seu contexto de produção, os recursos usados na sua construção para produzir sentidos (na subseção O texto em construção). As questões propostas podem solicitar análise dos usos de recursos linguísticos, discursivos ou textuais que promovem o desenvolvimento das capacidades de compreensão e de apreciação e réplica, solicitando desde a localização de informação até a percepção de relações intertextuais, discursivas e de outras linguagens ou de elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos que podem ser percebidos no texto. (conforme nota de rodapé 3.)
  3. na seção Produção de texto, quando as questões propostas nas atividades são prioritariamente voltadas ao estudo do gênero selecionado para a produção.

É importante esclarecer, ainda, que nas atividades da seção Leitura, sugerimos diferentes modalidades didáticas5nota de rodapé nesse eixo, como a leitura em voz alta pelo ou pela professor ou professora, a leitura colaborativa (ou compartilhada), a roda de conversa (ou de leitores), a leitura individual ou em grupos para interpretação do texto. Essas diferentes modalidades cumprem a função de atender a variadas finalidades do ensino de leitura e também ao desenvolvimento da autonomia e da colaboração dô ou dá estudante, competências importantes para a sua formação integral. A cada modalidade proposta são apresentados ao ou à professor ou professora esclarecimentos e orientações sobre como mediar a leitura. Muitos dos procedimentos de leitura citados também são solicitados durante o trabalho com essas modalidades.

As atividades propostas na seção Produção de texto orais ou escritos têm como finalidade a experiência de leitura no gênero a ser produzido no capítulo, estudando-o no modo como se configura.

Na subseção Conhecendo o gênero, é apresentado um conjunto de atividades que possibilita a observação das características do gênero em foco, no que se refere à prática a que está vinculado (o campo de atuação), ao conteúdo temático, à fórma composicional e ao estilo.

Vale destacar que muitas vezes um ou mais textos selecionados para a seção Leitura podem ser representativos do gênero a ser produzido. Em geral acontece com gêneros mais complexos e naturalmente mais extensos, como uma reportagem de divulgação ou um artigo de opinião. Nesses casos, a abordagem do gênero realizada na subseção O texto em construção é retomada nas atividades da subseção Conhecendo o gênero, ou são retomados, nessas atividades, trechos dos textos explorados na leitura para comparar certas marcas do gênero em mais de um exemplar.

A subseção Produzindo o texto é destinada a fornecer todas as orientações necessárias para ô á estudante planejar o seu texto (1) partindo das informações que resgatam/definem o contexto de produção, no boxe Condições de produção (qual o gênero, o recorte temático, quem são os interlocutores e onde o texto deverá circular); (2) reconhecendo as ações que deverá realizar para produzir o seu texto, apresentadas no tópico Como fazer?; e (3) reconhecendo os critérios para produzir e avaliar a sua produção, no tópico Avaliando, onde há sempre uma tabela que retoma as características do gênero estudadas em fórma de critérios.

Práticas no campo artístico-literário

A literatura faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto, e esse indireto é precioso.

rrolând bárthes

A noção de campos de atuação trazida pela Bê êne cê cê remete às contribuições de Báquitin e seus colaboradores e, no contexto da escolarização, implica uma formação comprometida com o desenvolvimento de habilidades requeridas no exercício de diferentes práticas de linguagem, das diferentes áreas da vida em sociedade.

No que se refere ao campo artístico-literário, isso se traduz em oferecer aos ou às adolescentes situações de aprendizagem com descoberta, estranhamento, encorajamento à significação, com análise e contextualização de diferentes fórmas artísticas e poéticas, bem como com processos de autoria, de modo que o processo resulte em conhecimentos diferenciados, porque necessariamente mediados pela experiência estética6nota de rodapé .

As escolhas dos textos para essas situações não são neutras, muito especialmente quando se assume no letramento literário o compromisso com os multiletramentos7nota de rodapé . Nos termos da Bê êne cê cê, “trata-se, assim, de ampliar e diversificar as práticas relativas à leitura, à compreensão, à fruição e ao compartilhamento das manifestações artístico-literárias, representativas da diversidade cultural, linguística e semiótica reticências” (BRASIL/Méqui/sébi: 2018: 54, com grifos nossos).

Assim, a diversidade é um princípio que se coloca na organização curricular das atividades desse campo, de modo que os ou as estudantes possam ter experiências significativas com “diferentes gêneros, estilos, autores e autoras – contemporâneos, de outras épocas, regionais, nacionais, portugueses, africanos e de outros países” e que contemplem “o cânone, a literatura universal, a literatura juvenil, a tradição oral, o multissemiótico, a cultura digital e as culturas juvenis” (Idem, 155).

Em consonância com essas indicações, a obra compreende que o acesso ao cânone é um direito8nota de rodapé a ser garantido pela escola, mas de maneira que não se anule o igualmente legítimo direito a fórmas outras de expressão, representação e construção, artísticas e literárias, com as visões de mundo, processos identitários e culturais a que remetem.

A centralidade da leitura literária

Nas dinâmicas culturais, não há a segregação entre as produções literárias e as de outras artes e entre o que se legitimou como canônico e o que é considerado externo a ele, como um modo de organizar o conhecimento, com a fragmentação exagerada das perspectivas especializadas, levou a crer e influenciou (e ainda influencia) a escolarização da literatura. Muito pelo contrário, os trânsitos entre as produções artísticas e literárias são intensos, criativos e plurissignificativos.

Cabe ao componente Língua Portuguesa considerar esses trânsitos, mas, na medida em que seu trabalho faz parte de um currículo integrado, focar especialmente no desenvolvimento de comportamentos leitores, com as habilidades a isso inerentes. Assim, seu trabalho deve promover a percepção de como recursos de outras práticas de arte, suas linguagens e recursos, concorrem para efeitos de sentidos, já as vivências das práticas nas diferentes linguagens artísticas devem ser garantidas no componente Arte.

Ainda na perspectiva de um trabalho integrado, comprometido com a formação integral de crianças e adolescentes, é que a Bê êne cê cê indica um conjunto de competências gerais e, em diálogo com elas, competências que ganham contornos dentro das áreas de conhecimento. A depender da situação de aprendizagem a ser configurada, diferentes competências, com as habilidades a elas intrínsecas, poderão ser aprimoradas, mas há que se observar que as atividades no campo artístico-literário, em Língua Portuguesa, precisam estruturar-se centralmente (mas não exclusivamente) em função da competência específica 5, de Linguagens:

Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade, bem como participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas. (BRASIL/Méqui/sébi: 2018).

Assim, comportamentos leitores e habilidades inerentes ao campo artístico-literário, em Língua Portuguesa, devem confluir para uma centralidade, ou nos termos da Bê êne cê cê, para certo “ privilégio do letramento da letra”. Em síntese, espera-se um compromisso com a formação do leitor literário, com a exploração de um repertório diversificado, que lhe permita estabelecer relações de sentidos entre a literatura (canônica e não canônica) e outras artes.

Essa construção, ao passo mesmo que aproxima jovens leitores e leitoras de textos com problematizações que processualmente apoiem leituras, deve buscar promover também a metacognição, de modo que as experiências estéticas permitam desvelar o que faz um ou uma leitor ou leitora de literatura.

Ou seja, para além do repertório mínimo construído ao longo da escolarização, os ou as estudantes devem levar dela as ferramentas necessárias para continuarem, ao longo da vida e com autonomia, a se implicar em outros pactos de leitura, conforme seus desejos e interesses, com possibilidade de fazer com critérios e escolhas que tragam: realização pessoal, desafios, ampliação de gostos, possibilidade de variação de leituras, trocas com outros ou outras leitores ou leitorea.

Nesse sentido, a sala de leitura, a sala de aula, o anfiteatro escolar, os equipamentos culturais públicos do entorno escolar, precisam se configurar como uma comunidade leitora, em que ô á professor ou professora tanto “encene” (lérner, 2002) o que faz um ou uma leitor ou leitora, como mobilize estudantes para também se implicarem nesse processo, com protagonismo.

Dessa fórma, os capítulos, bem como as sequências didáticas e os objetos digitais de aprendizagem que a eles se articulam, estruturam itinerários formativos que buscam:

  • dar aos espaços escolares a dimensão de locais privilegiados para a formação de comunidades de leitores literários;
  • oportunizar processos colaborativos de construção de sentidos e significados que favoreçam o aprimoramento de capacidades básicas de leitura e de outras necessárias à fruição de textos literários;
  • incentivar práticas de leituras que concorram para a formação autônoma e crítica dôs ou dás jovens leitores ou leitorea.

Sem, evidentemente, esgotar indicações para ô á professor ou professora, cujas experiências de leitura têm papel fundamental na definição do projeto educativo, a obra busca, dentro do princípio da diversidade, organizar um conjunto de leituras que seja significativo também como iniciação nos gêneros literários9nota de rodapé .

Muito mais do que estudar “características” dos gêneros literários, o que se pretende é ajudar os ou as estudantes a perceber os modos como eles fundam realidades ficcionais, para melhor usufruírem delas, na esteira do que defende RANGEL:

Os escritores pressupõem que seus leitores conhecem os gêneros e jogam com esse conhecimento. Os mundos de ficção que nos propõem são moldados em fórmas que conhecemos ou reconhecemos facilmente: personagens, situações, cenários, intrigas, modos de dizer, recursos, truques. Todo esse arsenal proporcionado pelos gêneros é utilizado para criar ou frustrar expectativas, para satisfazer e pacificar o leitor ou para surpreendê-lo e despertá-lo de velhos encantamentos, propondo-lhe outros. Por isso mesmo, a familiaridade com os gêneros permite ao leitor apreciar a habilidade de um escritor, seu gênio composicional, as características e o rendimento particular de seu estilo.

Sem isso, dificilmente se produz um verdadeiro encontro entre autor e leitor; dificilmente se estabelece um convívio amoroso. (ápud. BRASIL, Méqui, 2006)

Com essas premissas, em cada volume, os capítulos 2 e 5 serão voltados a práticas com gêneros em que predominem o narrar, seja em prosa, seja em poesia, seja por meio da multimodalidade. O capítulo 8 trará práticas com gêneros da poesia. E o 11 promoverá a interface entre a literatura e o teatro, com centralidade na dramaturgia.

Em todos eles, os eixos de leitura, produção textual (oral, escrita ou multimodal) e análise linguística e multissemiótica se articularão em função de pequenos eventos de letramentos, considerando a escola como uma comunidade leitora, mas também promovendo a tomada de outros públicos e espaços do contexto em que se insere a escola como possibilidades para a produção e circulação das produções discentes, com mobilização do protagonismo dôs ou dás adolescentes, bem como o diálogo com os ou as artistas e escritores ou escritoras locais.

Na esteira do que propõe strít (2014), contemplar eventos e práticas de letramentos que fazem parte das culturas locais pode permitir “organizar programas e desenvolver currículos de um modo mais socialmente consciente e explícito”, com possibilidade de a escola conhecer mais a identidade cultural da comunidade em que atua, ao passo mesmo em que também se torna agência de letramento dela.

Oralidade

O trabalho com gêneros orais e oralidade também está fundamentado nos princípios e pressupostos definidos pelos documentos oficiais de referência já citados e nas propostas elaboradas pelos professores Bernár Xinóiri e Joaquim Dólz, que enfatizam a importância do ensino dos gêneros orais na escola. O trabalho com a oralidade perpassa toda a obra, mesmo havendo momentos e propostas específicas para aprofundá-lo.

Considerando a oralidade uma das práticas da linguagem de Língua Portuguesa, a coleção trabalha os gêneros orais como fórmas relativamente estáveis de enunciados que utilizamos em diversas situações de comunicação e como instrumentos de ação linguística. Também são trabalhados o reconhecimento das características gerais dos gêneros orais, suas produções, finalidades e as características estruturais e linguísticas do texto falado. Assim, optamos pela apresentação de textos orais de gêneros diversos que, ao serem analisados, servem de suporte à produção de outros textos orais e também de textos escritos que admitem marcas de oralidade.

Como a coleção realiza o trabalho com práticas de pesquisa

As noções introdutórias de pesquisa presentes na obra têm como objetivos ampliar a participação dôs ou dás estudantes nas práticas de pesquisa e promover o reconhecimento da importância dos procedimentos de pesquisa para dar continuidade aos estudos e desenvolver o pensamento científico e crítico a respeito das práticas de linguagem do campo da pesquisa e da divulgação científica. As noções introdutórias de pesquisa são apresentadas:

  1. nos capítulos que têm como destaque as práticas e os gêneros do campo de estudo e pesquisa, cujo objetivo é desenvolver habilidades e aprendizagens de procedimentos de pesquisa envolvidas na leitura/escuta e na produção de textos de divulgação científica;
  2. no boxe Pesquisa em foco, para sistematizar e evidenciar práticas de pesquisa em momentos específicos, como em sequências de atividades de leitura e de produção de texto que envolvem análises do discurso construído e seus efeitos de sentido, observação de aspectos comuns de pequenos corpora de textos de determinado gênero, visando a sistematizações, tomada de notas e elaboração de esquemas para realização de apresentações orais, elaboração de questionários para aplicar em pesquisas e entrevistas visando à produção, análise de métricas das mídias sociais, para avaliar o grau de engajamento do público em posts, entre outros.

Embora boa parte das noções introdutórias de pesquisa esteja mais evidente nos capítulos destinados à leitura/escuta e à produção de textos, elas também podem ser encontradas nos demais capítulos. Nos capítulos de práticas e gêneros do campo artístico-literário, os procedimentos de pesquisa estão presentes não só na elaboração e análise processual dos textos, mas também na curadoria de fontes e dados e na análise deles, como ocorre, por exemplo,na exploração da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, com o objetivo de que os ou as estudantes se pensem como leitores a partir dela.

Já nos capítulos que priorizam o eixo de análise linguística e semiótica, as práticas de pesquisa aparecem, por exemplo, em uma sequência de atividades que envolvem a coleta e análise de relatos orais, a fim de identificar a frequência com que aparecem pronomes do caso reto ou do caso oblíquo como complementos verbais. Por fim, os ou as estudantes relacionam os resultados obtidos a uma situação-problema de seu cotidiano – o uso de pronomes retos como complemento verbal, o que fere as regras da gramática normativa. Esse percurso de pesquisa permite, assim, que os ou as estudantes analisem diferentes usos da língua e reflitam sobre o porquê de certos usos considerados desvios em relação ao português padrão.

Conhecimentos linguísticos

Especialmente nos últimos vinte anos, o ensino de gramática na escola tem sido motivo de muitas discussões que ultrapassaram, inclusive, os muros da escola. Tais discussões chegaram a gerar uma falsa questão sobre a relevância ou não de se ensinar gramática. Como bem coloca Antunes (2003: 88), a questão é falsa porque não se pode falar nem escrever sem gramática. O que deve mover as discussões é, na verdade, qual gramática ensinar, o que implica, também, refletir sobre como ensinar. Em outras palavras, não se trata de discutir se devemos ou não ensinar gramática na escola, mas de pensar na seleção de conteúdos que sejam relevantes para o desenvolvimento da competência comunicativa dôs ou dás estudantes, uma vez que entendemos a linguagem como fórma de interação.

Assim, o que se critica no ensino de gramática é a seleção de um conteúdo pautado na concepção de língua como um sistema inflexível, imutável, que resulta em uma gramática descontextualizada, baseada em compêndios gramaticais ligados a uma tradição normativa muito distante dos usos reais da língua escrita ou falada – até mesmo pela atual parcela da sociedade que se autodefine como bons falantes da língua portuguesa; uma gramática das palavras ou frases fragmentadas, isoladas dos interlocutores; uma gramática das classificações e nomenclaturas, do certo e do errado, distante da vivência da língua que se vê nos textos orais e escritos, formais e informais que circulam nas diferentes esferas sociais e de atividade humana.

Entendemos que para os ou as estudantes ampliarem a sua competência discursiva não se pode mais restringir os estudos da língua a essa matéria gramatical. É preciso ir além e descobrir o que está abaixo dessa “ponta do iceberg" (Banho, 1999: 9) a que chamamos de gramática normativa:

A língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta. Essa descrição, é claro, tem seu valor e seus méritos, mas é parcial (no sentido literal e figurado do termo) e não pode ser autoritariamente aplicada a todo o resto da língua – afinal, a ponta do aicibérg que emerge representa apenas um quinto do seu volume total. Mas é essa aplicação autoritária, intolerante e repressiva que impera na ideologia geradora do preconceito linguístico.

Assim, considerando o processo de universalização do ensino que possibilitou o acesso à escolarização das diferentes classes sociais, pensar o ensino de Língua Portuguesa passa, obrigatoriamente, pela aceitação, por parte da escola, da diversidade linguística, ou seja, pelo reconhecimento de que, no interior de uma mesma língua, há uma grande variedade de outras línguas e linguagens convivendo ao mesmo tempo (línguas estrangeiras, jargões, regionalismos, dialetos sociais etcétera.) – todas elas reflexo das particularidades da esfera e, consequentemente, do gênero em que se inserem –, fenômeno a que Báquitine seu círculo chamaram de plurilinguismo.

O reconhecimento de que tal diversidade é constitutiva de qualquer língua pode (e deve) resultar no fim da crença de que existe uma linguagem melhor ou mais correta do que outra e, consequentemente, deve resultar no fim do preconceito linguístico, o que implica que a escola, nas aulas de Língua Portuguesa, assuma uma postura menos “normativa”, aceitando as diferentes fórmas de expressão oriundas de diferentes contextos sociais.

As teorias linguístico-enunciativas do início do século vinte, como as de Báquitin e seu círculo, já argumentam em favor da desmitificação da ideia de uma única fórma, melhor, mais correta e, portanto, modelar de utilização da língua. Ao criticar aqueles que consideram a língua como um sistema de fórmas normativas, volóchinóvi (1929: 127), um dos teóricos do círculo, afirma que só se pode falar em correção se a língua em questão for uma língua morta, estática. Caso contrário, se estamos falando de uma língua viva, situada e em constante evolução, esse critério não se aplica.

Ao mesmo tempo, se o papel da escola é, mais do que reforçar habilidades e comportamentos já existentes, contribuir para que os ou as estudantes desenvolvam novas capacidades que lhes possibilitem aprimorar sua competência linguística, interagindo de fórma adequada diante de textos de diferentes esferas/campos sociais e, principalmente, em situações nas quais as normas mais prestigiadas são solicitadas, a escola não pode se furtar a ensiná-las, pois são elas que estão presentes nas situações formais públicas, nas entrevistas de emprego, nos meios de comunicação, nas esferas políticas etcétera.

Em termos metodológicos, para escapar a esse aparente paradoxo – acolher as diferentes linguagens e priorizar o estudo das normas urbanas de prestígio –, a escola pode trabalhar o ensino da língua materna levando em consideração o que vigótisqui (1933/1978: 94) defende quando afirma que, como o aprendizado possui um caráter social, ele se inicia muito antes de as crianças entrarem na escola. Dessa fórma, todo conhecimento construído no âmbito escolar tem como base experiências prévias vividas no cotidiano dôs ou dás estudantes.

Aplicando tal ideia ao ensino de língua materna na escola, pode-se então dizer que o trabalho com as variedades urbanas de prestígio deve se dar a partir da própria linguagem e dos gêneros de que os ou as estudantes se utilizam em seu meio social cotidiano fóra da escola. Como afirmam rôjo e Batista (2003: 21), citando Oswald de Andrade, há de se chegar à química, pelo chá de erva-doce”, ou seja, há de se ensinar a variedade padrão da língua considerando a linguagem cotidiana dôs ou dás estudantes.

Em síntese, nas aulas de Língua Portuguesa, o fortalecimento da cidadania pode ser alcançado de várias formas: uma delas é abordar, ao mesmo tempo, questões de variação linguística e trabalhar as variedades urbanas de prestígio como parte do conjunto das variedades da nossa língua portuguesa. Além disso – e principalmente –, o exercício da cidadania, como vimos, pode ainda ser garantido e ampliado com o desenvolvimento do senso crítico também proporcionado por um ensino com base numa noção sócio-histórica e discursiva da língua e dos gêneros.

Como a coleção organiza o trabalho com os conhecimentos linguísticos

Se uma face do aprendizado da Língua Portuguesa decorre da efetiva atuação do estudante em práticas de linguagem que envolvem a leitura/escuta e a produção de textos orais, escritos e multissemióticos, situadas em campos de atuação específicos, a outra face provém da reflexão/análise sobre/da própria experiência de realização dessas práticas. Temos aí, portanto, o eixo da análise linguística/semiótica, que envolve o conhecimento sobre a língua, sobre a norma-padrão e sobre as outras semioses, que se desenvolve transversalmente aos dois eixos – leitura/escuta e produção oral, escrita e multissemiótica – e que envolve análise textual, gramatical, lexical, fonológica e das materialidades das outras semioses. (Bê êne cê cê, 2017: 78)

Como você já deve ter conferido, organizamos a proposta desta coleção em quatro unidades, cada uma com três capítulos. Em cada um desses capítulos procuramos enfocar a leitura e a produção de textos variados – orais, escritos e multimodais – dos quatro campos de atuação propostos pela Bê êne cê cê (campo de atuação na vida pública, artístico-literário, jornalístico-midiático e práticas de estudo e pesquisa) e o estudo linguístico-gramatical. Entretanto, tal divisão não implica separação ou falta de diálogo entre os eixos leitura, produção de textos, oralidade e análise linguística/semiótica, como você também poderá conferir. Mantendo a coerência com as perspectivas teóricas assumidas na coleção, o trabalho com os conhecimentos linguísticos se realiza ao longo de todos os capítulos.

Nos capítulos de Leitura e Produção e de Práticas de literatura, que, dentro de suas especificidades, se organizam em torno do acesso à leitura e à produção de textos de diferentes gêneros, são explorados os conhecimentos linguísticos (e semióticos) usados para a construção da textualidade e do discursivo de cada um dos gêneros analisados ou solicitados. Nos capítulos de Leitura e Produção, por exemplo, essa abordagem é realizada na seção O texto em construção, na qual os ou as estudantes serão a observar os usos de certos recursos como: os de referenciação (usos de substantivos, adjetivos, pronomes e advérbios) e de conexão – que ajudam na construção da progressão dos textos (usos de conjunções e advérbios); os de marcação da presença de diferentes vozes (uso do itálico e das aspas, em textos jornalísticos, de divulgação, literários etcétera.); os de modalização do discurso (escolhas linguísticas feitas para produzir determinados efeitos de sentido); os de uso metafórico da linguagem, em especial nos textos literários (também para a produção de certos efeitos de sentido) etcétera.

Além de todos esses conhecimentos linguísticos, explorados conforme as necessidades dos gêneros selecionados para o trabalho, também temos os capítulos de Estudos Linguísticos e Gramaticais, cujo foco é o conhecimento da língua como linguagem e como sistema.

Nesses capítulos, são propostas atividades que visam à observação de fenômenos linguísticos, como o caráter simbólico da linguagem, a variação linguística, o caráter polissêmico da língua e sua natureza dialógica e plurivocal, os quais ajudarão os ou as estudantes a refletir sobre a natureza da língua como linguagem, como fórma de interação entre os sujeitos, considerando as especifidades das diferentes situações de comunicação. Também estão nesses capítulos os conhecimentos morfossintáticos, sintáticos e semânticos.

O objetivo dos capítulos de Estudos Linguísticos e Gramaticais não é o ensino da nomenclatura ou do conceito em si, mas a compreensão do fenômeno sempre que possível no potencial que ele representa como recurso da língua na construção de nossos discursos. Ou seja, procuramos destacar mais os efeitos de sentido que esses fenômenos possibilitam que criemos em nossos textos, tendo em vista as intencionalidades. Assim, o movimento metodológico que procuramos criar nesses capítulos é mais reflexivo: propomos a observação do fenômeno – em certas ocasiões até apresentamos o conceito previamente–, solicitando aos ou às estudantes a observação de seus usos nos textos de circulação social, nos mais diferentes gêneros: tiras, charges, poesias, propagandas, crônicas, verbetes ou artigos enciclopédicos, notícias, reportagens etcétera.

Tais capítulos funcionam, portanto, como uma espécie de “enciclopédia da gramática normativa”. É esse o “lugar” da apresentação das classificações gramaticais e das nomenclaturas.

Embora em todos os capítulos das unidades que compõem esta coleção a ênfase do trabalho com os conhecimentos linguísticos esteja naqueles recursos que efetivamente ajudam na observação e análise de seus usos nos textos, optamos por destinar aos capítulos de Estudos Linguísticos e Gramaticais um trabalho de metalinguagem e de apresentação de algumas regras da gramática normativa mais próximas das variedades urbanas de prestígio, por concordarmos com Morais (1999) e Soares (1997) que os ou as estudantes também têm o direito a esse tipo de conhecimento. Entretanto, consideramos importante enfatizar que, sempre que pertinente, apontamos usos, até mesmo pelos que falam segundo as normas urbanas de prestígio, que já não correspondem ao que essa gramática normativa define como norma. Além disso, também quando oportuno, destacamos a relação entre o recurso ou a norma e os efeitos de sentido que podem ser observados na escolha do seu uso. 

No final dos volumes apresentamos, ainda, um Anexo de Conhecimentos Linguísticos destinado a complementar o trabalho com uma apresentação das principais regras da gramática normativa, além de propor o estudo de aspectos notacionais da língua que enfatizam ortografia – incluindo acentuação – e pontuação. Aqui também procuramos trabalhar com um movimento metodológico ora mais transmissivo, ora mais reflexivo, que possibilite, de um lado, o acesso a regras de convenção, de outro a observação e análise de pequenos corpora de ocorrências do aspecto ortográfico ou de usos de sinais de pontuação que selecionamos, de modo que, neste último caso, os ou as estudantes possam chegar a conclusões sobre tais ocorrências e usos.

Avaliação da aprendizagem para refletir sobre o ensino

Em geral, os alunos buscam corresponder às expectativas de aprendizagem quando encontram um clima favorável de trabalho, no qual a avaliação e a observação do caminho por eles percorrido sejam, de fato, instrumentos de autorregulação do processo de ensino e aprendizagem (BRASIL/Méqui/sébi, 1998: 94).

Entre os saberes e fazeres pedagógicos, avaliar se coloca para a escola contemporânea como o desafio de intervir de modo significativo nas aprendizagens. Parece ser consensual que, para ter esse alcance, avaliar não possa ser reduzido a aferições (exercícios, provas e testes) com caráter “final”, em busca da discriminação de estudantes que tenham ou não sido bem- nas aprendizagens e, como decorrência, mereçam ou não certas classificações.

Contrariamente a essa perspectiva já bastante questionada10nota de rodapé pelo debate educacional, o que se pretende é significar a avaliação como processo, com etapas interdependentes, e como equalização de responsabilidades no contrato didático11nota de rodapé , para que se garantam aos ou às estudantes momentos e modos de regular as próprias aprendizagens por meio da mediação docente.

Nesse processo, seria importante articular etapas como:

  • negociação das expectativas de aprendizagem, propiciando aos ou às estudantes a clareza sobre o percurso que se espera deles ou delas;
  • levantamento de conhecimentos prévios relevantes para os conhecimentos a serem construídos;
    • negociação de critérios para a aferição das aprendizagens em processo, possibilitando a autoavaliação contínua;
  • sistematização do que foi aprendido e comparação com as expectativas iniciais, para a definição de retomadas ou avanços.

Claro que a qualidade das intervenções docentes é em grande parte o “motor” desse processo. Daí a relevância de que diferentes diálogos avaliativos – as anotações e devolutivas escritas, os questionamentos orais e até mesmo os silêncios cúmplices e comprometidos com os investimentos e as descobertas dôs ou dás estudantes em situações de aprendizagem – sejam explorados.

Os registros, em especial, podem ser situações privilegiadas para ô á professor ou professora reconhecer e dialogar com a singularidade de cada sujeito aprendiz, na medida em que, por meio deles,

o aluno seja informado de maneira qualitativamente diferente das já usuais sobre o que precisa aprender, o que precisa saber fazer melhor. Assim, as anotações, correções e comentários do professor sobre as produções do aluno devem oferecer indicações claras para que este possa efetivamente melhorar. (BRASIL/Méqui/sébi, 1998: 94)

Os registros podem, ainda, favorecer a autonomia para as aprendizagens, como instrumentos de autoavaliação que aos ou às estudantes “possibilitem a tomada de consciência sobre o que sabem, o que devem aprender, o que precisam saber fazer melhor e que favoreçam maior contrôle da atividade, a partir da autoanálise de seu desempenho”. (Ibidem)

Se envolver os ou as estudantes na avaliação é condição mais que necessária para que o processo faça sentido para eles ou elas e os ou as ancore na construção de conhecimentos, a especificidade dos conteúdos contemplados na disciplina Língua Portuguesa pode requerer, em alguns momentos, que certos objetivos de ensino “não sejam subordinados à necessidade de contrôle” para serem avaliados, como propõe Lerner12nota de rodapé .

É o que acontece em certos aspectos necessários às práticas de leitura: Como avaliar se ô á estudante se emocionou suficientemente com um poema? Como avaliar se o livro que ele ou ela leu espontaneamente tinha exatamente o teor que compartilhou com os ou as colegas? Situações assim, apesar de fugirem do “contrôle”, por não caberem em aferições pontuais, podem ser oportunidades ímpares para ô á professor ou professora avaliar se a autonomia leitora tem sido suficientemente incentivada em suas práticas de ensino.

Como a coleção organiza o trabalho com a avaliação

Pautada nesses pressupostos, que concorrem para uma concepção formativa de avaliação (Perrenôu, 1999), a coleção propõe sistematicamente atividades que auxiliam ô á professor ou professora a articular as etapas do processo avaliativo.

Na abertura de cada capítulo, há a seção O que você poderá aprender, momento em que os ou as estudantes são convidados ou convidadas a refletir sobre questões-chave para as aprendizagens esperadas ao longo do(s) capítulo(s), possibilitando a negociação das expectativas de aprendizagem e dos percursos didáticos propostos para o alcance delas.

Em caráter de avaliação inicial, são oferecidas, na seção Converse com a turma, perguntas para serem discutidas coletivamente, a fim de propiciar o levantamento e compartilhamento de conhecimentos prévios relevantes para as aprendizagens esperadas.

Além disso, o trabalho com a produção textual, oral ou escrita, conta com o apoio de fichas de apoio à produção e à avaliação: registros que sistematizam as aprendizagens relevantes sobre o gênero que foi nuclear no capítulo e podem servir tanto como pauta de critérios para os ou as estudantes trabalharem sua produção, com revisões e reescritas, como para ô á professor ou professora intervir na versão final, com indicações das correções necessárias e de outros comentários que julgar necessários para o progresso de cada estudante.

As fichas de apoio à produção e à avaliação contribuem para a preparação dôs ou dás estudantes em exames de larga escala por apresentar os critérios de correção, modelando as expectativas em relação aos aspectos discursivos e linguísticos da produção de texto, ao mesmo tempo que os tornam corresponsáveis pela avaliação.

Um desdobramento interessante que poderia ser feito a partir dessa dinâmica de produção textual prevista na coleção seria a composição de portfólios, em que cada estudante organizasse suas produções, e fichas de apoio à produção e à avaliação, favorecendo a percepção da progressão das aprendizagens.

Ao término de cada capítulo, há a seção O que levo de aprendizagens deste capítulo, em que, retomando as questões-chave dos capítulos, os ou as estudantes são incentivados ou incentivadas a sistematizar e considerar o que aprenderam.

Interdisciplinaridade, transversalidade e os Temas Contemporâneos Transversais (tê cê tês)

Entendemos a interdisciplinaridade como um processo de relações entre os conhecimentos próprios dos diferentes componentes curriculares a partir de um tema ou de um objeto de estudo. Conforme enfatiza Fazenda (2008, página 21), devemos ir além da simples junção de disciplinas para que o trabalho seja de fato interdisciplinar. Esse modo de tratar o tema/o objeto de estudo e os saberes construídos em torno deles só é possível quando um grupo de professores se compromete em estabelecer essas relações com o objetivo de proporcionar experiências de aprendizagem que possibilitem aos ou às estudantes estabelecer e/ou perceber as relações entre os saberes na construção de uma compreensão mais aprofundada do tema/objeto de estudo.

Já a transversalidade se caracteriza por transpassar (ou atravessar) e articular as diferentes disciplinas por meio de temas que atendam às demandas da sociedade contemporânea. Nesse tipo de trabalho, também devem ser utilizadas metodologias que não permitam a fragmentação ou apenas a junção de componentes, pois a transversalidade é organizada por meio de processos criativos e de consenso teórico.

Ao articular os conhecimentos próprios da Língua Portuguesa com a abordagem dos Temas Contemporâneos Transversais (tê cê tês), além de favorecer um aprendizado mais contextualizado e significativo – visto que eles tratam de questões que impactam fortemente a construção identitária e as relações em sociedade –, esta coleção busca favorecer a interdisciplinaridade e a transversalidade, uma vez que essa articulação supõe, necessariamente, dialogar com saberes de componentes curriculares das várias áreas de conhecimento. Os tê cê tês estão distribuídos em seis macroáreas temáticas: Meio ambiente, Multiculturalismo, Cidadania e civismo, Economia, Saúde e Ciência e tecnologia, conforme se vê a seguir.

Esquema. No centro, destaque para a informação: Temas Contemporâneos Transversais na BNCC. Ao redor, em sentido horário, diversos retângulos com as informações: 
MEIO AMBIENTE – Educação Ambiental; Educação para o Consumo. ECONOMIA – Trabalho; Educação Financeira; Educação Fiscal. 
SAÚDE – Saúde; Educação Alimentar e Nutricional. CIDADANIA E CIVISMO – Vida familiar e social; Educação para o trânsito; Educação em Direitos Humanos; Direitos da criança e do adolescente; Processo de envelhecimento, respeito e valorização do idoso. MULTICULTURALISMO – Diversidade cultural; Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturas Brasileiras. CIÊNCIA E TECNOLOGIA – Ciência e tecnologia.

Fonte: Temas Contemporâneos Transversais na Bê êne cê cê: contexto histórico e pressupostos pedagógicos. Brasília, Distrito Federal: Méqui, 2019. Disponível em: https://oeds.link/Mp6RcA. Acesso em: 16 maio 2022.

Dados os limites do que é possível realizar em um livro didático de um componente curricular, na coleção, há momentos em que sugerimos aos ou às professores ou professoras que se articulem para planejar atuações conjuntas no aprofundamento de temas/objetos de estudo. No Livro do Estudante também há algumas sugestões de diálogo com outros componentes, em proposições de breves pesquisas ou consultas envolvendo outros componentes curriculares.

Além disso, neste Manual, há, para cada volume, uma sugestão de projeto interdisciplinar que integram conhecimentos da área e/ou entre áreas.

Estrutura da obra

Esta é uma coleção voltada para os Anos Finais do Ensino Fundamental. Apresenta quatro volumes, cada qual com quatro unidades, organizadas internamente em três capítulos: Leitura e Produção, Práticas de Literatura e Estudos Linguísticos e Gramaticais. A sugestão é que a cada bimestre seja trabalhada uma unidade completa.

Essa organização visa priorizar, em cada capítulo, cada um dos diferentes eixos de ensino de Língua Portuguesa, sem, entretanto, tratá-los de modo estanque. Isso quer dizer que tanto nos capítulos de Leitura e Produção quanto nos de Práticas de Literatura, os ou as estudantes serão solicitados ou solicitadas a fazer reflexões sobre os conhecimentos linguísticos que ajudaram a construir os sentidos do texto. Do mesmo modo, nos capítulos de Estudos Linguísticos e Gramaticais , poderão observar o aspecto linguístico estudado nos textos de diferentes gêneros, analisando sua contribuição para os efeitos de sentidos pretendidos, sempre que possível.

Veja a seguir as características e os objetivos de cada um dos capítulos e de suas seções.

Capítulos de Leitura e Produção

Os quatro capítulos de Leitura e Produção, distribuídos nas quatro unidades de cada volume, são destinados ao trabalho com os campos de atuação na vida pública, de práticas de estudo e pesquisa e jornalístico-midiá­tico. Nesses capítulos são propostas temáticas que visam à reflexão sobre questões que envolvem ô á adolescente, sua relação com o outro e sua participação na sociedade. Essas reflexões são realizadas por meio de leituras e produções de gêneros orais, escritos e multissemióticos diversos, que em maior ou menor medida articulam esses diferentes campos.

Recortes temáticos relacionados à adolescência, à diversidade cultural e aos problemas da sociedade favorecem a discussão de muitos dos Temas Contemporâneos Transversais, que, por sua vez, se relacionam com os temas transversais referidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, retomados na Bê êne cê cê no seguinte trecho:

reticências cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de fórma transversal e integradora. Entre esses temas, destacam-se: direitos da criança e do adolescente (Lei nº 8.069/199016), educação para o trânsito (Lei nº 9.503/199717), educação ambiental (Lei nº 9.795/1999, Parecer cê êne Ê/CP nº 14/2012 e Resolução cê êne Ê/CP nº 2/201218), educação alimentar e nutricional (Lei nº 11.947/200919), processo de envelhecimento, respeito e valorização do idoso (Lei nº 10.741/200320), educação em direitos humanos (Decreto nº 7.037/2009, Parecer cê êne Ê/CP nº 8/2012 e Resolução cê êne Ê/CP nº 1/201221), educação das relações étnico-raciais e ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena (Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, Parecer cê êne Ê/CP nº 3/2004 e Resolução cê êne Ê/CP nº 1/200422), bem como saúde, vida familiar e social, educação para o consumo, educação financeira e fiscal, trabalho, ciência e tecnologia e diversidade cultural (Parecer cê êne Ê/séb nº 11/2010 e Resolução cê êne Ê/séb nº 7/201023). Na Bê êne cê cê, essas temáticas são contempladas em habilidades dos componentes curriculares, cabendo aos sistemas de ensino e escolas, de acordo com suas especificidades, tratá-las de fórma contextualizada. (Bê êne cê cê, 2017: 19-20)

Ao contemplar as habilidades previstas para o ensino de Língua Portuguesa (Fundamental – Anos Finais), pudemos abordar os direitos da criança e do adolescente, a educação ambiental, a valorização do idoso, a educação das relações étnico-raciais, a cultura afro-brasileira e indígena, a educação em direitos humanos, a educação para o consumo, ciência e tecnologia e diversidade cultural.

Apresentamos a seguir a estrutura básica desses capítulos.

Abertura do capítulo

Apresentação do estudo proposto para o capítulo, trazendo uma discussão inicial envolvendo textos multimodais (constituído por várias linguagens), com proposição de questões que pretendem: (1) ser mobilizadoras, (2) favorecer a ativação, pelos ou pelas estudantes, dos conhecimentos prévios que possuem sobre a temática e/ou a prática de produção de textos prevista para o capítulo, orientadoras do percurso de aprendizagem esperado ao longo do capítulo. Tais questões serão apresentadas no boxe O que você poderá aprender neste capítulo, e deverão ser retomadas no final do capítulo, no boxe O que levo de aprendizagens deste capítulo, em que ô á estudante terá um momento destinado à autoavaliação das aprendizagens do percurso formativo proposto no capítulo.

Seções

A sequência de trabalho no interior dos capítulos pode variar dependendo das especificidades de cada tema e/ou gênero trabalhados e também da intencionalidade pedagógica. As seções que poderão aparecer nesses capítulos serão tratadas mais adiante, quando apresentarmos as seções gerais da coleção.

Leitura

Caracteriza essa seção uma cuidadosa seleção de textos dos campos de atuação na vida pública, das práticas de estudo e pesquisa e do campo jornalístico-midiático, visando à variedade de gêneros, escolhidos de acordo com o recorte temático do capítulo e a adequação destes à faixa etária dôs ou dás estudantes e às suas necessidades de formação. Nessa seção, serão propostas de uma a três atividades de leitura em diferentes modalidades, de acordo com a natureza do texto e os objetivos de aprendizagem. Dentre as modalidades, destacamos a leitura em voz alta pelo ou pela professor ou professora, a leitura colaborativa (ou compartilhada), a roda de leitura e roda de conversa, a leitura para estudo do texto etcétera. As explicações sobre o trabalho esperado nessas modalidades aparecem no Manual do Professor, conforme forem propostas na coleção.

A seção Leitura tem como objetivos:

  • alimentar a discussão sobre o tema do capítulo e, consequentemente, a produção do gênero proposto;
  • possibilitar a experiência de leitura de diversos gêneros e promover o estudo das características dos textos (linguísticas, textuais e discursivas), necessárias para sua compreensão e apreciação de valores estéticos e/ou afetivos e ético e/ou políticos.

No início dessa seção, o boxe Antecipando a leitura com a turma apresenta questões para levantamento de conhecimentos prévios a respeito do gênero e/ou do tema abordados no texto a ser lido, assim como para levantamento das expectativas de leitura.

Nas atividades de leitura dessa seção poderão aparecer as seguintes subseções:

  • Primeiras impressões – questões de compreensão global e de exploração do contexto de produção, oferecidas para serem trabalhadas coletiva e oralmente.
  • O texto em construção – questões que envolvem a análise linguística, textual e discursiva, de modo a possibilitar aos ou às estudantes a percepção dos recursos e das estratégias usados autor(a) na construção do texto, para que lhe atribuam sentidos, intenções e valores e se posicionem sobre ele.

Produção de texto

Essa seção dá início à preparação para a produção do gênero proposto no capítulo. Ela pode apresentar as seguintes subseções.

Conhecendo o gênero

Baseada em alguns princípios da sequência didática de ensino de gêneros, essa subseção apresentará texto(s) do gênero proposto para produção e atividades que visam destacar suas características linguísticas, textuais e discursivas, favorecendo foco, sistematização e progressão de aprendizagens e propiciando recortes didáticos feitos pelo ou pela professor ou professora, de acordo com as necessidades da turma. Ou seja, dependendo da avaliação que ô á professor ou professora fizer das necessidades de aprendizagem dôs ou dás estudantes, poderá optar por eliminar – e mesmo incluir – atividades de ensino do gênero.

É importante destacar que, quando se trata de propostas de produção de gêneros híbridos – como a reportagem, que pode envolver, além da pesquisa sobre o assunto, a realização de entrevistas, por exemplo – ou de gêneros orais – como o debate ou a apresentação oral, que envolve a produção de anotações, resumos e esquemas que poderão ser usados como apoio à fala –, o trabalho nessa seção envolve também o ensino desses outros gêneros. Já quando está em jogo a produção de gêneros multissemióticos, a abordagem procura dar conta do estudo dos demais recursos semióticos envolvidos, além dos recursos linguísticos.

Produzindo o texto

Nessa subseção são apresentadas, de modo detalhado, orientações que procuram garantir uma base de orientação sólida sobre a situação de interação da produção para que os ou as estudantes possam produzir seus textos.

Ela é iniciada pelo boxe Condições de produção, em que são indicados o gênero que será produzido, para quem será produzido, em que meio poderá circular. Em seguida, são apresentadas aos ou às estudantes orientações passo a passo a respeito de como realizar a produção, em Como fazer?. Em todas as propostas destaca-se também, antes da avaliação, a importância de circular e compartilhar a produção.

Nessa etapa das orientações são apresentados, de modo organizado, os critérios para a produção e avaliação do texto que os ou as estudantes deverão ter em mente durante todo o processo de produção e revisão. Ela apresenta critérios claros de avaliação, que possibilitam aos ou às estudantes o aprendizado do automonitoramento – ou seja, da capacidade de olhar para o próprio texto e ter uma postura crítica sobre ele.

As fichas de apoio à produção e à avaliação dos textos

Neste Manual, você encontrará, anexas, todas as fichas de apoio à produção e à avaliação correspondentes às produções do volume que está usando e que aparecem no corpo do livro do estudante. Elas poderão ser copiadas e disponibilizadas para os ou as estudantes no momento de revisão de seus textos e, posteriormente, deverão ser entregues a você, juntamente com as produções, para que possa corrigi-las e, também, observar a percepção que os ou as estudantes têm dos próprios textos na autoavaliação que apresentaram. Esse se tornará um material muito importante de acompanhamento do processo de aprendizagem dôs ou dás estudantes, feito tanto por eles ou elas quanto por você.

As fichas apresentadas contêm campos para ser preenchidos pelos ou pelas estudantes (autoavaliação) e pelo ou pela professor ou professora (avaliação). Em alguns casos haverá também uma ficha de apoio à produção e à avaliação que prevê a participação de duplas ou de grupos de estudantes no processo de produção e avaliação.

Sugerimos que seja criado um portfólio que reúna as produções dôs ou dás estudantes e as fichas de apoio à produção e à avaliação. Esse instrumento poderá ser um excelente recurso para o processo de avaliação formativa, na medida em que organiza os registros de todo o percurso dôs ou dás estudantes, para que eles ou elas possam perceber o aprimoramento de suas capacidades interativas, especialmente a escrita, ao longo das produções.

Capítulos de Práticas de Literatura

Esses capítulos oferecem um conjunto de práticas de leitura literária em diálogo com outras artes, explorando, em favor do letramento literário, letramentos múltiplos. Para isso, serão oferecidas, ao longo dos capítulos:

  • leituras de textos considerados canônicos, com o objetivo de inserir, em caráter de iniciação, os ou as estudantes do Ensino Fundamental no patrimônio literário;
  • leituras de textos que, embora às margens do cânone, também possam oferecer experiências estéticas significativas;
  • atividades que oportunizem relações de sentido entre textos literários e textos em outras linguagens: pintura, cinema, música, fotografia, entre outras.

Essas atividades buscam alternar as modalidades de leitura compartilhada com a individual, a fim de garantir momentos em que os ou as estudantes possam melhor compreender, pela relação com outros leitores, como funcionam os processos de significação dos textos e momentos em que eles ou elas façam isso com mais autonomia.

Com base em posições das chamadas estéticas da recepção e do efeito, os exercícios propostos visam ajudar os ou as estudantes a tomarem o objeto literário como situação interativa diferenciada, isto é, cuja significação é mais aberta, na medida em que conjuga o contato com o texto e seus aspectos formais com relações de intertextualidade e interdiscursividade, apreciações éticas e estéticas, ações, enfim, do sujeito leitor, mediante os percursos sugeridos pelo texto.

Para ancorar esses percursos, sempre que necessário serão oferecidas noções elementares de teoria literária, operacionalizadas em função dos efeitos de sentido dos textos. Do mesmo modo, conhecimentos de contextos ou de outros textos, quando relevantes para uma fruição mais qualificada, serão proporcionados de modo construtivo e reflexivo.

Em alguns momentos serão oferecidas também propostas de criação com a linguagem literária, que visam permitir que os ou as estudantes “brinquem” com alguns procedimentos e recursos poéticos, a fim de melhor operacionalizá-los em suas experiências de leitura literária. Cabe enfatizar o caráter de “brincadeira” dessas propostas de criação, que se diferenciam das propostas de produção dos capítulos de Leitura e Produção. Aqui, os critérios são mais pontuais e as produções não necessitarão da sua avaliação formal.

A sala de aula e a biblioteca escolar serão os espaços privilegiados para essas atividades, com a expectativa de que o contexto escolar ganhe estatuto de uma pequena comunidade de leitores ou leitorea, com trocas a respeito de leituras comuns e outras empreendidas pelos ou pelas próprios ou próprias estudantes.

Leitura

Nessa seção são oferecidos, para leituras compartilhadas ou individuais, textos de diferentes gêneros literários com distintos graus de complexidade.

Primeiras impressões

Essa seção é o momento do trabalho coletivo e oral, e poderá ter diferentes objetivos: proporcionar o levantamento de conhecimentos prévios, ajudar a estabelecer expectativas de leitura, auxiliar na construção de sentidos e significados, provocar posicionamentos críticos mediante posições e valores veiculados pelos textos, promover a apreciação estética.

O texto em construção

Como o próprio nome da seção sugere, ela traz questões que “provocam” releituras, a fim de qualificar melhor os processos de construção de sentidos e significados. No geral, são questões sugeridas para serem trabalhadas em registro escrito, individualmente ou em pequenos grupos de trabalho.

Oficina de leitura e criação

Propostas lúdicas de experimentação e criação com a linguagem literária, que visam permitir maior consciência de procedimentos e recursos poéticos e a incentivar a descoberta de processos de autoria.

Galeria

Com propostas para que os ou as estudantes tenham um registro pessoal dinâmico e processual, em que possam organizar e significar as novas descobertas e vivências em práticas no campo artístico-literário, em crescente autonomia. A Galeria permite, assim, que cada estudante tenha um instrumento pessoal de organização de seus repertórios com a literatura e a arte, favorecendo o autoconhecimento e autoavaliação.

Literatitudes

Nessa seção os ou as estudantes poderão participar ativamente de práticas no campo artístico-literário, em evento envolvendo outros leitores/espectadores, no âmbito da escola, da comunidade ou, com aporte das práticas contemporâneas mediadas por novas tecnologias, em comunidades de leitores, na internet. O protagonismo dôs ou dás estudantes é fortemente acionado nessa seção.

Capítulos de Estudos Linguísticos e Gramaticais

Esses capítulos são organizados em tópicos linguísticos e gramaticais.

Considerando a natureza dos conteúdos que serão abordados neles, por limitação do número de páginas, ora apresentamos uma abordagem mais expositiva dos tópicos, ora procuramos garantir a problematização, a observação, o levantamento de hipóteses e o estudo e a análise do aspecto linguístico eleito, para depois procedermos a uma sistematização. Para tanto, os capítulos são organizados em tópicos que são introduzidos pelo boxe O que você poderá aprender (no qual aparecem as questões que problematizam o conteúdo e antecipam o que será objeto de estudo), seguido da abordagem do assunto, por meio de observação e análise do aspecto em estudo em textos variados. A cada tópico ou conjunto de tópicos abordado é proposto o boxe O que levo de aprendizagens deste tópico/capítulo, quando ô á estudante é convidadô ou dá a sistematizar o que aprendeu do que foi estudado.

Os boxes na coleção

Ao longo da coleção, em qualquer dos capítulos das unidades também poderão aparecer diferentes boxes:

Clipe – apresenta informações complementares de diferentes naturezas sobre os assuntos abordados.

Quem é? – apresenta dados sobre a vida e o estilo da obra ou produção dos autores, cujos textos apresentamos para leitura.

Vamos lembrar – em geral aparece ao longo de exercícios com o objetivo de retomar e/ou ampliar conceitos trabalhados em algum dos volumes da coleção (ou em algum capítulo do mesmo volume) que sejam importantes para a reflexão proposta nos exercícios.

Conceito – o boxe azul de conceito aparece ao longo de exercícios, apresentando algum conceito ou noção importante para ajudar a refletir sobre o que foi proposto para ô á estudante.

Se liga nessa! – destaca a importância de um conceito, uma noção ou um recurso recém‑estudado para as práticas futuras de leitura e/ou de produção de textos.

Vale a pena ler! e suas variações (ver, ouvir, pesquisar etcétera.) – esses boxes apresentam sugestões de leitura de livros, de gravações em áudio e exposição de vídeos, e breves pesquisas, entre outras, relacionadas às temáticas ou às práticas de linguagem/aos gêneros trabalhados nos capítulos.

Pesquisa em foco – apresentado próximo de sequências de atividades que envolvem procedimentos de pesquisa, esse boxe explicita tais procedimentos aos ou às estudantes, de modo que eles ou elas se apropriem de noções introdutórias de práticas de pesquisa.

Anexos

No final de cada volume, você encontrará materiais complementares organizados em Anexo de Textos de apoio e Anexo de Conhecimentos linguísticos.

No Anexo de Textos de apoio, há textos variados relacionados aos capítulos de Leitura e Produção, sempre que pertinentes para o trabalho do capítulo.

O Anexo de Conhecimentos linguísticos complementa o estudo das regras da gramática normativa abordadas nos capítulos de Estudos Linguísticos e Gramaticais. Também são revistas algumas regularidades ortográficas e é discutido o uso da pontuação. No fim do Anexo de Conhecimentos linguísticos, são oferecidos esquemas para a retomada do que vem sendo estudado.

Nota sobre o uso das sequências de atividades propostas nos capítulos

Queremos chamar a atenção para um aspecto importante sobre o uso da obra: caberá a você a decisão sobre usar integralmente ou não as atividades propostas. De acordo com o levantamento dos conhecimentos prévios dôs ou dás estudantes, você poderá optar por não explorar uma ou outra atividade ou, eventualmente, acrescentar alguma de sua própria autoria.

Um último aspecto a considerar é a importância do planejamento para a execução das atividades no tempo escolar. Algumas das atividades propostas podem e devem ser desenvolvidas em classe – individualmente, em duplas ou em grupos –, outras podem ser designadas como lição de casa. Em alguns casos, você encontrará sugestões específicas a esse respeito neste Manual. Mas salientamos que decisões dessa natureza cabem especialmente a você, professor ou professora, com sua análise do contexto em que atua e do que cabe no tempo escolar de suas turmas.

Como já dissemos, ao apresentar os pressupostos da obra, as atividades que preparamos somente se tornarão efetivamente situações didáticas no momento em que você promover o trabalho com elas, na interação com os ou as estudantes, de acordo com o modo como pensou em usá-las.

Leituras complementares

Concepção de ensino e de aprendizagem

Texto 1

reticências

5. O desenvolvimento infantil na perspectiva sócio-histórica

vigótisqui atribui enorme importância ao papel da interação social no desenvolvimento do ser humano. Uma das mais significativas contribuições das teses que formulou está na tentativa de explicitar (e não apenas pressupor) como o processo de desenvolvimento é socialmente constituído. Essa é a principal razão de seu interesse no estudo da infância13nota de rodapé .

É curioso conhecer suas críticas aos paradigmas ”botânicos” e “zoológicos” adotados na pesquisa psicológica, para explicar o desenvolvimento infantil. Segundo ele, a primeira tendência compara o estudo da criança à botânica, ou seja, entende que o desenvolvimento da criança depende de um processo de maturação do organismo como um todo14nota de rodapé . Esta concepção se apoia na ideia de que “a mente da criança contém todos os estágios do futuro desenvolvimento intelectual: eles existem já na sua fórma completa, esperando o momento adequado para emergir” (vigótisqui, 1984, página 26). Para ele, no entanto, a maturação biológica é um fator secundário no desenvolvimento das fórmas complexas do comportamento humano, pois essas dependem da interação da criança e sua cultura.

Afirma que a segunda abordagem, apesar de mais avançada que a anterior, é também equivocada na medida em que busca respostas às questões sobre a criança, a partir de experiências no reino animal. Admite que esses experimentos contribuíram para o estudo das bases biológicas do comportamento humano (identificaram, por exemplo, algumas semelhanças nos processos psicológicos elementares entre os macacos antropoides e a criança pequena). Sua crítica reside no fato de que a convergência da psicologia animal e da criança tem limites sérios para a explicação dos processos intelectuais mais sofisticados, que são especificamente humanos.

Seu ponto de vista é bastante diferente dos anteriores. Segundo ela, a estrutura fisiológica humana, aquilo que é inato, não é suficiente para produzir o indivíduo humano, na ausência do ambiente social. As características individuais (modo de agir, de pensar, de sentir, valores, conhecimentos, visão de mundo, etcétera.) dependem da interação do ser humano com o meio físico e social. vigótisqui chama atenção para a ação recíproca existente entre o organismo e o meio e atribui especial importância ao fator humano presente no ambiente.

O caso verídico de duas crianças (as chamadas “meninas-lobas”) que foram encontradas, na Índia, vivendo no meio de uma manada de lobos, demonstra que para se humanizar o indivíduo precisa crescer num ambiente social e interagir com outras pessoas. Quando encontradas, praticamente não apresentavam um comportamento humano: não conseguiam permanecer em pé, andavam com o apoio das mãos, não falavam, se alimentavam de carne crua ou podre, não sabiam usar utensílios (tais como, copo, garfo etcétera.) nem pensar de modo lógico (Davis e Oliveira, 1990, página 16). Quando isolado, privado do contato com outros seres, entregue apenas a suas próprias condições e a favor dos recursos da natureza, o homem é fraco e insuficiente.

Devido a essas características especificamente humanas torna-se impossível considerar o desenvolvimento do sujeito como um processo previsível, universal, linear ou gradual. O desenvolvimento está intimamente relacionado ao contexto sociocultural em que a pessoa se insere e se processa de fórma dinâmica (e dialética) através de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do indivíduo.

Se comparado com as demais espécies animais, o bebê humano é o mais indefeso e despreparado para lidar com os desafios de seu meio. A sua sobrevivência depende dos sujeitos mais experientes de seu grupo, que se responsabilizam pelo atendimento de suas necessidades básicas (locomoção, abrigo, alimentação, higiene etcétera.), afetivas (carinho, atenção) e pela formação do comportamento tipicamente humano. Devido à característica imaturidade motora do bebê é longo o período de dependência dos adultos.

lnicialmente, sua atividade psicológica é bastante elementar e determinada por sua herança biológica. vigótisqui ressalta que os fatores biológicos têm preponderância sobre os sociais somente no início da vida da criança. Aos poucos as interações com seu grupo social e com os objetos de sua cultura passam a governar o comportamento e o desenvolvimento de seu pensamento.

Dessa fórma, no processo da constituição humana é possível distinguir “duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem sociocultural. A história do comportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas (vigótisqui, 1984, página 52).

Desde o nascimento, o bebê está em constante interação com os adultos, que não só asseguram sua sobrevivência mas também medeiam a sua relação com o mundo. Os adultos procuram incorporar as crianças à sua cultura, atribuindo significado às condutas e aos objetos culturais que se formaram ao longo da história.

O comportamento da criança recebe influências dos costumes e objetos de sua cultura, como por exemplo em nossa cultura urbana ocidental: dorme no berço, usa roupas para se aquecer e, mais tarde, talheres para comer, sapatos para andar, etcétera. Inicialmente a relação da criança com o mundo dos objetos é mediada pelos adultos; por exemplo, eles aproximam os objetos que a criança quer apanhar, agitam o brinquedo que faz barulho, alimentam-na com a mamadeira, etcétera.

Com a ajuda do adulto, as crianças assimilam ativamente aquelas habilidades que foram construídas pela história social ao longo de milênios: ela aprende a sentar, a andar, a controlar os esfíncteres, a falar, a sentar-se à mesa, a comer com talheres, a tomar líquidos em copos etcétera. Através das intervenções constantes do adulto (e de crianças mais experientes) os processos psicológicos mais complexos começam a se formarponto

Um exemplo poderá ilustrar o quanto a interação que o indivíduo estabelece com o universo social em que se insere, particularmente como os parceiros mais experientes de seu grupo, é fundamental para a formação do comportamento e do pensamento humano. Um pai, ao passear com o filho de aproximadamente 2 anos, costuma chamar a atenção para todos os carros que vão encontrando no caminho. Na medida em que mostra o carro fala o seu nome, marca e tece outros tipos de comentários. Depois, em outras ocasiões, essa criança demonstra o quanto incorporou das informações que recebeu: brincando na escola nomeia com desenvoltura os carrinhos de brinquedo, ou passeando com sua mãe demonstra reconhecer as marcas dos carros que avista pela rua. Pode, com isto, provocar surpresa e admiração por parte dos adultos que talvez julguem esta competência como um sinal de perspicácia ou inteligência inata da criança. No entanto, podemos interpretar este episódio de uma outra fórma, como evidência de que as conquistas individuais resultam de um processo compartilhado.

Podemos concluir que, para vigótisqui, o desenvolvimento do sujeito humano se dá a partir das constantes interações com o meio social em que vive, já que as fórmas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social. Assim, o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro (outras pessoas do grupo cultural), que indica, delimita e atribui significados à realidade. Por intermédio dessas mediações, os membros imaturos da espécie humana vão pouco a pouco se apropriando dos modos de funcionamento psicológico, do comportamento e da cultura, enfim, do patrimônio da história da humanidade e de seu grupo cultural. Quando internalizados, estes processos começam a ocorrer sem a intermediação de outras pessoas.

Desse modo, a atividade que antes precisou ser mediada (regulação interpsicológica ou atividade interpessoal) passa a constituir-se um processo voluntário e independente (regulação intrapsicológica ou atividade intrapessoal). “Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social” (vigótisqui, 1984, página 33).

A fala (entendida como instrumento ou signo) tem um papel fundamental de organizadora da atividade prática e das funções psicológicas humanas. É por isso que vigótisqui se preocupa em pesquisar o desenvolvimento da inteligência prática da criança na fase em que começa a falar. Segundo ele, a verdadeira essência do comportamento humano complexo se dá a partir da unidade dialética da atividade simbólica (a fala) e da atividade prática: “o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às fórmas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem” (vigótisqui, 1984, página 27).

Em síntese, na perspectiva vygotskiana o desenvolvimento das funções intelectuais especificamente humanas é mediado socialmente pelos signos e pelo outro. Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, a criança reconstrói individualmente os modos de ação realizados externamente e aprende a organizar os próprios processos mentais. O indivíduo deixa, portanto, de se basear em signos externos e começa a se apoiar em recursos internalizados (imagens, representações mentais, conceitos, etcétera.).

Concordamos com ismóuca e Góes quando afirmam que “o que parece fundamental nessa interpretação da formação do sujeito é que o movimento de individuação se dá a partir das experiências propiciadas pela cultura. O desenvolvimento envolve processos, que se constituem mutuamente, de imersão na cultura e emergência da individualidade. Num processo de desenvolvimento que tem caráter mais de revolução que de evolução, o sujeito se faz como ser diferenciado do outro mas formado na relação com o outro: singular, mas constituído socialmente, e, por isso mesmo, numa composição individual mas não homogênea” (1993, página 10).

reticências

8. Interação entre aprendizado e desenvolvimento: a zona de desenvolvimento proximal

Como vimos até agora, vigótisqui não ignora as definições biológicas da espécie humana; no entanto, atribui uma enorme importância à dimensão social, que fornece instrumentos e símbolos (assim como todos os elementos presentes no ambiente humano impregnados de significado cultural) que medeiam a relação do indivíduo com o mundo, e que acabam por fornecer também seus mecanismos psicológicos e fórmas de agir nesse mundo.

O aprendizado é considerado, assim, um aspecto necessário e fundamental no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores15nota de rodapé .

Portanto, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que realizará num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos da sua espécie. Isto quer dizer que, por exemplo, um indivíduo criado numa tribo indígena, que desconhece o sistema de escrita e não tem nenhum tipo de contato com um ambiente letrado, não se alfabetizará. O mesmo ocorre com a aquisição da fala. A criança só aprenderá a falar se pertencer a uma comunidade de falantes, ou seja, as condições orgânicas (possuir o aparelho fonador), embora necessárias, não são suficientes para que o indiíduo adquira a linguagem.

Nessa perspectiva, é o aprendizado que possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento: “aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam (vigótisqui, 1984, página 99). Desse ponto de vista, o aprendizado é o aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas.

É justamente por isso que as relações entre desenvolvimento e aprendizagem ocupam lugar de destaque na obra de vigótisqui16nota de rodapé . Ele analisa essa complexa questão sob dois ângulos: um é o que se refere à compreensão da relação geral entre o aprendizado e o desenvolvimento; o outro, às peculiaridades dessa relação no período escolar. Faz esta distinção porque acredita que, embora o aprendizado da criança se inicie muito antes dela frequentar a escola, o aprendizado escolar introduz elementos novos no seu desenvolvimento.

vigótisqui identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refere às conquistas já efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real ou efetivo, e o outro, o nível de desenvolvimento potencial, que se relaciona às capacidades em vias de serem construídas, conforme explicaremos a seguir.

O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como referente àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais experiente da cultura (pai, mãe, professor, criança mais velha, etcétera.). Este nível indica, assim, os processos mentais da criança que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já se completaram.

Desse modo, quando nos referimos àquelas atividades e tarefas que a criança já sabe fazer de fórma independente, como por exemplo: andar de bicicleta, cortar com a tesoura ou resolver determinado problema matemático, estamos tratando de um nível de desenvolvimento já estabelecido, isto é, estamos olhando o desenvolvimento retrospectivamente. Nas escolas, na vida cotidiana e nas pesquisas sobre o desenvolvimento infantil, costuma-se avaliar a criança somente neste nível, isto é, supõe-se que somente aquilo que ela é capaz de fazer, sem a colaboração de outros, é que é representativo de seu desenvolvimento.

O nível de desenvolvimento potencial também se refere àquilo que a criança é capaz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou crianças mais experientes). Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhe são fornecidas. Como por exemplo, uma criança de cinco anos pode não conseguir, numa primeira vez, montar sozinha um quebra-cabeças que tenha muitas peças, mas com a assistência de seu irmão mais velho ou mesmo de uma criança de sua idade mas que já tenha experiência neste jogo, pode realizar a tarefa. Este nível é, para vigótisqui, bem mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha.

A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de fórma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial) caracteriza aquilo que vigótisqui chamou de “zona de desenvolvimento potencial ou proximal”. Neste sentido, o desenvolvimento da criança é visto de fórma prospectiva, pois a “zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentes em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de 'brotos' ou 'flores' do desenvolvimento, ao invés de 'frutos' do desenvolvimento” (vigótisqui, 1984, página 97). Deste modo, pode-se afirmar que o conhecimento adequado do desenvolvimento individual envolve a consideração tanto do nível de desenvolvimento real quanto do potencial.

O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal, na medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e passam a fazer parte das aquisições do seu desenvolvimento individual. É por isso que vigótisqui afirma que “aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (vigótisqui, 1984, página 98).

O conceito de zona de desenvolvimento proximal é de extrema importância para as pesquisas do desenvolvimento infantil e para o plano educacional, justamente porque permite a compreensão da dinâmica interna do desenvolvimento individual. Através da consideração da zona de desenvolvimento proximal, é possível verificar não somente os ciclos já completados, como também os que estão em via de formação, o que permite o delineamento da competência da criança e de suas futuras conquistas, assim como a elaboração de estratégias pedagógicas que a auxiliem nesse processo.

Esse conceito possibilita analisar ainda os limites desta competência, ou seja, aquilo que está “além” da zona de desenvolvimento proximal da criança, aquelas tarefas que, mesmo com a interferência de outras pessoas, ela não é capaz de fazer. Por exemplo: uma criança de 6 anos pode conseguir completar um esquema de palavras cruzadas com a ajuda de um adulto ou em colaboração com algum parceiro. No entanto, uma criança de 2 anos não será capaz de realizar esta tarefa, mesmo com a assistência de alguém.

Segundo vigótisqui, o aprendizado de modo geral e o aprendizado escolar em particular não só possibilitam como orientam e estimulam processos de desenvolvimento. Nesse sentido argumenta: “reticências todas as pesquisas experimentais sobre a natureza psicológica dos processos de aprendizagem da aritmética, da escrita, das ciências naturais e de outras matérias na escola elementar demonstram que o seu fundamento, o eixo em torno do qual se montam, é uma nova formação que se produz em idade escolar. Estes processos estão todos ligados ao desenvolvimento do sistema nervoso central. reticências

Cada matéria escolar tem uma relação própria com o curso do desenvolvimento da criança, relação que muda com a passagem da criança de uma etapa para outra. Isto obriga a reexaminar todo o problema das disciplinas formais, ou seja, do papel e da importância de cada matéria no posterior desenvolvimento psicointelectual geral da criança” (vigótisqui, 1988, página 116-117).

REGO,Teresa C. ín: vigótisqui: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 2000.

Texto 2

Concepções de linguagem e ensino de português17nota de rodapé

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Mirraíl Baquitín

O baixo nível de utilização da língua

No inventário das deficiências que podem ser apontadas como resultados do que já nos habituamos a chamar de “crise do sistema educacional brasileiro”, ocupa lugar privilegiado o baixo nível de desempenho linguístico demonstrado por estudantes na utilização da língua, quer na modalidade oral, quer na modalidade escrita. Não falta quem diga que a juventude de hoje não consegue expressar seu pensamento; que, estando a humanidade na “era da comunicação”, há incapacidade generalizada de articular um juízo e estruturar linguisticamente uma sentença. E, para comprovar tais afirmações, os exemplos são abundantes: as redações de vestibulandos, o vocabulário da gíria jovem, o baixo nível de leitura comprovável facilmente pelas baixas tiragens de nossos jornais, revistas, obras de ficção, etcétera.

Apesar do ranço de muitas dessas afirmações e dos equívocos de algumas explicações, é necessário reconhecer um fracasso da escola e, no interior desta, do ensino de Língua Portuguesa tal como vem sendo praticado na quase totalidade de nossas aulas.

Reconhecer e mesmo partilhar com os alunos tal fracasso não significa, em absoluto, responsabilizar o professor pelos resultados insatisfatórios de seu ensino. Sabemos e vivemos as condições de trabalho do professor, especialmente do professor de primeiro e segundo graus. Mais ainda, sabemos que a educação “tem muitas vezes sido relegada à inércia administrativa, a professores mal pagos e mal remunerados, a verbas escassas e aplicadas com tal falta de racionalidade que nem mesmo a ‘lógica’ do sistema poderia explicar (Melio, 1979).

Aceitamos, com a mesma autora citada, a “premissa de que apenas a igualdade social e econômica garante a igualdade de condições para ter acesso aos benefícios educacionais”. Mas acreditamos também que, no interior das contradições que se presentificam na prática efetiva de sala de aula, poderemos buscar um espaço de atuação profissional em que se delineie um fazer agora, na escola que temos, alguma coisa que nos aproxime da escola que queremos, mas que depende de determinantes externos aos limites da ação da e na própria escola.

Nesse sentido, as questões aqui levantadas procuram fugir tanto da receita quanto da denúncia, buscando construir alguma alternativa de ação, apesar dos perigos resultantes da complexidade do tema: ensino da língua materna.

Uma questão prévia: a opção política e a sala de aula

Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de aula, é preciso que se tenha presente que toda e quaIquer metodologia de ensino articula uma opção política – que envolva uma teoria de compreensão e interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados em sala de aula.

Assim, os conteúdos ensinados, o enfoque que se dá a eles, as estratégias de trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o sistema de avaliação, o relacionamento com os alunos, tudo corresponderá, nas nossas atividades concretas de sala de aula, ao caminho por que optamos. Em geral, quando se fala em ensino, uma questão prévia – para que ensinamos o que ensinamos?, e sua correlata: para que as crianças aprendem o que aprendem? – é esquecida em benefício de discussões sobre o como ensinar, o quando ensinar, o que ensinar, etcétera. Parece-me, no entanto, que a resposta ao “para que” dará efetivamente as diretrizes básicas das respostas.

Ora, no caso do ensino de Língua Portuguesa, uma resposta ao “para que” envolve tanto uma concepção de linguagem quanto uma postura relativamente à educação. Uma e outra se fazem presentes na articulação metodológica. Por isso são questões prévias. Atenho-me, aqui, a considerar a questão da concepção de linguagem, apesar dos riscos da generalização apressada.

Concepções de linguagem

Fundamentalmente, três concepções podem ser apontadas:

  • A linguagem é a expressão do pensamento: essa concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem como tal, somos levados a afirmações – correntes – de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam.
  • A linguagem é instrumento de comunicação: essa concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. Em livros didáticos, é a concepção confessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos títulos, embora em geral seja abandonada nos exercícios gramaticais.
  • A linguagem é uma fórma de interação: mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala.

Grosso modo, essas três concepções correspondem às três grandes correntes dos estudos linguísticos:

  • a gramática tradicional;
  • o estruturalismo e o transformacionalismo;
  • a linguística da enunciação.

A discussão aqui proposta procurará se situar no interior da terceira concepção de linguagem. Acredito que ela implicará uma postura educacional diferenciada, uma vez que situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos.

A interação linguística

A língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade, na interlocução. E é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo. Tomo um exemplo.

Dado que alguém (Pedro) dirija a outro (José) uma pergunta como: Você foi ao cinema ontem?, tal fala de Pedro modifica suas relações com José, estabelecendo um jogo de compromissos. Para José, só há duas possibilidades: responder (sim ou não) ou pôr em questão o direito de Pedro em lhe dirigir tal pergunta (fazendo de conta que não ouviu ou respondendo “o que você tem a ver com isso?”). No primeiro caso diríamos que José aceitou o jogo proposto por Pedro. No segundo caso, José não aceitou o jogo e pôs em questão o próprio direito de jogar assumido por Pedro.

Estudar a língua é, então, tentar detectar os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para falar de certa fórma em determinada situação concreta de interação.

Dentro de tal concepção, já é insuficiente fazer uma tipologia entre frases afirmativas, interrogativas, imperativas e optativas a que estamos habituados, seguindo manuais didáticos ou gramáticas escolares. No ensino da língua, nessa perspectiva, é muito mais importante estudar as relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que falam do que simplesmente estabelecer classificações e denominar os tipos de sentenças.

A democratização da escola

Tal perspectiva, ao jogar-nos diretamente no estudo da linguagem em funcionamento, também nos obriga a uma posição, na sala de aula, em relação às variedades linguísticas. Refiro-me ao problema, enfrentado cotidianamente pelo professor, das variedades, quer sociais, quer regionais. Afinal – dadas as diferenças dialetais e dado que sabemos, hoje, por menor que seja nossa formação, que tais variedades correspondem a distintas gramáticas –, como agir no ensino?

Parece-me que um pouco da resposta à perplexidade de todos aqueles que, de uma fórma ou de outra, estão envolvidos com o sistema escolar, em relação ao baixo nível do ensino contemporâneo, pode ser buscado no fato de que a escola hoje não recebe apenas alunos provenientes das camadas mais beneficiadas da população.

A democratização da escola, ainda que falsa, trouxe em seu bojo outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante acentuadas. De repente, não damos aulas só para aqueles que pertencem a nosso grupo social. Representantes de outros grupos estão sentados nos bancos escolares. E eles falam diferente.

Sabemos que a fórma de fala que foi elevada à categoria de língua nada tem a ver com a qualidade intrínseca dessa fórma. Fatos históricos (econômicos e políticos) determinaram a “eleição” de uma fórma como a Língua Portuguesa. As demais fórmas de falar, que não correspondem à fórma “eleita”, são todas postas num mesmo saco e qualificadas como “errôneas”, “deselegantes”, “inadequadas para a ocasião” etcétera.

Entretanto, uma “variedade linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. Essa afirmação é válida, evidentemente, em termos internos quando confrontamos variedades de uma mesma língua, e em termos externos pelo prestígio das línguas no plano internacional” (Gnerre, 1978).

A transformação de uma variedade linguística em variedade “culta” ou “padrão” está associada a vários fatores, entre os quais Gnerre aponta:

  • a associação dessa variedade à modalidade escrita;
  • a associação dessa variedade à tradição gramatical;
  • a dicionarização dos signos dessa variedade;
  • a consideração dessa variedade como portadora legítima de uma tradição cultural e de uma identidade nacional.

Agora, dada a situação de fato em que estamos, qual poderia ser a atitude do professor de Língua Portuguesa? A separação entre a fórma de fala de seus alunos e a variedade linguística considerada “padrão” é evidente. Sabendo-se que tais diferenças são reveladoras de outras diferenças e sabendo-se que a “língua padrão” resulta de uma imposição social que desclassifica os demais dialetos, qual a postura a ser adotada pelo professor?

Dominar que fórma de falar?

Parece-me que simplesmente valorizar as fórmas dialetais consideradas não cultas, mas Iinguisticamente válidas, tomando-as como o objeto do processo de ensino, é desconhecer que “a começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” (guinérre, 1978).

Como aponta Magda Soares (1983), “de um lado há os que pretendem que a escola deva respeitar e preservar a variedade linguística das classes populares, e sua peculiar relação com a linguagem, consideradas tão válidas e eficientes, para comunicação, quanto a variedade linguística socialmente privilegiada. Nesse caso, a escola deveria assumir a variedade linguística das classes populares como instrumento legítimo do discurso escolar (dos professores, dos alunos e do material didático). Por outro lado, há os que afirmam a necessidade de que as classes populares aprendam a usar a variedade linguística socialmente privilegiada, própria das classes dominantes, e aprendam a manter, com a linguagem, a relação que as classes dominantes com ela mantêm, porque a posse dessa variedade e dessa fórma específica de relação com a linguagem é instrumento fundamental e indispensável na luta pela superação das desigualdades sociais”.

Mais próximo à segunda posição, me parece que cabe ao professor de Língua Portuguesa ter presente que as atividades de ensino deveriam oportunizar aos seus alunos o domínio de outra fórma de falar, o dialeto padrão, sem que signifique a depreciação da fórma de falar predominante em sua família, em seu grupo social, etcétera. Isso porque é preciso romper com o bloqueio de acesso ao poder, e a linguagem é um de seus caminhos. Se ela serve para bloquear – e disso ninguém duvida –, também serve para romper o bloqueio.

Não estou afirmando que por meio das aulas de Língua Portuguesa se processará a modificação da estrutura social. Estou, tão e somente, querendo dizer que o princípio “quem não se comunica se trumbica” não pode servir de fundamento de nosso ensino: afinal, nossos alunos se comunicam em seu dialeto, mas têm se trumbicado que não é fácilreticências E é claro que este “se trumbicar” não se deve apenas à sua linguagem!

Ensino da língua e ensino da metalinguagem

Se o objetivo das aulas de Língua Portuguesa é oportunizar o domínio do dialeto padrão, devemos acrescentar outra questão: a dicotomia entre ensino da língua e ensino da metalinguagem. A opção de um ensino da língua considerando as relações humanas que ela perpassa (concebendo a linguagem como lugar de um processo de interação), a partir da perspectiva de que na escola se pode oportunizar o domínio de mais outra fórma de expressão, exige que reconsideremos “o que” vamos ensinar, já que tal opção representa parte da resposta do “para que” ensinamos.

Nesse sentido, a alteração da situação atual do ensino de Língua Portuguesa não passa apenas por uma mudança nas técnicas e nos métodos empregados na sala de aula. Uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia, mas principalmente um “novo conteúdo” de ensino.

Parece-me que o mais caótico da atual situação do ensino de Língua Portuguesa em escolas de primeiro grau consiste precisamente no ensino, para alunos que nem sequer dominam a variedade culta, de uma metalinguagem de análise dessa variedade – com exercícios contínuos de descrição gramatical, estudo de regras e hipóteses de análise de problemas que mesmo especialistas não estão seguros de como resolver.

Apenas para exemplificar: já tive a oportunidade de folhear cadernos de anotações de aluno de quinta série. O “pobre menino” anotara que, para Saussure, a língua é um conjunto estruturado de signos linguísticos, arbitrários por natureza, mas que para Chomsky (grafado Jonsqui), estudar uma língua era estabelecer “regras profundas” da competência dos falantesreticências

Exemplo menos caótico, mas nem por isso menos triste, e infelizmente mais frequente, são páginas e páginas de conjugações verbais em todos os tempos e modos, sem que o aluno nem sequer suspeite o que significa indicativo, subjuntivo ou mais-que-perfeito.

A maior parte do tempo e do esforço gastos por professores e alunos durante o processo escolar serve para aprender a metalinguagem de análise da língua, com alguns exercícios, e eu me arriscaria a dizer “exercícios esporádicos”, de língua propriamente ditos.

Entretanto, uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados, percebendo as diferenças entre uma fórma de expresão e outra. Outra, é saber analisar uma língua dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua, se apresentam suas características estruturais e de uso.

Entre esses dois tipos de atividades, é preciso optar pelo predomínio de um sobre o outro. Tradicionalmente prevaleceu o ensino da descrição linguística – eu diria que nem sequer a descrição prevaleceu, mas o exemplário de descrições previamente feitas, pois na escola não se aprende a descrever fatos novos, formular hipóteses de descrição, etcétera. O que se aprende, na verdade, é exemplificar descrições previamente feitas pela gramática. Mais modernamente, as descrições tradicionais foram substituídas por descrições da teoria da comunicação, e hoje o aluno sabe o que é emissor, receptor, mensagem, etcétera. Na verdade, substituiu-se uma metalinguagem por outra!

Parece-me que, para o ensino de primeiro grau, as atividades devem girar em torno do ensino da língua e apenas subsidiariamente se deverá apelar para a metalinguagem, quando a descrição da língua se impõe como meio para alcançar o objetivo final de domínio da língua, em sua variedade padrão.

Gostaria de encerrar essas breves considerações sobre concepção de linguagem, variedades linguísticas e ensino de língua/ensino de metalinguagem, reafirmando que a reflexão sobre o “para quê” de nosso ensino exige que pensemos sobre o próprio fenômeno de que somos professores – no nosso caso, a linguagem –, porque tal reflexão, ainda que assistemática, ilumina toda a atuação do professor em sala de aula.

GERALDI, João W. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997.

Leitura e produção de texto

Texto 3

A qualidade da leitura

1. O que é leitura

Como vimos, a escrita não pode ser considerada desvinculada da leitura. Nossa fórma de ler e nossas experiências com textos de outros redatores influenciam de várias maneiras nossos procedimentos de escrita. Pela leitura vamos construindo uma intimidade muito grande com a língua escrita, vamos internalizando as suas estruturas e as suas infinitas possibilidades estilísticas.

Nosso convívio com a leitura de textos diversos consolida também a compreensão do funcionamento de cada gênero em cada situação. Além disso, a leitura é a fórma primordial de enriquecimento da memória, do senso crítico e do conhecimento sobre os diversos assuntos acerca dos quais se pode escrever.

A leitura é um processo complexo e abrangente de decodificação de signos e de compreensão e intelecção do mundo que faz rigorosas exigências ao cérebro, à memória e à emoção. Lida com a capacidade simbólica e com a habilidade de interação mediada pela palavra. É um trabalho que envolve signos, frases, sentenças, argumentos, provas formais e informais, objetivos, intenções, ações e motivações. Envolve especificamente elementos da linguagem, mas também os da experiência de vida dos indivíduos.

Os procedimentos de leitura podem variar de indivíduo para indivíduo e de objetivo para objetivo. Quando lemos apenas para nos divertir, o procedimento de leitura é bem espontâneo. Não precisamos fazer muito esforço para manter a atenção ou para gravar na memória algum item. Mas, em todas as fórmas de leitura, muito do nosso conhecimento prévio é exigido para que haja uma compreensão mais exata do texto. Trata-se de nosso conhecimento prévio sobre:

  • a língua;
  • os gêneros e os tipos de texto;
  • o assunto.

Eles são muito importantes para a compreensão de um texto. É preciso compreender simultaneamente o vocabulário e a organização das frases; identificar o tipo de texto e o gênero; ativar as informações antigas e novas sobre o assunto; perceber os implícitos, as ironias, as relações estabelecidas com o nosso mundo real. Esse é o jogo que torna a leitura produtiva.

reticências

Como a leitura faz inúmeras solicitações simultâneas ao cérebro, é necessário desenvolver, consolidar e automatizar habilidades muito sofisticadas para pertencer ao mundo dos que leem com naturalidade e rapidez. Trata-se de um longo e acidentado percurso para a compreensão efetiva e responsiva, que envolve:

  • decodificação de signos;
  • interpretação de itens lexicais e gramaticais;
  • agrupamento de palavras em blocos conceituais;
  • identificação de palavras-chave;
  • seleção e hierarquização de ideias;
  • associação com informações anteriores;
  • antecipação de informações;
  • elaboração de hipóteses;
  • construção de inferências;
  • compreensão de pressupostos;
  • contrôle de velocidade;
  • focalização da atenção;
  • avaliação do processo realizado;
  • reorientação dos próprios procedimentos mentais.

Vamos analisar algumas dessas habilidades.

2. Recursos para uma leitura mais produtiva

Um leitor ativo considera os recursos técnicos e cognitivos que podem ser desenvolvidos para uma leitura produtiva. A leitura não se esgota no momento em que se lê. Expande-se por todo o processo de compreensão que antecede o texto, explora-lhe as possibilidades e prolonga-lhe o funcionamento além do contato com o texto propriamente dito, produzindo efeitos na vida e no convívio com as outras pessoas.

procedimentos específicos de seleção e hierarquização da informação como:

  • observar títulos e subtítulos;
  • analisar ilustrações;
  • reconhecer elementos paratextuais importantes (parágrafos, negritos, sublinhados, deslocamentos, enumerações, quadros, legendas etcétera.);
  • reconhecer e sublinhar palavras-chave;
  • identificar e sublinhar ou marcar na margem fragmentos significativos;
  • relacionar e integrar, sempre que possível, esses fragmentos a outros;
  • decidir se deve consultar o glossário ou o dicionário ou adiar temporariamente a dúvida para esclarecimento no contexto;
  • tomar notas sintéticas de acordo com os objetivos.

Há também procedimentos de clarificação e simplificação das ideias do texto como:

  • construir paráfrases mentais ou orais de fragmentos complexos;
  • substituir itens lexicais complexos por sinônimos familiares;
  • reconhecer relações lexicais/morfológicas/sintáticas.

Utilizamos ainda procedimentos de detecção de coerência textual, tais como:

  • identificar o gênero ou a macroestrutura do texto;
  • ativar e usar conhecimentos prévios sobre o tema;
  • usar conhecimentos prévios extratextuais, pragmáticos e da estrutura do gênero.

Um leitor maduro usa também, frequentemente, procedimentos de contrôle e monitoramento da cognição:

  • planejar objetivos pessoais significativos para a leitura;
  • controlar a atenção voluntária sobre o objetivo;
  • controlar a consciência constante sobre a atividade mental;
  • controlar o trajeto, o ritmo e a velocidade de leitura de acordo com os objetivos estabelecidos;
  • detectar erros no processo de decodificação e interpretação;
  • segmentar as unidades de significado;
  • associar as unidades menores de significado a unidades maiores;
  • autoavaliar continuamente o desempenho da atividade;
  • aceitar e tolerar temporariamente uma compreensão desfocada até que a própria leitura desfaça a sensação de desconforto.

Alguns desses procedimentos são utilizados pelo leitor na primeira leitura, outros na releitura. Há ainda aqueles que são concomitantes a outros, constituindo uma atividade cognitiva complexa que não obedece a uma sequência rígida de passos. É guiada tanto pela construção do próprio texto como pelos interesses, objetivos e intenções do leitor.

Como são interiorizados e automatizados pelo uso consciente e frequente, e são apenas meios e não fins em si mesmos, nem sempre esses procedimentos estão muito claros ou conscientes para quem os utiliza na leitura cotidiana.

Vamos aprofundar nosso conhecimento acerca de alguns desses procedimentos.

3. Os tipos de leitura e seus objetivos

O objetivo da leitura, como já foi explicado anteriormente, determina de que fórma lemos um texto. Lemos:

  • por prazer, em busca de diversão, de emoção estética ou de evasão;
  • para obter informações gerais, esclarecimentos, em busca de atualização;
  • para obter informações precisas e exatas, analisá-las e escrever um texto relativo ao tema;
  • para estudar, desenvolver o intelecto, em busca de qualificação profissional;
  • para seguir instruções;
  • para comunicar um texto a um auditório;
  • para revisar um texto, etcétera.

Se lemos um jornal, por exemplo, apenas para saber se há alguma novidade interessante, empreendemos uma leitura do geral para o particular (descendente): olhamos as manchetes, fixamos alguns parágrafos iniciais, passamos os olhos pela página, procurando um ponto de atração, e quando o encontramos fazemos um outro tipo de leitura: do particular para o geral (ascendente).

No primeiro tipo somos superficiais, velozes, elaboramos rápidas hipóteses que não testamos, fazemos algumas adivinhações. No segundo tipo de leitura somos mais detalhistas, queremos saber tudo, procuramos garantir a compreensão precisa, exata.

Um leitor maduro distingue qual é o momento de fazer uma leitura superficial e rápida (descendente) daquele em que é necessária uma leitura detalhada, desacelerada (ascendente), mesmo quando está trabalhando ou estudando. Pois, mesmo quando estuda, há momentos em que você pode dispensar certos textos, ou partes de textos, que já são conhecidos.

4. Procedimentos estratégicos de leitura

Um texto para estudo, em geral, exige do leitor uma grande concentração, uma atenção voluntária e controlada. Esse tipo de leitura detalhada, minuciosa, que um estudante precisa desenvolver é o que vamos focalizar aqui. Há muitos recursos e procedimentos para uma leitura mais produtiva. Alguns você já usa naturalmente, outros pode incorporar ao seu acervo de habilidades.

a) Estabelecer um objetivo claro

Sempre que temos um objetivo claro para a leitura vamos mais atentos para o texto. Já sabemos o que queremos e ficamos mais atentos às partes mais importantes em relação ao nosso objetivo.

Estabelecer previamente um objetivo nos ajuda a escolher e a controlar o tipo de leitura necessário: ascendente ou descendente; detalhada, lenta, minuciosa, ou rápida e superficial.

É importante construir previamente algumas perguntas que ajudam a controlar o objetivo e a atenção, como, por exemplo:

  • Qual é a opinião do autor?
  • Quais são as informações novas que o texto veicula?
  • O que este autor pensa desse assunto? Em que discorda dos que já conheço? O que acrescenta à discussão?
  • Qual é o conceito, a definição desse fenômeno?
  • Como ocorreu esse fato? Onde? Quando? Quais são suas causas? Quais são suas consequências? Quem estava envolvido? Quais são os dados quantitativos citados?
  • O que é mais importante nesse texto? O que eu devo anotar para utilizar depois no meu trabalho?

Quando começamos uma leitura sem nenhuma pergunta prévia, temos mais dificuldade em identificar aspectos importantes, distinguir partes do texto, hierarquizar as informações.

b) Identificar e sublinhar com lápis as palavras-chave

As partes que sustentam a maior carga de significado em um texto são chamadas de palavras-chave. Elas podem apresentar uma pequena variação de leitura para leitura, de leitor para leitor, pois cada um imprime sua visão ao que lê.

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Sem elas o texto perde totalmente o sentido. Por meio delas podemos reconstituir o sentido de um texto, elaborar um esquema ou síntese. Normalmente são os substantivos, verbos e certos adjetivos. Não são palavras gramaticais: artigos, conectivos, pronomes, preposições ou advérbios.

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c) Tomar notas

Uma ajuda técnica imprescindível, principalmente para quem lê com o objetivo de estudar, é tomar notas. A partir das palavras-chave, o leitor pode ir destacando e anotando pequenas frases que resumem o pensamento principal dos períodos, dos parágrafos e do texto. Pode também marcar com lápis nas margens para identificar por meio de títulos pessoais as partes mais importantes, os objetivos, as enumerações, as conclusões, as definições, os conceitos, os pequenos resumos que o próprio autor elabora no decorrer do texto e tudo o mais que estiver de acordo com o objetivo principal da leitura (algumas edições já trazem esse destaque na margem para facilitar a leitura). Essas notas podem gerar um esquema, um resumo ou uma paráfrase.

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d) Estudar o vocabulário

Durante a leitura de um texto, temos que decidir a cada palavra nova que surge se é melhor consultar o dicionário, o glossário, ou se podemos adiar essa consulta, aceitando nossa interpretação temporária da palavra a partir do contexto.

Observe o seguinte período do texto:

O governo está convocado a estabelecer políticas eficazes para atrair às escolas as crianças agora lançadas no mais abjeto dos infortúnios – a disputa de alimentos com os abutres.

A palavra abjeto pode gerar dúvidas no leitor, mas podemos perceber que ela não é essencial ao texto. Quando retirada, o período preserva significado. Talvez não seja tão necessário nesse caso consultar o dicionário, já que o contexto esclarece que se trata de uma ideia negativa que intensifica (junto com o advérbio mais) a negatividade que está em infortúnios. Poderíamos tentar substituí-la por outras mais conhecidas: indigno, horrível, desprezível, e a frase continuaria apresentando ideia lógica.

Esses procedimentos de inferência e compreensão lexical são realizados com muita velocidade pelo leitor. Quando a continuidade da leitura se torna prejudicada, o melhor mesmo é parar e ir ao dicionário.

e) Destacar divisões no texto para agrupá-las posteriormente

É importante compreender essas divisões para estabelecer mentalmente um esquema do texto. Muitas vezes o autor não insere gráficos, esquemas, nem explicita por meio de enumerações as divisões que faz das ideias. Preste bem atenção quando o texto apresenta estruturas assim:

  • Em primeiro lugarreticências em seguidareticências em terceiro lugarreticências
  • Inicialmentereticências a seguirreticências finalmentereticências
  • Primeiramentereticências em prosseguimentoreticências por últimoreticências
  • Por um ladoreticências por outro ladoreticências
  • Num primeiro momentoreticências num segundo momentoreticências
  • A primeira questão éreticências A segundareticências A terceirareticências

Por meio da identificação dessas estruturas é possível reconstruir o raciocínio do autor e torna-se mais fácil elaborar esquemas e resumos.

reticências

f) Simplificação

Um dos recursos mais produtivos durante a leitura de textos complexos é fazer constantemente paráfrases mentais mais simples daquilo que está no texto, ou seja, fazer traduções em palavras próprias, dizer mentalmente com suas próprias palavras o que entendeu do texto.

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g) Identificação da coerência textual

Diante de cada novo texto temos de identificar as estruturas básicas para compreender seu funcionamento. Assim, identificamos imediatamente o que é um poema, o que é uma fábula, o que é um texto dissertativo.

Como a escrita é para ser lida e compreendida a distância, sem interferência do autor no momento da leitura, sua elaboração exige uma estrutura exata, precisa, clara, que assegure ao leitor uma decodificação correta e adequada. Para tanto o autor usa estruturas sintáticas complexas, estabelecendo minuciosamente as relações entre as ideias, já que não pode contar com o apoio do contexto, das expressões faciais, do conhecimento comum. Isso acontece principalmente nos textos de natureza informativa: dissertações, argumentações, reportagens e ensaios, os quais privilegiamos neste livro. Quanto menos compromisso o texto tem com a informação exata, mais espaço deixa para os acréscimos e interpretações do leitor, como é o caso da publicidade, da poesia e dos textos literários em geral, nos quais a polissemia (convívio de uma multiplicidade de significações sobre uma mesma base) predomina.

Um texto bem escrito apresenta sempre uma certa dose de repetições, de redundância, para auxiliar o leitor a chegar às conclusões desejadas pelo autor. Quando o interesse for assegurar uma compreensão predeterminada, precisa, exata, naturalmente será produzido um texto mais denso, mais estruturado. Terá por base um planejamento lógico, em que as sequências tenham uma articulação necessária entre si mesmas. Esses textos não são fáceis e não são compreendidos à primeira leitura, superficial e rápida. É preciso um rígido contrôle da atenção, um objetivo claro para a leitura, um empenho constante para fazer os relacionamentos adequados tanto entre as ideias interiores ao próprio texto, como entre o texto e os conhecimentos prévios do leitor e suas experiências vividas.

Isso significa que a leitura para apreensão de informações deve ser uma leitura pausada, desacelerada, que vai do particular para o geral e volta do geral para o particular constantemente. Uma decifração que procura percorrer o mesmo raciocínio do autor do texto, refazendo o trajeto do seu pensamento original, para apreender, discutir, concordar ou se opor a essas ideias.

Durante a leitura é preciso conferir as interpretações, fazendo perguntas ao texto. Para isso fazemos perguntas elementares:

  • Quem escreve? Autor.
  • Que tipo de texto é? Gênero.
  • A quem se destina? Público.
  • Onde é veiculado? Suporte editorial.
  • Qual o objetivo? Intenções.
  • Com que autoridade? Papel social do autor.
  • O que eu já sei sobre o tema? Conhecimentos prévios do leitor.
  • Quais são os outros textos que estão sendo citados? Intertextualidade.
  • Quais são as ideias principais? Informações.
  • Quais são as partes do texto que apresentam objetivos, conceitos, definições, conclusões? Quais são as relações entre essas partes? Estrutura textual.
  • Com que argumentos as ideias são defendidas? Provas.
  • Onde e de que maneira a subjetividade está evidente? Posicionamento explicitado.
  • Quais são as outras vozes que perpassam o texto? Distribuição da responsabilidade pelas ideias.
  • Quais são os testemunhos utilizados? Depoimentos.
  • Quais são os exemplos citados? Fatos, dados.
  • Como são tratadas as ideias contrárias? Rebatimento ou antecipação de oposições.

Além dessas, há muitas outras perguntas que o leitor vai propondo à medida que lê e de acordo com os seus objetivos. Esse diálogo, essa interação entre leitor e texto exige a ativação de conhecimentos que extrapolam a simples decodificação dos elementos constitutivos do texto. Essas informações pragmáticas vêm iluminar e esclarecer os significados e estabelecer a coerência textual do que é lido.

Caso essas perguntas não sejam respondidas de maneira adequada, podemos incorrer em equívoco, interpretando mal os objetivos e consequentemente as informações e os significados.

h) Percepção da intertextualidade

Um texto traz em si marcas de outros textos, explícitas ou implícitas. A esse fenômeno chamamos intertextualidade. Essa ligação entre textos pode ir de uma simples citação explícita a uma leve alusão, ou até mesmo a uma paródia completa, em que a estrutura do texto inicial é utilizada como base para o novo texto. Essa associação é prevista pelo autor e deve ser feita pelo leitor de fórma espontânea, na proporção em que partilhe conhecimentos com o autor. Em textos mais complexos, a intensidade do esforço para compreender a intertextualidade pode variar e sempre depende de conhecimentos prévios comuns ao autor e ao leitor.

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GARCEZ, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação: o que é preciso saber para bem escrever. segunda ediçãoSão Paulo: Martins Fontes, 2004.

Práticas artístico-literárias

Texto 4

O direito à literatura

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Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as fórmas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações.

Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possam viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabuloso. O sonho assegura durante o sono a presença indispensável desse universo, independentemente da nossa vontade. E durante a vigília a criação ficcional ou poética, que é a mola da literatura em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós, analfabeto ou erudito – como anedota, causo, história em quadrinho, noticiário policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco. Ela se manifesta desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura corrida de um romance.

Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.

Alterando um conceito de óto rranqui sobre o mito, podemos dizer que a literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. Neste sentido, ela pode ter importância equivalente à das fórmas conscientes de inculcamento intencional, como a educação familiar, grupal ou escolar. Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentidos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles.

Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicial, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominante.

A respeito destes dois lados da literatura, convém lembrar que ela não é uma experiência inofensiva, mas uma aventura que pode causar problemas psíquicos e morais, como acontece com a própria vida, da qual é imagem e transfiguração. Isto significa que ela tem papel formador de personalidade, mas não segundo as convenções; seria antes segundo a fôrça indiscriminada e poderosa da própria realidade. Por isso, nas mãos do leitor o livro pode ser fator de perturbação e mesmo de risco. Daí a ambivalência da sociedade em face dele, suscitando por vezes condenações violentas quando ele veicula noções ou oferece sugestões que a visão convencional gostaria de proscrever. No âmbito da instrução escolar o livro chega a gerar conflitos, porque o seu efeito transcende as normas estabelecidas.

Numa palestra feita há mais de quinze anos em reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência sobre o papel da literatura na formação do homem, chamei a atenção entre outras coisas para os aspectos paradoxais desse papel, na medida em que os educadores ao mesmo tempo preconizam e temem o efeito dos textos literários. De fato (dizia eu), há “conflito entre a ideia convencional de uma literatura que eleva e edifica (segundo os padrões oficiais) e a sua poderosa fôrça indiscriminada de iniciação na vida, com uma variada complexidade nem sempre desejada pelos educadores. Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver”.

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A função da literatura está ligada à complexidade da sua natureza, que explica inclusive o papel contraditório mas humanizador (talvez humanizador porque contraditório). Analisando, podemos distinguir pelo menos três faces: 1) ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; 2) ela é uma fórma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; 3) ela é uma fórma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente.

Em geral pensamos que a literatura atua sobre nós devido ao terceiro aspecto, isto é, porque transmite uma espécie de conhecimento, que resulta em aprendizado, como se ela fosse um tipo de instrução. Mas não é assim. O efeito das produções literárias é devido à atuação simultânea dos três aspectos, embora costumemos pensar menos no primeiro, que corresponde à maneira pela qual a mensagem é construída; mas esta maneira é o aspecto, senão mais importante, com clareza crucial, porque é o que decide se uma comunicação é literária ou não. Comecemos por ele.

Toda obra literária é antes de mais nada uma espécie de objeto, de objeto construído; e é grande o poder humanizador desta construção, enquanto construção.

De fato, quando elaboram uma estrutura, o poeta ou o narrador nos propõem um modelo de coerência, gerado pela fôrça da palavra organizada. Se fosse possível abstrair o sentido e pensar nas palavras como tijolos de uma construção, eu diria que esses tijolos representam um modo de organizar a matéria, e que enquanto organização eles exercem papel ordenador sobre a nossa mente. Quer percebamos claramente ou não, o caráter de coisa organizada da obra literária torna-se um fator que nos deixa mais capazes de ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e em consequência, mais capazes de organizar a visão que temos do mundo.

Por isso, um poema hermético, de entendimento difícil, sem nenhuma alusão tangível à realidade do espírito ou do mundo, pode funcionar neste sentido, pelo fato de ser um tipo de ordem, sugerindo um modelo de superação do caos. A produção literária tira as palavras do nada e as dispõe como todo articulado. Este é o primeiro nível humanizador, ao contrário do que geralmente se pensa. A organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva, primeiro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo. Isto ocorre desde as fórmas mais simples, como a quadrinha, o provérbio, a história de bichos, que sintetizam a experiência e a reduzem à sugestão, norma, conselho ou simples espetáculo mental.

“Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga”. Este provérbio é uma frase solidamente construída, com dois membros de sete sílabas cada um, estabelecendo um ritmo que realça o conceito, tornado mais forte pelo efeito da rima toante: “aj-U-D-A”, “madr-U-g-A”. A construção consistiu em descobrir a expressão lapidar e ordená-la segundo meios técnicos que impressionam a percepção. A mensagem é inseparável do código, mas o código é a condição que assegura o seu efeito.

Mas as palavras organizadas são mais do que a presença de um código: elas comunicam sempre alguma coisa, que nos toca porque obedece a certa ordem. Quando recebemos o impacto de uma obra literária, oral ou escrita, ele é devido à fusão inextricável da mensagem com a sua organização. Quando digo que um texto me impressiona, quero dizer que ele impressiona porque a sua possibilidade de impressionar foi determinada pela ordenação recebida de quem o produziu. Em palavras usuais, o conteúdo só atua por causa da fórma, e a fórma traz em si, virtualmente, uma capacidade de humanizar devido à coerência mental que pressupõe e que sugere. O caos originário, isto é, o material bruto a partir do qual o produtor escolheu uma fórma, se torna ordem; por isso, o meu caos interior também se ordena e a mensagem pode atuar. Toda obra literária pressupõe esta superação do caos, determinada por um arranjo especial das palavras e fazendo uma proposta de sentido.

Pensemos agora num poema simples, como a lira de Gonzaga que começa com o verso “Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro”. Ele a escreveu no calabouço da Ilha das Cobras e se põe na situação de quem está muito triste, separado da noiva. Então começa a pensar nela e imagina a vida que teriam tido se não houvesse ocorrido a catástrofe que o jogou na prisão. De acordo com a convenção pastoral do tempo, transfigura-se no pastor Dirceu e transfigura a noiva na pastora Marília, traduzindo o seu drama em termos da vida campestre. A certa altura diz:

Proponha-me dormir no teu regaço

As quentes horas da comprida sesta;

Escrever teus louvores nos olmeiros,

Toucar-te de papoulas na floresta.

A extrema simplicidade desses versos remete a atos ou devaneios dos namorados de todos os tempos: ficar com a cabeça no colo da namorada, apanhar flores para fazer uma grinalda, escrever as respectivas iniciais na casca das árvores. Mas na experiência de cada um de nós esses sentimentos e evocações são geralmente vagos, informulados, e não têm consistência que os torne exemplares. Exprimindo-os no enquadramento de um estilo literário, usando rigorosamente os versos de dez sílabas, explorando certas sonoridades, combinando as palavras com perícia, o poeta transforma o informal ou o inexpresso em estrutura organizada, que se põe acima do tempo e serve para cada um representar mentalmente as situações amorosas deste tipo. A alternância regulada de sílabas tônicas e sílabas átonas, o poder sugestivo da rima, a cadência do ritmo – criaram uma ordem definida que serve de padrão para todos e deste modo a todos humaniza, isto é, permite que os sentimentos passem do estado de mera emoção para o da fórma construída, que assegura a generalidade e a permanência. Note-se, por exemplo, o efeito do jogo de certos sons expressos pelas letras T e P no último verso, dando transcendência a um gesto banal de namorado:

Toucar-Te de PaPoulas na floresTa.

Tês no começo e no fim, cercando os Pês do meio formando com eles uma sonoridade mágica que contribui para elevar a experiência amorfa ao nível da expressão organizada, figurando o efeito por meio de imagens que marcam com eficiência a transfiguração do meio natural. A fórma permitiu que o conteúdo ganhasse maior significado e ambos juntos aumentaram a nossa capacidade de ver e sentir.

Digamos que o conteúdo atuante graças à fórma constitui com ela um par indissolúvel que redunda em certa modalidade de conhecimento. Este pode ser uma aquisição consciente de noções, emoções, sugestões, inculcamentos, mas na maior parte se processa nas camadas do subconsciente e do inconsciente, incorporando-se em profundidade como enriquecimento difícil de avaliar. As produções literárias, de todos os tipos e todos os níveis, satisfazem necessidades básicas do ser humano, sobretudo através dessa incorporação, que enriquece a nossa percepção e a nossa visão do mundo. O que ilustrei por meio do provérbio e dos versos de Gonzaga ocorre em todo o campo da literatura e explica por que ela é uma necessidade universal imperiosa, e por que fruí-la é um direito das pessoas de qualquer sociedade, desde o índio que canta as suas proezas de caça ou evoca dançando a lua cheia, até o mais requintado erudito que procura captar com sábias redes os sentidos flutuantes de um poema hermético. Em todos esses casos ocorre humanização e enriquecimento, da personalidade e do grupo, por meio de conhecimento oriundo da expressão submetida a uma ordem redentora da confusão.

Entendo aqui por humanização (já que tenha falado tanto nela) o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.

Isto posto, devemos lembrar que além do conhecimento por assim dizer latente, que provém da organização das emoções e da visão do mundo, há na literatura níveis de conhecimento internacional, isto é, planejados pelo autor e conscientemente assimilados pelo receptor. Estes níveis são o que chamam imediatamente a atenção e é neles que o autor injeta as suas intenções de propaganda, ideologia, crença, revolta, adesão etcétera. Um poema abolicionista de Castro Alves atua pela eficiência da sua organização formal, pela qualidade do sentimento que exprime, mas também pela natureza da sua posição política e humanitária. Nestes casos a literatura satisfaz, em outro nível, a necessidade de conhecer os sentimentos e a sociedade, ajudando-nos a tomar posição em face deles. É aí que se situa a “literatura social”, na qual pensamos quase exclusivamente quando se trata de uma realidade tão política e humanitária quanto a dos direitos humanos, que partem de uma análise do universo social e procuram retificar as suas iniquidades.

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CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. ín: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. terceira edição São Paulo: Duas Cidades, 1995.

Estudos Linguísticos e Gramaticais

Texto 5

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Explorando a gramática

Fale fala brasileira

Que você enxerga bonito.

Mario de Andrade

A gramática compreende o conjunto de regras que especificam o funcionamento de uma língua.

As pessoas, quando falam, não têm a liberdade total de inventar, cada uma a seu modo, as palavras que dizem, nem têm a liberdade irrestrita de colocá-las em qualquer lugar nem de compor, de qualquer jeito, seus enunciados. Falam, isso sim, todas elas, conforme as regras particulares da gramática de sua própria língua. Isso porque toda língua tem sua gramática, tem seu conjunto de regras, independentemente do prestígio social ou do nível de desenvolvimento econômico e cultural da comunidade em que é falada. Quer dizer, não existe língua sem gramática.

Quando alguém é capaz de falar uma língua é então capaz de usar, apropriadamente, as regras (fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas) dessa língua (além, é claro, de outras de natureza pragmática) na produção de textos interpretáveis e relevantes. Aprender uma língua é, portanto, adquirir, entre outras coisas, o conhecimento das regras de formação dos enunciados dessa língua. Quer dizer, não existe falante sem conhecimento de gramática.

Isso não significa dizer que todo falante sabe o que é um adjunto adnominal, ou um dígrafo, ou um verbo intransitivo. O que ele sabe, intuitiva e implicitamente, é usar essas coisas – ou seja, ele sabe as regras de uso, de combinação das palavras em textos, para que resulte inteligível e interpretável o que dizem. Sabem as regras de uso das unidades, embora desconheçam os nomes que as unidades têm e a que classes pertencem.

No âmbito dessa discussão, vale a pena distinguir o que são regras de gramática e o que não são regras de gramática, para que se desfaça grande parte dos equívocos que pairam por nossas salas de aulas.

Regras de gramática, como o nome já diz, são normas, são orientações acerca de como usar as unidades da língua, de como combiná-las, para que se produzam determinados efeitos, em enunciados funcionalmente inteligíveis, contextualmente interpretáveis e adequados aos fins pretendidos na interação.

Dessa fórma, são regras, por exemplo: a descrição de como empregar os pronomes; de como usar as flexões verbais para indicar diferenças de tempo e de modo; de como estabelecer relações semânticas entre partes do texto (relações de causa, de tempo, de comparação, de oposição etcétera.); de quando e como usar o artigo indefinido e o definido; de quando e de como garantir a complementação do verbo ou de outras palavras; de como expressar exatamente o que se quer pelo uso da palavra adequada, no lugar certo, na posição certa.

Em contrapartida, não são regras de uso, mas são apenas questões metalinguísticas de definição e classificação das unidades da língua, por exemplo, saber: a subdivisão das conjunções e os respectivos nomes de cada uma; a subclassificação de cada subclasse dos pronomes e a função sintática prevista para cada um; a classificação de cada tipo de oração, com toda a refinada subclassificação das subordinadas e coordenadas; as diferentes funções sintáticas do QUE ou do SE; a distinção entre os vários tipos de encontro vocálico ou consonantal, de sujeito ou de predicado (aqui também com detalhadas distinções nem sempre consistentes e quase sempre irrelevantes). Como se vê, o que está em jogo nesse ensino é prioritariamente pretender que o aluno saiba o nome que as coisas da língua têm; ou seja, o que centraliza esse ensino é saber rotular, saber reconhecer e dar nome às coisas da língua18nota de rodapé .

Nessas questões todas, observemos, a competência que se procura desenvolver é sempre a de identificar, a de reconhecer qualquer coisa. Daí os exercícios em que se pede para grifar, para circular palavras ou orações, sem nenhuma preocupação com saber para que servem estas coisas, para que foram usadas ou que efeitos provocam em textos orais e escritos. Adianta pouco saber que o “sujeito” de determinada frase é indeterminado, por exemplo. O que adianta mesmo é saber que efeitos práticos se consegue com o uso de um determinado tipo de “sujeito”. Por exemplo, o que está por trás da afirmação: O Banco mentiu”? O “sujeito” da oração é evidentemente “o Banco”. Adianta muito saber apenas isso? Adiantaria saber também por que se escolheu ocultar o nome de quem mentiu e mascarar a verdade com o subterfúgio da metonímia ou de um sujeito indeterminado. (O mesmo se pode dizer para declarações como O dólar recuou”, O mercado resistiu e outras equivalentes.)19nota de rodapé . A escola perde muito tempo com questões de mera nomenclatura e de classificação, enquanto o estudo das regras dos usos da língua em textos fica sem vez, fica sem tempo.

Portanto, a questão maior não é ensinar ou não ensinar gramática. Por sinal, essa nem é uma questão, uma vez que não se pode falar nem escrever sem gramática. A questão maior é discernir sobre o objeto do ensino: as regras (mais precisamente: as regularidades) de como se usa a língua nos mais variados gêneros de textos orais e escritos. Por exemplo, quais as regras para a produção e leitura de um resumo, de uma resenha, de uma notícia, de um requerimento, de um aviso, entre muitos outros. Uma subquestão daí derivada é a de como ensinar tais regularidades, com que concepções, com que objetivos e posturas, desenvolvendo que competências e habilidades. Cabe lembrar que toda língua possui, para além da gramática, um léxico variado, que também precisa ser amplamente conhecido, o que significa dizer que a gramática sozinha nunca foi suficiente para alguém conseguir ampliar e aperfeiçoar seu desempenho comunicativo.

A gramática existe não em função de si mesma, mas em função do que as pessoas falam, ouvem, leem e escrevem nas práticas sociais de uso da língua.

O conjunto de regras que, como se viu, constitui a gramática da língua, existe, apenas, com a única finalidade de estabelecer os padrões de uso, de funcionamento dessa língua. Ou seja, se as línguas existem para serem faladas e escritas, as gramáticas existem para regular os usos adequados e funcionais da fala e da escrita das línguas. Assim, nenhuma regra gramatical tem importância por si mesma. Nenhuma regra gramatical tem garantida a sua validade incondicional. O valor de qualquer regra gramatical deriva da sua aplicabilidade, da sua funcionalidade na construção dos atos sociais da comunicação verbal, aqui e agora. Por isso, tais regras são flexíveis, são mutáveis, dependem de como as pessoas as consideram. Assim, essas regras vêm e vão. Alteram-se, cada vez que os falantes descobrem alguma razão, mesmo inconsciente, para isso.

Em suma, se os falantes se subordinam à gramática da língua, para se fazerem entender socialmente, não deixam, contudo, de comandá-la, já que são eles que decidem o que fica e o que entra de novo e de diferente. Como muito bem lembra Millôr Fernandes, “Nenhuma língua morreu por falta de gramáticos. Algumas estagnaram por ausência de escritores. Nenhuma sobreviveu sem povo” (1994: 344).

A gramática reflete as diversidades geográficas, sociais e de registro da língua.

Mais acima, já adiantei um pouquinho o princípio de que não existe língua uniforme, com um único e inalterável padrão de funcionamento. Todas as línguas variam naturalmente de acordo com as diferentes condições da comunidade e do momento em que é falada. Variam as línguas de comunidades desenvolvidas, e variam as línguas de comunidades subdesenvolvidas. Sempre foi assim e sempre será. Admitir este princípio é o mesmo que admitir uma gramática também variável, flexível, adaptada e adequada às circunstâncias concretas em que a atuação linguística acontece. É o mesmo que admitir uma gramática cujas regras podem deixar de ser as “únicas regras certas” para incorporar outras opções de se dizer o mesmo. Um dos grandes mitos que se criou foi o de admitir uma única fórma “certa” de dizer uma coisa, de exprimir uma ideia. Vale a pena trazer aqui as palavras de bártes (1978: 24-25):

Censura-se frequentemente o escritor, o intelectual, por não escrever a língua de "toda a gente”. Mas é bom que os homens, no interior de um mesmo idioma reticências tenham várias línguas. Se eu fosse legislador, reticências longe de impor uma unificação do francês, quer burguesa, quer popular, eu encorajaria, pelo contrário, a aprendizagem simultânea de várias línguas francesas, com funções diversas promovidas à igualdade. reticências Essa liberdade é um luxo que toda sociedade deveria proporcionar a seus cidadãos: tantas linguagens quantos desejos houver. reticências Que uma língua, qualquer que seja, não reprima outra: que o sujeito futuro conheça, sem remorso, sem recalque, o gozo de ter a sua disposição duas instâncias de linguagem, que ele fale isto ou aquilo segundo as perversões, não segundo a Lei.

Mais ou menos o mesmo diz Mattoso Câmara (1977: 123), quando afirma:

Pode-se dizer, em essência, que o purismo consiste em imaginar a língua como uma espécie de água cristalina e pura, que não deve ser contaminada. Perde-se a noção de que ela é o meio de comunicação social por excelência, ou, para mantermos o símile, a água de uma turbina em incessante atividade e mais ou menos turva pela própria necessidade da sua função.

Ou seja, uma gramática de regras incondicionalmente rígidas foge à realidade com que a comunicação verbal ocorre e só é possível na descontextualização das frases isoladas e artificiais com que são fabricados os exercícios escolares. Só é possível se nós nos prendermos apenas ao que dizem certos manuais de gramática (por vezes, muito mais fiéis a conveniências de mercado) e não levarmos em conta o que, de fato, se diz e se escreve (os letrados, inclusive!) no dia a dia de nossa realidade.

Ao mito da invariabilidade das línguas, se junta o outro, da superioridade de certos falares: o das cidades, melhor que o das zonas rurais; o do Sudeste, melhor que o do Nordeste; o dos doutores, melhor que o das pessoas sem diplomas. Nisso acreditam muitos. E, muito frequentemente, até professores de português, sem questionamentos, como se isso fosse uma verdade incontestável, acima de todas as lógicas. A pesquisa realizada por Maria Auxiliadora Lustosa Coelho, na região pernambucana do submédio São Francisco, confirma muito bem essa percepção negativa do jeito de falar dos nordestinos: “Nordestino não sabe falar direito”, fala feio, não aprende a língua (1998: 113). O pior é que, na maioria das vezes, a escola ainda reforça, de muitas maneiras, essa visão negativa já tão entranhada no imaginário coletivo. Exatamente porque se desconhece o que, de fato, é uma língua e qual o lugar da gramática na constituição dessa língua.

A gramática existe em função da compreensão e da produção de textos orais e escritos.

Toda atuação verbal se dá através de textos, independentemente de sua função e de sua extensão. Ou seja, o óbvio (mas nem sempre levado em conta) é que ninguém fala ou escreve a não ser sob a fórma de textos, tenham eles esta ou aquela função, sejam eles curtos ou longos. Fazer e entender textos não é, assim, uma atividade eventual, alguma coisa que as pessoas fazem uma vez ou outra, em circunstâncias muito especiais (em dias de prova, por exemplo). É coisa que se faz todo dia, sempre que se fala ou sempre que se escreve.

Como se viu, saber falar e escrever uma língua supõe, também, saber a gramática dessa língua. Em desdobramento, supõe saber produzir e interpretar diferentes gêneros de textos. Consequentemente, é apenas no domínio do texto que as regularidades da gramática encontram inteira relevância e aplicabilidade.

Insisto em que convém saber distinguir entre “regra de gramática” e “nomenclatura gramatical”. As regras implicam o uso, destinam-se a ele, orientam a fórma de como dizer, para que este dizer seja interpretável e inteligível. A nomenclatura, diferentemente, corresponde aos “nomes” que as unidades, as categorias, os fenômenos da língua e suas classificações têm. Podem-se reconhecer os nomes que os elementos da língua têm (chamam-se substantivos, pronomes, verbos, dígrafos, ditongos, monossílabos etcétera.) e desconhecer as regras propriamente ditas de sua aplicação em textos. Nessa perspectiva, pode-se dizer que não é estudo da gramática propriamente dita o reconhecimento das diferenças, por exemplo, entre o “adjunto adnominal” e o “complemento nominal”, o reconhecimento do objeto direto preposicionado, do tipo de oração subordinada substantiva e outras particularidades semelhantes. Pelo que se pode ver em alguns manuais didáticos, é em torno dessas questões que se concentram as aulas de português. Mais: a maioria das pessoas, quando se referem ao ensino da gramática na escola, estão falando desse ensino da nomenclatura, da análise sintática e similares. E vão cobrá-lo das escolas, como se reconhecer as unidades e seus nomes fosse a condição fundamental para saber usá-las adequadamente. Nem mesmo as provas do vestibular, do enêm e de alguns outros concursos, feitas fundamentalmente em cima da compreensão de textos, têm conseguido fazer as pessoas entenderem qual a função da gramática de uma língua e deixar a obsessão pelo estudo da nomenclatura gramatical.

A questão que se coloca para o professor de português não é, portanto, como disse atrás, “ensinar ou não ensinar regras de gramática”. A questão maior é: que regras ensinar e em que perspectiva ensinar.

Não se justifica, portanto, a impressão (que é comum, mesmo entre alunos e pais de alunos) de que analisar textos, falados e escritos, é algo que as pessoas podem fazer sem ter em conta a gramática da língua. Ou que analisar textos falados e escritos é “atrasar o programa” e “não ir com a matéria pra frente”. Na verdade, tal impressão se explica pela prática escolar tradicional de analisar frases soltas e de, nessas análises, enxergar apenas as funções morfossintáticas de seus elementos e suas respectivas nomenclaturas. Qualquer ato de linguagem não é possível sem um certo dizer, o qual, sendo dizer, é necessariamente lexical, gramatical e contextual. Afinal, a produção do sentido é regida também pela gramática (conformeNeves, 2000a: 73).

A gramática da língua deve ser objeto de uma descrição rigorosa e consistente.

O conhecimento que o falante tem das regras que especificam o uso de sua língua é um conhecimento intuitivo, implícito, ou seja, não requer, em princípio, que se saiba explicitá-lo ou explicá-lo. No entanto, esse saber implícito acerca do uso da língua pode ser enriquecido e ampliado com o conhecimento explícito dessas mesmas regras. Esse é o objetivo das descrições gramaticais, ou seja, das descrições de como as regras da gramática se aplicam aos diversos contextos de uso da língua. Essas descrições, cada vez mais, se encontram não apenas nos compêndios específicos de gramática, mas também em trabalhos de linguistas que se aplicam aos mais diferentes objetos de pesquisa.20nota de rodapé

É evidente que o saber explícito das regras implicadas nos usos da língua constitui uma competência a mais que favorece o uso relevante e adequado da língua em textos orais e escritos. Só por isto vale a pena o esforço de explicitar tais regras.

Existem regras e descrições gramaticais que particularizam o uso da norma-padrão da língua ou o uso Iinguístico do grupo de prestígio da sociedade.

As variações gramaticais que, naturalmente, provêm das diferentes condições de uso da língua incluem aquelas que especificam a norma-padrão, ou seja, o uso linguístico de prestígio que predomina entre as pessoas com um grau mais alto de escolarização.

Em geral, o uso dessa norma é exigido em circunstâncias formais da atuação verbal, principalmente da atuação verbal pública, e representa, em algumas circunstâncias, uma condição de ascensão e uma marca de prestígio social. É, como tantas outras, uma fórma de coerção social do grupo, uma norma que dita o comportamento adequado. A conveniência de uso dessa norma de prestígio deriva, portanto, de exigências eminentemente sociais e não de razões propriamente Iinguísticas. Uma fórma linguística não é, em si mesma, melhor que outra. É, na verdade, mais (ou menos) adequada, dependendo das situações em que é usada.

A legitimidade desse princípio não justifica, no entanto, que se deixe de ver a natural mobilidade dessas regras e sua não menos natural indefinição. Não pretendamos que tais regras “permaneçam para sempre”. O uso, nunca aleatório, que as pessoas fazem delas é que determina sua validade ou não. Nem podemos decidir simplistamente sobre o que é de prestígio ou deixa de ser, mesmo tomando como referência a fala das pessoas consideradas escolarizadas e letradas; o que significa dizer que a questão da norma-padrão – ou da norma prestigiada – deve ser tratada com a maior cautela, sem os simplismos das percepções ingênuas, pouco consistentes e preconceituosas.

Implicações pedagógicas

O conjunto de princípios que fundamentam uma compreensão funcional e discursiva da gramática tem, também, as suas implicações pedagógicas. Tentando especificá-las, direi que o professor de português deverá ter o cuidado de trazer para a sala de aula:

  • Uma gramática que seja relevante – Para isso, deve selecionar noções e regras gramaticais que sejam, na verdade, relevantes, úteis e aplicáveis à compreensão e aos usos sociais da língua. Noções e regras que possam, sem dúvida, ampliar a competência comunicativa dos alunos para o exercício fluente e relevante da fala e da escrita.
  • Uma gramática que seja funcional – Com isso se pretende privilegiar o estudo das regras desses usos sociais da língua, quer dizer, de suas condições de aplicação em textos de diferentes gêneros. Deve-se propor, portanto, uma gramática que tenha como referência o funcionamento efetivo da língua, o qual, como se sabe, acontece não através de palavras e frases soltas, mas apenas mediante a condição do texto. Assim, o professor deve apresentar uma gramática que privilegie, de fato, a aplicabilidade real de suas regras, tendo em conta, inclusive, as especificidades de tais regras, conforme esteja em causa a língua falada ou a língua escrita, o uso formal ou o uso informal da língua. Não adianta muito saber os nomes que as conjunções têm. Adianta muito saber o sentido que elas expressam, as relações semânticas que elas sinalizam.
  • Uma gramática contextualizada – A gramática está naturalmente incluída na interação verbal, uma vez que ela é uma condição indispensável para a produção e interpretação de textos coerentes, relevantes e adequados socialmente. Tanto é assim que a questão, posta por alguns professores, texto ou gramática não passa de uma falsa questão. Na verdade, o professor deve encorajar e promover a produção e análise de textos, o mais frequentemente possível (diariamente!), levando o aluno a confrontar-se com circunstâncias de aplicação das regularidades estudadas.
  • Uma gramática que traga algum tipo de interesse – O estudo da gramática deve ser estimulante, desafiador, instigante, de maneira que se desfaça essa ideia errônea de que estudar a língua é, inevitavelmente, uma tarefa desinteressante, penosa e, quase sempre, adversa. Uma tarefa que se quer esquecer para sempre, logo que possível.
  • Uma gramática que liberte, que “solte” a palavra – A sala de aula de português deveria ser o espaço privilegiado para se incentivar a fluência linguística e neutralizar, assim, a postura prescritiva e corretiva com que a escola, tradicionalmente, tem encarado a produção dos alunos. Nesse sentido, vale a pena lembrar a conveniência de incentivar, oportunamente, as “transgressões funcionais”, ou a possibilidade de “subverter” as regras da língua para obter certos efeitos de sentido ou certas estratégias retóricas. (Há muitos textos em circulação, sobretudo textos publicitários, que possibilitam a análise de tais transgressões. Poderia lembrar o nome de um bloco de carnaval organizado por escritores pernambucanos, que tem como nome os dizeres: “Nóis sofre mais nóis goza”. Evidentemente, por ser de escritores e por ser para o carnaval, a agremiação não poderia escolher uma referência mais adequada e mais expressiva que esta. Ou seja, há contextos em que o “certo” pode estar na transgressão. A escola precisa explorar esse ponto.)
  • Uma gramática que prevê mais de uma norma – É de grande importância que se procure caracterizar, de fórma adequada, a norma-padrão como sendo a variedade socialmente prestigiada, mas não como sendo a única norma “certa”. “Certo” é aquilo que se diz na situação “certa” à pessoa “certa”. Não se pode deixar de perceber que, do ponto de vista da expressividade e da comunicabilidade, as normas estigmatizadas também têm seu valor, são contextualmente funcionais, não são aleatórias nem significam falta de inteligência de quem as usa.
  • Uma gramática, enfim, que é da língua, que é das pessoas – Nesse quadro, passa a ter sentido discernir o que é significativo para a experiência humana da interação verbal, interação que, se é linguística, é também gramatical. Isso, por si só, faz a gramática recobrar importância.

ANTUNES, Irandé. Assumindo a dimensão interacional da linguagem. ín: ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003. página 85-99.

Avaliação

Texto 6

A intervenção do professor como modo de regulação

reticências

Como todo treinador esportivo, o professor pode jogar com seus alunos, servir de destinatário potencial para eles, de parceiro competente, que difere dos outros porque seu objetivo é mais favorecer a aprendizagem do que ganhar uma partida ou mostrar sua habilidade. Nesse sentido, o professor é um parceiro específico, cuja lógica é otimizar a aprendizagem do outro, em vez de suas próprias vantagens na situação de comunicação. Porém, quando se fala de regulação interativa, no sentido dos trabalhos sobre a avaliação formativa (Allal, 1988a), não se trata mais somente de parceria inteligente. É uma intervenção sobre a própria construção dos conhecimentos, que frequentemente supõe uma mudança de registro, um parêntese metalinguístico ou um desvio por meio de uma instrumentação ou a consolidação de noções ou de competências parcialmente estranhas à tarefa em questão. Trabalhando com um aluno que redige um texto, o professor pode servir de parceiro para ele, de pessoa-fonte para clarear suas ideias e colocá-las em ordem, mas também pode intervir, em um nível metalinguístico, sobre os organizadores, os articuladores, as funções da pontuação, etcétera.

Tal funcionamento supõe competências e talvez instrumentos em matéria de observação e de intervenção. O essencial permanece sendo a disponibilidade do professor, função de uma organização de classe que não mobiliza três quartos de seu tempo, para administrar o sistema ou dirigir-se à totalidade dos alunos. As regulações interativas são inúteis se forem aleatórias e episódicas. Para torná-Ias densas e regulares, é necessário um sistema de trabalho bastante diferente do que se observa na maioria das classes secundárias e mesmo primárias. Nesse campo, o discurso didático não deveria passar a responsabilidade à pedagogia geral sob o pretexto de que se trata de administração de classe. É verdade que professores que pertencem a movimentos de escola ativa ou de nova escola podem buscar referências numa experiência interdisciplinar para organizar seu ensino diferenciado. Um militante do movimento Freinet não precisa sem dúvida de uma didática do francês para saber como organizar uma classe de modo cooperativo. Em contrapartida, para a maioria, a didática não deveria agir como se todos os professores soubessem se organizar de modo a não serem constantemente o centro das trocas de um grande grupo. Nesse sentido, um discurso didático consequentemente não pode permanecer mudo sobre a gestão da classe, a disposição dos espaços, o agrupamento dos alunos, a questão do poder e do contrôle social, etcétera.

O triângulo didático professor-aluno-saber não atinge somente pessoas, mas agentes coletivos. As relações que se estabelecem nesse triângulo não são de ordem puramente epistemológica, elas passam por uma organização do tempo e do espaço, por hábitos e por normas de trabalho e comunicação. A passagem a uma pedagogia ativa, cooperativa e diferenciada exige inúmeros lutos em relação à identidade habitual dos professores (Perrenôu, 1992a, 1996b).

A avaliação formativa apresenta-se então, antes de mais nada, sob a fórma de uma regulação interativa, isto é, de uma observação e de uma intervenção em tempo real, praticamente indissociáveis das interações didáticas propriamente ditas. reticências

Perrenôu, Filípe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.

Texto 7

Sobre o contrôle: avaliar a leitura e ensinar a ler

A avaliação é uma necessidade legítima da instituição escolar, é o instrumento que permite determinar em que medida o ensino está atingindo seus objetivos; em que medida foi possível comunicar aos alunos o que o professor pretendia. A avaliação da aprendizagem é imprescindível, porque oferece informações sobre o funcionamento das situações didáticas e, com isso, permite reorientar o ensino, fazer os ajustes necessários para avançar e para atingir os objetivos colocados.

No entanto, a prioridade da avaliação deve terminar ali, onde começa a prioridade do ensino. Quando a necessidade de avaliar predomina sobre os objetivos didáticos, quando – como ocorre no ensino tradicional da leitura – a exigência de controlar a aprendizagem se sobrepõe ao critério de seleção e hierarquização dos conteúdos, se produz uma redução no objeto de ensino, porque sua apresentação se limita àqueles aspectos que são mais suscetíveis de contrôle. Privilegiar a leitura em voz alta, propor sempre um mesmo texto para todos os alunos, eleger apenas fragmentos ou textos muito brevesreticências são estes alguns dos sintomas que mostram como a pressão da avaliação se impõe diante das necessidades do ensino e da aprendizagem.

Pôr em primeiro plano o propósito de formar leitores competentes nos levará, em troca, a promover a leitura de livros completos, embora não possamos controlar com exatidão tudo o que os alunos aprenderam ao lê-los; enfatizar esse propósito nos conduzirá, além do mais, a propor, em alguns casos, que cada aluno ou grupo de alunos leia um texto diferente, com o objetivo de favorecer a formação de critérios de seleção e de dar lugar às situações de relato mútuo, típicas do comportamento leitor, embora isso implique o risco de não poder corrigir todos os eventuais erros de interpretação; privilegiar os objetivos de ensino nos levará também a dar um lugar mais relevante às situações de leitura silenciosa, embora sejam de contrôle mais difícil que as atividades de leitura em voz alta.

Saber que o conhecimento é provisório, que os erros não se “fixam” e que tudo o que se aprende é objeto de sucessivas reorganizações, permite aceitar, com maior serenidade, a impossibilidade de controlar tudo. Oferecer aos alunos todas as oportunidades necessárias para que cheguem a ser leitores no pleno sentido da palavra coloca o desafio de elaborar – através da análise sobre o que ocorre durante as situações propostas – novos parâmetros de avaliação, novas fórmas de contrôle que permitam identificar os aspectos da leitura que se incorporam ao ensino.

Por outro lado, orientar a prática para a formação de leitores autônomos obriga a redefinir a distribuição dos direitos e deveres referentes à avaliação. Para cumprir esse objetivo é necessário que a avaliação deixe de ser uma função privativa do professor, porque formar leitores autônomos significa – entre outras coisas – capacitar os alunos para que possam decidir quando sua interpretação é correta e quando não é, estar atentos à coerência das suas interpretações e detectar possíveis inconsistências, interrogar o texto buscando pistas que validem esta ou aquela interpretação, ou que permitam determinar se uma contradição que eles detectaram se origina no texto ou em um erro de interpretação produzido por eles própriosreticências Trata-se, então, de oferecer às crianças oportunidades de construir estratégias de autocontrôle da leitura. Possibilitar essa construção requer que as situações de leitura coloquem os alunos diante do desafio de validar por si mesmos as suas interpretações e, para que isso ocorra, é necessário que o professor não manifeste de imediato sua opinião às crianças, que delegue a elas, provisoriamente, a função avaliativa.

Em vez de deixar apenas para o professor o contrôle da validade, compartilha-se isso com as crianças: durante certo tempo, ele não expressa tanto sua própria interpretação do texto quanto a sua opinião sobre as interpretações formuladas pelas crianças e incentiva que elas elaborem e confrontem argumentos, que validem (ou descartem) suas diferentes interpretações. No entanto, as intervenções que o professor faz durante esse período, em que se abstém de dar a sua opinião, são decisivas: quando percebe que as crianças persistem em não considerar algum dado relevante que está presente no texto, intervém indicando-o e colocando questões sobre sua relação com aspectos já considerados; quando considera que a origem das dificuldades de compreensão se devem à insuficiência de conhecimentos prévios, oferece toda a informação que considera pertinente; quando as prolongadas discussões do grupo demonstram que as crianças não relacionam o tema tratado no texto com conteúdos já conhecidos e que vale a pena explicitar, o professor atua como memória do grupo; quando predomina uma interpretação que ele considera errada, afirma que existe outra interpretação possível e desafia as crianças a procurá-la ou, então, propõe explicitamente outras interpretações (entre as quais a que ele considera mais aproximada), solicitando que determinem qual lhes parece mais válida e que justifiquem sua apreciação.

Finalmente, quando o professor considera que a aproximação realizada para a compreensão do texto é suficiente, ou que foram colocados em jogo todos os recursos possíveis para elaborar uma interpretação ajustada, valida aquela que considera correta, expressa a sua discrepância com as outras e explicita os argumentos que sustentam a sua opinião.

O professor continua tendo a última palavra, mas é importante que seja a última, e não a primeira, que seu juízo de validação seja emitido depois de os alunos terem tido a oportunidade de validar por si mesmos suas interpretações, de elaborar argumentos e de buscar indícios para verificar ou rejeitar as diferentes interpretações produzidas na classe. Esse processo de validação – de cocorreção e autocorreção exercida pelos alunos – faz parte do ensino, já que é essencial para o desenvolvimento de um comportamento leitor autônomo. A responsabilidade da avaliação continua ficando, em última instância, nas mãos do professor, já que somente a delega de maneira provisória, recuperando-a quando considera que essa delegação cumpriu sua função. Desse modo, é possível conciliar a formação de estratégias de autocontrôle da leitura com a necessidade institucional de distinguir claramente os papéis do professor e dos alunos.

reticências

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. São Paulo: Artmed, 2002.

A intervenção do professor como modo de regulação

Uma didática orientada para a regulação dos processos de aprendizagem não deposita muitas esperanças nas remediações maciças. Investe mais na regulação interativa no sentido definido por Allal (1998a): uma observação e uma intervenção em situação, quando a tarefa não está terminada, sendo o professor capaz e assumindo o risco de interferir nos processos de pensamento e de comunicação em curso.

reticências

Como todo treinador esportivo, o professor pode jogar com seus alunos, servir de destinatário potencial para eles, de parceiro competente, que difere dos outros porque seu objetivo é mais favorecer a aprendizagem do que ganhar uma partida ou mostrar sua habilidade. Nesse sentido, o professor é um parceiro específico, cuja lógica é otimizar a aprendizagem do outro, em vez de suas próprias vantagens na situação de comunicação. Porém, quando se fala de regulação interativa, no sentido dos trabalhos sobre a avaliação formativa (Allal, 1988a), não se trata mais somente de parceria inteligente. É uma intervenção sobre a própria construção dos conhecimentos, que frequentemente supõe uma mudança de registro, um parêntese metalinguístico ou um desvio por meio de uma instrumentação ou a consolidação de noções ou de competências parcialmente estranhos à tarefa em questão. Trabalhando com um aluno que redige um texto, o professor pode servir de parceiro para ele, de pessoa-fonte para clarear suas ideias e colocá-Ias em ordem, mas também pode intervir, em um nível metalinguístico, sobre os organizadores, os articuladores, as funções da pontuação etcétera.

Tal funcionamento supõe competências e talvez instrumentos em matéria de observação e de intervenção. O essencial permanece sendo a disponibilidade do professor, função de uma organização de classe que não mobiliza três quartos de seu tempo, para administrar o sistema ou dirigir-se à totalidade dos alunos. As regulações interativas são inúteis se forem aleatórias e episódicas. Para torná-Ias densas e regulares, é necessário um sistema de trabalho bastante diferente do que se observa na maioria das classes secundárias e mesmo primárias. Nesse campo, o discurso didático não deveria passar a responsabilidade à pedagogia geral sob o pretexto de que se trata de administração de classe. É verdade que professores que pertencem a movimentos de escola ativa ou de nova escola podem buscar referências numa experiência interdisciplinar para organizar seu ensino diferenciado. Um militante do movimento Freinet não precisa sem dúvida de uma didática do francês para saber como organizar uma classe de modo cooperativo. Em contrapartida, para a maioria, a didática não deveria agir como se todos os professores soubessem se organizar de modo a não serem constantemente o centro das trocas de um grande grupo. Nesse sentido, um discurso didático consequentemente não pode permanecer mudo sobre a gestão da classe, a disposição dos espaços, o agrupamento dos alunos, a questão do poder e do contrôle social etcétera.

O triângulo didático professor-aluno-saber não atinge somente pessoas, mas agentes coletivos. As relações que se estabelecem nesse triângulo não são de ordem puramente epistemológica, elas passam por uma organização do tempo e do espaço, por hábitos e por normas de trabalho e comunicação. A passagem a uma pedagogia ativa, cooperativa e diferenciada exige inúmeros lutos em relação à identidade habitual dos professores (Perrenôu, 1992a, 1996b).

A avaliação formativa apresenta-se então, antes de mais nada, sob a fórma de uma regulação interativa, isto é, de uma observação e de uma intervenção em tempo real, praticamente indissociáveis das interações didáticas propriamente ditas. reticências

Perrenôu, Filípe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Entre duas lógicas. Porto Alegre: artimédi, 1999.

Texto 8

Anísio Teixeira visão de educação integral

Para Anísio Teixeira, a educação escolar deveria voltar-se para a formação integral da criança. Neste sentido, deveria romper com todo o modo tradicional, livresco e seletivo de se trabalhar e adotar uma prática educativa que considerasse os interesses, as aptidões, as habilidades e a realidade social de cada aluno. Em um dos relatórios que Geribelo (1977, página 58) cita, apresentado ao governador da Bahia, em 1929, após a sua viagem aos Estados Unidos, Anísio expressa sua idéia de educação integral, ao afirmar em seu discurso, a necessidade da expansão do sistema escolar. Defendia um sistema que permitisse à criança estabelecer relações entre a programação desenvolvida na escola e as atividades do dia a dia dos alunos. Nomeou os métodos de ensino da época como “artificiais e livrescos”, cuja aplicação não desenvolvia a iniciativa do aluno nem permitia a sua participação ativa no processo ensino-aprendizagem. Os alunos, segundo ele, não obtinham informações sobre seus problemas, sua terra, sua gente e a escola não lhes ofereciam oportunidades para a formação de seu caráter.

Coerente ao pensamento a respeito dos fins da educação e em sua luta pela escola pública, Anísio Teixeira (1962, p. 23), denunciava que a expansão na oferta do ensino primário vivenciada no Brasil, nas décadas de 1920-1930, fóra marcada por uma “drástica redução de sua funcionalidade”. Quando a escola começou a se tornar verdadeiramente do povo, logo se fizeram os vários turnos de funcionamento das aulas: primeiro, segundo e terceiros turnos. E na crítica a esta situação defendeu a tese de que, justamente por estar recebendo os filhos das classes não abastadas da população, as atividades, desenvolvidas pela escola, deveriam estar voltadas para o oferecimento aos seus alunos de oportunidades completas de vida. Nesse aspecto, faz sentido pontuar o pensamento de Anísio Teixeira:

Porque a escola já não poderia ser a escola parcial de simples instrução dos filhos das famílias de classe média que ali iriam buscar a complementação a educação recebida em casa, em estreita afinidade com o programa escolar, nas instituições destinadas a educar, no sentido mais lato da palavrareticências já não poderia ser a escola dominantemente de instrução de antigamente, mas fazer às vezes da casa, da família, da classe social e por fim da escola propriamente dita. (1962, página 24).

Verifica-se, nesse discurso, uma visão ampliada dos fins da educação escolar. As expressões: a escola já não poderia ser parcial e educar no sentido mais lato, demonstram claramente a visão de que a educação a ser oferecida aos filhos da classe trabalhadora, que estavam adentrando a escola, por meio da ampliação da oferta no número de vagas, deveriam se dar de modo integral. Esses novos alunos precisavam de atendimento que extrapolasse a mera instrução. O atendimento escolar e educacional deveria ser capaz de propiciar e assumir aquilo que, em casa, a família não conseguia lhes oferecer.

Para Anísio Teixeira (1971), no intuito de atingir aos fins da educação, a escola deveria ser um ambiente bonito, moderno e acolhedor. O trabalho pedagógico deveria apaixonar tanto aos alunos quanto aos professores. Estes deveriam desenvolver suas atividades visando construir um “solidário destino humano, histórico e social”, com destaque para a liberdade de criação e em “permanente diálogo com a arte, concebida como conceito antropológico como defendia Mário de Andrade” (CLARICE NUNES, 2001, página 163).

Cavaliere (2000) ao discorrer sobre a educação integral relembra que tal concepção assumiu, na década de1930, diferentes projetos políticos e diferentes concepções filosóficas e ideológicas. Uma dessas concepções diz respeito ao recurso doutrinário de inculcar e educar as crianças, com o objetivo último de adaptá-las aos serviços e interesses do estado integral. Esta visão integralista representava um projeto autoritário de educação, uma vez que proporcionar educação e alfabetização para todos os indivíduos, equivaleria a formular a cura da nação, ou seja, a solução dos males, enfrentados, seguindo sempre os lemas da disciplina e da higiene.

Contrariamente a esse entendimento, a autora acima citada, destaca que Anísio Teixeira, ao defender o seu conceito ampliado de educação, não compartilhava de tal concepção doutrinária dos integralistas da década de 1930, para os quais era necessária uma educação integral para um homem integral, vinculado a uma crença higienista, que entendia a educação como ação capaz de propagar a doutrina integralista: seus valores de sofrimento, disciplina e obediência. A sua filosofia de educação encontra respaldo na corrente pragmatista de Duêi e representa uma ação libertadora e progressista que entende a educação como detentora de fôrça, capaz de libertar o homem e prepará-lo para a cidadania. Sobre a interpretação dada ao conceito de educação integral na obra de Anísio Teixeira, Cavaliere assim escreve:

Educação integral, significando uma educação escolar ampliada em suas tarefas sociais e culturais com o objetivo de reconstrução das bases sociais para o desenvolvimento democrático, o qual só poderia se dar a partir de indivíduos intencionalmente formados para a cooperação e a participação. (2000, página 1)

A defesa de Anísio Teixeira por uma escola com atividades ampliadas e voltadas à formação integral da personalidade e do caráter humano, segundo os ideais pragmatistas, capaz de impulsionar os destinos da nação, se junta à defesa de vários outros intelectuais. Intelectuais esses, que se uniram em prol de projetos de reformas no campo educacional e organizaram diversos debates e manifestações em busca de uma escola pública, estatal, gratuita e de qualidade. Uma escola que servisse a todos, principalmente aos mais carentes, economicamente. Assim é que, em 1932, lançaram um documento em defesa dessa escola: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Considerado um marco na história da educação brasileira, o Manifesto será aqui analisado no sentido de buscar nele as marcas da defesa de Anísio Teixeira pela educação integral.

Fonte: FRUTUOSO, C.; MACIEL, A. C.; TEIXEIRA, E. A. Princípios e concepções de educação integral no Brasil. In: dez Seminário Nacional do istêdiBê érre. Eixo: Ideias pedagógicas. Campinas, Unicamp, Faculdade de Educação, julho 2016.

Outros textos para subsídios teórico-metodológicos e práticas de ensino

Leitura e Produção

Texto 1

A entrada na juventude

A entrada na juventude – adolescência – é marcada por transformações biológicas, psicológicas e das fórmas de inserção social. Essas transformações são experimentadas pelos adolescentes de maneiras muito distintas, de acordo com o contexto social e cultural em que vivem e também segundo o seu histórico de vida pessoal.

O início da adolescência se caracteriza por modificações biológicas que ocorrem no corpo infantil: glândulas até então adormecidas começam a despejar seus hormônios, provocando crescimento acelerado, reestruturação das proporções ósseas e as transformações necessárias à reprodução. O adolescente sente-se mudando, vê seu corpo se transformando a tal velocidade que, muitas vezes, mal consegue reconhecer-se na imagem que o espelho lhe devolve. Surge a necessidade de renovação, de reestruturação da imagem de criança para jovem, de ocupação de novos espaços e experimentação de novas emoções.

O crescimento acelerado, conhecido como segundo estirão de crescimento, pode ser considerado marco exterior para o início da adolescência. Como consequência da velocidade em que se processa e por não ser sincrônico, o estirão de crescimento gera novas proporções que demandam tempo para ser assimiladas pelo adolescente. Com o crescimento desenfreado, ocorrem outros processos significativos: o aparecimento de pelos púbicos e axilares, modificações nos órgãos sexuais e nas proporções ósseas, a menarca (primeira menstruação) nas meninas e o início da ejaculação nos meninos, o surgimento dos seios e o arredondamento do corpo feminino. Essas mudanças mobilizam sentimentos ambíguos e até antagônicos: a alegria de se perceber como jovem mescla-se ao temor pelo desconhecimento da nova sensualidade.

A adolescência feminina, quando comparada à masculina, é precoce: meninas crescem primeiro, adquirem características sexuais e se interessam pela descoberta da própria sensualidade e sexualidade antes dos meninos. Mas essas são apenas as modificações biológicas, outras modificações compõem essa metamorfose: o adolescente começa a experimentar, juntamente ao reconhecimento do seu novo corpo, a consciên­cia de si em re­la­ção ao seu próprio passado, o seu presente e o seu futuro e a consciên­cia de si em relação ao outro. Como nas transformações biológicas, os tempos femininos são diferenciados dos masculinos, as meninas “amadurecem” primeiro.

O corpo adquire significado especial e mobiliza a atenção e emoções do adolescente. Questionamentos sobre como será sua nova imagem provocam temor, angústia e, dentro da ambivalência característica dessa fase, alegrias pela descoberta de novas emoções. Novas relações se estabelecem entre os sexos, os adolescentes iniciam um período de intensa experimentação de sua capacidade de atrair e ser atraído, há necessidade de concretizar novas possibilidades de relacionamentos. Surgem as primeiras paixões e a necessidade de falar sobre o amor, e as novas emoções que fazem os adolescentes sentirem necessidade de encontrar confidentes – os melhores amigos ou os diários – e experimentarem-se nas conversas, nos toques, nas insinuações, chamando a atenção para si.

A necessidade de falar sobre a sexualidade, entendendo-a e assumindo valores e atitudes, revela a importância de o projeto pedagógico da escola voltar-se às questões colocadas no documento Orientação Sexual.

A adolescência é um momento de constante oscilação. Os adolescentes querem e, ao mesmo tempo, temem ser independentes; querem ser adultos e crianças; querem namorar e brincar. Nesse período de ambivalência podem surgir saltos repentinos de humor: ora querem se unir a colegas que têm o mesmo sentimento, ora querem o isolamento total, podendo passar da euforia a uma indisposição difusa, sem causa aparente.

Este período também é marcado por novas possibilidades de compreensão do mundo em função do desenvolvimento do pensamento lógico-formal. O adolescente, em contato com situações estimulantes nos espaços de convivência e na escola, torna-se, gradativamente, capaz de formular hipóteses sofisticadas e de acompanhar e elaborar raciocínios complexos.

As novas possibilidades de compreender o mundo que são descortinadas provocam deslumbramento, mas também assustam. As fronteiras de seu horizonte se expandem, o que faz com que o mundo pareça cada vez mais complexo. O adolescente torna-se capaz de refletir sobre a dimensão social e de se ver como um indivíduo que dela participa, recebendo e exercendo influências. O exercício dessas novas fórmas de pensar, que possibilitam a abertura para novas ideias, é uma conquista fundamental para toda a vida.

Mas essas novas possibilidades estão em construção e por isso, muitas vezes, o adolescente não consegue sustentar seus argumentos e confunde suas hipóteses com “verdades”. A criança é capaz de se apaixonar por pessoas e objetos; o adolescente torna-se capaz de se apaixonar por ideias. O fascínio por essas ideias implica muitas vezes um apego vital a elas, provocando um fechamento para o diálogo com quem tem ideias di­fe­ren­tes das suas. Não é fácil, para ele, colocar-se no lugar do outro e poder entender diferentes pontos de vista como opiniões a serem respeitadas. Em função disso, as ideias e crenças dos adolescentes são normalmente pouco flexíveis, o que acaba por marcar um comportamento questionador e de discussões acaloradas.

É comum também a atenção do adolescente acompanhar o seu movimento de introspecção: em muitos momentos, a intensidade das novas emoções e descobertas concentra praticamente todas as suas atenções. Situações exteriores se tornam interessantes e atraentes quando possibilitam que o adolescente se posicione em relação a elas. É como se ele se perguntasse a toda hora “como eu me sinto e me vejo em relação a isso?”.

A ambivalência da adolescência pode ser difícil tanto para os adolescentes como para quem convive com eles. Os adultos, acostumados com sua imagem infantil, não os reconhecem na sua nova situação e assumem, tal como os adolescentes, posições ambíguas: pais e professores esperam, em certas ocasiões, que se comportem como adultos, enquanto, em outros momentos, não hesitam em tratá-los como crianças.

Na adolescência, a oposição ao outro aparece como uma necessidade para o próprio reconhecimento de si. Ao comparar-se com o outro, o adolescente mapeia semelhanças, diferenças, novos modos de ser e pensar, ampliando seu repertório de possibilidades para a reconstrução da imagem que tem de si mesmo. Nessa oposição curiosa, está procurando se encontrar, se posicionar.

Esta oposição muitas vezes torna difíceis as relações entre adultos e adolescentes e é comum que adultos refiram-se aos adolescentes como “aborrecentes”, como aqueles que “reclamam só por reclamar”. Esse estereótipo em nada facilita a relação, pois, a partir dele, os adultos desqualificam as ideias e opiniões dos adolescentes, eximindo-se de escutá-los atentamente e truncando ainda mais o já difícil diálogo.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental: introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, Distrito Federal: Méqui/ésse ê éfe, 1998. página 112-114.

Texto 2

Modos de apropriação do gênero debate regrado na escola: uma abordagem aplicada

reticências

O gênero debate regrado como objeto de ensino

O gênero debate foi objeto de interesse de vários estudos. No que respeita particularmente a sua consideração como objeto de ensino, o debate ganhou ampla teorização por meio das investigações propostas pela equipe de Didática de Línguas da Seção de Ciências da Educação da Universidade de Genebra (volume De Pietro, Erard e Canemam Pugatchi, 1997; De Pietro e Chinêuli, 1999; Dólz e Chinêuli, 1998; Dólz, Moro e Pollo, 2000; Chinêuli e Dólz, 2004). O que de comum vincula esses estudos é exatamente a dimensão didática de que se investe a reflexão sobre o gênero. Trata-se de um interesse que busca não apenas descrever e analisar os modos de apropriação do gênero no contexto escolar, mas também refletir sobre as implicações que o conhecimento desses modos de apropriação pode trazer para o incremento das práticas de ensino-aprendizagem de língua. Nessa direção, a dimensão didática dos estudos mencionados consiste também em uma dimensão propositiva, e mesmo intervencionista, na medida em que investigar as práticas de apropriação supõe a reflexão sobre alternativas de intervenção didática.

Na abordagem que fazem do debate regrado21nota de rodapé , os autores estão de acordo que a variante escolar do debate deve privilegiar mais a construção conjunta de um ponto de vista sobre um assunto do que as dimensões polêmicas do debate. Dólz e Chinêuli (1998), por exemplo, ao descreverem e analisarem intervenções didáticas voltadas para o ensino-aprendizagem do debate, definem o gênero como “uma discussão que se plasma [qui porte] sobre argumentos”, e mais, como “a construção conjunta de uma resposta complexa a [uma] questão”. Com base nessa definição geral, os autores assinalam que

Um debate público se volta sempre para uma questão controversa e permite a intervenção de diversos parceiros que exprimem suas opiniões ou atitudes, tentando modificar aquelas dos outros pelo ajuste das suas próprias, em vista, idealmente, de construir uma resposta comum à questão inicial. Pode ser chamado de regrado quando um moderador gere e estrutura seu desenrolar evidenciando a posição de diferentes debatedores, facilitando as trocas entre eles e tentando eventualmente arbitrar os conflitos e conciliar as posições opostas. Desse ponto de vista, o moderador não assume somente o papel de mediador entre os participantes, mas também (e, às vezes, principalmente) entre os participantes e o auditório. (Dólz e Chinêuli, 1998: 166).

Em outros termos, para que haja um debate faz-se necessário:

  • a presença de um argumento que baseia uma posição positiva ou negativa em relação à questão inicial do debate: (posição a favor ou contra a mistura na escola);
  • seu estatuto quanto ao que foi dito anteriormente: concordância, apoio com ou sem aprofundamento ou, ao contrário, desacordo, refutação etcétera.
  • a maneira com que se vincula argumento e posição: ilustração, exemplo, recurso aos fatos, recurso às “leis” (naturais, sociais, lógicas, jurídicas, etcétera.), experiência, causalidade, significação, etcétera. (Dólz e Chinêuli, 1998: 167-8).

Em direção similar à dos autores mencionados, De Pietro, êrrard e Canemam Pugatchi (1997) enfatizam o estatuto “modelizado” de que se investe o gênero quando de sua consideração como um gênero a ser ensinado. Nessa direção, os autores descrevem o percurso metodológico de construção exatamente do que chamam de modelo didático do gênero. A construção de um tal modelo orienta-se segundo um movimento que inicia na constituição de um saber sobre o que os alunos já conhecem sobre o gênero e se articula com a análise das características de debates que ocorrem em espaços sociais que não a escola. A esses procedimentos, acrescem-se os aportes de teorias que tomaram o debate – e principalmente a dimensão argumentativa dele constitutiva – como objeto de investigação. Com base nessas informações, os autores propõem a caracterização do que seria um modelo “ensinável” do gênero. É um tal modelo que permite a construção de sequências didáticas de ensino-aprendizagem do gênero em questão e a diferenciação dessas sequências conforme o grau de letramento escolar em que se encontram os alunos.

Dólz, Moro e Pollo (2000), por sua vez, enfocam exatamente o processo de apropriação do gênero no quadro de uma sequência didática. Trata-se de um estudo comparativo que enfatiza os efeitos do ensino do gênero na apropriação de determinadas capacidades de linguagem pelos alunos. Nessa direção, os autores descrevem e analisam os modos de produção de um debate, antes e depois da implementação de uma intervenção didática.

Finalmente, o estudo de De Pietro e Chinêuli (1999), ao analisar os modos com que os alunos se voltam para sua própria produção linguageira no contexto de atividades de ordem metalinguística centradas no gênero debate, busca discutir, de um ponto de vista ao mesmo tempo teórico, metodológico e epistemológico, o problema maior da transposição didática dos gêneros para as práticas didáticas. Os autores assinalam a importância do processo de modelização didática no ensino-aprendizagem de um gênero. A modelização permitiria, assim, a inscrição do gênero – investido de uma forma escolar – no sistema escolar de disciplinarização, o que traz implicações significativas no percurso de desenvolvimento dos alunos.

reticências

GOMES-SANTOS, Sandoval Nonato. Modos de apropriação do gênero debate regrado na escola: uma abordagem aplicada. DELTA – Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, volume 25, página 39-66, 2009. Disponível em: https://oeds.link/N2wIql. Acesso em: 28 abril 2022.

Texto 3

Linguagem oral e linguagem escrita: novas perspectivas de discussão

Começando a conversa

O ensino da linguagem oral na tradição escolar tem sido compreendido de várias fórmas. Ele passa por momentos de livre expressão do aluno sobre assuntos pessoais ou variados, por discussões coletivas sobre conteúdos focalizados em sala de aula, por trocas de opiniões, pela leitura oral de textos, pela declamação de poemas e a realização de jograis e até pela oportunidade de problematizar as questões relativas ao grau de formalidade das falas ou à variedade linguística.

Nessa perspectiva, esse assunto é entendido e organizado em situações destinadas a ensinar:

  • a conversar e se expressar sem compromisso;
  • a oralizar textos escritos;
  • que a pouca formalidade dos textos e falas deve ser corrigida, assim como deve ser evitada a utilização de dialetos, gírias, etcétera.

Para esse tipo de ensino, a escola apresenta situações que demandam dos alunos que:

  • estudem determinados temas e que os exponham aos demais oralmente;
  • organizem seminários a respeito de assuntos específicos;
  • participem de debates;
  • façam apresentações de trabalhos em feiras escolares (de Ciências, mostra de trabalhos desenvolvidos durante o ano letivo, feiras temáticas);
  • assistam a mesas-redondas etcétera.

Como consequência dessa maneira de compreender o ensino de linguagem oral, tem-se uma prática escolar esvaziada de conteúdo e de objeto de ensino. Uma prática que se baseia no pressuposto de que a escola deve ensinar a falar, mas que se esquece de levar em conta as situações comunicativas nas quais a interação verbal oral acontece e que não considera que os enunciados organizam-se, inevitavelmente, em gêneros, fórmas estáveis que circulam socialmente e têm a função de organizar o que se diz.

Dessa fórma, parece que o importante nas atividades de uso da língua oral é ensinar os alunos a falarem bem, com boa dicção e com clareza. Como se produzir um seminário fosse a mesma coisa que participar de um debate, assistir a uma mesa-redonda ou expor informações a respeito de determinado tema.

Então, afinal, com o que se deve preocupar, de fato, o ensino da linguagem oral? O que deve ser priorizado no trabalho educativo? Para começar, qualquer mudança nessa prática há de considerar as especificidades das situações de comunicação e dos gêneros nos quais qualquer enunciado se organiza, inevitavelmente, seja ele oral ou escrito.

Linguagem oral e linguagem escrita: novos rumos

O ensino de linguagem oral, hoje, tem sido foco de muitas discussões, sobretudo a partir da compreensão da linguagem como atividade discursiva, como processo de interação verbal pelo qual as pessoas se comunicam umas com as outras por meio de textos – orais ou escritos – organizados, inevitavelmente, em gêneros.

Essa fórma de entender o processo da linguagem tem alterado a visão tradicional a respeito do tema, que acabava por estabelecer características rígidas que distanciam a linguagem oral da escrita.

QUADRO COMPARATIVO ENTRE AS CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM ORAL E DA LINGUAGEM ESCRITA

Linguagem escrita

Linguagem oral

Seu suporte é gráfico (é veiculada graficamente); é registrada por escrito.

Seu suporte é sonoro (é veiculada por meio do som); é falada.

É produzida na ausência física do interlocutor.

É produzida na presença física do interlocutor.

Não conta com o recurso gestual-corporal.

Os sentidos do que se fala são construídos articulando-se fala com todo o gestual corporal.

Utiliza a variedade padrão* da língua.

Não utiliza a variedade padrão da língua.

Utiliza registro mais formal.

Utiliza registro mais coloquial.

Não possibilita troca de turnos imediata entre os interlocutores.

Possibilita alternância de turnos imediata entre os interlocutores.

É planejada.

É espontânea.

O discurso é mais preciso e completo.

O discurso é mais fragmentado e incompleto.

É menos dependente do contexto.

É totalmente dependente do contexto.

Possui mais prestígio na cultura.

É menos valorizada na cultura.

variedade padrãoAnota de rodapé

Por exemplo, diz-se que a linguagem escrita costuma utilizar a variedade padrão da língua, enquanto que a oral, não. Será que é sempre assim que as coisas acontecem?

Ao analisar, nas práticas sociais de linguagem, as situa­ções reais de interlocução, é possível verificar que essa caracterização polarizada – de um lado, linguagem oral e, de outro, escrita – não se sustenta. Há, na verdade, impregnação entre uma e outra, como acontece em diversas situações de comunicação. Alguns exemplos:

Conferência acadêmica – Um conferencista prepara antecipadamente sua apresentação, decidindo os aspectos a serem abordados – fatos, exemplos, argumentos, contra­‑argumentos – e os recursos que serão utilizados – exibição de vídeos ou slides, utilização de telão, modelos. 

Assim organizará sua fala, articulando o que será exposto com os recursos disponíveis. Será preciso ordená-lo do ponto de vista do discurso, selecionando o registro adequado, que, certamente, será mais formal, dada a situação de comunicação e o tipo de público (interlocutores).

Nesse lugar, a fala do professor, para ter legitimidade e ser reconhecida, precisará ter consistência teórica, ser adequada, ter lógica nos argumentos e nos exemplos. Será uma linguagem técnico-científica e com um registro mais formal.

Como se vê, temos uma situação de produção de discurso oral. No entanto, se observarmos as características apresentadas, identificaremos várias discrepâncias em relação ao que, em geral, se diz da linguagem oral:

  • a fala foi planejada previamente;
  • o registro será formal, e poderão ser utilizados recursos e apoios escritos para o conferencista;
  • a fala tenderá a ser completa e precisa;
  • utilizará a variedade padrão de linguagem.

Programa musical de tê vê para adolescentes – Um redator da emissora escreve um texto dirigido a adolescentes para ser lido pelo apresentador em um teleprompter. Busca-se, nessa situação, criar um efeito de oralidade e, dessa fórma, o registro utilizado é o mais informal possível, tendendo à utilização de gíria.

Nessa situação, existem também características especiais:

  • trata-se de um discurso falado, mas que parte de um discurso escrito;
  • foi planejado antecipadamente, em função das condições de produção;
  • embora seja um discurso escrito e o registro não seja formal, tende à utilização da variedade culta da linguagem;
  • mesmo sendo um discurso escrito que será lido, o telespectador poderá contar com os gestos do apresentador no processo de atribuição de sentidos;
  • não haverá preocupação com o rigor e completude do discurso;
  • no processo de oralização, não será possível contar com a presença física do interlocutor.

Programa de rádio – Um redator que escreve o texto a ser lido pelo apresentador e, como se busca um efeito de oralidade, o registro a ser utilizado será informal – com utilização de gírias – embora organizado na variedade padrão da linguagem.

  • o discurso será ouvido pelos interlocutores, embora seja lido pelo apresentador (quer dizer, apesar de discurso escrito, no processo de oralização, o suporte passará a ser o fônico, da perspectiva do ouvinte da emissora de rádio);
  • embora seja falado, o discurso não poderá contar com o gestual corporal, já que será veiculado por rádio;
  • mesmo sendo discurso escrito, será coloquial e não terá nenhuma preocupação com a exatidão ou completude;
  • não contará com a presença física do interlocutor no processo de oralização do texto.

O que é comum entre a linguagem oral e a linguagem escrita? E o que diferencia uma da outra?

Autores como Chinêuli (1997) e bártes e martí (1987) defendem que o traço diferencial mais importante entre a palavra falada e a escrita encontra-se na relação que o sujeito enunciador estabelece com os parâmetros da situação social e material de produção do discurso (lugar de produção do texto/discurso, interlocutores, temas, finalidade do texto/discurso).

Afirma Chinêuli que

o oral não existe; existem orais: atividades de linguagem realizadas oralmente; gêneros que se praticam essencialmente por meio da oralidade. Ou então atividades de linguagem que combinam o oral e o escrito. De fato, há pouco em comum entre a performance de um orador e a conversação cotidiana; entre a tomada de turno num debate formal e numa discussão de grupo de trabalho; entre uma aula dada e uma explicação dada numa situação de interação imediata; entre a recontagem de um conto em sala de aula e a narrativa de uma aventura no pátio do recreio. Os meios linguísticos diferem fundamentalmente; as estruturas sintáticas e textuais são diferentes; a utilização da voz, sempre presente, também se faz diferente; e também a relação com a escrita é específica em cada caso (Chinêuli, 1997, citado por rôjo, 199922nota de rodapé ).

Ao analisar as situações de comunicação escrita, rôjo [1999] estabelece um paralelo:

É claro que o mesmo poderia ser dito para os escritos: também há pouco em comum entre uma carta pessoal e um requerimento; entre o diálogo num sketch e num romance; entre uma carta de reclamação, uma carta aberta e um editorial ou um artigo de opinião; entre uma resenha e um verbete de enciclopédia; entre um diário íntimo e um texto histórico. A cada vez, os temas, as fórmas composicionais, os estilos e as relações ao oral serão diferenciadas.

Como se vê, segundo esses autores, as relações existentes entre linguagem oral e linguagem escrita precisam ser pensadas discursivamente. Isso quer dizer que é necessário considerar as condições efetivas de produção dos discursos, levando-se em conta que, nas práticas de linguagem, os discursos escritos mantêm relações complexas com os discursos orais. Veja-se, por exemplo, os aspectos da presença física do interlocutor e do processo de planejamento do discurso.

A presença física do interlocutor tem consequências interessantes para o processo de produção do discurso. Quando se trata do discurso escrito impresso, se o interlocutor estiver ausente fisicamente, caberá ao produtor/autor tentar garantir que seu texto (discurso) seja eficaz; ou seja, será preciso planejá-lo antecipadamente, procurando prever possíveis interpretações, dúvidas ou refutações do leitor.

Dessa fórma, poderá utilizar recursos linguísticos que melhor garantam a construção dos sentidos que o autor pretende, já que não lhe será possível presenciar as reações do interlocutor para esclarecer possíveis interpretações não pretendidas.

Quando se trata de um discurso oral a ser produzido na presença física do interlocutor, é possível ao produtor planejar ao mesmo tempo que produz, já que ele poderá presenciar as reações imediatas de seus interlocutores e, em decorrência delas, reajustar seu discurso, esclarecendo, explicando, exemplificando, reorganizando a fala.

Assim, não se pode afirmar categoricamente que a escrita é planejada e a fala é espontânea. O planejamento sempre acontece. O que é diferente é a condição na qual este se realiza: ou durante o processo de produção do texto ou previamente em relação a ele.

É preciso considerar, também, que há condições de produção de discurso oral que não possibilitam a presença física do interlocutor, como uma entrevista radiofônica. Nessa situação, com entrevistado e entrevistador presentes ao mesmo tempo no estúdio e interagindo verbalmente entre si, têm como interlocutor fundamental o ouvinte da emissora, que não se encontra presente no contexto imediato de interlocução.

Dessa fórma, se se analisar o discurso da perspectiva do entrevistador, veremos que se trata de um discurso planejado antecipadamente, muitas vezes orientado por fichas escritas, que contêm questões elaboradas ou pelo entrevistador ou pela sua equipe de produção. Por outro lado, do ponto de vista do entrevistado, há um grau muito menor de planejamento prévio, pois o discurso, na maioria das vezes, será organizado a partir de perguntas desconhecidas (ainda que se possa conhecer antecipadamente os assuntos/temas que serão abordados). No entanto, é possível considerar, também, que o entrevistado poderá guiar-se pelas reações do entrevistador ou da assistência presente – plateia, acompanhantes, assessores, etcétera. –, ainda que esses não estejam visíveis ou audíveis para os (tele)espectadores em geral.

Ao considerar estes aspectos, é possível afirmar que tanto fala quanto escrita são planejadas. O que as difere é o grau e o tipo de planejamento que se faz, o que é determinado pelo contexto de produção do discurso.

A escolha do registro linguístico

Do mesmo modo, não podemos dizer que a fala é menos formal que a escrita, já que a escolha de como organizar essa fala é feita em consequência do:

  • gênero do discurso;
  • lugar em que esse discurso circulará.

O lugar de circulação do discurso determina sua audiência. Esse fator, articulado com a escolha do gênero no qual o discurso se organizará, determina as escolhas linguísticas que serão feitas para que esse discurso possa ser reconhecido e legitimado por essa audiência. Entre essas escolhas inclui-se a do registro.

Uma palestra acadêmica, por exemplo – quer seu público seja constituído por estudantes, quer por importantes pesquisadores –, será sempre organizada em um registro mais formal do que uma conversa cotidiana entre amigos e será sempre planejada previamente, e com mais rigor do que a conversa. Caso contrário, a palestra pode ser desqualificada por causa do emprego inadequado da linguagem e a conversa pode ser considerada “chata” e seu interlocutor “arrogante”.

Uma conversa telefônica, igualmente, dependendo da sua finalidade e de seu interlocutor, será organizada em registros bastante diferentes: se se tratar de formalizar um convite para participação de um evento acadêmico ou se se tratar de marcar horário para fechamento de um contrato profissional, o registro será mais formal do que no caso de uma conversa íntima entre amigos ou familiares.

Produção e publicação

Também não podemos afirmar que a escrita é mais completa e precisa do que a fala, ou que independe mais do contexto do que a fala, ou, ainda, que tem maior prestígio. O que podemos dizer é que o discurso escrito impresso requer a utilização de recursos diferentes porque suas condições de produção assim o exigem. Não é possível, por exemplo, deixar uma frase para ser completada com um gesto, em um discurso escrito impresso, já que o gesto não se escreve e o interlocutor não estará presente fisicamente.

No entanto, é perfeitamente adequado, em um discurso produzido oralmente, que a pergunta “Você sabe onde é que estava aquele livro?” seja respondida por “Eu acho que estava bem ali”, e que ambas, pergunta e resposta, sejam acompanhadas por um gesto de apontar que não deixe a menor dúvida sobre de qual livro se fala e a qual local a resposta se refere.

Da mesma fórma, não podemos dizer que a fala é mais dependente do contexto do que a escrita, pois os contextos de produção de ambas são diferentes.

No discurso escrito impresso, dois contextos contribuem para a construção dos sentidos: o de produção e o de publicação.

  • O de produção é construído pelo produtor antes do momento da publicação do texto.
  • O de publicação é constituído no processo de editoração e de submissão do discurso ao projeto gráfico-editorial do portador (revista, jornal, livro, etcétera.) no qual circulará.

É nessa ocasião que se inserem elementos que serão articulados ao texto, como imagens, espaços, gráficos, fotografias, símbolos, posição em relação a outros textos. O contexto de publicação adquire significado pelo leitor, que passa a constituir os sentidos do texto no momento da leitura, ao articular texto e elementos do contexto.

No discurso oral, o momento de produção e o de publicação coincidem, sendo os elementos extraverbais (gestos, slides, gráficos, entonação, “falas” que o precederam, etcétera.) articulados concomitantemente ao elemento verbal.

O suporte sonoro e o suporte gráfico da linguagem escrita e da oral

Um último aspecto a ser considerado é o que se refere ao suporte gráfico ou sonoro (fônico) da linguagem. É muito comum a linguagem escrita ser confundida com sua manifestação gráfica – e, nessa perspectiva, qualquer discurso impresso seria considerado linguagem escrita – e a linguagem oral ser confundida com sua manifestação fônica – e, nessa perspectiva, qualquer discurso falado seria considerado linguagem oral. 

A linguagem escrita, por conta de suas especificidades, não se manifesta, unicamente, de maneira gráfica ou impressa. As notícias (ou mesmo os comentários críticos e as crônicas) de um jornal televisivo ou radiofônico são exemplos de discursos escritos oralizados: são escritos e lidos pelos jornalistas apresentadores dos programas. No caso da tê vê, os textos são dispostos por escrito no TelePrompTer para que o apresentador os leia.

Em todos esses exemplos os textos são sempre registrados por escrito e terão o grau de formalidade ajustado de acordo com o telespectador/audiência. No entanto, embora sejam orais, nenhum dos textos – da tê vê ou do rádio – terá frases cujo sentido tenha de ser complementado com recursos gestuais.

Portanto, não é condição para que a linguagem seja caracterizada como escrita que seja registrada graficamente. É possível contar uma história utilizando a linguagem escrita, ainda que contar seja uma atividade oral.

Como se vê, a linguagem escrita não se reduz ao escrito, ao grafado, ao traçado. Logo, o grafado não pode ser utilizado como critério que diferencia linguagem oral e linguagem escrita.

Da mesma maneira, não se pode confundir a linguagem oral com fala ou oralização da linguagem; o som não pode ser usado como critério que diferencia linguagem oral de linguagem escrita.

Nessa perspectiva, mais que considerar o suporte gráfico ou fônico da linguagem escrita ou oral, é preciso levar em conta que os discursos são produzidos em determinadas circunstâncias e organizados em determinados gêneros.

Linguagem escrita e oral: inter-relações e diferenças

As inter-relações existentes entre linguagem oral e linguagem escrita são decorrentes, portanto, das condições nas quais os discursos são produzidos:

  • do lugar em que circularão;
  • do lugar social que ocupam produtor e interlocutor (e da imagem que o primeiro constituiu acerca do segundo);
  • da finalidade colocada;
  • do gênero no qual será organizado.

No entanto, há diferenças entre as duas linguagens. As mais marcantes são:

  • o processo de planejamento do discurso – que, no caso da linguagem oral, é concomitante ao momento da produção, ainda que possa ser sustentado por esquemas prévios;
  • a relação entre o momento de produção e o de publicação do discurso – que, no caso do discurso oral, é de concomitância e coincidência;
  • a presença física do interlocutor – típica da linguagem oral.

Bráclin, Kátia Lomba. Linguagem oral e linguagem escrita: novas perspectivas de discussão. Disponível em: https://oeds.link/2k3gTR. Acesso em: 28 abril 2022.

Práticas artístico-literárias

Texto

Escola, biblioteca e leitura

Maria da Conceição Carvalho mccarv@eci.ufmg.br

A importância da leitura no processo educativo é inquestionável. Essa certeza une pais e professores na convicção de que ler é bom e que, portanto, a criança deve aprender a gostar de ler. Mas o que nem sempre está formulado como questão objetiva por estes mesmos pais e educadores é: que tipo de leitores a escola está formando hoje?

Sabe-se que, de um lado, a busca de métodos mais eficientes para ensinar a ler tem sido uma constante nas pesquisas educacionais, propiciando avanços significativos na prática da alfabetização, enquanto, paralelamente, a escola procura trabalhar as competências de leitura, esperando que a criança encontre significados no que lê. Além disso, a explosão do mercado editorial infantojuvenil faz chegar ao público jovem um sem-número de títulos novos a cada ano, ampliando, à primeira vista, as possibilidades de escolha do que ler.

Mas os esforços, tanto da escola quanto dos programas governamentais, de incentivo à leitura não têm, de maneira geral, conseguido transformar a criança e o jovem que leem em leitores críticos. De acordo com Edmir Perrotti, professor da USP e um dos mais importantes especialistas em estudos sobre leitura no país, a questão da formação de leitores na escola abarca, basicamente, duas ordens de problemas, nem sempre trabalhados em profundidade: a primeira, questão de fundo, refere-se ao tratamento dado à infância que, via de regra, é considerada mera consumidora do mundo criado pelo adulto; a segunda relaciona-se com o acesso ao livro e à leitura, e implica a existência de uma boa escola, bibliotecas funcionando de verdade, sob a direção de um bibliotecário habilitado, bons livros, acesso a boas fontes de informação. Nesse sentido, enxergar a criança como sujeito da cultura, capaz de criar e de reelaborar informações e experiências dentro do processo educativo promovido pela escola, significa algo mais do que desenvolver habilidades de decifrar o código linguístico e garantir (ou obrigar?) o acesso ao livro e à informação.

O papel da biblioteca escolar nesse processo de formação do leitor crítico deve ser repensado. Um número significativo de pesquisas tem revelado o equívoco das políticas e das atividades de promoção de leitura que partem do princípio de que o importante é ler, não importa o quê; é colocar o livro na mão da criança a qualquer custo; é criar o “hábito” de leitura através de “técnicas” de animação, de jogos, de fichas de leiturareticências A criança pode até divertir-se por algum tempo com a leitura e os jogos em torno dela, mas, pensa Perrotti, sem um quadro de referências culturais compartilhadas, o ato de ler dificilmente significará alguma coisa essencial em sua vida. A biblioteca escolar pode, sim, ser o local onde se fórma o leitor crítico, aquele que seguirá vida afora buscando ampliar suas experiências existenciais através da leitura. Mas, para tanto, deve ser pensada como um espaço de criação e de compartilhamento de experiências, um espaço de produção cultural em que crianças e jovens sejam criadoras e não apenas consumidoras de cultura. Três elementos estruturam esse novo conceito de biblioteca como lugar de formação de leitores: uma coleção de livros e outros materiais, bem selecionada e atualizada; um ambiente físico concebido como espaço de comunicação e não apenas de informação, que leve em conta a corporalidade da leitura da criança e do adolescente, isto é, os seus modos de ler; e por último, mas não menos importante no processo de promoção da leitura, a figura do mediador.

O bibliotecário e o professor mediadores da leitura devem ser, eles próprios, leitores críticos capazes de distinguir, no momento da seleção e da indicação de livros, a boa literatura infantil e juvenil daquela “encomendada”, com aparência moderna, engajada, mas totalmente circunstancial, cuja fórmula simplificada, abusivamente repetida, desprepara o leitor em formação para a aceitação de outros textos, mais complexos, no futuro. Além desse conhecimento propriamente teórico, o mediador deve estar preparado para o confronto sempre renovado com a criança e o jovem através da literatura, sem cobranças mecânicas de compreensão do texto lido e sem fórmulas rígidas de indicação por idade.

A escola que pretenda investir na leitura como ato verdadeiramente cultural não pode ignorar a importância de uma biblioteca aberta, interativa, espaço livre para a expressão genuína da criança e do jovem. Lugar, insistimos, para se gestar e praticar a troca espontânea que a leitura crítica proporciona, a leitura que inquieta, que faz pensar e relembrar num autêntico processo de comunicação, cujo resultado é, sem dúvida, dos mais compensadores para as pessoas nele envolvidas, adultos e crianças, mediadores e leitores em formação.

CARVALHO, Maria da Conceição. Escola, biblioteca e leitura. ín: CAMPELLO, Bernadete Santos. A biblioteca escolar: temas para uma prática pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

Estudos Linguísticos e Gramaticais

Texto 1

Nada na língua é por acaso: ciência e senso comum na educação em língua materna

Quando o assunto é língua, existem na sociedade duas ordens de discurso que se contrapõem: (1) o discurso científico, embasado nas teorias da Linguística moderna, que trabalha com as noções de variação e mudança; e (2) o discurso do senso comum, impregnado de concepções arcaicas sobre a linguagem e de preconceitos sociais fortemente arraigados, que opera com a noção de erro.

Para as ciências da linguagem, não existe erro na língua. Se a língua é entendida como um sistema de sons e significados que se organizam sintaticamente para permitir a interação humana, toda e qualquer manifestação linguística cumpre essa função plenamente. A noção de “erro” se prende a fenômenos sociais e culturais, que não estão incluídos no campo de interesse da Linguística propriamente dita, isto é, da ciência que estuda a língua “em si mesma”, em seus aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos. Para analisar as origens e as consequências da noção de “erro” na história das línguas será preciso recorrer a uma outra ciência, necessariamente interdisciplinar, a Sociolinguística, entendida aqui, em sentido muito amplo, como o estudo das relações sociais intermediadas pela linguagem.

A noção de “erro” em língua nasce, no mundo ocidental, junto com as primeiras descrições sistemáticas de uma língua (a grega), empreendidas no mundo de cultura helenística, particularmente na cidade de Alexandria (Egito), que era o mais importante centro de cultura grega no século três antes de Cristo Como a língua grega tinha se tornado o idioma oficial do grande império formado pelas conquistas de Alexandre (356-323 antes de Cristo), surgiu a necessidade de normatizar essa língua, ou seja, de criar um padrão uniforme e homogêneo que se erguesse acima das diferenças regionais e sociais para se transformar num instrumento de unificação política e cultural.

Data desse período o surgimento daquilo que hoje se chama, nos estudos linguísticos, de Gramática Tradicional — um conjunto de noções acerca da língua e da linguagem que representou o início dos estudos linguísticos no Ocidente. Sendo uma abordagem não científica, nos termos modernos de ciência, a Gramática Tradicional combinava intuições filosóficas e preconceitos sociais.

As intuições filosóficas que sustentam a Gramática Tradicional estão presentes até hoje na nomenclatura gramatical e nas definições que aparecem ali. Por exemplo, a noção de suje­i­to que encontramos em importantes compêndios normativos se expressa como “o sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração”, ou coisa equivalente. Como é fácil perceber, não se trata de uma definição linguística – nada se diz aí a respeito das funções do sujeito na sintaxe nem das características morfológicas do sujeito –, mas sim de uma definição metafísica, em que o próprio uso da palavra “ser” denuncia uma análise de cunho filosófico. Com isso, o emprego desta noção para um estudo propriamente linguístico fica comprometido. Para comprovar isso, vamos examinar o seguinte enunciado:

(1) Nesta sala cabem duzentas pessoas.

Se tivermos de considerar a definição tradicional, seremos obrigados a classificar como sujeito o elemento “sala” do enunciado acima, já que é sobre a sala que se está “dizendo alguma coisa”, se está “declarando algo”. Ora, todos sabemos que no enunciado (1) o sujeito é “duzentas pessoas”, porque, numa definição propriamente linguística, o sujeito é o termo sobre o qual recai a predicação da oração e com o qual o verbo concorda.

Dificuldades semelhantes de lidar com as definições tradicionais aparecem quase a cada passo quando as estudamos com cuidado. Isso porque, repito, a Gramática Tradicional, ao se formar no século três antes de Cristo como uma disciplina com pretensões ao estudo da língua, não produziu um corpo teórico propriamente linguístico, mas se valeu de um importante aparato de especulações filosóficas que vinha se gestando na cultura grega desde o século cinco antes de Cristo, graças ao trabalho dos sofistas, de Platão, de Aristóteles, dos estoicos e de outros grandes pensadores, para os quais o estudo da linguagem humana (logos) era só uma etapa inicial para a compreensão de fenômenos de outra natureza, como o funcionamento da mente humana (psique) e sua correspondência com o funcionamento-organização do próprio universo (cosmo). Por tudo isso, a Gramática Tradicional merece ser estudada como um importante patrimônio cultural do Ocidente, mas não para ser aplicada cegamente como única teoria linguística válida nem, muito menos, como instrumental adequado para o ensino.

Além de ser anacrônica como teoria linguística, a Gramática Tradicional também se constituiu com base em preconceitos sociais que revelam o tipo de sociedade em que ela surgiu – preconceitos que vêm sendo sistematicamente denunciados e combatidos desde o início da era moderna e mais enfaticamente nos últimos cem anos. Como produto intelectual de uma sociedade aristocrática, escravagista, oligárquica, fortemente hierarquizada, a Gramática Tradicional adotou como modelo de língua “exemplar” o uso característico de um grupo restrito de falantes: do sexo masculino; livres (não escravos); membros da elite cultural (letrados); cidadãos (eleitores e elegíveis); membros da aristocracia política; detentores da riqueza econômica.

Os formuladores da Gramática Tradicional foram os primeiros a perceber as duas grandes características das línguas humanas: a variação (no tempo presente) e a mudança (com o passar do tempo). No entanto, a percepção que eles tiveram da variação e da mudança linguísticas foi essencialmente negativa.

Por causa de seus preconceitos sociais, os primeiros gramáticos consideravam que somente os cidadãos do sexo masculino, membros da elite urbana, letrada e aristocrática, falavam bem a língua. Com isso, todas as demais variedades regionais e sociais foram consideradas feias, corrompidas, defeituosas, pobres, etcétera.

Ainda na questão da variação, os primeiros gramáticos, comparando a língua escrita dos grandes escritores do passado e a língua falada espontânea, concluíram que a língua falada era caótica, sem regras, ilógica, e que somente a língua escrita literária merecia ser estudada, analisada e servir de base para o modelo do “bom uso” do idioma. Essa separação rígida entre fala e escrita é rejeitada pelos estudos linguísticos contemporâneos, mas continua viva na mentalidade da grande maioria das pessoas.

Comparando também a língua falada de seus contemporâneos e a língua escrita das grandes obras literárias do passado, eles concluíram que, com o tempo, a língua tinha se degenerado, se corrompido e que era preciso preservá-la da ruína e da deterioração. Tinham, portanto, uma visão pessimista da mudança, resultante do equívoco metodológico – que só veio a ser detectado e abandonado muito recentemente – de comparar duas modalidades muito distintas de uso da língua (a escrita literária e a fala espontânea), desconsiderando a existência de um amplo espectro contínuo de gêneros discursivos entre esses dois extremos.

Com isso, os elaboradores das primeiras obras gramaticais do mundo ocidental definiram os rumos dos estudos linguísticos que iam perdurar por mais de 2.000 anos: desprezo pela língua falada e supervalorização da língua escrita literária; estigmatização das variedades não urbanas, não letradas, usadas por falantes excluídos das camadas sociais de prestígio (exclusão que atingia todas as mulheres); criação de um modelo idea­lizado de língua, distante da fala real contemporânea, baseado em opções já obsoletas (extraídas da literatura do passado) e transmitido apenas a um grupo restrito de falantes, os que tinham acesso à escolarização formal.

Com isso, passa a ser visto como erro todo e qualquer uso que escape desse modelo idealizado, toda e qualquer opção que esteja distante da linguagem literária consagrada; toda pronúncia, todo vocabulário e toda sintaxe que revelem a origem social desprestigiada do falante; tudo o que não conste dos usos das classes sociais letradas urbanas com acesso à escolarização formal e à cultura legitimada. Assim, fica excluída do “bem falar” a imensa maioria das pessoas – um tipo de exclusão que se perpetua em boa medida até a atualidade.

Os preceitos e preconceitos da Gramática Tradicional só começaram a ser questionados a partir do século dezenove, com o surgimento das primeiras investigações linguísticas de caráter propriamente científico. Embora contestada pela ciência moderna, aquela visão arcaica e preconceituosa de língua e de linguagem penetrou no senso comum ocidental e ali permanece firme e forte até hoje.

O processo de normatização, ou padronização, retira a língua de sua realidade social, complexa e dinâmica, para transformá-la num objeto externo aos falantes, numa entidade com “vida própria”, (supostamente) independente dos seres humanos que a falam, escrevem, leem e interagem por meio dela.

Isso torna possível falar de “atentado contra o idioma”, de “pecado contra a língua”, de “atropelar a gramática” ou “tropeçar” no uso do vernáculo. Todo esse discurso dá a entender (enganosamente) que a língua está fóra de nós, é um objeto externo, alguma coisa que não nos pertence e que, para piorar, é de difícil acesso.

A criação de um padrão de língua muito distante da realidade dos usos atuais fez surgir, em todas as sociedades ocidentais, uma milenar “tradição da queixa”. Em todos os países, em todos os períodos históricos, sempre aparecem as manifestações daqueles que lamentam e deploram a “ruína” da língua, a “corrupção” do idioma etcétera. Acerca da suposta decadência da Língua Portuguesa, sirvam de exemplos as seguintes declarações apocalípticas, que se desdobram ao longo de quase trezentos anos:

“Se não existissem livros compostos por frades, em que o tesouro está conservado, dentro em pouco podíamos dizer: ora morreu a língua portuguesa, e não descansa em paz” (José Agostinho de Macedo [1761-1831], escritor português).”

“Temos a prosa histérica, abastardada, exangue e desfalecida de uma raça moribunda. A nossa pobre geração de anémicos dá à história das letras um ciclo de tatibitates” (Ramalho Ortigão [1836-1915], escritor e político português).”

reticências português – um idioma que de tão maltratado no dia a dia dos brasileiros precisa ser divulgado e explicado para os milhões que o têm como língua materna” (Mario Sabino, Veja, 10 setembro 1997).”

“Não fique nenhuma dúvida, o português do Brasil caminha para a degradação total” (CASTRO, Marcos de. A imprensa e o caos na ortografia. Rio de Janeiro: Record, 1998, página 10-11).”

“Que língua falamos? A resposta veio das terras lusitanas. Falamos o caipirês. Sem nenhum compromisso com a gramática portuguesa. Vale tudo reticências” (dádi isquarísi, Correio Braziliense, 22 julho 1996).”

“Nunca se escreveu e falou tão mal o idioma de Ruy Barbosa” (Arnaldo nisquiê, Folha de S.Paulo, 15 janeiro 1998).

reticências o usuário brasileiro da língua reticências comete erros, impropriedades, idiotismos, solecismos, barbarismos e, principalmente, barbaridades” (Luís Antônio Giron, Revista cúlt, número 58, junho 2002, página 37).

Em contraposição à noção de “erro”, e à “tradição da queixa” derivada dela, a ciência linguística oferece os conceitos de variação e mudança. Enquanto a gramática tradicional tenta definir a “língua” como uma entidade abstrata e homogênea, a Linguística concebe a língua como uma realidade intrinsecamente heterogênea, variável, mutante, em estreito vínculo com a realidade social e com os usos que dela fazem os seus falantes. Uma sociedade extremamente dinâmica e multifacetada só pode apresentar uma língua igualmente dinâmica e multifacetada.

Ao contrário da gramática tradicional, que afirma que existe apenas uma fórma certa de dizer as coisas, a Linguística demonstra que todas as fórmas de expressão verbal têm organização gramatical, seguem regras e têm uma lógica linguística perfeitamente demonstrável. Ou seja: nada na língua é por acaso.

Por exemplo: para os falantes urbanos escolarizados, pronúncias como broco, ingrês, chicrete, pranta, etcétera. são feias, erradas e toscas. Essa avaliação se prende essencialmente ao fato de essas pronúncias caracterizarem falantes socialmente desprestigiados (analfabetos, pobres, moradores da zona rural etcétera.). No entanto, a transformação do L em R nos encontros consonantais ocorreu amplamente na história da Língua Portuguesa. Muitas palavras que hoje têm um R apresentavam um L na origem:

LATIM

PORTUGUÊS

blandu

brando

clavu

cravo

duplu

dobro

flaccu

fraco

fluxu

frouxo

obligare

obrigar

placere

prazer

plicare

pregar

plumbu

prumo

Assim, o suposto “erro” é na verdade perfeitamente explicável: trata-se do prosseguimento de uma tendência muito antiga no português (e em outras línguas) que os falantes rurais ou não escolarizados levam adiante. Esse fenômeno tem até um nome técnico na linguística histórica: rotacismo.

Esse é só um mínimo exemplo de que tudo o que é chamado de “erro” tem uma explicação científica, tem uma razão de ser, que pode ser de ordem fonética, semântica, sintática, pragmática, discursiva, cognitiva etcétera. Falar em “erro” na língua, dentro do ambiente pedagógico, é negar o valor das teorias científicas e da busca de explicações racionais para os fenômenos que nos cercam.

O exemplo apresentado acima (mudança de L para R em encontros consonantais) não deve levar ninguém a supor que esses fenômenos variáveis e mutantes só ocorrem na língua dos falantes rurais, sem escolarização, pobres, etcétera. Eles também ocorrem na língua dos falantes “cultos”, urbanos, letrados, etcétera., muito embora esses mesmos falantes acreditem ser os legítimos representantes da língua “certa”.

Alugam-se salas ou aluga-se salas? Apesar de a gramática normativa exigir o verbo no plural, a grande maioria dos brasileiros mantém o verbo no singular. E não é por ignorância nem por preguiça nem por qualquer outra explicação preconceituosa desse tipo. A análise sintática tradicional é que é ilógica, ao atribuir o papel de sujeito a “salas”, como se “salas” pudessem alugar alguma coisa, um verbo que só pode ser desempenhado por seres humanos. O falante, intuitivamente, analisa “salas” como objeto direto e o pronome “se” como o verdadeiro sujeito da oração, semanticamente indeterminado – e como não existe concordância de verbo com objeto, fica o verbo no singular. Essa mudança já está presente até mesmo na língua escrita mais monitorada:

(2) “Por falta de trigo, durante séculos comeu-se aqui, como substitutivo do pão, bolos e bolachas feitos à base de mandioca, milho e outros produtos da terra”. (Nossa História, ano 2, número15, página 89, janeiro 2005).

(3) “Procura-se intérpretes de klingon, o dialeto criado para o seriado Jornada nas Estrelas. O anúncio foi feito por um manicômio em Oregon, EUA. Alguns de seus pacientes só se comunicam usando a linguagem estrelar.” (IstoÉ, 21 maio 2003, número 1755, página 20).

(4) “Mas a efeméride dos 95 anos [de Noel Rosa] parece que, de fato, passará em silêncio. Espera-se as maiores homenagens para o seu centenário, em 2010 reticências” (Revista de História da Biblioteca Nacional, número 6, dezembro 2005, página 11).

Diante de tudo o que se argumentou até agora, como devemos tratar os fenômenos de variação e mudança na educação em língua materna?

Existem três respostas possíveis:

(a) desconsiderar as contribuições da ciência linguística e levar adiante a noção de “erro”, insistindo no ensino da gramática normativa e da norma padrão tradicional como única fórma “certa” de uso da língua; (b) aceitar as contribuições da ciência linguística e desprezar totalmente a antiga noção de “erro”, substituindo-a pelos conceitos de variação e mudança; (c) reconhecer que a escola é o lugar de interseção inevitável entre o saber erudito-científico e o senso comum, e que isso deve ser empregado em favor do aluno e da formação de sua cidadania.

A opção (a), embora apareça quase diariamente na mídia, defendida pelos atuais “defensores” da língua que se apoderaram dos meios de comunicação, tem de ser veementemente rejeitada por causa de seu caráter obscurantista, autoritário e, muitas vezes, irracional.

A opção (b), apesar de sua aparência de postura inovadora e progressista, na verdade despreza uma análise da dinâmica social e da complexidade das relações entre as pessoas por meio da linguagem.

Acreditamos que a opção (c) é aquela que melhor nos orienta para um tratamento sereno e equilibrado do intrincado relacionamento entre linguagem-sociedade-ensino. Esta opção nos ajuda a compreender a “dupla face” do que se chama, no senso comum, de “erro de português”: qualquer análise que desconsidere um desses pontos de vista – o científico e o do senso comum – será, fatalmente, incompleta e não permitirá uma reflexão que permita analisar a realidade linguístico-social nem a elaboração de políticas que auxiliem na constituição de um ensino verdadeiramente democrático e formador de cidadãos.

A escola não pode desconsiderar um fato incontornável: os comportamentos sociais não são ditados pelo conhecimento científico, mas por outra ordem de saberes (representações, ideologias, preconceitos, mitos, superstições, crenças tradicionais, folclore etcétera.). Essa outra ordem de saberes pode sofrer influência dos avanços científicos, mas quase sempre essa influência se faz de fórma parcial, redutora e distorcida. Querer fazer ciência a todo custo sem levar em conta a dinâmica social, com suas demandas e seus conflitos, é uma luta fadada ao fracasso.

A Sociolinguística nos ensina que onde tem variação (linguística) sempre tem avaliação (social). Nossa sociedade é profundamente hierarquizada e, consequentemente, todos os valores culturais e simbólicos que nela circulam também estão dispostos em categorias hierárquicas que vão do “bom” ao “ruim”, do “certo” ao “errado”, do “feio” ao “bonito” etcétera. E entre esses valores culturais e simbólicos está a língua, certamente o mais importante deles. Por mais que os linguistas rejeitem a norma padrão tradicional, por não corresponder às realidades de uso da língua, eles não podem desprezar o fato de que, como bem simbólico, existe uma demanda social por essa “língua certa”, identificada como um instrumento que permite acesso ao círculo dos poderosos, dos que gozam de prestígio na sociedade.

Uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, portanto, discutir criticamente os valores sociais atribuídos a cada variante linguística, chamando a atenção para a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa.

Podemos, por exemplo, ao encontrar fórmas não padrão na produção oral e escrita de nossos alunos, oferecer a eles a opção de “traduzir” seus enunciados para a fórma que goza de prestígio, para que eles se conscientizem da existência dessas regras. A consciência gera responsabilidade. E é ao usuário da língua, ao falante/escrevente bom conhecedor das opções oferecidas pelo idioma, que caberá fazer a escolha dele, eleger as opções dele, mesmo que elas sejam menos aceitáveis por parte de membros de outras camadas sociais diferentes da dele. O que não podemos é negar a ele o conhecimento de todas as opções possíveis.

Para realizar essa tarefa, o docente precisa se apoderar do instrumental que a ciência linguística, e mais especificamente a Sociolinguística, oferece para a análise criteriosa dos fenômenos de variação e mudança linguística.

O profissional da educação tem que saber reconhecer os fenômenos linguísticos que ocorrem em sala de aula, reconhecer o perfil sociolinguístico de seus alunos para, junto com eles, empreender uma educação em língua materna que leve em conta o grande saber linguístico prévio dos aprendizes e que possibilite a ampliação incessante do seu repertório verbal e de sua competência comunicativa, na construção de relações sociais permeadas pela linguagem cada vez mais democráticas e não discriminadoras.

Banho, Marcos. Nada na língua é por acaso: ciência e senso comum na educação em língua materna. Presença Pedagógica, setembro2006. Disponível em: relin.letras.ufmg.br/shlee/Bagno_2006.pdf. Acesso em: 28 abril2022.

Texto 2

As duas faces da ortografia

Trabalhar de fórma específica com o ensino das regularidades e irregularidades auxilia os alunos do 1º ao 9º ano a refletir sobre a ortografia

Thais Gurgel (novaescola@atleitor.com.br)

A ortografia é uma convenção social criada para facilitar a comunicação escrita: dominando-a, temos uma fórma comum de escrever cada palavra – incluindo as que têm mais de uma opção de letra correspondente a determinado som. No caso dessas últimas, a grafia pode ser dividida entre palavras que obedecem a regularidades (em que o conhecimento de uma regra permite antecipar como ela deve ser escrita, até mesmo sem conhecê-la) e as irregularidades (que não seguem qualquer princípio explicativo que justifique sua notação). Para que as crianças dominem a ortografia, você precisa propor um trabalho em duas frentes. No caso das regularidades, o mote é a observação e a reflexão sobre elas. Entre as irregularidades, o caminho é trabalhar estratégias para a memorização da grafia das palavras de maior uso. “Antes se aprendia que se escrevia assim e se decorava simplesmente a ortografia. As regularidades nunca eram explicitadas”, explica Egon de Oliveira Rangel, professor da Pontifícia Universidade Católica (púqui-São Paulo).

O primeiro passo do trabalho é realizar um diagnóstico do domínio da ortografia pela turma. Seja nos grupos dos anos iniciais – quando as crianças já estão alfabéticas – ou do Ensino Fundamental dois, é preciso analisar quais são os erros que aparecem na escrita de boa parte dos alunos e com que frequência essas palavras são usadas em suas produções cotidianas. Levantamento feito, é hora de planejar a sequência didática. 

Abaixo, destacamos algumas dúvidas comuns sobre o ensino da ortografia e seu planejamento. Artur Gomes de Morais, professor da Universidade Federal de Pernambuco (ú éfe pê é) e autor do livro Ortografia: ensinar e aprender – uma das grandes referências bibliográficas na área –, é quem ajuda a resolvê-las. Confira!

Quais são as regularidades da ortografia?

Existem dois tipos nas correspondências fonográficas que todo professor deve conhecer. A primeira é a chamada regularidade contextual, que engloba as palavras cuja grafia é definida pela localização do som dentro da palavra (saber que é preciso grafar érre érre em “carro” para marcar um som de R forte entre duas vogais, por exemplo, ou que “tempo” se escreve com M e não com N, pois a letra seguinte é um P, etcétera.). A segunda é a regularidade morfológico-gramatical, onde se encaixam as palavras cuja grafia é ligada à sua natureza gramatical (como o uso do Z e não do S nos substantivos “realeza” e “beleza”, que são derivados de adjetivos; ou do ésse ésse e não do S ou do C em “falasse” e “partisse” por serem flexões de verbos no imperfeito do subjuntivo).

Como trabalhar com elas?

Embora tenham regularidades de naturezas diversas, o trabalho com os dois tipos de regras segue uma lógica comum. Primeiro, proponha a observação de um grupo de palavras – em atividades diversas – para que observem se há regularidades em sua escrita. Depois, a turma discute o que observou e encontra uma maneira de explicá-las. Com a explicitação das regras feita coletivamente, é hora de registrá-las por escrito, para que todos possam consultá-las quando necessário. Nessa perspectiva, as regras ortográficas são “elaboradas” pela própria turma, já que é ela que determina o que há de comum entre as palavras observadas e de que maneira transformar o observado em uma sentença a ser registrada. “Temos pesquisas com tratamento estatístico cuidadoso demonstrando que o ensino que promove a tomada de consciência das questões ortográficas é muito superior ao ensino tradicional – que leva apenas a memorizar ou preencher lacunas, de maneira repetitiva”, diz o especialista da ú éfe pê é. “Sem falar na ausência de ensino de ortografia que, infelizmente, ainda ocorre em muitas salas de aula do país.”

Quais são as melhores atividades na área?

Em suas pesquisas, Morais chegou a algumas propostas de atividades. De fórma geral, pode-se falar em trabalhos com textos e com palavras fóra de textos. No primeiro caso, em ditados, releituras ou reescritas, a ideia é que você chame a atenção dos alunos para as palavras que julga constituir “desafios ortográficos”, interrompendo a atividade para discussões coletivas sobre a grafia dessas palavras. A outra linha, com palavras “soltas”, tem como propostas jogos em que as crianças devem relacionar cartelas com palavras que sigam a mesma regra ortográfica (“carro”, “sorriso” e “espirro”, ou “careta” e “clarão”), desafios de encontrar em revistas e jornais palavras que se encaixem em grupos com uma determinada característica ortográfica, entre outras atividades. Há ainda o recurso de propor a escrita propositalmente errada de palavras cuja ortografia siga uma regularidade: “Para fazê-lo, a criança precisa conhecer a grafia correta”, diz Morais. “O ideal é que ela vá, junto com os colegas, verbalizando, discutindo e escrevendo as regras que justificam o fato de aquelas palavras terem que ser escritas assim.”

E quanto às irregularidades na ortografia? Como trabalhá-las?

No ensino das palavras irregulares, o princípio é diferente, já que sua grafia não se orienta por regra alguma. “Nesses casos, não há muito o que compreender, é preciso memorizar”, explica Artur Gomes de Morais. “Quem não é especialista em filologia não tem que saber que tal palavra tem origem em tal vocábulo latino, ou grego, ou mesmo que é uma palavra de origem indígena.” A saída nesses casos é consultar modelos – locais onde sabemos que determinada palavra está escrita da maneira correta – e usar o dicionário (que envolve conhecer a fórma como as palavras estão nele organizadas e como procurar um termo flexionado, por exemplo). Você pode também combinar com a turma a produção de uma pequena lista de palavras de uso frequente que eles devem memorizar para não mais errar.

Como organizar tudo isso no planejamento?

Embora o trabalho com ortografia deva se pautar sempre pelo diagnóstico de cada turma, certas dificuldades costumam aparecer antes. De início, é comum surgir dúvidas sobre palavras com regularidades contextuais (os famosos usos do R, por exemplo). Só mais tarde começa a ser uma questão para os pequenos a fórma como se escrevem palavras com regularidades do tipo morfológico-gramatical. “Uma regra envolvendo o ésse ésse do imperfeito do subjuntivo, como na palavra ‘cantasse’, tende a ser mais difícil de ser observada que a regra que explica quando escrevemos com G ou GU”, afirma Morais. “Não só porque a primeira regra envolve uma consciência morfo-gramatical, mas porque, no cotidiano, escrevemos menos vezes palavras no imperfeito do subjuntivo que palavras onde aparecem as letras G ou GU com o som de ’guê‘.” 

Com isso, de fórma geral pode-se dizer que as palavras de regularidade contextual (como o uso do M antes de P e B) e aquelas com ortografia irregular, mas de uso frequente (como “homem” ou “hoje”), podem ser trabalhadas antes do que as de regularidade morfológico-gramatical (o uso do Z em “pobreza”) ou as irregulares de pouco uso. Afinal, o que se quer é que as turmas possam se comunicar sem o “ruído” dos problemas de ortografia em suas produções, certo?

GURGEL, Thais. As duas faces da ortografia. Nova Escola, julho2009. Disponível em: https://oeds.link/77lUEG. Acesso em: 28 abril 2022.

Referências bibliográficas comentadas

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.

A professora e autora da obra aponta os principais problemas no ensino da Língua Portuguesa, como o uso de exemplos descolados da realidade e a memorização de regras abstratas. Em seguida, apresenta fundamentos teóricos para uma nova prática pedagógica e oferece sugestões concretas, acompanhadas de diversos exemplos para a sala de aula, explorando oralidade, escrita, leitura e gramática.

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007.

Obra que dialoga com o grande público e aposta na visão científica da linguagem para desfazer incompreensões sobre a gramática e seu ensino. Cada capítulo avança sobre um equívoco fundamental, como tomar a gramática como termo unívoco, validar exclusivamente a norma linguística socialmente prestigiada ou supor o conhecimento gramatical como suficiente para se expressar bem, além de encaminhar propostas de solução.

AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Parábola, 2021.

Ainda que seu objeto seja a norma-padrão da língua portuguesa, essa gramática permanece sensível à variação dos usos, com enfoque essencialmente descritivo, sem ignorar considerações de caráter normativo. Prova da atualidade de sua abordagem é o reconhecimento de que a oração já não é a “unidade máxima de análise”, mas deve ser descrita no contexto mais amplo de sua ocorrência.

Banho, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2012.

Voltada à formação docente, essa obra parte do princípio de que é “do uso que se depreende a gramática”, em um percurso completo que inclui a dimensão histórica da língua. Para isso, propõe que o ensino do componente curricular Língua Portuguesa recorra às chamadas atividades epilinguísticas: aquelas que se afastam da nomenclatura técnica e se atêm à reflexão sobre o uso. A análise, mais descritiva do que prescritiva, portanto, toma como objeto textos autênticos, orais e escritos.

Banho, Marcos. Nada na língua é por acaso: ciência e senso comum na educação em língua materna. Presença Pedagógica, setembro 2006. Disponível em: https://oeds.link/587XZq. Acesso em: 28 abril 2022.

Nesse artigo, defende-se que os ou as professores ou professoras precisam dominar alguns instrumentos da ciência linguística, principalmente da sociolinguística, para avaliar adequadamente os fenômenos da língua em sala de aula. O texto começa discutindo a noção de “erro”, fazendo um percurso histórico, desde a Antiguidade, sobre a construção da noção, e a separação rígida entre fala e escrita, que perdura no senso comum.

Banho, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.

Livro já clássico, aborda o preconceito linguístico, prática baseada, segundo o autor, em oito mitos, entre os quais destacam-se “O certo é falar assim porque se escreve assim” e “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”, que impactam nas práticas de ensino da língua na escola.

Báquitin, M. Os gêneros do discurso. In: Báquitin, M. Estética da criação verbal. segunda edição São Paulo: Martins Fontes, 1953.

Trata-se de um texto fundamental no estudo dos gêneros discursivos. Báquitin argumenta que os textos, tanto orais quanto escritos, se conformam de diferentes modos, dependendo da situação de comunicação, e apresentam características relativamente estáveis, independentemente de o falante estar consciente disso em seu uso. Esses diferentes modos de configurar os textos correspondem aos gêneros do discurso, marcados pela história da linguagem na sociedade.

bártes, rolân. Aula. Tradução: Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1988.

O breve texto registra a aula magna de bártes, no Collège de France, pronunciada quando da inauguração da cadeira de Semiologia literária. Com estrutura didática, mas linguagem desafiadora, a aula parte do fenômeno do poder e de como ele se instala na língua. É uma espécie de resumo de seu pensamento, no qual o autor procura definir o que é literatura, em torno da noção saussuriana de signo linguístico.

bázerman, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2006.

Dividida em seis capítulos, a obra aborda as práticas de letramento com ênfase no fator social e no papel dos gêneros textuais. Nela, o texto é apresentado como um elemento mediador nas atividades da sociedade, inclusive na construção da identidade e na inserção social por meio dos gêneros. A argumentação se orienta pela hipótese teórica de que é por meio dos textos que organizamos e significamos nossas ações.

BRAGA, Rubem. A cidade e a roça. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1964.

Coletânea de crônicas daquele que é um dos maiores expoentes do gênero. Reúne 32 textos, publicados no jornal Correio da Manhã, de 1953 a 1955. Aqui, os temas se dividem entre estes dois espaços: o campo e a cidade. Mesclando humor e melancolia, a fôrça literária encontra-se na observação atenta – amorosa, mas não ingênua – do cotidiano, como pede a crônica.

Bráclin, Kátia Lomba. Linguagem oral e linguagem escrita: novas perspectivas de discussão. Disponível em: https://oeds.link/2k3gTR. Acesso em: 28 abril 2022.

Esse texto de intervenção crítica detém-se no ensino da linguagem oral, em sua relação com a linguagem escrita, demonstrando como essa interação é mais intensa do que se imagina e desconstruindo o mito da espontaneidade da fala.

Bráclin, Kátia Lomba. Modalidades organizativas e modalidades didáticas no ensino de linguagem verbal. Disponível em: https://oeds.link/B8BF5T. Acesso em: 5 maio 2022.

Recensão atualizada de recursos de otimização do tempo em sala de aula, com base no que o artigo classifica como modalidades organizativas e modalidades didáticas, com cuidadosa exemplificação e finalidades pedagógicas explicitadas, descrevendo atividades de leitura, de produção textual e de análise linguística.

Bráclin, Kátia Lomba. Sobre a leitura e a formação de leitores: qual é a chave que se espera? São Paulo: ésse ê ê: Fundação Vanzolini, 2004. Disponível em: https://oeds.link/6OBMIV. Acesso em: 28 abril 2022.

De fórma objetiva e prática, o artigo analisa os elementos para o desenvolvimento, pelos ou pelas estudantes, das estratégias e dos procedimentos necessários à leitura proficiente, que devem ser trabalhados em modalidades didáticas fundamentais, já conhecidas dôs ou dás professores ou professoras, mas aqui sistematizadas: leitura colaborativa, leitura programada, leitura em voz alta pelo ou pela professor ou professora, leitura autônoma e projetos de leitura.

BRASIL. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Volume 1: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília, Distrito Federal: Méqui/sébi, 2006. Disponível em: https://oeds.link/A5YVTC. Acesso em: 28 abril 2022.

Documento do governo federal que fornece parâmetros orientadores para expectativas de aprendizagem de Língua Portuguesa no Ensino Médio. Nesse documento se definem as expectativas de aprendizagem; os critérios adotados para essa definição; como elas são transpostas à sala de aula; e, por fim, de que maneira se pode alcançar a progressão de determinados conteúdos.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: https://oeds.link/LtE3hk. Acesso em: 28 abril 2022.

É o documento de caráter normativo que define as aprendizagens essenciais da Educação Básica, servindo de referência para a elaboração curricular dos sistemas e redes escolares. Tais aprendizagens essenciais visam ao desenvolvimento de dez competências gerais, além de competências específicas relacionadas a cada área de conhecimento, assim como competências específicas e habilidades referentes a cada componente curricular.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília, Distrito Federal: Méqui/séfi, 1998. Disponível em: https://oeds.link/gNYhD4. Acesso em: 28 abril 2022.

Esse documento, elaborado pelo governo federal, indica os objetivos gerais do componente curricular, dividindo-se em duas partes: na primeira, discutem-se os principais problemas do ensino de Língua Portuguesa, bem como suas características; na segunda, definem-se objetivos e conteúdos, com orientações didáticas e critérios de avaliação.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental: introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, Distrito Federal: Méqui/séfi, 1998. Disponível em: https://oeds.link/5Mfg0x. Acesso em: 28 abril 2022.

Com uma proposta de reorientação curricular e de abrangência nacional, o documento apresenta as linhas gerais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, começando com uma discussão sobre a relação entre educação e cidadania, oferecendo um panorama da educação brasileira à época da publicação do documento. Nele, a escola é definida como espaço de referência, na construção das identidades.

Brussô, . Os diferentes papéis do professor. In: PARRA, Cecília; SAIZ, Irma (organizador). Didática da Matemática: reflexões psicológicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

Aplicado inicialmente ao ensino da Matemática, esse texto procura definir a tarefa dô ou dá professor ou professora como a de propor uma situação de aprendizagem para a qual ô á estudante deve elaborar seus conhecimentos como resposta pessoal a uma pergunta, adaptando-se às exigências do meio, e não dô ou dá professor ou professora. Nesse esforço, ô á professor ou professora é concebido ou concebida como um ou uma ator(atriz) que “improvisa” em função da trama cujo roteiro é a situação didática.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 3. edição São Paulo: Duas Cidades, 1995.

Referência nos estudos literários, o artigo do professor Antonio Candido propõe a literatura como um direito humano, ou seja, algo que reconhecemos como indispensável para nós e para o nosso próximo. O argumento básico é o de que a literatura, definida de maneira abrangente como “todas as criações de toque poético, ficcional e dramático”, exerce um papel humanizador fundamental na sociedade.

CARVALHO, Maria da C. Escola, biblioteca e leitura. ín: CAMPELLO, Bernadete Santos êti áli. A biblioteca escolar: temas para uma prática pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

Questionando “que tipo de leitores a escola está formando hoje”, a autora sustenta que a biblioteca escolar só se constituirá num local de formação de leitores críticos se for pensada como um espaço no qual “crianças e jovens sejam criadoras e não apenas consumidoras de cultura”, e isso a partir de três elementos: uma coleção de livros bem selecionada e outros materiais; um ambiente que favoreça a expressividade, inclusive corpórea; e a figura do mediador.

FAZENDA, Ivani Catarina A. (organizador). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008, página 21.

Organizada pela professora Ivani Fazenda, a obra que tem como foco central a discussão sobre o conceito da interdisciplinaridade, com enfoque no currículo e na formação de professores. Embora a interdisciplinaridade seja o eixo principal dos capítulos, ela é tratada a partir de diferentes aspectos. Deste modo, os autores evidenciam a importância das ordenações científica e social para uma atitude interdisciplinar na educação, que tem como objetivo contribuir com o conhecimento humano, que não é fragmentado.

FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Báquitin. São Paulo: Contexto, 2016.

Nessa obra introdutória sobre um autor fundamental, o professor Fiorin faz um convite à leitura de Báquitin, expondo alguns de seus principais conceitos: dialogismo, gêneros do discurso, carnavalização, poesia e prosa, e romance. O tratamento conceitual é precedido de um capítulo sobre a vida e obra do teórico russo, dando conta de seu projeto intelectual, e sucedido por uma bibliografia comentada.

GARCEZ, Lucília H. do Carmo. Técnica de redação: o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Partindo da perspectiva enunciativa da linguagem e abrindo mão de jargões, essa obra desfaz a falsa ideia de que é necessário talento para escrever bem, mostrando que o processo da escrita envolve aprendizagens de natureza procedimental, linguística e discursiva. A autora dedica um capítulo para leitura, apresentando evidências de que uma leitura de qualidade é fundamental para a produção de textos.

GERALDI, João W. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997.

Nessa coletânea de artigos escritos por professores de Língua Portuguesa são sugeridas linhas de trabalho para o ensino do componente curricular, considerações teóricas e relatos de construção e aplicação das propostas. Discutem-se métodos equivocados, como o uso de textos desvinculados da realidade dôs ou dás estudantes, e se oferecem alternativas didáticas, tendo no horizonte a dimensão social tanto da língua quanto do processo de aprendizagem.

GERALDI, João W. Portos de passagem. quinta edição São Paulo: Martins Fontes, 2013.

Nas palavras do autor, eis um trabalho “lacunar e programático”, na medida em que, como registro de uma reflexão em curso, é incompleto, mas não deixa de apontar caminhos. Privilegiando o ensino da produção textual, da leitura e da gramática, a abordagem não incide sobre uma questão específica, mas sobre uma perspectiva em relação à linguagem, focada na interlocução, “entendida como espaço de produção de linguagem e de constituição de sujeitos”.

GOMES-SANTOS, Sandoval Nonato. Modos de apropriação do gênero debate regrado na escola: uma abordagem aplicada. DELTA – Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, volume 25, página 39-66, 2009. Disponível em: https://oeds.link/N2wIql. Acesso em: 28 abril 2022.

Trata-se de um estudo sobre o processo de ensino-aprendizagem de um gênero discursivo específico, no caso o debate regrado, no contexto do Ensino Médio de uma escola de Belém (PA). O foco encontra-se na atividade dôs ou dás estudantes, com a descrição dos dispositivos mobilizados por eles ou elas para a produção textual, bem como o desenvolvimento de sua capacidade de se afastar da própria atividade linguageira e reconhecer seu lugar de enunciação.

GURGEL, Thais. As duas faces da ortografia. Nova Escola, julho 2009. Disponível em: https://oeds.link/77lUEG. Acesso em: 28 abril 2022.

Esse breve artigo aborda o trabalho com a ortografia, reconhecida como “convenção social criada para facilitar a comunicação escrita”. Com objetividade, a autora sugere, como estratégia didática, o recurso a duas frentes: para as regularidades da grafia, a observação e a reflexão sobre elas; para as irregularidades, o exercício de memorização da grafia das palavras de uso mais frequente.

Rrófman, Jussara. Avaliação: mito e desafio: uma perspectiva construtivista. vigésima quarta edição Porto Alegre: Mediação, 2003.

O livro propõe a educadores ou educadoras uma reflexão sobre a prática avaliativa no contexto escolar, a fim de apontar e evitar ações educativas que, improvisadas, acabam perpetuando arbitrariedades e autoritarismo. Entre outros mitos, a autora sublinha a falsa dicotomia que faz da ação de educar e a ação de avaliar momentos separados e não relacionados, por se tomar a avaliação apenas como julgamento de resultados.

INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

Versão eletrônica daquele que é atualmente o mais completo dicionário da língua portuguesa, com 228500 verbetes, 380 mil definições e 15 mil verbos conjugados. Atualmente, conta com uma versão on-line, com uma versão corporativa paga.

JAUSS, H. R. A estética da recepção: colocações gerais. ín: LIMA, Luiz Costa (tradução e organizador). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. segunda edição Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

Nesse ensaio introdutório, de considerável densidade teórica e especulativa, o autor se pergunta sobre o significado da experiência estética, ou seja, os efeitos que a arte produz em nós. A recepção da arte não é, no entanto, consumo passivo de conteúdo, mas envolve recusa e aprovação. Assim, coloca-se em relevo o fato de que a arte é uma atividade produtora, receptiva e comunicativa, portanto socialmente implicada.

JAUSS, H. R. O prazer estético e as experiências fundamentais da poiêsis, aistésis e . ín: LIMA, Luiz Costa (. e organizador). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. segunda edição Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

O ensaio consiste numa defesa do prazer como uma dimensão indispensável à experiência estética, além de definir o prazer estético a partir de três categorias que remontam à antiguidade clássica: poiésis corresponderia ao prazer com a obra que nós mesmos realizamos; aistésis, ao prazer da percepção; e katharsis, ao prazer dos afetos provocados pela obra de arte, capaz de nos conduzir à transformação prática e pessoal.

juv, víncent. O impacto da leitura. ín: juv, víncent. A leitura. Tradução: ervô. São Paulo: Unesp, 2002.

Tomando a leitura como uma experiência, o autor considera seus efeitos sobre o leitor, sem ignorar que ler está longe de ser uma atitude passiva. Apresentam-se diversos aspectos pelos quais se pode avaliar o impacto da leitura sobre a existência do sujeito, conforme este estabelece uma relação ao mesmo tempo pessoal e social com o texto, envolvendo, entre outros momentos, identificação, alienação de si e distanciamento.

Clêiman, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. ín: Clêiman, Angela B. (organizador). Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

A partir da definição de letramento como “conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”, o texto discute o próprio lugar ideológico do letramento, as relações deste com o desenvolvimento cognitivo, além das práticas escolares e os modelos adotados, com farta exemplificação.

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. São Paulo: Artmed, 2002.

A obra analisa as práticas de leitura e escrita nas escolas, tomando como base o “real” das condições existentes, em vista do “possível” e do “necessário”, e tendo como público educadores, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. Segundo a autora, é necessário que ô á professor ou professora também seja um ou uma leitor ou leitora, estando engajado ou engajada na formação continuada, e que a escrita seja mais que objeto de avaliação.

Luquézi, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e preposições. São Paulo: Cortez, 2011.

Conjunto de artigos, dividido em sete partes, o livro mobiliza diversas áreas, como Filosofia, Sociologia e Pedagogia, para estudar a avaliação da aprendizagem. A fim de reconhecer e corrigir a dimensão autoritária da prática da avaliação, incorporada no sistema de ensino, os ou as educadores ou educadoras precisam adquirir como habilidade a “aprendizagem da avaliação”.

MORAIS, Artur G. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 1998.

O autor considera que a escola tem cometido um “duplo desvio”: cobrar que ô á estudante escreva certo sem criar oportunidades para ele ou ela refletir sobre as dificuldades que a ortografia envolve. Na contramão disso, propõe-se que a preocupação em avaliar seja antecedida do próprio investimento em ensinar o conteúdo. Além de analisar as práticas mais comuns, oferecem-se princípios norteadores para o ensino.

NEVES, Maria Helena de Moura. Ensino de língua e vivência de linguagem: temas em confronto. São Paulo: Contexto, 2010.

Baseada em teoria e metodologia funcionalistas, a proposta da autora é o ensino da gramática a partir da língua que ô á estudante fala, lê e escreve, ou seja, não isolar a gramática da vivência. Por isso, o livro começa com a discussão da interface entre gramática e política – e da constituição da identidade linguística –, que servirá como configuração do território no qual as demais interfaces tomam lugar.

NEVES, Maria Helena de Moura. Que gramática estudar na escola? São Paulo: Contexto, 2003.

Segundo a autora, o tratamento escolar da gramática deve partir do uso efetivo da língua, sem se reduzir a uma atividade meramente classificatória e nomencladora. Com o estudo da língua materna, visa-se à explicitação reflexiva desse uso, assumindo-se que ô á falante é competente para produzir enunciados, independentemente da compreensão prévia das regras gramaticais.

Perrenôu, Filípe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Entre duas lógicas. Porto Alegre: artimédi, 1999.

Nesse livro opõem-se duas lógicas a regularem a atividade avaliativa: a mais tradicional, às vezes chamada de formativa, que objetiva a “criação de hierarquias de excelência”, fundamentada em resultados e volta ao treinamento para o exame; e outra, crítica da primeira, de caráter formativo, a serviço das aprendizagens, que problematiza o próprio ato de avaliar e as desigualdades envolvidas na experiência escolar.

PERROTTI, Edmir. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo: Summus, 1993.

Resultado da pesquisa de doutoramento do autor, esse livro pensa a leitura infantojuvenil a partir da noção de “crise” e se pergunta se políticas públicas, como as que visam disseminar o “hábito da leitura”, são capazes de promover mudanças comportamentais. Para ser efetiva, a formação de leitores não pode tomá-los como meros receptáculos e objetos de ações operacionais, técnico-administrativas.

REGO, Teresa C. vigótisqui: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 2000.

Tem-se aqui, em linguagem acessível, uma obra de introdução à vida e à obra de vigótisqui, com foco nas implicações de seu pensamento para a educação. São quatro capítulos que contextualizam historicamente a produção teórica do psicólogo russo, explicitam seus pressupostos filosóficos, delineiam as principais ideias e fazem avançar algumas aplicações educacionais.

rôjo, róquicéni. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.

Se o acesso à escola foi alcançado, o mesmo não pode ser dito da escolaridade de longa duração. Atribuindo isso a problemas do ensino, e não aos ou às estudantes, a autora detém-se em dados sobre exclusão e evasão, e propõe, ao fim de cada capítulo, atividades reflexivas envolvendo a escolarização dôs ou dás leitores ou leitorea e de seus familiares. O reconhecimento da existência de letramentos múltiplos surge como condição da formação de cidadãos flexíveis e democráticos.

rôjo, róquicéni. Letramento escolar, oralidade e escrita em sala de aula: diferentes modalidades ou gêneros do discurso? São Paulo: Lael púqui-São Paulo, 1999.

A autora busca compreender o letramento escolar a partir dos conceitos Báquitinianos de gêneros primários – os espontâneos, produzidos em situações cotidianas de comunicação, com predomínio da oralidade – e secundários – os produzidos em contextos complexos, mais formais, com forte mediação da escrita – e das relações entre fala e escrita, apontando a diversidade dos textos escritos e orais.

rôjo, róquicéni. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. São Paulo: ésse ê ê/, 2004.

O artigo discute várias teorias de leitura e suas respectivas práticas de letramento – com capacidades focadas na decodificação; na compreensão, tanto do mundo quanto do texto; na interação entre leitor e autor; e na relação de um discurso com outros, o que envolve réplica –, fazendo notar que uma não invalida a outra.

rôjo, róquicéni; ALMEIDA, Eduardo de Moura (organizador). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012.

Livro que reúne 27 autores, entre estudantes de pós-graduação , pesquisadores e professores da Educação Básica da rede pública e privada, em trabalhos colaborativos, que descrevem, “de maneira teoricamente embasada, propostas de ensino de língua portuguesa que eles tivessem experimentado em suas escolas”, contemplando a multiplicidade atual de linguagens, mídias e tecnologias.

rôjo, róquicéni; BATISTA, Antonio A. G. (organizador). Livro didático de Língua Portuguesa, letramento e cultura da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2003.

Debatendo a natureza e os rumos do letramento escolar, essa coletânea reflete o trabalho de 16 pesquisadores envolvidos na avaliação de livros didáticos de Língua Portuguesa para o PNLD, descortinando, em certa medida, os bastidores do programa, no contexto, repleto de contradições, da relação entre o livro didático e a figura dô ou dá professor ou professora em sala de aula.

ROSENFELD, Anatol. A teoria dos gêneros. ín: ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. quarta edição São Paulo: Perspectiva, 2004.

Texto básico dos estudos literários, trata da teoria clássica – que remonta à poética antiga – dos três gêneros, épico, lírico e dramático, bem como de seus traços estilísticos, sem deixar de reconhecer os limites da classificação, mas também sua capacidade explicativa. O ponto de fuga é a discussão do drama, que Rosenfeld se recusa a definir como simples síntese da épica e da lírica.

Chinêuli, bernár; Dólz, Joaquim êti áli. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

Essa coletânea procura responder a várias questões pedagógicas da prática do letramento, como: que gêneros selecionar para o ensino e como pensar as progressões curriculares. Além disso, defende que o ensino de gêneros textuais, mais do que uma moda, explicita o fato de que a escola sempre trabalhou com gêneros, como dissertação e narração, mas passou a incorporar outros, como literários e jornalísticos, na aprendizagem.

SOARES, M. Sobre os pê cê êne de Língua Portuguesa: algumas anotações. ín: marcusqui, E.; SOARES, E. (organizador). Avaliação educacional e currículo: inclusão e pluralidade. Recife: ú éfe pê é/Nape, 1999.

Nesse artigo, a autora procede a uma avaliação crítica dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, pontuando, entre outras coisas, que, por se apresentarem em estilo acadêmico, acabam sendo mais acessíveis a especialistas em linguística do que a professores da língua.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

Partindo da noção Báquitiniana de gênero, o letramento é discutido em três textos, concebidos em situações discursivas diversas: o primeiro se dirige ao leitor-professor; o segundo, ao leitor-professor-estudante, envolvido em atividades de aperfeiçoamento e atualização profissional; e o terceiro, a profissionais responsáveis por avaliar letramento e alfabetização.

volóchinóvi, Valentin (Círculo de Báquitin). marquicísmo e filosofia da linguagem.nona ediçãoSão Paulo: Ucitéc, 1999 [1929].

Essa obra clássica se concentra nas relações entre linguagem e sociedade, buscando responder em que medida, por um lado, a linguagem determina a consciência e, por outro, a ideologia molda a linguagem. Dadas as condições necessariamente sociais de toda enunciação, a linguagem seria apenas um reflexo da sociedade, com suas estruturas de poder e dominação?

vigótisqui, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Obra de vigótisqui, anteriormente publicada como Pensamento e linguagem, na qual o autor dialoga com as obras de Piaget e Stern, estudando questões fundamentais do pensamento infantil. Sua abordagem do processo de aprendizagem tem como elo a formação de conceitos abstratos pela criança, no qual passa dos conceitos espontâneos, anteriores ao ingresso escolar, para os científicos, resultado da aprendizagem.

vigótisqui, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1978.

Trata-se de uma coletânea de ensaios de vigótisqui, organizados por quatro professores estadunidenses, que ainda assinam dois ensaios introdutórios à leitura do autor russo. Ao longo do volume, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como o raciocínio dedutivo e a memorização ativa, é descrito tendo na mediação de brinquedos e instrumentos como a escrita um fator decisivo na aquisição humana de conhecimento.

Referências bibliográficas complementares – 8º ano

1. Eu e o outro a ética nas relações pessoais

ESTARQUE, Marina. Projeto em escolas de SP fórma estudantes para combater bullying. Folha de São Paulo, 25 dezembro 2017. Disponível em: https://oeds.link/CTE1pa. Acesso em: 3 junho 2022.

Reportagem que descreve um projeto antibullying, chamado Equipes de Ajuda e coordenado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (gepêm), da unicâmpi e Unésp. O objetivo é formar, com cursos e apostilas, estudantes para intervir em situações de bullying, em resposta a pesquisas que mostram que a intervenção dos(das) estudantes é 75% mais eficaz que a dos adultos nesses casos. Os participantes do projeto são eleitos pelos próprios colegas, segundo critérios de confiabilidade.

2. O mistério dos contos fantásticos

cúper, Peter. A metamorfose. [Adaptado da obra de]Frans Cáfica. Porto Alegre: Lepê ême, 2013.

O quadrinista Peter Kuper adapta, para a linguagem do romance gráfico, a obra mais famosa do escritor tcheco Franz Kafka, na qual certa manhã o caixeiro-viajante Gregor Samsa acorda transformado num gigantesco inseto. Em preto e branco, o traço de Kuper, que combina expressionismo alemão e underground norte-americano, vai ao encontro da atmosfera kafkiana, oferecendo uma porta de entrada para um clássico do gênero fantástico.

rôjo, róquicéni; ALMEIDA, Eduardo de Moura (organizador). Letramentos, mídias, linguagens. São Paulo: Parábola, 2019.

Essa obra está dividida em duas partes: a primeira apresenta conceitos centrais, abordando letramentos/multiletramentos/novos letramentos, e tecnologias e mídias; a segunda se debruça sobre as linguagens — visuais, sonoras e verbais —, tratando da pintura ao texto escrito digital. Encontra-se aqui um resumo, polifônico, de pesquisas e reflexões, forjadas na interlocução acadêmica e na prática pedagógica.

3. Períodos compostos: coordenação e subordinação

CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes.sexta edição São Paulo: Ática, 2001.

Dividido em cinco capítulos, esse breve volume analisa os mecanismos de estruturação sintática da coordenação e da subordinação partindo de seus traços comuns. A autora propõe que o estudo do período composto se inicie pelas orações subordinadas, por estas serem mais coerentes que as coordenadas, uma vez que a subordinação é senão a expansão, em fórma de oração, de um dos termos constituintes (sujeito, objeto etcétera.).

ANTUNES, Irandé. Particularidades sintático-semânticas da categoria sujeito em gêneros textuais de comunicação pública formal. ín: MEURER, José Luiz; Móta-Róti, dêzirrê (organizador). Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para o ensino da linguagem. Bauru: Edusc, 2002.

Com exemplos extraídos da comunicação pública formal, sobretudo da mídia impressa, a professora Irandé Antunes argumenta em favor da necessidade de se considerarem as motivações discursivas do enunciador, que atendem a critérios pragmáticos e ideológicos, no preenchimento sintático do sujeito.

4. Retratos de adolescências

, . Sangue, suor e pixels: os dramas, as vitórias e as curiosas histórias por trás dos videogames. Rio de Janeiro: rarpêr cólins, 2018.

Baseadas em entrevistas com desenvolvedores e outras figuras da indústria gamer, realizadas entre 2015 e 2017, as histórias reunidas neste livro tratam dos bastidores da criação de jogos eletrônicos. São dez capítulos, cada um dedicado a um jogo diferente — entre sucessos e fracassos —, em que o jornalista descreve as dificuldades e desafios do processo criativo por trás de um mercado bilionário.

5. Práticas com leitura de conto. Fruição, curadoria e produção de minicontos

MINICONTO: o máximo no mínimo. [sem local, sem nome], 8 janeiro 2017. 1 vídeo (8minutos38segundos). Disponível em: https://oeds.link/SdHhot. Acesso em: 3 junho 2022.

Esse programa dedicado ao miniconto traz entrevistas com os escritores Andrea dél e Marcelino Freire, acompanhadas de trechos da oficina literária de Freire. Nela os participantes compartilham suas produções, exemplificando o gênero literário. Também são definidas características elementares do miniconto, como o fato de que grande parte de sua fôrça provém do que não está dito no texto.

6. Períodos compostos por coordenação

ANTUNES, Irandé. Gramática contextualizada: limpando “o pó das ideias simples”. São Paulo: Parábola, 2014.

Reconhecendo que a gramática é necessária, mas jamais suficiente, esse livro propõe o trabalho pedagógico com a linguagem em termos socialmente relevantes, pesando seus objetivos, segundo uma concepção da linguagem como interação. Para isso fornece, entre outras coisas, subsídios ao ensino das normas gramaticais para usos específicos e procura relacionar a gramática com a atividade discursiva.

MARINS, Ânderson Rodrigues. Subordinação e coordenação: uma proposta de análise. Revista filólôgus , Rio de Janeiro, ano 25, número 73, página 332-346, janeiro/abril 2019.

Recensão do tratamento da coordenação e da subordinação em gramáticas conhecidas, como a de Carlos Henrique da Rocha Lima e a de José Carlos de Azeredo, mostrando seus critérios classificatórios na condução da análise sintática. A obra de Rocha Lima representaria o que o autor do artigo chama de vertente tradicional, alinhada com a Nomenclatura Gramatical Brasileira, e a de Azeredo, um exemplar da vertente moderna, que tem buscado revisar certas tradições da gramaticografia brasileira.

7. Em defesa dos direitos humanos

EQUIPO PLANTEL. A ditadura é assim. Ilustrações de São Paulo: Boitatá, 2015.

Justamente por ser indicado para o público infantojuvenil, o livro assume a tarefa de explicar, de fórma simples, como é viver numa sociedade em que direitos fundamentais são suprimidos. Como o funcionamento de um sistema político é um tema difícil em si mesmo, a abordagem simplificada pode facilitar o debate. O volume inclui ilustrações com ditadores conhecidos, incluindo dois brasileiros.

8. Intervenções poéticas

CONSIDERAÇÃO do poema. Direção de Gustavo Rosa de Moura, Eucanaã Ferraz, Flávio Moura. Brasil, 2012. 1 vídeo (70minutos16segundos). Disponível em: https://oeds.link/BMY1aR. Acesso em: 5 junho 2022.

Produzido para a celebração do dia de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, o filme apresenta um panorama de sua obra, com leitura de poemas por escritores, atores, intelectuais e outras figuras públicas, como Milton atum, Chico Buarque e Drica Moraes, em registro videográfico cuidadoso. Além dos poemas, há breves depoimentos pessoais sobre o contato com a poesia de Drummond, inclusive de seu neto Pedro.

9. As classes de palavras na construção da coesão textual

ANTUNES, Irandé. A coesão como propriedade textual: bases para o ensino do texto. Calidoscópio, São Paulo, volume 7, número 1, página 62-71, janeiro/abril 2009. Disponível em: https://oeds.link/XZpKb9. Acesso em: 9 maio 2022.

Artigo da professora Irandé Antunes que, defendendo que “qualquer interação verbal acontece em textos” e que “organizar um texto não é o mesmo que organizar uma sentença”, propõe que o ensino do texto tem na compreensão da coesão — como propriedade textual que garante a continuidade e a progressão — uma primeira condição do trabalho pedagógico.

córh, Villaça. A coesão textual. vigésima edição São Paulo: Contexto, 2005.

A coesão é um dos fatores responsáveis pela textualidade, ou seja, por aquilo que faz do texto um texto. Analisando exemplos, a autora desdobra conceitos e mecanismos que operam no estabelecimento das relações internas de sentido. Em três breves capítulos, definem-se o fenômeno da coesão textual, e seus principais elementos, bem como as duas grandes modalidades de coesão — a referencial e a sequencial.

10. Preconceitos e desigualdades

ANGELOU, Maya. Carta a minha filha. segunda edição Rio de Janeiro: Agir, 2019.

Em uma linguagem acessível, mas poética, a escritora norte-americana oferece uma espécie de testamento, mas também de confissão, às mulheres, a quem toma como filhas. Estruturado em 28 partes, com relatos autônomos, o livro repassa a trajetória de Angelou, marcada por racismo e outras violências, bem como por luta e resistência. Essa edição traz um prefácio escrito pela escritora brasileira Conceição Evaristo.

11. Leituras de Dom Casmurro, romance, teledramaturgia e leitura expressiva em vídeo

MACHADO de Assis – Dom Casmurro BOOK REVIEW. [sem local, sem nome], 2021. 1 vídeo (17 minutos). Publicado pelo canal Better Than Food. Disponível em: https://oeds.link/ZQcyWB. Acesso em: 3 junho 2022.

Trata-se de uma resenha do romance Dom Casmurro, feita pelo norte-americano , em seu canal Better Than Food. É a oportunidade de conferir um olhar estrangeiro e, por isso mesmo, “fresco” da famosa obra de Machado de Assis. No vídeo, o booktuber compartilha suas impressões pessoais sobre Dom Casmurro, estabelecendo várias comparações com Memórias póstumas de Brás Cubas, romance que despertou seu interesse pelo autor brasileiro.

rôjo, róquicéni (organizador) escola conectada: os multiletramentos e as tiquis. São Paulo: Parábola, 2013.

Nessa coletânea encontram-se trabalhos que, refletindo sobre o impacto das culturas da juventude e das novas tecnologias sobre o ensino de línguas no contexto escolar, concentram-se em gêneros que circulam e são produzidos em ambiente digital, como fanfic, vidding e môoqui. Com a mudança dos textos da contemporaneidade, também mudam as competências/capacidades de leitura e produção textual requeridas.

12. Figuras de linguagem

DINIZ, Paulo. José. São Bernardo do Campo: Odeon, 1972. Disponível em: https://oeds.link/KPJTVj. Acesso em: 3 junho 2022.

Musicado pelo cantor e compositor pernambucano Paulo Diniz, o poema “E agora, José?”, de Carlos Drummond de Andrade, tem como um de seus principais elementos de expressividade a repetição, começando pela pergunta que lhe dá nome. O recurso reflete-se tanto no vocabulário quanto na estrutura dos versos, que acumulam perguntas sem respostas. A interpretação de Diniz sublinha a perplexidade crescente da personagem interrogada.

Nota de rodapé
1
Ao conceito de aprendizagem podemos associar o de Zonas de Desenvolvimento Proximal – Zona Proximal de Desenvolvimento –, elaborado por vigótisqui para explicar as possibilidades de a aprendizagem influenciar o processo de desenvolvimento mental. O autor assim a define: “reticências a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” (vigótisqui, 1984: 97). Em um dos textos sugeridos para leitura complementar, você encontrará mais sobre o assunto.
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2
Esse conceito será abordado ao longo da apresentação dos pressupostos da obra ao tratarmos do trabalho com leitura, produção, conhecimentos linguísticos e literatura. Para aprofundamento, conferir rôjo, Roxane; MOURA, Eduardo. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. 
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3
A pesquisadora Roxane rôjo, em seu texto Letramento e capacidades de leitura para a cidadania (2004), apresenta o conjunto de capacidades de leitura a serem desenvolvidas para que um leitor se torne proficiente. Dentre essas capacidades estão a de compreensão e as de apreciação e réplica. Capacidades de compreensão: ativação de conhecimentos prévios, antecipação ou predição de conteúdos, checagem de hipóteses, localização e/ou cópia de informações, comparação de informações, produção de inferências locais e globais, generalização. Capacidades de apreciação e réplica: recuperação do contexto de produção do texto, definição de finalidades e metas da atividade de leitura, percepção das relações de intertextualidade (no nível temático); percepção das relações interdiscursivas (no nível do discurso); percepção de outras linguagens; elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos.
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4
Para saber mais sobre os procedimentos de leitura, confira os textos de Garcez e Bráclin citados nas referências bibliográficas.
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5
Para saber mais sobre modalidades didáticas de leitura, leia Modalidades organizativas e modalidades didáticas no ensino de linguagem verbal, de Kátia Lomba Bráclin. Disponível em: https://oeds.link/B8BF5T. Acesso em: 15 agosto 2022.
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6
Jauss (2002) formula a experiência estética como decorrente de três níveis de ações, interdependentes, do leitor sobre o texto: a poiésis, a aistésis e a catárizis. A poiésis é a ação criadora de universos ficcionais, que o leitor também exerce como coautor do texto, perseguindo a construção de sentidos, por meio da “retórica do texto”, ou seja, do que está textualmente dado no trato diferenciado da linguagem; a aistésis funda-se na ruptura com a percepção cotidiana, em um processo de “estranhamento” que libera o universo do imaginário e da fantasia na projeção de outras realidades possíveis; a catárizis, como na formulação aristotélica, é a identificação do leitor com o objeto, com decorrentes ações catárticas (liberação de emoções e sentimentos) e éticas (juízos de valores culturais).
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7
reticências o conceito de multiletramentos aponta para dois tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e comunica.” (rôjo, 2012, página.13).
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8
No contexto da redemocratização brasileira, o crítico Antonio Candido (1995: 244-245) colocou em discussão a literatura como um direito fundamental, destacando sua fôrça de humanização: pela leitura da fórma literária, leitores podem construir experiências e conhecimentos, às vezes de fórma difusa e até inconsciente, que lhes permitam descobrir ou redescobrir sentimentos, emoções e visões de mundo.
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9
Diferentemente da maior parte dos gêneros de outras esferas, os literários não são passíveis de sistematização muito estreita. Tampouco é consensual, na Teoria Literária, o debate acerca dos gêneros. Optamos por seguir a discussão de Anatol Rosenfeld (2004), dada sua flexibilidade no tratamento da lírica, da épica e do drama e suas intersecções, e o responsável diálogo com posições que ganharam relevo na teoria dos gêneros literários.
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10
 A esse respeito recomendamos a leitura de Rrófman, Jussara. Avaliação: mito e desafio: uma perspectiva construtivista. vigésima quarta edição Porto Alegre: Mediação, 2003; Luquézi, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e preposições. vigésima segunda edição São Paulo: Cortez, 2011; Perrenôu, Filípe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999. (Em Leituras complementares, você encontra um fragmento desse livro, que discute as interações docentes na avaliação formativa.)
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11
 A noção de contrato didático foi proposta, nos anos 1980, por pesquisadores franceses do ensino-aprendizagem da Matemática e migrou para as reflexões das demais áreas do conhecimento escolar. Na esteira da definição de Brussô (“Os diferentes papéis do professor”. In: PARRA, Cecília; SAIZ, Irma (Organização.). Didática da Matemática: reflexões psicológicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996), um contrato didático se funda no conjunto de regras e expectativas que professor(a) e estudantes estabelecem em relação a seus papéis e ações, na condução das aprendizagens.
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12
 LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. São Paulo: Artmed, 2002. Em Leituras complementares, você encontra um fragmento dessa obra, que discute a necessidade de abrir mão do contrôle no processo avaliativo para certas práticas de leitura.
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13
Embora as formulações de vigótisqui sobre a gênese do desenvolvimento humano não se apresentem como um sistema teórico organizado e articulado como o do epistemólogo suíço Jean Piagê e do psicólogo francês enrri uálon, que chegaram a delinear os traços fundamentais do processo de estruturação psicológica do bebê até a fase adulta, encontramos em seu pensamento reflexões abrangentes e relevantes acerca dos processos de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano.
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14
 vigótisqui chama a atenção para a relação do termo “jardim de infância", usado para designar os primeiros anos de educação infantil, e a concepção botânica.
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15
Sobre este assunto, ver especialmente o artigo: ”Interação entre aprendizado e desenvolvimento”. ín: A formação social da mente (vigótisqui, 1984, página89-103).
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16
O termo aprendizado deve ser entendido num sentido mais amplo do que o usado na Língua Portuguesa. Quando vigótisqui fala em aprendizado (obutínie, em russo), ele se refere tanto ao processo de ensino quanto ao de aprendizagem, isto porque ele não acha possível tratar desses dois aspectos de fórma independente.
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17
Este texto retoma e desenvolve ideias expostas em “Subsídios metodológicos para o ensino de Língua Portuguesa”, Cadernos da Fidene, 18, 1981. As mesmas ideias foram também publicadas em “Possíveis alternativas para o ensino da Língua Portuguesa”, na revista Ande, 4, 1982.
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18
Vale a pena, a esse respeito, ler o livro Sofrendo a gramática, de Mário Perini.
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19
Escrevi um texto em que exploro os efeitos ideológicos provocados pelo uso de termos metonímicos na posição de “sujeitos” da oração (conformeAntunes, in MEURER e Móta-Róti, 2002).
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20
A Gramática de usos, de Maria Helena Moura Neves, oferece um excelente painel – eminentemente descritivo e sem o ranço das prescrições tradicionais – dos padrões de uso da gramática do português atual. Vale a pena tê-la na biblioteca da escola.
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21
A adjetivação regrado [régulé], nesse caso, implica já uma opção teórico-metodológica: supõe que se trata de um gênero escolarizado, ou seja, da variante escolar do gênero debate.
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A
Sobre as expressões variedade padrão ou norma-padrão: recentemente tem circulado o uso da expressão normas urbanas de prestígio, em lugar de norma-padrão ou variedade padrão, por se entender que, dadas as diferenças regionais entre as grandes cidades, cada qual possui a sua norma de prestígio e, portanto, não seria o caso de se falar em apenas uma norma ou variedade de prestígio da língua e sim de várias normas ou variedades de prestígio. Mantivemos, nos textos de terceiros, a referência original usada pelos autores.
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22
rôjo, Roxane H. R. Letramento escolar, oralidade e escrita em sala de aula: diferentes modalidades ou gêneros do discurso? São Paulo: laél puqui-São Paulo, 1999.
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